Discurso durante a 147ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

DENUNCIAS DE ABUSO DE PODER ECONOMICO PRATICADO NAS ULTIMAS ELEIÇÕES PELO GOVERNADOR DE GOIAS.

Autor
Maguito Vilela (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Luiz Alberto Maguito Vilela
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ELEIÇÕES.:
  • DENUNCIAS DE ABUSO DE PODER ECONOMICO PRATICADO NAS ULTIMAS ELEIÇÕES PELO GOVERNADOR DE GOIAS.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 13/12/2002 - Página 26010
Assunto
Outros > ELEIÇÕES.
Indexação
  • COMENTARIO, ELEIÇÃO, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DE GOIAS (GO), PERDA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRATICO BRASILEIRO (PMDB), DENUNCIA, AUTORITARISMO, IRREGULARIDADE, ABUSO DE PODER, GASTOS PUBLICOS, REELEIÇÃO, GOVERNADOR.
  • REGISTRO, PEDIDO, AUTORIA, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, CASSAÇÃO, GOVERNADOR, UTILIZAÇÃO, RECURSOS, PODER PUBLICO, PROPAGANDA ELEITORAL, PERSEGUIÇÃO, CENSURA, OPOSIÇÃO, IMPRENSA, EMISSORA, RADIO, CANDIDATO, FRAUDE, PESQUISA, OPINIÃO PUBLICA.
  • EXPECTATIVA, DECISÃO JUDICIAL, COMBATE, IMPUNIDADE, BENEFICIO, DEMOCRACIA.
  • EXPECTATIVA, GOVERNO, CANDIDATO ELEITO, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, COMBATE, CORRUPÇÃO, REALIZAÇÃO, REFORMA POLITICA.

O SR. MAGUITO VILELA (PMDB - GO. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, este ano participei da mais atípica de todas as eleições disputadas em minha trajetória política. O PMDB perdeu em Goiás numa situação anormal.

Não venho aqui, Sr. Presidente, lamentar ou justificar a derrota. Venho dar conhecimento ao Brasil da forma autoritária e desigual com que se desenrolou todo o processo no meu Estado. Eu poderia ter feito este pronunciamento no dia seguinte às eleições. Preferi esperar para que não fosse mal-entendido. No calor do resultado, a apresentação de uma denúncia poderia soar apenas como um desabafo.

Já disputei pessoalmente seis eleições e presenciei várias outras. Participei de eleições no Governo e na Oposição, mas nunca vi nada igual ao que ocorreu este ano em Goiás. O abuso do poder econômico, o uso da máquina, o terrorismo psicológico, a pressão, o desrespeito às instituições e à democracia. Um jogo de vale-tudo para manter o poder a qualquer preço.

Quando fui escolhido candidato a governador do meu Estado, sabia das dificuldades que ia enfrentar. Nunca fugi de desafios e por isso aceitei. Entrei na disputa com coragem e com uma estrutura modesta de campanha, amparado apenas no amor a Goiás e aos goianos e nas minhas propostas. Armas que, lamentavelmente, mostraram-se insuficientes para derrotar a campanha mais cara já vista em toda a história do meu Estado.

Os abusos cometidos pelo governador, então candidato à reeleição, na campanha foram tantos que o Ministério Público Federal pediu a cassação da sua candidatura e a suspensão de seus direitos políticos.

É sempre bom frisar que foi o Ministério Público Federal que pediu a cassação. Não foi nenhum dos adversários do atual governador.

Os motivos alegados pelo Ministério Público Federal foram os seguintes: utilização indevida, com uso de dinheiro público, de órgãos de comunicação; abuso do poder econômico, abuso do poder político e abuso de autoridade.

Segundo os documentos do Ministério Público, em apenas um mês um jornal goiano recebeu R$1,5 milhão para distribuir gratuitamente cinco milhões de exemplares com manchetes favoráveis ao governador. Vejam bem, são cinco milhões de exemplares, uma tiragem que nenhum jornal do Brasil possui. Esse é apenas um dos exemplos citados pela denúncia.

Os gastos do governo goiano com publicidade, de acordo com o Ministério Público Federal, “foram exagerados e de cunho político eleitoreiro”. Em 2001, gastaram 80 milhões. Neste ano, apenas nos primeiros seis meses, mais de R$60 milhões.

Para efeito de comparação, o Estado de São Paulo, cuja arrecadação é dezenas de vezes maior do que a de Goiás, gastou R$29 milhões este ano. A metade, portanto, do que foi gasto no Estado de Goiás.

Agora, prestem atenção. O grave não são apenas os gastos exagerados, mas os objetivos visados com o uso do dinheiro público. Na ação em que pede a cassação do governador, o Ministério Público Federal apresenta uma fita gravada, onde o próprio governador, em pessoa, diz a aliados que o dinheiro da comunicação é o segredo da vitória.

Ele diz textualmente:

            “Com esse dinheiro eu ganho as eleições em Goiás dos principais adversários.”

Essa fita consta do processo que o Ministério Público move contra o atual governador.

De acordo com o Procurador Regional Eleitoral, Dr. Marco Túlio de Oliveira e Silva, diga-se de passagem, um Procurador respeitado, honesto, coerente, competente e que vem desenvolvendo um grande trabalho em meu Estado, os abusos foram realizados às escâncaras, visando a influenciar o eleitor, tornando a disputa desigual.

Palavras do Procurador:

Os abusos praticados causaram graves prejuízos à liberdade do voto, viciando a vontade política dos eleitores, promovendo um desequilíbrio em favor do candidato investigado, comprometendo a eleição para governador de Goiás.

Na conclusão de sua denúncia, o Procurador diz que os abusos causaram danos irreversíveis aos adversários do governador.

Na imprensa local, salvo raras e honrosas exceções, aqueles órgãos que não aderiram pelo dinheiro foram perseguidos e fechados. Um exemplo é a Rádio K do Brasil, de propriedade do jornalista Jorge Kajuru. Por praticar um jornalismo independente, a Rádio K foi fechada oito vezes, atendendo representações do governador. A última delas, na semana final da eleição, conforme documentos que anexarei a este pronunciamento.

De acordo com a juíza do TRE, as críticas de Jorge Kajuru ao governo não poderiam continuar no ar para não prejudicar o pleito. Ou seja: gastar dinheiro do governo para financiar promoção pessoal do governador e ataques aos adversários era permitido. Por outro lado, criticar o governo virou crime passível de punição sumária.

Na última vez em que a Rádio K foi fechada, o motivo foi o anúncio do jornalista Jorge Kajuru da publicação de um livro com provas de irregularidades no governo, chamado “Dossiê K”. A rádio foi fechada e, como não poderia deixar de ser dentro do cenário local da eleição, a circulação do livro foi proibida e seus exemplares foram apreendidos.

Descontentes com o fechamento da emissora, os funcionários da Rádio K do Brasil fizeram, em Goiânia, uma manifestação contra a censura. Resultado: foram dispersados pela polícia, que atacou com bombas de gás, cachorros e cavalos.

Jornalistas e populares foram agredidos e presos. Um advogado do PT foi algemado e colocado em um camburão da polícia, conforme foi divulgado por parte da imprensa nacional. Na imprensa local, não saiu uma linha sequer. Sabem por quê? A Justiça proibiu a veiculação, no horário eleitoral e nas televisões, das cenas de agressões gravadas durante a manifestação.

Isso mesmo! A própria imprensa foi proibida de divulgar um fato jornalístico da maior gravidade.

Vamos além. Em uma decisão também nunca vista no nosso país, uma juíza proibiu a Oposição de fazer qualquer referência ao governador nos debates de rádio e de televisão. Vejam bem: uma juíza proibiu os jornalistas e os demais candidatos de falarem dos governos nos debates. Era como se, na eleição presidencial, os candidatos Lula, Garotinho e Ciro não pudessem fazer referência ao Governo de Fernando Henrique. Foi o que aconteceu em Goiás.

O governador não participava dos debates e, ao mesmo tempo, seus adversários eram proibidos de fazer qualquer referência a ele. Está aqui, em minhas mãos, o despacho da juíza.

Em outra sentença, a mesma juíza proibiu este orador que lhes fala de criticar a ação do Ministério Público Estadual na investigação de várias denúncias contra o governador. Críticas que tenho feito em função da morosidade com que caminham, em setores do Ministério Público Estadual, as denúncias contra o governo. Eu, como candidato, fui também proibido, por sentença judicial, de falar do governador.

Agora, vejam a ironia: o Ministério Público, que é uma instituição importantíssima, que conta com o meu respeito, luta no Brasil inteiro contra a chamada Lei da Mordaça, lei, aliás, que não contará com o meu apoio. Mas, em Goiás, com o apoio de uma juíza do TRE, o Ministério Público Estadual fez o contrário: decretou a Lei da Mordaça contra os adversários do governador, por sentença judicial.

As perseguições também atingiram a classe política. O Prefeito de São Luiz de Montes Belos, Edmilson, declarou apoio à minha candidatura, e, no dia seguinte, fiscais do Estado fecharam o frigorífico Fri-Rio, de propriedade de sua família. Foi um gesto arbitrário com o intuito de desestimular novos apoios à nossa candidatura.

O Governador usou até os programas sociais para forçar o voto na sua reeleição. Faltando três dias para o pleito, começou a distribuir dinheiro acompanhado de santinhos. O funcionário do Governo entregava à pessoa beneficiada um cartão magnético no valor de R$30,00 e fazia o alerta de que, se a pessoa não votasse no Governo, ela perderia o benefício. Esses abusos foram filmados e fazem parte também de uma outra ação de investigação contra o Governador.

Esse é apenas um ângulo da questão. O uso da máquina começou bem antes, na formação das coligações. Partidos que estavam fechados conosco desistiram em cima da hora, em função de negociações de cargos e de ajuda financeira para a campanha. O objetivo era reduzir o tempo de rádio e de televisão. Ficamos com apenas três minutos, contra nove minutos da coligação do Governador. Nunca se viu tamanho aliciamento de líderes, sabe-se lá a que preço!

Um dos nossos ex-aliados, Prefeito de Morrinhos, Joaquim Guilherme, que era o coordenador financeiro da minha campanha e prefeito de uma das cidades mais importantes de Goiás, aderiu ao Governo a vinte dias da eleição e disse em praça pública que mudava de posição porque o Governador lhe prometera dinheiro e obras para a cidade. Tudo foi gravado e documentado, ou seja, ele fez uma confissão clara do uso da máquina pública em proveito eleitoral.

Outro exemplo foi o uso de pesquisas fraudadas para influenciar o voto. Até a reta final da campanha, pesquisas de institutos com contratos com o Governo mostravam o Governador com 60% dos votos, contra apenas 24% de minha candidatura e 7% do PT. Denunciamos a farsa. O Ministério Público Federal pediu uma perícia, e os especialistas da Universidade Federal de Goiás constataram fraudes nas pesquisas. A Universidade Federal de Goiás emitiu um laudo assinado por pesquisadores, afirmando que havia fraudes nas pesquisas.

O Ministério Público Federal pediu, então, a suspensão da publicação de tais pesquisas até que fossem sanadas as irregularidades. Mas de nada adiantou. Elas continuaram sendo publicadas com os mesmos erros.

Ao final, os números das urnas comprovaram a fraude. Em vez de 60%, o Governador obteve 50% dos votos. O PT, em vez de 7%, obteve 15%. E nós, em vez de cerca de 20%, 34%, ou seja, 10 pontos a mais do que indicavam as pesquisas. Ficamos a 1% da realização do segundo turno.

Mas era tarde. A farsa das pesquisas tinha cumprido o seu papel, passando a imagem, por antecipação, de que a eleição estava decidida, inibindo doadores de campanha, desanimando a militância do Partido e mudando o voto daqueles que, infelizmente, votam em quem pensam que ganhará a eleição.

Os exageros do Governo na campanha chegaram também aos shows milionários. Todas as duplas sertanejas famosas, todas, foram contratadas, ocorrendo algo muito grave: o Diário Oficial do Estado divulgou gastos de R$1,7 milhão nesses shows, que foram pagos pela Secretaria da Agricultura do Estado. E esses shows foram proporcionados pelas mesmas duplas que cantaram na campanha. Na explicação do Governo, alardeada como verdade pela imprensa, tudo não passava de coincidência - é claro.

Foi em razão de fatos como esses que o Governador fugiu de todos os debates na televisão e no rádio. Ao todo foram cinco, sendo um deles transmitido pela TV Anhanguera, filiada da Rede Globo. Ele não compareceu, temendo o contraditório e o questionamento dos abusos que cometeu. Ele não foi a um debate sequer dos cinco realizados em Goiás. Sempre respeitei e respeito a vontade do povo, mas simplesmente não posso calar-me diante de tão graves abusos cometidos com o dinheiro público. Faço isso movido por três motivos:

O primeiro é para reafirmar que a reeleição para o Executivo é um desastre. Imaginem o preço que o povo goiano pagará pela irresponsabilidade de quem pretendia manter-se no poder a qualquer custo. Foi só passar a eleição e o Governador anunciou cortes nos investimentos em infra-estrutura e nos programas sociais. Em novembro, o salário de parte do funcionalismo sofreu mais de 15 dias de atraso.

Por que essa situação está ocorrendo? A resposta é simples: gastou-se demais na campanha e, agora, é preciso cortar investimentos até em áreas fundamentais para cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal. Quem perde, obviamente, é o povo.

O segundo motivo que me traz a esta tribuna é a necessidade de dar conhecimento ao Brasil do que aconteceu em Goiás. Com isso, contribuo na tentativa de inibir ações semelhantes no futuro, não apenas em Goiás, mas também em outros Estados da Federação.

            Por fim, faço este pronunciamento na esperança de que a Justiça cumpra o seu papel. É preciso tomar providências enérgicas em Goiás e em tantos outros Estados onde possam ter ocorrido fatos similares. Se as pessoas que usam e abusam do poder não forem punidas, esse será o maior dos estímulos para que a prática se perpetue, gerando mais prejuízos ao povo.

Agradeço a atenção de todos, deixando registrada a minha confiança nas instituições de Goiás e do Brasil e a minha esperança na punição rigorosa para aqueles que não demonstram o menor respeito pelo dinheiro público. Só assim evitaremos que novamente ocorram situações como essas que nos envergonham nesta que é uma das maiores Nações democráticas do mundo.

            Na política, vencer é sempre bom. Mas é preciso saber estimar o custo de cada vitória. Vencer a qualquer custo e a qualquer preço não tem sentido, a não ser para aqueles que vêem a política apenas como instrumento de realização pessoal. Em alguns casos, melhor é não vencer e guardar intactos a integridade, a honestidade, a alma, o coração...Guardar o futuro.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Senador Maguito Vilela, permita-me expressar a minha solidariedade a V. Exª, a seu extraordinário espírito de combate na defesa do interesse público e à maneira com que procurou se conduzir na campanha para Governador de Goiás. V. Exª tem honrado o seu mandato como Senador e na sua pauta de interesses tem grande comunhão conosco. Sou testemunha do seu trabalho como Presidente da Comissão que estudou as causas da pobreza e as soluções para combatê-la e que teve a Senadora Marina Silva na Vice-Presidência. Quero, portanto externar o meu respeito e cumprimentá-lo por sua atuação como Senador e candidato ao Governo do Estado de Goiás.

O SR. MAGUITO VILELA (PMDB - GO) - Agradeço o aparte de V. Exª, Senador Eduardo Suplicy, um dos mais brilhantes Senadores desta Casa, que tem pautado a sua conduta pela honestidade, pela seriedade, sempre lutando pelos ideais maiores, visando mudanças neste País.

Fiz este pronunciamento justamente para dar uma contribuição à democracia e à moralidade pública em nosso País. Espero que no Governo de Luiz Inácio Lula da Silva, que se iniciará no dia 1º de janeiro, naturalmente com a ajuda de V. Exª no Senado ou em outra área, nós possamos mudar esse estado de coisas no País, acabar com a corrupção, fazer as reformas políticas, o financiamento público de campanha; acabar com essa gastança nas campanhas políticas, com o troca-troca de partidos, enfim, exigir a fidelidade partidária.

Já deixei bem claro ao País que apóio o Governo Lula e, no futuro, vou apoiar como brasileiro querendo o melhor para o País. Confio nele, na sua honestidade, nos ideais do seu Partido, o PT, e tenho certeza absoluta que o Lula fará um grande governo.

Tive a consciência de pedir a meus eleitores, a nossos eleitores o voto para Lula e terei a consciência de apoiá-lo no Senado Federal, a fim de que possa fazer um grande governo, corrigir as distorções do País e transformar o Brasil em uma Pátria mais justa, mais humana, mais solidária, mais democrática.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/12/2002 - Página 26010