Discurso durante a 149ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

SOLICITA APOIO AO PROJETO DE LEI DE AUTORIA DE S.EXA., QUE VISA DEMOCRATIZAR E PULVERIZAR OS INCENTIVOS PROMOVIDOS PELA LEI ROUANET.

Autor
Luiz Pastore (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/ES)
Nome completo: Luiz Osvaldo Pastore
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CULTURAL.:
  • SOLICITA APOIO AO PROJETO DE LEI DE AUTORIA DE S.EXA., QUE VISA DEMOCRATIZAR E PULVERIZAR OS INCENTIVOS PROMOVIDOS PELA LEI ROUANET.
Publicação
Publicação no DSF de 17/12/2002 - Página 26397
Assunto
Outros > POLITICA CULTURAL.
Indexação
  • CRITICA, CRITERIOS, DISTRIBUIÇÃO, RECURSOS FINANCEIROS, REALIZAÇÃO, ATIVIDADE CULTURAL, OCORRENCIA, CONCENTRAÇÃO, RECURSOS, REGIÃO SUDESTE, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), REGISTRO, INSUFICIENCIA, FAVORECIMENTO, TRABALHADOR AUTONOMO, NECESSIDADE, CONTENÇÃO, PRIORIDADE, EMPRESA, BENEFICIO, INCENTIVO FISCAL.
  • SOLICITAÇÃO, ANALISE, MATERIA, SENADO, APOIO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, REVISÃO, CRITERIOS, LEGISLAÇÃO, DISTRIBUIÇÃO, RECURSOS FINANCEIROS, ATIVIDADE CULTURAL, IMPORTANCIA, AUMENTO, ACESSO, CULTURA, POPULAÇÃO, CONTENÇÃO, CENTRALIZAÇÃO, REGIÃO SUDESTE.

O SR. LUIZ PASTORE (PMDB - ES. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, todos sabemos muito bem o quanto a Lei Rouanet (nº 8.313), de 23 de dezembro de 1991, pôde, na sua essência, contribuir para a cultura de nosso País e como tem beneficiado alguns setores da nossa sociedade. Contudo, muitos de nós aqui presentes sabemos como têm sido poucos esses beneficiários em função de algumas formas da destinação dos recursos por ela previstos.

É justamente sobre a forma como os recursos são distribuídos para os setores encarregados de proteger e divulgar a cultura de nosso País que queremos tecer alguns comentários, propondo alterações que permitam beneficiar uma parcela muito maior da nossa sociedade.

            Nas disposições preliminares do Capítulo I da Lei Rouanet, diz o art 1º.

Fica instituído o Programa Nacional de Apoio à Cultura - PRONAC, com a finalidade de captar e canalizar recursos para o setor de modo a:

I - contribuir para facilitar, a todos, os meios para o livre acesso às fontes da cultura e o pleno exercício dos direitos culturais;

Essa é a essência da Lei Rouanet, Sr. Presidente.

Observe-se que a expressão utilizada é a todos, para que tenham pleno exercício dos direitos culturais é fundamental. Nessa expressão, como quer a Lei, incluem-se todos os milhões de cidadãos brasileiros, residentes no sul, no leste, no norte, no oeste do Brasil; inclui-se cada cidadão brasileiro que vive num lugarejo, numa vila, numa cidade; que mora numa região litorânea, sertaneja, urbana ou interiorana.

Tanto que, ainda neste Art. 1º, está escrito:

II - promover e estimular a regionalização da produção cultural e artística brasileira, com valorização de recursos humanos e conteúdos locais;

De forma alguma pode passar despercebida a questão da regionalização, da valorização de recursos humanos e conteúdos locais. Cabe chamar a atenção, mais uma vez, para o uso da palavra regionalização, para o uso da palavra locais.

Uma simples consulta à forma como o total dos recursos foi movimentado pela Lei Rouanet, de 1996 a 2001, revela como o termo regionalização é muito mais empregado no sentido de (permitam-me o trocadilho) “sudestização”. Sim, porque do total de R$ 1.377.197.292,00 (um bilhão, trezentos e setenta e sete milhões, cento e noventa e sete mil e duzentos e noventa e dois reais), conforme mostra o site do Ministério da Cultura (www.minc.gov.br), mais de um bilhão foi destinado a projetos do eixo Rio-São Paulo. Todos os outros Estados e Territórios, juntos, ficaram com pouco mais de R$300 milhões para patrocinar e divulgar seus projetos durante seis anos. Qual motivo de tanta discrepância?

Os critérios utilizados para a destinação dos incentivos fiscais que, por uma aritmética cruel, acaba beneficiando cada vez mais os mais poderosos, aqueles que, a rigor, já têm o privilégio de desfrutar todos os bens culturais desta Nação.

Só para se ter uma idéia, em 1997, único ano em que o MinC divulgou a relação dos 20 maiores projetos, a situação apresentada foi esta:

Total dos projetos aprovados no ano...................................2.869

Total movimentado pela Lei Rouanet .............R$205.000.000,00

Total de captação dos 20 maiores projetos.......R$61.200.000,00

Ou seja, foram destinados 30% dos recursos para atender a 0,7% dos projetos.

O demonstrativo deixa claro, ainda, que os sete Estados mais ricos ficaram com 92% dos recursos, enquanto os sete Estados mais pobres tiveram que repartir entre si a irrisória cifra de 0,5% do total destinado a projetos culturais.

Que critérios são então utilizados para termos um panorama tão cruel? Quem é responsável pela destinação desses recursos? De onde vêm esses recursos?

Vale a pena gastar tempo e dinheiro para desenvolver projetos culturais e artísticos a serem submetidos aos órgãos da PRONAC, com poucas expectativas de vê-los aprovados? Vale a pena correr atrás dos incentivos se, dos quatro mil projetos culturais credenciados pelo Ministério da Cultura como aptos a captar recursos pela Lei Rouanet, entre 1998 e 2001, somente 600 (15%) tiveram patrocinadores?

Por outro lado, não é necessário consultar nenhum balanço publicado por um grande banco, por uma grande montadora, para saber o significado de 4% do seu Imposto de Renda devido. Nem mesmo dizer de seu interesse em reverter os 4% a quem tem direito para uma fundação cultural que leva seu próprio nome. É assim que a Lei está aplicada hoje em dia.

Mas a “injustiça” dos critérios não reside somente na porcentagem de dedução do imposto devido. Ela resulta também das mudanças na lei que cancelou a primazia do produtor independente.

No texto original, o uso da Lei Rouanet era reservado, única e exclusivamente, ao produtor independente. E o Decreto nº 1.494/95 definia no art.3º, em seu parágrafo XI: “Produção cultural independente: aquela cujo produtor majoritário não seja concessionário de serviços de radiodifusão e cabodifusão de som e imagem.” Contudo, em 1998, um movimento visando beneficiar as TVs educativas gerou uma proposta de mudança, autorizando o detentor de serviços de radiodifusão a fazer uso das leis desde que o projeto se caracterizasse como “cultural-educativo e possuísse indiscutível caráter não-comercial”. Desnecessário se torna dizer que, a partir desta modificação, qualquer emissora de rádio ou televisão comercial passou a ter habilitação legal para captar recursos incentivados no mercado para seus produtos “culturais, educativos e não-comerciais”, abrindo uma concorrência desigual e desleal com o produtor independente. Na prática, uma emissora de televisão comercial elabora um projeto de uma minissérie que tem por tema uma obra literária brasileira, graças à lacuna deixada pela lei, vende as inserções para seus patrocinadores diretos - lojas de eletrodomésticos, companhias de cerveja, empresas de cosméticos - e recebe os direitos que o Programa Nacional de Apoio à Cultura - PRONAC - lhe concede. Em bom português: recebe duas vezes pela mesma obra.

O texto original também previa que institutos e fundações só poderiam receber os impostos dos grupos empresariais que as criaram se obtivessem o enquadramento de utilidade pública, tendo, para tanto, de apresentar currículo consistente de projetos de interesse social, o qual, naturalmente, levava alguns anos para ser formado. Mas também esta exigência foi revogada e hoje uma instituição que seja criada por um grupo empresarial pode receber, já no dia seguinte da sua criação, independentemente de seu currículo, os impostos das organizações a ela vinculadas sem nunca ter realizado qualquer projeto de interesse público. Tal revogação, como não poderia deixar de ser, acabou por multiplicar a criação de institutos e fundações.

Na verdade, os limites de destinação, as mudanças na lei cancelando a primazia do produtor independente e a revogação da necessidade de enquadramento como entidade de utilidade pública sufocaram a possibilidade de pequenos projetos culturais serem atendidos pela Lei hoje em vigor. O produtor cultural independente, aquele que não é diretamente beneficiado pelos impostos das grandes corporações, enfrenta ainda a desvantajosa concorrência do Estado captador.

Em algumas regiões, o Poder Público chega a ser o único agente a conseguir captar recursos através das leis de apoio à cultura, o que não deixa de ser contraditório. Ao mesmo tempo em que gerencia e fiscaliza todo o processo, tem nas leis de apoio à cultura uma fonte complementar de recursos. Some-se a isso ainda o fato de esses recursos serem distribuídos, muitas vezes, por fundações que são, ao mesmo tempo, incentivadoras e beneficiárias, a ponto de a própria dirigente da fundação Itaú Cultural, Milú Vilela, em matéria publicada na Carta Capital, em 15 de maio de 2002, afirmar que “é amoral usar a Lei Rouanet e não oferecer um retorno direto para as escolas públicas, por exemplo. É preciso mudar a lei. Todo cidadão tem direitos e deveres. Um dos deveres de quem usa a Lei Rouanet é dar algo em troca”. Isto vindo de uma presidente de uma fundação.

Realmente, “é preciso mudar a lei”. E é esta necessidade que nos traz aqui hoje. Não podemos aceitar que somente grandes corporações, que grandes instituições financeiras, que grandes estatais sejam beneficiárias da lei, que somente a elas seja permitido deduzir percentual do Imposto de Renda para patrocinar grandes projetos culturais.

Sr. Presidente, primeiramente precisamos rever a regra básica dos incentivos à cultura. Por que somente são considerados despesa operacional, para fins de apuração do Imposto de Renda, os valores destinados a projetos culturais de pessoas jurídicas tributadas pelo lucro real? Por que somente empresas tributadas pelo lucro real podem se beneficiar dos incentivos fiscais da Lei Rouanet, observado o limite de 4%? Essa é uma pergunta que se faz.

Faz-se necessário, antes de mais nada, respeitar a lei, principalmente o seu Art.1º.

Todos os brasileiros, sem exceção, devem ser beneficiários de projetos culturais e artísticos, qualquer que seja a sua modalidade: música, teatro, dança, literatura, circo, artes plásticas, artes gráficas, folclore, artesanato e outras. Depois faz-se necessário rever as alterações que o texto original foi sofrendo desde sua criação, desvirtuando seu sentido, principalmente no que diz respeito ao limite de destinação, ao cancelamento da primazia do produtor independente - que sufocou a possibilidade de pequenos projetos culturais serem atendidos pela Lei hoje em vigor -, à revogação da necessidade de enquadramento como entidade de utilidade pública, à possibilidade de o Estado ser um agente captador.

De forma alguma somos contra a existência de projetos de grande porte, apenas por serem de grande porte. Ter, por exemplo, em qualquer capital do país, um teatro de padrão internacional, que naturalmente possui custos de construção e manutenção elevados, ao contrário do que possa parecer, não é elitista, é democratizante, na medida em que propicia ao cidadão comum acesso ao melhor da produção internacional. Mas esses grandes empreendimentos precisam também conviver com manifestações culturais de bairro, com o pequeno artesão do Nordeste do Brasil e de outros rincões do País.

           Precisamos criar disposições legais para viabilizar também os pequenos empreendimentos, promovendo o produtor independente. Precisamos adotar limites progressivos, de acordo com o faturamento das empresas, para que o panorama comece a se modificar. Grandes bancos, montadoras de automóveis continuariam com os limites atuais, mas um distribuidor de bebidas de bairro ou uma fábrica de farinha no interior do País, por exemplo, poderiam ter o limite aumentado para que pudessem captar, dessa maneira, também nos seus projetos culturais, dos seus lugares, dos seus rincões. Desta forma, às 1.200 empresas que hoje participam do marketing cultural incentivado poderiam somar-se cerca de 5.000 novas empresas se usados limites escalonados, quintuplicando o universo de patrocinadores potenciais e afrouxando o cerco às grandes organizações. Nas empresas menores, o produtor cultural do mesmo bairro poderia ter acesso direto ao proprietário sem muita complicação, o que seria duplamente democratizante porque permitiria que também este empresário pudesse participar do marketing cultural brasileiro.

           O efeito descentralizador seria imediato, pulverizando as verbas nas capitais e no interior do País. Tudo isso sem tirar um centavo a mais dos cofres públicos, já que a legislação - além do limite individual da empresa patrocinadora - dispõe de um limite de conjunto, um teto anual que não pode ser ultrapassado.

           Para evitar distorções é preciso impedir que as fundações criadas por instituições financeiras, e prestem bem atenção nesse ponto, venham gerir os fundos destinados ao fomento da cultura, já que são oriundos do Governo - que deixa de receber os 4% do imposto que lhe é devido -, para que sejam aplicados em projetos culturais. Pelo mesmo princípio, os projetos culturais com incentivo do Governo devem ser apreciados e fiscalizados por uma comissão cultural formada por artistas, educadores e outros representantes da cultura nacional, evitando a "parceria direcionada" entre a empresa e o agente cultural.

Sr. Presidente, faz-se necessário, ainda, pensar na viabilidade de estender os percentuais de dedutibilidade, preservando-se o montante da renúncia fiscal. Assim, o Governo terá uma mesma arrecadação e os projetos culturais, um incentivo mais democrático e pulverizado. Alterando-se a forma de dedução, uma maior parte das pequenas e médias empresas poderá utilizar-se da Lei Rouanet, e patrocínios de pequenos eventos culturais surgirão. Em outras palavras, há necessidade de se utilizar a renúncia fiscal de forma mais eficaz, para que a lei seja benéfica a todos. E é por essa razão que faço este pronunciamento.

Tramita no Senado Federal projeto de lei de minha autoria, que visa a democratizar e pulverizar os incentivos promovidos pela Lei Rouanet, e, com toda certeza, meus Pares, sensibilizados com a causa, qual seja, da democratização cultural, estarão engajados e defendendo esta bandeira.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/12/2002 - Página 26397