Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com as afirmações do Prefeito César Maia, que em entrevista concedida a uma rádio carioca teria proposto mais rigor nas operações da polícia contra o crime organizado, inclusive propugnando a morte de bandidos.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Preocupação com as afirmações do Prefeito César Maia, que em entrevista concedida a uma rádio carioca teria proposto mais rigor nas operações da polícia contra o crime organizado, inclusive propugnando a morte de bandidos.
Publicação
Publicação no DSF de 28/02/2003 - Página 2742
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • APREENSÃO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, VIOLENCIA, MUNICIPIO, RIO DE JANEIRO (RJ), ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ATUAÇÃO, CRIME ORGANIZADO, ATENTADO, AMEAÇA, VIDA, POPULAÇÃO, DESRESPEITO, AUTORIDADE POLICIAL.
  • CRITICA, DECLARAÇÃO, CESAR MAIA, PREFEITO, RIO DE JANEIRO (RJ), ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), AUMENTO, EMPENHO, POLICIA, COMBATE, CRIME, AUSENCIA, INTERESSE, PRESERVAÇÃO, VIDA, CRIMINOSO.
  • COMENTARIO, NECESSIDADE, GARANTIA, DIREITOS HUMANOS, CRIMINOSO, DEFESA, ELABORAÇÃO, EFETIVAÇÃO, POLITICA, PREVENÇÃO, CRIME, ESPECIFICAÇÃO, MELHORIA, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, AUMENTO, NUMERO, EMPREGO, FACILITAÇÃO, ACESSO, EDUCAÇÃO, REDUÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, OFERECIMENTO, RENDA MINIMA, FAMILIA, POBREZA.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Exmº. Sr. Presidente Rodolpho Tourinho, Srªs e Srs. Senadores, venho à tribuna do Senado manifestar, como outros Srs. Senadores já o fizeram, a minha preocupação com o aumento da violência na cidade do Rio de Janeiro e também fazer observações relativas às declarações do Prefeito César Maia, que causaram tanta preocupação, inclusive com manifestação, hoje, do Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Rubens Approbato Machado, que considerou um incitamento ao crime a declaração do Prefeito César Maia de que a polícia, diante do quadro de violência que está imperando no Rio de Janeiro, deve agir no sentido de matar os contraventores.

Na segunda-feira passada, 24 de fevereiro, conforme notícias publicadas em toda a imprensa, traficantes desencadearam uma onda de violência no Rio de Janeiro, explodindo bombas, destruindo veículos, proibindo a circulação de ônibus, atacando policiais e determinando o fechamento do comércio em diferentes bairros da zona sul e norte da cidade.

No caso mais grave, ocorrido em Botafogo, 13 pessoas ficaram feridas após o lançamento de dois coquetéis molotov em um ônibus que passava por uma rua do bairro. No total, 24 ônibus foram incendiados, 13 depredados ou metralhados; pelo menos 250 ônibus deixaram de circular e 20 bairros da cidade foram afetados pela violência, justamente na cidade mais maravilhosa do Brasil e, como tantos dizem, do mundo.

Na avenida Vieira Souto, em Ipanema, um dos locais mais caros do Rio de Janeiro, três bombas de fabricação artesanal explodiram em frente a dois prédios, por volta das 5h30. Os estilhaços quebraram parte da janela de vidro do apartamento do primeiro andar. As outras duas bombas artesanais foram lançadas contra outro prédio. Ouvi o testemunho de um dos moradores daquele edifício, que, assustado, foi verificar na portaria de seu prédio de onde vinham aquelas explosões tão fora de hora, tão inusitadas.

Ninguém ficou ferido, mas moradores da região, que tem um dos metros quadrados mais caros do Rio de Janeiro - R$10 mil em média - acordaram assustados com a confusão, custando a acreditar que aquele bairro - famoso pelas músicas de Tom Jobim, como Garota de Ipanema - fora alvo de uma ação comandada pelo tráfico.

A noite de terror continuou no dia seguinte, por volta das 7h, em Botafogo. Policiais militares trocaram tiros com um grupo que fazia arrastão contra motoristas parados no trânsito. Houve pânico, motoristas tentaram dar marcha a ré e pedestres correram para se proteger dos tiros.

Na zona norte e zona oeste do Rio de Janeiro também ocorreram atos de vandalismo e tiroteios. Esse foi o saldo da violência que tomou conta da cidade do Rio de Janeiro nessa segunda-feira.

Entretanto, temos de nos lembrar que esta situação já vem ocorrendo há algum tempo. Não é à toa que o filme Cidade de Deus mostra cenas de extraordinária violência, com a qual convivem crianças e jovens que parecem não ter alternativa senão a de sobreviver na violência, na marginalidade.

O primeiro ataque contra as autoridades e o Poder Público aconteceu em 14 de maio de 2002, quando quatro homens, em duas motos, jogaram uma granada na sede da Secretaria Estadual dos Direitos Humanos. Também foram feitos disparos de fuzis contra a portaria do prédio onde funciona o Departamento do Sistema Penitenciário - Desip. Os autores dos disparos fugiram e, poucos minutos depois, atiraram também em uma cabine da Coordenadoria de Vias Especiais - CVE, da Prefeitura, e em uma patrulha da PM, na entrada do túnel Santa Bárbara, em Laranjeiras, a cerca de 500 metros do Palácio Guanabara. À época, a Governadora era a ex-Senadora Benedita da Silva, hoje Ministra da Ação Social, e o Prefeito era César Maia.

No dia 24 de junho, a sede da prefeitura, na Cidade Nova, foi atingida por mais de 200 tiros. Uma granada também foi arremessada, sendo, posteriormente, detonada pelo Esquadrão Antibomba.

Em 11 de setembro passado, uma ação orquestrada por integrantes do crime organizado foi desencadeada em todo o Rio de Janeiro. A ação interferiu no quotidiano de moradores de nove bairros do Rio. Numa demonstração de força, traficantes ordenaram o fechamento do comércio nessas áreas.

Ainda em setembro de 2002, no dia 30, traficantes ordenaram o fechamento do comércio e de escolas em vários bairros do Rio e em outros Municípios da Região Metropolitana. Foi um protesto organizado contra a transferência de presos de uma facção criminosa do Presídio Bangu I para o Batalhão de Choque.

Finalmente, no início na madrugada de 16 de outubro do ano passado, ocorreram disparos contra o Palácio Guanabara, em Laranjeiras, sede do governo estadual. Foi o lance mais ousado de uma série de ataques que aterrorizaram a zona sul, a 50 quilômetros do Presídio Bangu III, onde acontecia uma tentativa de fuga. Duas rajadas de metralhadora marcaram com nove tiros a fachada e as pilastras do Palácio, um dos símbolos mais importantes da República.

Para estudiosos da violência, o Poder Público demorou a reagir contra os traficantes, o que facilitou a expansão de seus poderes. A descontinuidade das políticas para o setor só agravou o problema. Ao que tudo indica, as autoridades demoraram a admitir que o crime organizado estava cada vez mais forte. Primeiro, eles dominaram as comunidades; depois, passaram a fazer algumas incursões, exibindo seu poder em alguns bairros.

Como disse o jornalista Jânio de Freitas, numa de suas mais importantes colunas: “Diante desse quadro, a palavra, em verdade, está com todos”. É preciso que todos nós, brasileiros, Senadores e Senadoras, membros do Congresso Nacional, Vereadores do Rio de Janeiro, Deputados Estaduais, professores, pessoas das mais variadas profissões, pensemos numa solução para o problema.

Na manhã de ontem, o Prefeito César Maia, por quem tenho o maior respeito, deu uma entrevista à rádio CBN - hoje reproduzida - sobre a onda de violência na cidade do Rio de Janeiro. Ele propôs que o crime organizado seja enfrentado com mais rigor. Mas, como exemplo, disse que, se fosse Governador em 11 de setembro de 2002, quando traficantes chefiados por Fernandinho Beira-Mar rebelaram-se em Bangu I, teria mandado o Bope, Batalhão de Operações Especiais, invadir o presídio, sem se preocupar com as conseqüências, inclusive “matando quem tivesse que matar”.

Procedimento dessa natureza faz lembrar o famoso massacre do Carandiru, onde 111 pessoas foram mortas, fazendo com que o País, infelizmente, registrasse um dos dias mais negros de desrespeito aos direitos humanos. Por esse episódio, o Brasil acabou sendo tantas vezes mencionado como um lugar onde não se respeitam os direitos humanos, onde não se respeita a ordem constituída.

César Maia disse que “quando um delinqüente tem espaço para produzir ações de terror e guerrilha urbana, como temos visto no Rio, é que ele não acredita mais na autoridade. Temos que inverter isso. Se possível, prendendo. No limite, usando sua arma. Bandido tem que ter medo da polícia. Deve-se pensar em direitos humanos para os que respeitam a lei”.

Ouvi, ainda hoje de manhã, reprodução da entrevista do Prefeito e lembro-me da passagem em que afirma que, segundo a sua determinação, se os membros do Bope tivessem uma série de bandidos pela frente, deveriam determinar que todos ficassem deitados no chão e atirar para matar na pessoa que, porventura, se mexesse.

Ora, se de um lado, o Prefeito tem razão quando afirma que existe um vazio de autoridade no Rio, é preciso pensar que tomar medidas enérgicas para combater o crime organizado não significa dar à polícia autonomia para sair matando. Em ocasiões como esta, é ainda maior a responsabilidade para não se agir precipitadamente. Como disse a Drª Sandra Carvalho, diretora da ONG Justiça Global, “declarações como essas podem estimular as pessoas a tentar fazer justiça com as próprias mãos”.

Medidas emergenciais são necessárias para conter essa violência e defender o cidadão carioca contra as ações do crime organizado. O Governo Federal concordou em colocar o efetivo militar à disposição do governo estadual, sob o comando do Exército, conforme anunciou, hoje, o Ministro da Justiça. Será uma colaboração emergencial, visando a garantir a tranqüilidade da população. Obviamente, é um apoio para os Governos Estadual e Municipal do Rio de Janeiro, mas é importante mencionar que o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem um plano nacional de segurança pública consistente, conforme enfatizou hoje o Ministro da Justiça, Márcio Thomas Bastos, que tem como objetivo revitalizar as polícias e dar combate sem trégua ao crime organizado. O plano ambiciona mudar o que se chama de linha da produção da criminalidade. A seqüência polícia-justiça-cadeia precisa se transformar numa linha de combate ao crime, especialmente ao crime organizado, e não numa linha de estímulo ao crime.

A questão da violência tem muitas facetas. Ela não pode ser tratada separadamente da questão financeira dos Estados e, mais do que isso, da política econômica, da grave situação de desemprego que ainda perdura no País, do fato de tantas pessoas não terem uma renda adequada para sobreviver com dignidade.

É preciso que venhamos a pensar no curto, no médio e no longo prazo em ações que visem à implantação de políticas sociais voltadas para a recuperação da auto-estima das pessoas. E, para isso, é fundamental a implantação dos programas que promovam uma sociedade mais igual, mais justa, mais organizada.

Sr. Presidente, ressalto, ainda, a importância das declarações do Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Rubens Approbato Machado a respeito das declarações do Prefeito César Maia de que a polícia tem que agir para matar quando das rebeliões em presídios. Será que esse é o procedimento mais adequado? Não será a manifestação do Prefeito uma volta à barbárie, uma forma de equiparar o Estado oficial à delinqüência? É preciso ponderar com o Presidente da OAB, pois parece que o Prefeito do Rio de Janeiro está utilizando uma linguagem fácil para o público aceitar que é preciso castigar, de maneira generalizada, os responsáveis pelo crime. E César Maia faz isso sem se dar conta de que o tipo de atitude por ele propugnada poderá ceifar a vida de pessoas inocentes, como já ocorreu.

Se nós, pela voz de tantos Srs. Senadores, de maneira unânime, consensual, propugnamos, junto ao Presidente George Walker Bush e ao Primeiro-Ministro Tony Blair, respectivamente dos Estados Unidos e da Inglaterra, para que não usem dos instrumentos bélicos e da violência para desarmar o Iraque, será que vamos agora propugnar, dentro das nossas cidades, para que as autoridades usem de violência indiscriminada?

Ora, Sr. Presidente Rodolpho Tourinho, sendo o Prefeito César Maia do PFL, eu gostaria de aqui colocar que é necessária, sim, uma ação rigorosa contra o crime, mas dentro da lei. É preciso que o Prefeito, que conhece tão bem a Constituição, leve em consideração que existem, no Brasil, normas constitucionais e formas de as autoridades responsáveis pela segurança agirem contra o crime, responsavelmente, sem que estejamos voltando à lei de talião, à barbárie.

Não podemos equiparar o Estado oficial aos delinqüentes, estimulando a violência. O que precisamos, sim, é de uma ação enérgica, preventiva, e nenhuma ação será mais preventiva do que a colocação em prática, o mais rapidamente possível, de uma política econômica que objetive uma sociedade mais justa, que ofereça oportunidade de emprego a todos os brasileiros e com a firme determinação de se assegurar a todos o direito inalienável de participar da riqueza da Nação.

É preciso, inclusive, neste momento em que o Governo Luiz Inácio Lula da Silva está preparando as reformas fiscal, tributária e previdenciária, que consideremos como base tanto do sistema fiscal quanto do sistema previdenciário que todo e qualquer brasileiro receba, como um direito à cidadania, uma renda, ainda que básica, modesta, mas suficiente para a sobrevivência de cada um.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/02/2003 - Página 2742