Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Abordagem sobre a reforma da previdência.

Autor
Heloísa Helena (PT - Partido dos Trabalhadores/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PREVIDENCIA SOCIAL.:
  • Abordagem sobre a reforma da previdência.
Publicação
Publicação no DSF de 22/02/2003 - Página 1997
Assunto
Outros > PREVIDENCIA SOCIAL.
Indexação
  • ANALISE, IMPORTANCIA, EXECUÇÃO, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, GOVERNO FEDERAL, DEFESA, MELHORIA, SITUAÇÃO, SERVIÇO PUBLICO, ESPECIFICAÇÃO, ATUAÇÃO, EDUCAÇÃO, SAUDE, ASSISTENCIA SOCIAL, SEGURANÇA PUBLICA, REGISTRO, RELEVANCIA, FUNCIONARIO PUBLICO, AUXILIO, POPULAÇÃO CARENTE.
  • CRITICA, PROPOSTA, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, NECESSIDADE, COMBATE, EXCESSO, SUPERIORIDADE, SALARIO, CONTENÇÃO, SONEGAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, ALTERAÇÃO, LEGISLAÇÃO, DESVINCULAÇÃO, RECEITA, UNIÃO FEDERAL, DEFESA, DEBATE, CONGRESSO NACIONAL, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), CRIAÇÃO, LEGISLAÇÃO PREVIDENCIARIA, VALORIZAÇÃO, FUNCIONARIO PUBLICO.

A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - O Senador Romero Jucá está dizendo que está aqui para me apoiar. Portanto, não poderá fazer um aparte contraditando nada do que eu disser, embora saiba S. Exª que o PSTU jamais o aceitaria nos seus quadros.

Só se fosse depois de uma solitária de 300 dias, e eu infernizando seu ouvido, Senador Romero Jucá.

           Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é evidente que todo o povo brasileiro sabe da herança maldita que o Governo Lula recebeu. Não vou trabalhar nisso hoje - os três milhões de crianças em trabalho escravo, o trabalho infantil, o analfabetismo, metade da população submetida ao empobrecimento crescente -, porque devo fazer uma simples abordagem sobre a reforma da previdência, algo que me tem preocupado bastante.

Tenho tido oportunidade, Sr. Presidente, durante toda a minha vida, de conseguir ferozes adversários por falar o que a minha consciência manda, estejam eles onde estiverem. Tenho um apreço muito grande pelo setor público e não tenho nenhum problema em defender as chamadas corporações de servidores públicos, até porque sei que quando um servidor público não trabalha é porque tem um político vigarista por trás, possibilitando isso. Tenho um zelo muito grande pelo serviço público, e temos feito um debate freqüente dentro do PT para que possamos fazer uma grande discussão sobre a nossa concepção de Estado.

O setor público é algo muito especial; não é o aglomerado de alguns servidores fazendo tarefas exclusivas do aparelho do Estado, como os que estão na Procuradoria da Fazenda, no combate ao narcotráfico e à lavagem de dinheiro. Há também aqueles que fazem determinadas tarefas que são as únicas referências para a população pobre deste País.

Quando zelo pelo setor público, eu o faço porque sei que a grande maioria da população brasileira depende do serviço público. Não é o senador, a senadora, o governador, o agente público, o político, o juiz; não é aquele que pode pagar o seguro privado para a saúde ou a escola particular para o seu filho. Quando defendo o serviço público, sei que a esmagadora maioria do povo brasileiro tem como única referência - na hora da dor do seu filho, na hora da febre do seu filho, na hora da angústia do seu idoso em casa e na hora de possibilitar que a sua criança vá para a escola -, como única alternativa, o setor público, na área de educação, saúde, assistência social, segurança pública.

Sentir-me-ia profundamente envergonhada de defender corporations, mas defendo as corporações de servidores públicos com a mais absoluta tranqüilidade.

Tive a oportunidade, recentemente, Senador Geraldo Mesquita Júnior, de vivenciar uma experiência muito difícil com o meu filho. Ele foi atropelado, teve traumatismo craniano e foi atendido em um hospital público aqui de Brasília. O meu filho ficou o tempo todo tendo convulsões, porque não havia a medicação adequada no hospital para conter um tipo de convulsão de traumatismo craniano. No entanto, depois que passou todo aquele momento de angústia por que toda mãe passa, quando meu filho já estava na UTI, pois ficou vários dias em coma, sabe o que pensei? Vou agradecer a Deus, porque eu nunca fui omissa em relação ao setor público. Eu nunca fui omissa em defender, em zelar pelo setor público, a única referência para os pobres deste País. E foram os servidores públicos que conseguiram operar o milagre, que certamente era vontade de Deus. São os servidores públicos que fazem saúde, educação, assistência social e segurança pública.

Por isso, tenho a maior tranqüilidade em defender o serviço público, porque sei que não estou defendendo servidor vigarista, não estou defendendo supersalários; aqueles que os têm - eu não tenho dúvida - são da panelinha do poder político e econômico, pois a grande maioria cumpre suas tarefas. Muitas vezes têm o seu filho passando fome em razão de problemas salariais, mas têm de estar lá prestando assistência, ou dando aula ao filho do pobre.

Tenho a profunda convicção de que o debate sobre a reforma da Previdência nesta Casa será extremamente importante. Primeiramente, quero deixar registrado nos anais desta Casa que defendo a reforma da Previdência, mas não nos moldes do pensamento quase nazi-fascista, contrário aos servidores públicos, trabalhado durante muito tempo nesta Casa pelo Governo Fernando Henrique.

Defendo a tese de que a reforma da Previdência deve ser feita em duas frentes. A primeira delas é o combate às distorções dos grandes salários. Há muito de moralismo farisaico quando o assunto são os supersalários. Muitas pessoas esbravejam e defendem a necessidade de se combater os supersalários da Previdência pública, mas muitas dessas pessoas estão aqui, no Parlamento, defendendo o aumento do salário para o Parlamentar. Quando há aumento dos nossos salários, há um efeito cascata que atinge do menor município ao maior estado. Muitas das pessoas que recebem supersalários estão aqui, e nós não temos a coragem de enfrentar os supersalários com um teto salarial. Há pessoas que recebem aposentadorias de ex-deputados, de ex-governadores, e, cinicamente, esbravejam contra os servidores públicos. Por isso, considero importante que ocorra um grande debate no seio do Partido dos Trabalhadores e, depois, no Parlamento.

Se quisermos fazer a reforma da Previdência, teremos de atuar em dois pontos. Primeiro, no combate aos supersalários e, para isso, não é preciso reforma na Previdência. Isso é mentira. À dona-de-casa que estiver me escutando: tenha a certeza de que não há nada de mais mentiroso neste País do que essa história de rombo da Previdência. Isso é cantilena enfadonha e mentirosa. Se formos realmente falar sobre os problemas dos cofres da Previdência, teremos de falar dos fraudadores da Previdência.

O combate a 1% das fraudes da Previdência já significa a entrada nos cofres públicos de quase R$2 bilhões; há que se combater a “pilantropia” - aqueles que não pagam - e a sonegação do próprio governo. O servidor contribui com a Previdência de forma obrigatória ao receber seu salário, sua contribuição é compulsória, o servidor não tem como correr dela.

Por outro lado, o governo, os últimos governos especialmente, foram os grandes sonegadores, porque não deram a sua contrapartida como têm obrigação de fazer. Agora, vêm infernizar a vida dos servidores públicos com relação a isso.

Outro ponto importante: que o nosso Governo, inclusive, tenha a coragem de acabar com a Desvinculação da Receita da União. O Governo Fernando Henrique inovou quando conseguiu arrancar todos os anos, dos cofres da Previdência, R$41 bilhões, com a famosa DRU - Desvinculação da Receita da União.

É evidente que não podemos aceitar que o debate da reforma da Previdência seja feito, mais uma vez, sob a forma da cantilena enfadonha e mentirosa do rombo da Previdência, assumindo o velho comportamento quase nazi-fascista contra servidor público adotado pelo Governo Fernando Henrique. Não podemos aceitar que isso seja dito, até porque foi esse governo que criou esse mecanismo de distorção gigantesco, perverso e cruel contra os pobres - não contra servidor público, mas contra os pobres da Previdência, aqueles que têm como maior salário R$ 1.200,00 e que são poucos. Por quê? Por causa do fator previdenciário.

Então, se queremos a reforma da Previdência, temos que mudar o fator previdenciário também, pois ele atinge o pobre do INSS, atinge aquele que entra cedo no mercado de trabalho, aos 14 anos. Uma coisa é o meu filho, que hoje pode fazer uma opção diferente das opções que eu pude fazer e que minha mãe pôde fazer: entrar no mercado de trabalho tarde. Quem entrou no mercado de trabalho com 14 anos de idade, submetido a condições desumanas, hoje, com a proposta do Governo Fernando Henrique, vai ter que trabalhar mais dez anos para não ter um corte de até 45% em seu salário.

Nós queremos discutir a reforma da Previdência, mas, por favor, a demagogia e a cantilena enganosa não servem em governo nenhum. Tenho a convicção de que toda a discussão que vamos fazer junto aos servidores públicos, junto aos movimentos sociais, junto ao Governo, tem que abordar, imediatamente, duas questões. A primeira delas é a revisão do fator previdenciário, que condena os pobres - não é nem o servidor público. A segunda é o teto salarial: aí, eu quero ver, porque se trata de mexer no bolso de senador, de deputado, de governador, de juízes - os supersalários.

Depois que fizermos isso, depois que o governo abandonar a sua posição de maior sonegador dos cofres da Previdência, depois que mudarmos a legislação que todos os anos tira R$40 bilhões dos cofres da Previdência por meio da DRU e depois que combatermos a fraude e a sonegação é que vamos ter legitimidade de fazer o debate com o chamado miolo do serviço público, a grande maioria do serviço público, que está numa situação salarial dificílima.

Não podemos viabilizar um discurso que acabe provocando uma correria à aposentadoria. Tive a oportunidade de encontrar vários reitores: eles estão desesperados. Por quê? Porque do mesmo jeito que, há alguns anos, o Governo Fernando Henrique, com sua cantilena mentirosa, levou muitos a se aposentarem, a correr para a aposentadoria com medo de que mexessem nas regras salariais e criassem um problema, agora estão também todos os servidores absolutamente constrangidos, achando que vai haver alteração na situação da aposentadoria.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, faço esse registro com a esperança de que, na Comissão de Assuntos Sociais e em várias comissões desta Casa, possamos fazer o grande debate sobre a reforma da Previdência, mas não a reforma da Previdência nos moldes que o Governo Fernando Henrique tentou viabilizar, inclusive com cobrança de inativos, o que não vamos fazer. Friso que não há nenhuma proposta em relação à cobrança de inativos do Governo Lula. Se algo existisse nesse sentido, teria que enfrentar o debate a partir do próprio Partido dos Trabalhadores, que não iria aceitar essa mudança.

É de fundamental importância que esta Casa debata o assunto, mas, por favor, protegendo a população e não a deseducando - às vezes, quando damos uma determinada declaração, prestamos um desserviço: a população fica achando que é problema mesmo, que os servidores públicos são todos preguiçosos.

Volto a repetir: sei que tem muita gente que quer um tipo de reforma na Previdência que possibilite que as corporations e os banqueiros consigam manobrar anualmente mais de R$80 bilhões dos cofres da Previdência. Por isso, estarei fazendo um esforço gigantesco para que a proposta de reforma da Previdência que chegue a esta Casa encaminhada pelo Governo não venha em regime de urgência constitucional. Isso, porque o regime de urgência cria mecanismos, cria obstáculos para a realização de um grande debate nesta Casa. Precisamos fazer o debate sobre a reforma da Previdência, pois ele é extremamente importante para o País, mas não devemos usar argumentos que constituem uma fraude contábil, uma fraude orçamentária e, mais ainda, uma fraude política que tira a legitimidade daqueles que, de fato, são os responsáveis pelo papel do Estado em nosso País.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/02/2003 - Página 1997