Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

DEFESA DA CRIAÇÃO DE UM GRUPO DE TRABALHO NO CONGRESSO NACIONAL DESTINADO A FAZER LEVANTAMENTO DAS PROPOSIÇÕES EM TRAMITAÇÃO QUE DISPÕEM SOBRE A REGULAMENTAÇÃO DAS ATIVIDADES REALIZADAS PELA INTERNET.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
TELECOMUNICAÇÃO.:
  • DEFESA DA CRIAÇÃO DE UM GRUPO DE TRABALHO NO CONGRESSO NACIONAL DESTINADO A FAZER LEVANTAMENTO DAS PROPOSIÇÕES EM TRAMITAÇÃO QUE DISPÕEM SOBRE A REGULAMENTAÇÃO DAS ATIVIDADES REALIZADAS PELA INTERNET.
Publicação
Publicação no DSF de 18/12/2002 - Página 26477
Assunto
Outros > TELECOMUNICAÇÃO.
Indexação
  • IMPORTANCIA, EVOLUÇÃO, AMPLIAÇÃO, INTERNET, ACESSO, INFORMAÇÃO, EDUCAÇÃO, DISTANCIA, INTEGRAÇÃO, AMBITO INTERNACIONAL, NECESSIDADE, MODERNIZAÇÃO, LEGISLAÇÃO, REGULAMENTAÇÃO, SETOR, BENEFICIO, OPERAÇÃO, COMERCIO, BANCOS, FISCALIZAÇÃO.
  • REGISTRO, DADOS, CRIME, INTERNET, BRASIL, APREENSÃO, VINCULAÇÃO, TERRORISMO, PREJUIZO, REPUTAÇÃO, PAIS.
  • DEFESA, CRIAÇÃO, GRUPO DE TRABALHO, CONGRESSO NACIONAL, LEVANTAMENTO, MATERIA, TRAMITAÇÃO, ESTUDO, LEGISLAÇÃO, REGULAMENTAÇÃO, INFORMATICA, INTERNET.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, desde que o mundo se organizou, por meio das sociedades que foram se adensando e criando regras de convivência, a criatividade vem sempre na frente da regulamentação. Nos últimos anos, foi necessário criar-se legislação para muitas áreas nas quais a legislação inexistia; por exemplo, com relação ao transplante de órgãos, algo impensado há algumas dezenas de anos.

O mundo continua em evolução. Atualmente, estamos vivendo uma verdadeira revolução no mundo on line. E é exatamente para tratar deste tema que hoje venho a esta tribuna, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores.

Imagino que todos estaremos de acordo em identificar a Internet, a rede mundial de computadores, como uma das mais formidáveis construções da inteligência tecnológica do século XX. Depois de ultrapassar a fase de utilização estratégico-militar e acadêmica nos Estados Unidos, ambos setores responsáveis por sua concepção e implementação original, há pouco mais de sete anos, a Internet tornou-se disponível para o público em escala global, permitindo o acesso instantâneo aos principais bancos de dados de todo o planeta, dados, informação e conhecimento tornaram-se efetivamente alcançáveis, em casa, no trabalho ou por meio de estações públicas, por milhões de cidadãos, a custo relativamente baixo. Hoje, é possível, por exemplo, a partir de um computador no Brasil, consultarmos bibliotecas do mundo todo. Além disso, impulsionada pela difusão e popularização das novas tecnologias da informação e conhecimento, vimos florescer a educação a distância, um dos produtos mais nobres decorrentes da vulgarização da Internet. Em todo o mundo, é um ramo que começa a experimentar uma expansão excepcional, com um grau de sucesso, nestes dias, dificilmente previsível duas décadas atrás.

Graças a conexões de banda larga, em alta velocidade, softwares mais ricos e potentes e interfaces gráficas cada dia mais sofisticadas e operacionais, que permitem a interação, em tempo real, por meio de chats, e-mail, voice e video mail, acabamos por diluir fronteiras, aproximando-nos virtualmente de inúmeras utopias que perpassaram nossa história comum. Por mais ditatorial que seja um governo hoje, não há como proibir alguém que tenha um computador e uma linha telefônica de ter comunicação com o resto do mundo, ouvindo, consultando e acessando todos esses bancos de dados, bem como emitindo pareceres.

Sabemos que as mudanças sociais mais amplas, invariavelmente, reclamam adequação e mesmo a recriação do direito - acabei de exemplificar com o caso dos transplantes -, confirmando e atualizando a máxima jurídica que diz: onde há sociedade, há direito, mas direito dinâmico, em constante ajuste, para regrar as mais distintas situações vividas pela sociedade.

Daí que, a despeito do enorme edifício jurídico que construímos ao longo de nossa história, capaz de responder a inúmeras questões, o espaço da Internet está exigindo o olhar do legislador. Um olhar atento, estrito, capaz de originar os primeiros passos para a regulação das situações que ainda se encontram sem cobertura legal.

Há alguns dias, quando estabelecia as linhas mestras deste pronunciamento, solicitei à Consultoria Legislativa o recenseamento das normas em vigor e de todas as proposições em tramitação nas duas Casas do Congresso Nacional. Para minha surpresa, temos inúmeros e interessantes projetos. Desde a iniciativa pioneira do então Senador e atual Ministro do Supremo Maurício Corrêa, em 1991, tratando da inviolabilidade da comunicação de dados, até a recente proposta do Senador Lúcio Alcântara, futuro Governador do Ceará, sobre o comércio eletrônico.

Contudo, não existe, vejam bem, nenhuma norma aprovada pelo Congresso disciplinando a vida on line.

Estamos diante de um ’modo de vida’, aliás, que cresce e conquista usuários, obedecendo a uma progressão geométrica. Estudos recentes apontam inclusive tendências que mostram um movimento ainda mais ascendente por alguns anos.

A Internet brasileira, convém sublinhar, transformou-se em uma extraordinária megalópole virtual, com satélites não-negligenciáveis, concentrando perto de 15 milhões de habitantes, que interagem de maneira intensa cotidianamente.

Todos esses brasileiros, somados a outros milhões de usuários em todo o mundo, tornaram-se, entretanto, internautas vulneráveis, reféns de ações maliciosas, contínuas e audaciosas dos novos bárbaros digitais, de quem não conseguem resguardar-se, às vezes por razões técnicas, mas freqüentemente por não terem à disposição o instrumento legal necessário.

O caráter original, eminentemente anárquico da rede, onde prevalece um grau de liberdade poucas vezes experimentado por gerações que nos precederam, já que a rede é fundamentalmente um espaço virtual desregulado, mostrou-se, desde o princípio, como um de seus os pontos fortes, uma característica a ser preservada.

Contudo, a rápida evolução no número de usuários e as práticas que se instalaram na rede, do comércio eletrônico, de difícil controle, aos serviços bancários, implicando no tráfego constante e pesado de dados confidenciais e sensíveis, estão a sinalizar que a desregulamentação, paradoxalmente, emerge na atualidade como uma das maiores fragilidades de todo o sistema on line, que é a Internet.

Quero deixar claro que não estou aqui pregando a censura, que é inadmissível por todas as razões. Na verdade, reclamo a adoção de regras que permitam a convivência harmônica, criativa e produtiva, mas sobretudo respeitosa dos direitos e da segurança de centenas de milhões de usuários que se conectam, a cada dia, com os mais distintos objetivos e necessidades.

Lembro que a Internet passou a ser um canal para os que praticam a pedofilia. Hoje mesmo um arcebispo caiu nos Estados Unidos, e a igreja que ele dirigia foi condenada em milhões de dólares. Por quê? Porque passaram a usar a rede para outros fins. Mas lembro também, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que, aqui da tribuna, inúmeras vezes, venho alertando para o problema dos dados eletrônicos no mercado financeiro, da volatibilidade dos capitais e de quanto o Brasil tem pago por não ter uma legislação à altura. Informações confidenciais, privilegiadas, que, nos Estados Unidos, dão cadeia imediata e multas gigantescas, são praticadas sem nenhuma preocupação, no Brasil, pelos bancos; e quem paga é o povo. Quantas manipulações de dólares ou de títulos não vimos nos últimos anos? Então, é preciso que haja, da nossa parte, legisladores, uma maior rapidez na regulamentação de certos fatos novos na vida da sociedade.

É certo, lembrarão os juristas, que o ordenamento jurídico brasileiro contemporâneo tem à mão todos os dispositivos legais para tanto, porém, ainda assim, chegamos à pouco honrosa posição de campeões do crime cibernético. E isso se dá não apenas pela impotência dos agentes públicos responsáveis; eles também reclamam instrumentos para validarem sua atuação.

Vejam Exªs, conforme relatório da consultoria inglesa mi2g, dos dez grupos mais atuantes no último mês, todos são brasileiros. E o rol dos crimes digitais praticados pelos hackers brasileiros inclui roubo de identidade, fraudes com cartões de crédito, alteração de homepages e violações de propriedade intelectual, sem contar o domínio que um criminoso digital pode eventualmente assumir de máquinas e de redes.

A consultoria inglesa atribui aos hackers nacionais prejuízos que atingem a cifra estimada de bilhões de dólares nos países do G-8, o grupo das oito nações mais ricas, onde estariam estacionados os alvos prediletos dos invasores brasileiros. E os prejuízos poderiam ser ainda maiores, pois, segundo a mesma empresa, os nossos contraventores eletrônicos não são tão brilhantes quanto os europeus, o que se reflete na sua baixa participação na composição de novos vírus de computador - o que é outra coisa incompreensível!

Outro dia, visitando um determinado país, ao conversar com o seu presidente, ele dizia que hoje a guerra não se faz só por armas e homens; que pode haver guerra inclusive pela inoculação de vírus de computador, que pode gerar prejuízo de bilhões de dólares e desregulamentar e desordenar todas as cadeias e os bancos de dados de países importantes.

Ora, convenhamos, deixar as coisas como estão, tergiversar soluções é a pior atitude a tomar, além de tudo, porque isso é péssimo para a vida dos negócios e abala a nossa credibilidade internacional, o que não podemos aceitar sob hipótese alguma, no momento em que o mundo globalizado exige que ocupemos um espaço importante.

Atentem, por gentileza, para a avaliação do Presidente da mi2g, Sr. D.K. Matai. Para ele, a liberdade de trânsito dos hackers brasileiros pode resultar em pressões dos países ricos para que as autoridades brasileiras adotem medidas rigorosas para combatê-los. Além disso, avalia que o vácuo legislativo é uma das principais razões para que o Brasil se esteja transformando em um “Estado delinqüente” no mundo virtual.

No ano passado, já ocorreu a primeira sanção, quando, depois de inúmeras máquinas infiltradas em países do G-8 e da intervenção de milhares de homepages norte-americanos pelos nossos hackers, a origem do fato foi localizada pelo FBI, e foi dado ao Brasil um castigo: por dez dias, não tivemos nenhum acesso a nenhum site norte-americano. O Governo americano suspendeu a transmissão de dados para nós. Isso pode parecer simples para um garoto de 14, 15 ou 16 anos, que naquele momento está no computador por diversão, mas pensem no prejuízo que esse fato acarretou ao Brasil. Quantas informações ou pesquisas importantes deixaram de ser feitas e o que é que poderia acarretar, inclusive, no comércio eletrônico!

É bom recordar também que o USA Patriot Act, em vigor desde 11 de setembro de 2001, equipara as ações dos hackers a atos terroristas. Esse ato norte-americano foi também acompanhado no mesmo tom pela Inglaterra, que também criou uma legislação específica.

Enfim, ainda segundo o estudo, as características mais marcantes dos delinqüentes eletrônicos nacionais são a utilização de ataques automáticos a muitos sites simultaneamente e a notória preocupação com a quantidade de alvos atingidos, na medida em que buscam a notoriedade como aqueles que mais atacaram, ou seja, é o exibicionismo predador na sua mais despudorada expressão.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, diante dessa situação, sob todos os aspectos constrangedores e contraprodutivos, creio que o Congresso Nacional não deve demorar-se no encaminhamento de soluções. Assim, permita-me sugerir a V. Exª a constituição de um grupo de trabalho, reunindo parlamentares e técnicos das duas Casas, para que, em regime de urgência, possamos efetuar um cabal levantamento no conjunto de proposições ora em tramitação e até mesmo pensar em novas soluções, consultando as legislações dos países mais adiantados.

Esse grupo poderia ter como meta a fusão e a harmonização das distintas propostas, que convergiriam num projeto comum, negociado entre parlamentares autores das iniciativas e as lideranças para uma tramitação rápida. Esse projeto conteria apenas as normas que efetivamente ainda nos faltam para combater a criminalidade na rede.

Dessa forma, daremos uma resposta inequívoca a um problema crescente, capaz de gerar desdobramentos negativos não somente para os cidadãos e empresas, sejam eles nacionais ou estrangeiros, mas para o próprio Brasil. Se efetivamente quisermos cumprir nosso papel, temos de ser rápidos. Este é um mundo dinâmico. O mundo on line cresce quase, geometricamente, à velocidade da luz. Temos de estar a par não só desta área, mas também do que se refere à legislação financeira e eletrônica. Com toda a certeza, se tomarmos essas medidas, não estaremos passando a vergonha que passamos há alguns dias, quando nossos usuários da rede ficaram 10 dias sem acesso aos sites norte-americanos.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/12/2002 - Página 26477