Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Explicações sobre o aumento, pelo Governo, da taxa de juros e do depósito dos compulsórios.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. POLITICA SOCIAL. :
  • Explicações sobre o aumento, pelo Governo, da taxa de juros e do depósito dos compulsórios.
Aparteantes
Augusto Botelho, João Capiberibe.
Publicação
Publicação no DSF de 21/02/2003 - Página 1821
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • ESCLARECIMENTOS, DECISÃO, GOVERNO FEDERAL, AUMENTO, JUROS, DEPOSITO COMPULSORIO, JUSTIFICAÇÃO, PROBLEMA, FINANÇAS, BRASIL, RESULTADO, GOVERNO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • COMENTARIO, PROGRAMA, ASSISTENCIA SOCIAL, GOVERNO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CRITICA, CRIAÇÃO, CARTÃO MAGNETICO, RESTRIÇÃO, FAMILIA, AQUISIÇÃO, ALIMENTOS.
  • QUESTIONAMENTO, VIABILIDADE, LIBERDADE, FAMILIA, UTILIZAÇÃO, VERBA, PROGRAMA ASSISTENCIAL, COMBATE, FOME.
  • ANALISE, PROGRAMA ASSISTENCIAL, INICIATIVA, GOVERNO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, EXCESSO, QUANTIDADE, PROJETO, DESTINAÇÃO, POPULAÇÃO CARENTE, NECESSIDADE, RACIONALIZAÇÃO, UNIFICAÇÃO, PROGRAMA.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Senadores, em primeiro lugar, eu gostaria de informar que, ontem, na reunião da Comissão de Relações Exteriores, onde tive a oportunidade de ser eleito Presidente, juntamente com o Senador Marcelo Crivella, eleito Vice-Presidente, foi aventada pelos Senadores, sobretudo por iniciativa do Senador Pedro Simon e de outros, a importância de considerarmos a volta dos trabalhos regularmente, às quintas-feiras, às 14 horas e 30 minutos para as sessões plenárias, para que a Comissão de Relações Exteriores possa voltar ao seu horário habitual, regimental, às 10 horas.

Sr. Presidente, gostaria de transmitir que os membros da Comissão de Relações Exteriores pediram a V. Exª que faça consulta aos 81 Senadores. Se hoje não há número completo, V. Exª poderá, na próxima terça-feira, fazer a consulta aos Srs. Senadores, porque se trata de uma decisão não apenas do Colégio de Líderes, mas dos 81 Senadores.

V. Exª, Sr. Presidente, que foi Presidente da Comissão de Relações Exteriores, sabe da importância dessa decisão, pois foram muitas as vezes em que os embaixadores designados ficaram à espera quando as reuniões se fazem às terças-feiras após a Ordem do Dia, pois estas, muitas vezes, se estendem para depois das 18h30min. Então, como muitos Senadores, ainda mais no início desta Legislatura, mostram a disposição de trabalhar arduamente, resolvemos fazer este apelo: que a consulta seja formulada ao conjunto dos Senadores. Eu pediria que essa consulta fosse feita na sessão de terça-feira, no momento em que estiverem presentes praticamente todos os Senadores.

Eis o apelo que faço, em nome dos membros da Comissão de Relações Exteriores presentes ontem na reunião.

O SR. PRESIDENTE (José Sarney) - Senador Eduardo Suplicy, a Presidência já teve oportunidade de comunicar ao Plenário, em resposta a uma questão de ordem levantada sobre o mesmo assunto, que estamos realizando as sessões das quintas-feiras pela manhã em razão de uma decisão das Lideranças da Casa. Agora, como se instala nova Legislatura, estou consultando as Lideranças, e, desde que não haja consenso, a Mesa adotará o cumprimento do Regimento, que determina que as sessões sejam realizadas às 14h30min.

Portanto, acredito que esse caminho já está sendo tomado e creio que V. Exª concordará conosco em que, antes de fazermos uma consulta a todos os Senadores, estamos esperando a manifestação dos Líderes, que creio ocorrerá até o princípio da próxima semana.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Gostaria de informar a V. Exª que, ainda ontem, na reunião, os Líderes José Agripino e Tião Viana, respectivamente do PFL e do PT, expressaram suas opiniões pessoais, não ainda as das bancadas, e concordaram com a opinião dos Senadores membros da Comissão de Relação Exteriores, no sentido de que fosse feita essa consulta. Mas compreendo que os Líderes deveriam, se possível, ouvir todos os Senadores; trata-se de manifestação já expressa pelo Senador Roberto Saturnino, tendo alcançado o respaldo de muitos aqui presentes.

Passo ao tema que escolhi para hoje, Sr. Presidente.

Quero primeiro fazer uma reflexão, sobretudo considerando as opiniões aqui externadas pelo Senador Arthur Virgílio, pelo Senador José Agripino, Líder do PFL, e pelo Senador Romero Jucá sobre a decisão de ontem do Copom, do Banco Central e das autoridades monetárias, de elevar de 25,5% para 26,5% a taxa de juros, bem como de elevar o depósito compulsório sobre os depósitos à vista de 45% para 60%, para fins de retirar recursos monetários do sistema. Essas medidas levaram em consideração aquilo que o Governo do Presidente Lula encontrou.

É preciso salientar que os dados sobre agregados monetários e liquidez do Banco Central indicam um aumento muito significativo da expansão monetária, sobretudo ao final de 2002, e um crescimento significativo da liquidez do sistema financeiro. Exemplificando, a programação monetária para o quarto trimestre de 2002 do Banco Central apontava que os meios de pagamentos -depósito à vista mais papel-moeda em poder do público - tinham uma previsão e aumentaram, efetivamente, de R$79 bilhões ao final de 2001 para R$110 bilhões ao final de 2002 - portanto, um crescimento da ordem de 40% no ano de 2002. As operações compromissadas de overnight entre o Banco Central e as instituições financeiras - captações do Banco Central de um dia, lastreadas em títulos públicos -, em apenas um mês, saltaram de R$40,2 bilhões, entre 24 de outubro e 19 de novembro, para R$66 bilhões na primeira quinzena de dezembro último. Essa situação demonstra que estaria havendo, conforme denota a teoria econômica, uma pressão significativa sobre os preços neste primeiro trimestre de 2003. Então, essas medidas de contenção dos agregados monetários a que foi obrigado realizar o Banco Central e o Copom levam em conta a situação deixada pelo Governo Fernando Henrique Cardoso, sobretudo ao final do semestre passado.

Sr. Presidente, gostaria de fazer uma reflexão sobre os diversos programas de transferência de renda hoje existentes no Brasil e que foram deixados pelo Governo Fernando Henrique Cardoso, bem como sobre os novos programas de transferência de renda que estão sendo cogitados ou em início de ser implantados pelo Governo Luiz Inácio Lula da Silva, sobretudo aqueles relacionados ao programa Fome Zero.

Temos hoje, deixados pelo Governo Fernando Henrique Cardoso, bem como em conseqüência do que foi decidido pela Constituição de 1988, inúmeros programas de transferência de renda, desde aqueles relacionados ao sistema previdenciário brasileiro, aos previstos como benefício de prestação continuada da Lei Orgânica da Assistência Social - Loas: a renda mensal vitalícia, a previdência rural, os programas de seguro-desemprego, que têm grande importância. Além disso, há o 14º salário, pago aos registrados no mercado de trabalho formalmente. Os que não recebem mensalmente até dois salários mínimos têm direito a receber um salário mínimo adicional, como contribuição do PIS/Pasep ou do FAT. Além desses, foram instituídos, nos últimos anos, programas de transferência de renda que substituíram programas como os de distribuição de cestas básicas.

Quero lembrar que, em 1995, o Governo Fernando Henrique Cardoso distribuiu cerca de três milhões de cestas básicas. Nos anos de 1998, 1999 e 2000, estava distribuindo cerca de dez vezes mais, ou seja, trinta milhões de cestas básicas. Nessa época, tendo verificado que, na Conab, pela enésima vez, havia um lobby muito forte para o suprimento de cestas básicas e seus componentes, havendo indícios de cartas marcadas na licitação, o Governo Fernando Henrique Cardoso resolveu que seria mais adequado expandir os programas de transferência de renda diretamente à população, em vez da distribuição de cestas básicas.

Atualmente, existem os seguintes programas de transferência de renda. O Programa Agente Jovem, do Ministério da Previdência e Assistência Social, criado em 2001, cujo instrumento legal é a Portaria 879, de dezembro de 2001, que atende jovens de 15 a 17 anos em situação de pobreza e risco sócial, para as famílias com renda per capita até meio salário mínimo. O valor da bolsa é de R$65. Havia, em outubro de 2002, 105 mil beneficiários, com recursos destinados da ordem de R$38 milhões.

O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, conhecido pela sigla PETI, criado em 1996 pela Portaria 458, de 4 de outubro de 2001, vinculado ao Ministério da Previdência e Assistência Social e, atualmente, ao Ministério da Assistência e Promoção Social, que tem como Ministra a ex-Governadora e ex-Senadora Benedita da Silva, destina-se a famílias com renda per capita de até meio salário mínimo, com filhos na faixa etária de 7 a 14 anos que se encontrem trabalhando em atividades consideradas penosas ou degradantes. O valor do benefício é de R$25 por mês na zona rural e R$40 por mês na zona urbana. Havia, em outubro de 2002, 810 mil beneficiários, com gasto nesse mesmo mês da ordem de R$306 milhões, havendo recursos para o Orçamento de 2003 de R$250 milhões.

Para o Programa Agente Jovem, o recurso previsto do Orçamento de 2003 era da ordem de R$37 milhões.

O Programa Bolsa Escola, de responsabilidade do Ministério da Educação, criado em 2002, também conhecido como Programa de Renda Mínima Associado à Educação, tem como instrumento legal a Lei nº 10.219, de 2001, e como critério de seleção crianças entre seis e quinze anos pertencentes a famílias com renda per capita de até meio salário mínimo - R$90 na época em que estava sendo aplicado, no ano passado -, sendo o valor do benefício de R$15, R$30 ou R$45, dependendo da existência na família de uma, duas, três ou mais crianças freqüentando a escola. Em novembro de 2002, havia 10,7 milhões de crianças beneficiadas, correspondendo a mais de 5,7 milhões de famílias. Os recursos aplicados, com base em novembro de 2002, eram da ordem de R$1,277 bilhão, e os recursos orçamentários previstos para 2003 eram da ordem de R$1,835 bilhão.

O Programa Bolsa Alimentação, também conhecido como Renda Mínima Associada à Saúde ou à Alimentação, foi criado em 2001 e regulamentado pelo Decreto nº 3.934, de 2001, de responsabilidade do Ministério da Saúde, tendo como critérios de seleção as gestantes, nutrizes e crianças de seis meses até seis anos de idade pertencentes a famílias com renda per capita de até meio salário mínimo. Os filhos de mães soropositivas para o HIV podem receber o benefício desde o nascimento. O benefício, tal como no Programa Bolsa Escola, é de R$15, R$30 ou R$45 por mês, sendo os beneficiários, com base em novembro de 2002, da ordem de 1,403 milhão. Os recursos aplicados foram R$115 milhões, e os recursos orçamentários destinados para 2003 são da ordem de R$360 milhões.

O Programa Auxílio Gás, criado em 2002 pela Lei nº 10.453, de responsabilidade do Ministério de Minas e Energia, tem como beneficiárias as famílias com renda familiar de até meio salário mínimo per capita. O benefício é de R$15 por bimestre. Os beneficiários são da ordem de 8,556 milhões, com base em novembro de 2002. Os recursos aplicados foram R$502 milhões, segundo dados de novembro de 2002, estando previstos para o Orçamento de 2003 R$750 milhões, suficientes para atender 7,4 milhões de famílias.

O Programa Bolsa Renda, criado em 2001 com o Instrumento Legal nº 10.458, de 2002, vinculado ao Ministério da Integração Nacional, tem como beneficiárias as famílias residentes em municípios atingidos pela seca, cadastrados no Auxílio Gás. Trata-se de um cadastro utilizado pelo Programa Bolsa Escola antes da implementação do cadastro único. O benefício definido é de R$30 por mês para as famílias. Havia, com base em outubro de 2002, 842 mil famílias beneficiadas. Os recursos aplicados, com base em novembro de 2002, são da ordem de R$332 milhões, e há também recursos orçados para 2003, que foram inclusive objeto de corte bastante significativo por decisão recente do Governo Federal.

Ora, o que existe com respeito a esses programas? Segundo diagnóstico feito pelo governo de transição, há uma grande sobreposição de programas nacionais com aqueles que os governos estaduais e municipais também desenharam e implementaram. Por exemplo, o Governador Capiberibe, no Amapá, tinha definido um programa de transferência de renda, e é possível que outros municípios próximos o tenham também feito por meio de leis municipais. Seria próprio que houvesse a coordenação mais racional possível desses programas no âmbito da União, dos Estados e dos municípios.

            A recomendação feita pela equipe de transição, coordenada pelo hoje Ministro Antonio Palocci, foi no sentido da racionalização e unificação desses programas. Aliás, já havia o Presidente Fernando Henrique Cardoso, em junho de 2002, chegado à conclusão de que seria mais adequado caminhar na direção da racionalização de todos esses programas, de se fazer um cadastro único, que começou a ser implementado, para, na medida do possível, coordenar, racionalizar e chegar a um desenho único de todos esses programas para todo o Brasil.

Sr. Presidente, o Governo Luiz Inácio Lula da Silva está iniciando alguns novos programas, como o anunciado Fome Zero, iniciado como projeto piloto, neste mês de fevereiro, no Estado do Piauí, na região semi-árida, nos Municípios considerados de menor índice de desenvolvimento humano, Guaribas e Acauã, onde passará a ser distribuído o denominado cartão alimentação, conferindo a 500 famílias de cada um dos Municípios R$50 por mês, num período, em princípio, de 12 meses.

Ainda não houve instrumento legal para conferir esses direitos a essas famílias. Pelo menos no Congresso Nacional não chegou nenhuma mensagem referente à definição em lei do direito de uma família receber aquele cartão alimentação e à relação desse direito com os demais programas de transferência de renda, como os citados Bolsa Renda, Bolsa Escola, Bolsa Alimentação etc.

Ora, Sr. Presidente, no momento em que o Governo Luiz Inácio Lula da Silva anuncia que quer a atenção do Congresso Nacional, da sociedade brasileira, para os projetos de reforma previdenciária, reforma tributária, reforma trabalhista, sobretudo, além de outras, é importante pensar como ficarão esses projetos de transferência de renda, para que sejam atingidos, ao mesmo tempo, crescimento com eqüidade, com aumento de oportunidades de emprego e, obviamente, de renda, em toda a economia.

Se o Ministro José Graziano da Silva apresenta o Programa Fome Zero como um programa articulado com todas as ações do Governo e para promover o aumento da demanda e a oferta de alimentos, para que a agricultura familiar, as cooperativas possam aumentar sobremaneira a oferta de produtos agrícolas, é importante reavaliar as experiências com programas de transferência de renda existentes no Brasil, além de levar em consideração a experiência internacional dos países desenvolvidos, como Estados Unidos, Canadá e países europeus.

A Equipe do Ministro José Grazziano se entusiasmou com o Programa Fome Zero e, por isso, avalia ser importante termos sua expansão segundo a distribuição dos cartões de alimentação com a obrigação de as famílias beneficiárias dispenderem aqueles recursos apenas com alimentos.

Levei ao Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, bem como ao Ministro Antônio Palocci, à Ministra Benedita da Silva, ao Ministro Jaques Wagner, ao Ministro José Grazziano a importância de se verificar se vale a pena obrigarmos as famílias a gastar o benefício da transferência de renda mencionada apenas com alimentos. Observei que, se o Governo Lula tem como meta importante organizar a sociedade, e se é tão importante organizar a comunidade local, as famílias no comitê gestor - aquele que definirá se aceitará ou não a comprovação, por meio de recibos, da compra de alimentos e não de bebidas, cigarros, refrigerantes -, seria interessante realizarmos experimentos de obrigatoriedade nos dois municípios mencionados: Guariba e Acauã, conforme anunciado pelo Governo.

Por outro lado, haveria uma experiência em duas outras cidades ou municípios de tamanho e natureza semelhantes, onde um número de famílias aproximadamente igual receberia também o mesmo cartão de R$50,00 por mês, mas nesses outros dois municípios não se criaria a obrigatoriedade da demonstração dos gastos.

Então, seria possível fazer a comparação. Passados três, quatro, cinco ou seis meses, observar-se-ia, onde houve ou não a obrigatoriedade do demonstrativo de despesas apenas com alimentos, o custo humano e financeiro da obrigatoriedade do demonstrativo, e a evolução da produção de alimentos e da produção em geral, da atividade econômica, do nível de emprego, da arrecadação de impostos.

Se fosse verificado, Senador João Capiberibe, não ter havido significativa diferença entre as duas situações de obrigatoriedade, poderíamos utilizar os gastos com o controle na melhoria da transferência de renda, sobretudo levando em consideração a experiência dos diversos programas de transferência de renda, como o de São Paulo, que foi associado à educação, da Prefeita Marta Suplicy e do Secretário Márcio Porchman.

Ali se verificou que 85% dos gastos das famílias beneficiárias do Programa de Renda Mínima são realizados nos próprios distritos onde moram as famílias e 70% deles são com alimentos. Ou seja, se o objetivo é estimular a demanda por alimentos, ela será naturalmente atendida, pois as famílias beneficiárias têm como primeira necessidade adquirir alimentos.

Se o objetivo é gastar adequadamente, buscando saúde para suas famílias, para suas crianças, com o consumo de alimentos mais nutritivos, poderá haver empenho do Governo do Estado do Piauí, nessa experiência específica, da Rádio Educativa do Piauí e da Radiobrás - que pode gravar programas que serão transmitidos pelas emissoras de rádio e de televisão do Piauí - em divulgar as qualidades nutricionais dos alimentos ali disponíveis.

Se o objetivo é a organização da população visando o Projeto Fome Zero, pode-se estimular a população a participar de, por exemplo, construção de cisternas, de programa de alfabetização. Mas não seria necessário o controle da aquisição das famílias, do que a outra está adquirindo e tendo em casa, na sua despensa, na sua geladeira.

Se o objetivo é estimular as famílias do semi-árido do Piauí a adquirir o leite de cabra, essa informação pode ser passada sem, necessariamente, estar vinculada à obrigatoriedade do demonstrativo.

O Sr. Augusto Botelho (Bloco/PDT - RR) - Senador, V. Exª me permite um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Ouço V. Exª, nobre Senador.

O Sr. Augusto Botelho (Bloco/PDT - RR) - Gostaria de falar a V. Exª que, há nove meses, temos um Programa de Vale-Alimentação semelhante ao citado por V. Exª, em Roraima. A nota fiscal não é solicitada ao beneficiado. Ela é apresentada pelo comerciante na troca do vale por dinheiro, na Secretaria de Fazenda ou em seus postos dos municípios do interior. Então, não há necessidade de o beneficiário possuir uma nota fiscal. Nas comunidades indígenas, não há nota fiscal. Lá existem as cantinas, em que eles compram com o vale. No momento da compra, para abastecimento, o dono da cantina compra a mercadoria com o vale, e o comerciante emite a nota. Então, gostaria de prestar essa ajuda a V. Exª, informando que quem tem que prestar conta do cupom fiscal ou de qualquer documento é o comerciante, quando da troca. Em Roraima, esse vale começou a existir antes da eleição, bem antes. E notei diferença nos pequenos vilarejos: comerciantes aumentaram seus estabelecimentos, construíram. Alguns comerciantes queriam voltar para o Sul do País, mas desistiram. O meu amigo Batatinha, de Rorainópolis, por exemplo, planejava vir para cá. Foi credenciado e vendeu bastante. Isso proporciona estímulo ao local. Haverá aumento na produção local, porque passa a circular dinheiro onde não circulava. Eu gostaria de frisar que quem presta contas é o comerciante quando da troca do vale. O povo não precisa pegar a nota fiscal. Era nesse sentido que eu gostaria de prestar ajuda ao nobre Senador Eduardo Suplicy.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Agradeço o aparte, Senador Augusto Botelho. Em verdade, de todas as experiências e programas de renda mínima, de transferência de renda, temos visto esses efeitos e realmente será importante - o Presidente Lula, em seu pronunciamento realizado no dia 17, no Congresso Nacional, mencionou o quanto considera importante que o Governo esteja confiando na população - que a população confie no Governo.

Ora, uma das características de um programa de transferência de renda baseado na renda como um direito à cidadania é que as famílias, ao estarem recebendo esse rendimento, podendo ter a liberdade de gastá-lo no que bem lhes aprouver, têm a responsabilidade de bem escolher o que é melhor para si e suas crianças. Transferir a renda em dinheiro, conferindo liberdade e dignidade a essas pessoas e famílias, significa que o Governo está confiando nelas e que, portanto, terão maior condição de estar confiando no Governo e na sua ação.

Então, coloco essas proposições em sentido construtivo com relação ao Projeto Fome Zero que precisa ser integralmente apoiado por todos nós. Mas espero, com essas observações e as sugestões que tenho encaminhado ao Ministro Grazziano e ao Presidente Lula, poder contribuir para aperfeiçoar o Programa.

O Sr. João Capiberibe (Bloco/PSB - AP) - Senador Eduardo Suplicy, peço a palavra para um aparte.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Concedo o aparte ao Senador João Capiberibe.

O Sr. João Capiberibe (Bloco/PSB - AP) - Senador Suplicy, farei uma reflexão exatamente sobre a confiança. Quando das eleições, o gesto de votar é um ato de confiança. Quando criamos um programa de renda mínima, no Amapá, em 1996, essa discussão sobre qual a forma de fazer chegar o braço solidário do Estado às pessoas em risco social foi muito forte. Então, optamos pelo dinheiro, por entregar meio salário-mínimo a cada família. Até no ano passado, 15% das famílias que vivem no Amapá recebiam meio salário-mínimo. Esse gesto de confiança que recebemos da população, parece-me, precisa ser devolvido. Vamos repensar esse programa e confiar na sociedade brasileira. A política é feita de confiança. O instrumento da política é a palavra. Se o cidadão acessa um programa desse, no qual já está definido em que será gasto o dinheiro - em alimentação -, tenho absoluta convicção de que ele irá gastá-lo em alimentação. Tanto a experiência quanto os estudos que fizemos demonstram com clareza que a prioridade dessas famílias é a alimentação. Uma outra questão, também, que me parece interessante analisar é que, hoje, existe um cadastro único. Já existe este cadastro único. Poder-se-ia trabalhar na integração dos diversos programas nos âmbitos federal, estadual e municipal e, possivelmente, criar até um cartão comum ou uma conta comum. São centenas de municípios que têm programa de renda mínima, uma boa parte dos Estados, quase todos os Estados já possuem um programa de atendimento social. O Governo Federal poderia, então, em uma ação integrada entre os Prefeitos, os Governadores e a União Federal, estabelecer contrapartidas, para criar um programa único. Mesmo os Municípios mais pobres entrariam com uma contribuição, ainda que simbólica; mas participariam os Estados e a União Federal. Muito obrigado.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Senador João Cabiperibe, agradeço o aparte de V. Exª. É este justamente o sentido maior que gostaria de colocar na minha conclusão, ou seja, da importância de coordenarmos todos os temas de transferência de renda, racionalizando-os.

O caminho de maior racionalidade é o que foi aprovado, aqui, em dezembro último, com o Projeto que institui uma renda de cidadania, uma renda básica incondicional. Simplesmente, os 175 milhões de brasileiros passariam a receber uma modesta renda como um direito à cidadania, o direito de ser sócio da Nação, o direito que toda e qualquer pessoa teria, inclusive V. Exª, eu próprio, os Senadores Maguito Vilela, Augusto Botelho e Amir Lando. Todos teríamos este direito. É claro que aquelas pessoas como nós, em melhores condições, contribuiriam proporcionalmente mais para que, nós, cada um dos brasileiros e das brasileiras viessem a receber essa renda. O que significaria a eliminação de extraordinária burocracia, envolvida em ter de se saber quanto cada um ganha no mercado formal ou informal, com o fim de obter esta renda de cidadania.

Assim, eliminar-se-ia o grande estigma de uma pessoa, por vezes, ter de dizer que só recebe tanto, por isso merece tal complemento de renda. Mas, sobretudo do ponto de vista da dignidade e da liberdade do ser humano, essa pessoa saberia de antemão que nos próximos meses e anos passaria a ter uma modesta renda, a qual asseguraria a ela própria e a cada pessoa na sua família o direito a receber o suficiente para as suas necessidades vitais. Isso conferirá um extraordinário grau de liberdade - maior - a todos em cada Nação.

O Presidente Lula tem uma oportunidade ímpar de caminhar para a implementação desse plano em meados do seu Governo, porque não seria adequado e possível fazê-lo já no início de 2003. A partir de 2005, como estabelece o projeto, ou nos seus últimos anos de Governo, deveremos caminhar para isso. No momento das reformas tributária e previdenciária, já poderíamos levar em conta que a primeira base de rendimento de cada ser humano em nosso país é esta modesta renda como um direito à cidadania. Na reforma tributária, estaria definida esta primeira base de renda igual para todos, isenta do Imposto de Renda. A partir daí, haverá a contribuição de cada um. Do ponto previdenciário, também saber-se-á que cada um contará, pelo menos, com esta base de rendimento como um direito universal de participação da riqueza da Nação, não como uma dádiva, mas com o legítimo direito de ser brasileiro ou brasileira.

Muito obrigado, Sr. Presidente, era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/02/2003 - Página 1821