Discurso durante a 11ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre o programa "Fome Zero" do Governo Federal.

Autor
Ana Júlia Carepa (PT - Partido dos Trabalhadores/PA)
Nome completo: Ana Júlia de Vasconcelos Carepa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Considerações sobre o programa "Fome Zero" do Governo Federal.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 07/03/2003 - Página 2912
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • ANALISE, PROGRAMA, GOVERNO FEDERAL, COMBATE, FOME, PARTICIPAÇÃO, SOCIEDADE CIVIL, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), SINDICATO, IGREJA, PRIORIDADE, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), RESPOSTA, CRITICA, MANIPULAÇÃO, OPINIÃO PUBLICA.
  • JUSTIFICAÇÃO, METODOLOGIA, PROGRAMA, COMBATE, FOME, DEFINIÇÃO, RENDA, FAMILIA, VALOR, CESTA DE ALIMENTOS BASICOS, ATENDIMENTO, EMERGENCIA, INTEGRAÇÃO, POLITICA, REESTRUTURAÇÃO, SOLUÇÃO, ORIGEM, PROBLEMA, PARTICIPAÇÃO, MUNICIPIOS, COMUNIDADE, REGISTRO, RECEBIMENTO, APOIO, AMBITO INTERNACIONAL, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ALIMENTAÇÃO E AGRICULTURA (FAO).
  • IMPORTANCIA, REFORMA AGRARIA, INCENTIVO, AGRICULTURA, PECUARIA, DESENVOLVIMENTO REGIONAL, OBJETIVO, COMBATE, FOME, PRIORIDADE, PROGRAMA, REGIÃO NORTE, REGIÃO NORDESTE.
  • IMPORTANCIA, DEMOCRACIA, DISCUSSÃO, PLANO, SAFRA, PARTICIPAÇÃO, MINISTERIO DO DESENVOLVIMENTO AGRARIO, CONSELHO, SEGURANÇA, NATUREZA ALIMENTAR, MINISTERIO DA AGRICULTURA PECUARIA E ABASTECIMENTO (MAPA), AMBITO, POLITICA, COMBATE, FOME.

A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, antes de iniciar meu pronunciamento a respeito de um programa tão importante como o Fome Zero, gostaria de agradecer as palavras do Senador Pedro Simon em relação às mulheres e dizer a S. Exª que é bem de acordo com o momento que estamos vivendo. Daqui a dois dias, comemora-se o Dia Internacional da Mulher, na verdade, o dia internacional da luta da mulher. O mundo inteiro sabe por que o dia 8 de março foi considerado o Dia Internacional da Mulher. Realmente, é cada vez maior a participação das mulheres não só no dia-a-dia deste País, mas na discussão e nas propostas de solução para os problemas e para o destino do Brasil, haja vista o crescimento de 100% do número de Senadoras. Várias Senadoras são as primeiras de seus Estados, como eu, as Senadoras Serys Slhessarenko, Ideli Salvatti, Fátima Cleide e outras.

Então, eu gostaria de agradecer as palavras de V. Exª, Senador Pedro Simon, e dizer que nos preocupamos muito com o problema da juventude. Quero até elogiar a imprensa do meu Estado, porque divulgou, esses dias, o que os católicos carismáticos realizam por todo o Brasil, assim como os evangélicos; são todos cristãos.

Desejo falar sobre um programa importante, que foi considerado prioridade de governo pelo Poder Executivo. Trata-se de um amplo, sério e consistente programa para pôr fim à fome no Brasil e que está sendo saudado como um importante marco histórico para o País. Representantes de organismos internacionais se vêm pronunciando a seu respeito como relevante referência para todas as nações que convivem com esse danoso e problemático drama social.

O programa tem sido elaborado com ampla “participação de representantes de ONGs, institutos de pesquisa, sindicatos, organizações populares, movimentos sociais - inclusive da Igreja - e especialistas ligados à questão da segurança alimentar de todo o Brasil”. Mas, nem por isso, têm faltado críticas ao programa Fome Zero. A formulação de críticas é, em princípio, necessária e bem-vinda, até porque do debate surgem as melhores idéias. É um rico e importante momento em que as propostas do Fome Zero estão sendo expostas, discutidas e avaliadas pela chamada sociedade civil, da qual se espera, aliás, não só uma colaboração crítica, mas um efetivo engajamento nesse grande projeto de transformação social do País.

Deve ser salientado, entretanto, que muitas dessas críticas são injustas e até improdutivas, quer pelo desconhecimento do programa, quer pelo inconfessável desinteresse em que os objetivos do programa sejam realmente alcançados.

Alega-se, por exemplo, que o programa foi concebido com objetivos de “puro marketing político”. Um jornalista chegou a insinuar que o Presidente Lula o adotou depois de eleito, por sugestão do responsável pelo setor de comunicação da sua vitoriosa campanha, na falta - ele supõe - de qualquer proposta social consistente.

Já lembrei aqui, Sr. Presidente, que o programa Fome Zero foi elaborado com base em um amplo processo participativo, suprapartidário, e divulgado ao público, em outubro de 2001 - o início de uma proposta concreta, mas fruto de um debate com ampla participação da sociedade. Esse processo durou cerca de um ano e, na época, foi empreendido pelo Instituto da Cidadania, que tinha como um de seus coordenadores, até então, o cidadão Luiz Inácio Lula da Silva.

Além disso, a priorização desse problema, no bojo de um amplo combate às desigualdades sociais no Brasil, corresponde a uma das preocupações nucleares do PT. O Partido, que surgiu diretamente das lutas e da mobilização da classe trabalhadora, mantém bem vivos, apesar de todos os processos de mudança inevitáveis pelos quais tem passado, os vínculos com sua origem político-social e com seu projeto de profunda transformação da sociedade injusta em que vivemos.

Também, parecem-me pouco construtivas as críticas que se concentram no questionamento do número de famintos no País e do conceito que melhor define esse terrível problema que afeta o nosso povo: se é a fome, a desnutrição, a subnutrição, ou, afinal, a má alimentação. Essas definições podem ser importantes para uma discussão acadêmica do assunto, mas, do modo como vêm sendo colocadas, mostram um propósito de arrefecer, talvez, o apoio e a possibilidade de mobilização da sociedade em torno de uma questão tão crucial para o País. Aliás, como o Senador Pedro Simon, reafirmo a importância de uma escola de samba, como a Beija-Flor, colocar como seu tema fundamental “aqueles que produzem a guerra também podem fazer a paz”, porque, assim como a fome é conseqüência do problema da má distribuição de renda, também a violência é mais um subproduto dele, aliás, muito caro para milhares e milhares no País.

Quando Josué de Castro, médico, sociólogo pernambucano, publicou seu livro revolucionário Geografia da Fome, em 1946, chamando a atenção de todos para o problema, muitas foram as pressões para que suprimisse a palavra “maldita”, indigesta para as classes dominantes brasileiras. Se a fome se relaciona, basicamente, à deficiência energética, levando, necessariamente, quando prolongada, à desnutrição, há casos de desnutrição que não são relacionados com a fome, mas que correspondem à deficiência específica de certos nutrientes, necessários na alimentação de um ser humano, para que se torne produtivo.

A fome é um fato social, criado por uma sociedade estruturalmente desigual e injusta, mais ligado a fatores da política econômica do que da biologia clínica. A fome não é só uma conseqüência da desigualdade, mas também uma causa da sua perpetuação, minando a dignidade e a capacidade de trabalho dos que dela padecem, gerando carências alimentares que prejudicam a formação física e intelectual de nossas crianças, desde a fase pré-natal.

Não há consenso sobre o número de famintos em nosso País. Tudo depende das medidas e critérios utilizados para definir quem compõe esse contingente.

O programa Fome Zero optou por seguir a tendência predominante das pesquisas, que relaciona a carência de alimentos com a insuficiência de renda para obtê-los. Definiu-se, assim, uma linha de pobreza, considerando-se o rendimento familiar e o valor regionalizado da cesta básica, chegando-se ao resultado de 9,9 milhões de famílias ou de 46 milhões de pessoas que não possuem renda suficiente para garantir sua segurança alimentar, estando, portanto, vulneráveis à fome.

Garantir a segurança alimentar é assegurar tanto a regularidade de uma alimentação saudável, como a dignidade dos meios com que ela é obtida. Hoje, um imenso contingente de pessoas se alimenta do lixo ou se vale da caridade, o que não garante a regularidade.

Importante ressaltar que esse atendimento emergencial da população em risco de desnutrição é apenas uma parte dos objetivos do programa Fome Zero. Aqueles que o caracterizam como um programa assistencialista, de fato, não o compreenderam em toda a sua amplitude.

Buscou-se criar, com o programa Fome Zero, pela primeira vez, uma política integrada de combate à fome no Brasil. Não bastam ações voltadas para problemas emergenciais, como na ocorrência de secas no Nordeste, ou ações pontuais e desarticuladas.

Sr. Presidente, um dos méritos inegáveis do programa Fome Zero é o de afirmar, com toda a nitidez, a necessidade de conjugar adequadamente “políticas estruturais, voltadas para as causas profundas da fome e da pobreza; políticas específicas, voltadas para atender diretamente as famílias no que se refere ao acesso ao alimento; e políticas locais, que podem ser implantadas por prefeituras e pela sociedade.”

Argumenta o documento elaborado pelo Instituto da Cidadania que combater o problema apenas por políticas de caráter estrutural ou de caráter emergencial resultaria insuficiente. Abandonar as medidas emergenciais e compensatórias implicaria graves conseqüências imediatas, como o aumento da desagregação social e familiar e da violência - que vemos, infelizmente, a todo momento -, uma vez que o resultado das políticas estruturais pode requerer anos, e às vezes décadas, para configurar-se consistentemente. Vale lembrar o bordão lançado e repetido tantas vezes pelo nosso querido Betinho: “Quem tem fome tem pressa”.

Restringir-se, por sua vez, apenas àquelas medidas de caráter compensatório ou assistencial, “enquanto - nos termos do documento - as políticas estruturais seguem gerando desemprego, concentrando a renda e ampliando a pobreza (...) significa desperdiçar recursos, iludir a sociedade, perpetuar o problema”.

Entre umas e outras, situam-se as políticas locais, que muito dependem do engajamento da sociedade civil organizada, de empresas e de pessoas de boa vontade, para obter soluções criativas e adequadas às condições de cada localidade, de cada comunidade, voltadas sobretudo para o estímulo à geração de emprego e de renda.

Essa visão ampla e abrangente das medidas de combate à fome, a preocupação em articulá-las, de forma consistente e continuada, conclamando a população a delas participar, juntamente com a sua priorização entre os objetivos de governo são, sem dúvida, responsáveis pelo apoio que o Fome Zero vem obtendo até internacionalmente.

Assim que o programa foi anunciado pelo Presidente eleito, ouvimos palavras de louvor e de disposição para colaborar do Secretário-Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, do Presidente do Banco Mundial, James Wolfensohn, e do Presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento, Enrique Iglesias. O relator especial da ONU sobre o Direito à Alimentação, Jean Ziegler, foi particularmente enfático ao qualificar o programa Fome Zero como “o melhor do mundo” e “exemplo para toda a comunidade internacional”. Ressaltou o especialista suíço o fato inédito de que um país poderoso elegia a fome como problema central e um ministério era criado para combatê-la e garantir a segurança alimentar. Elogiava ainda a fórmula do Governo brasileiro de mobilizar vários ministérios de forma articulada para enfrentar problemas sociais.

O apoio internacional começa a se traduzir em atos concretos com a visita do Diretor-Geral da FAO, Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação, o senegalês Jacques Diouf. Além de anunciar a doação da contribuição inicial de US$1 milhão, Diouf pretende divulgar para a comunidade internacional o programa Fome Zero, definido como “a tomada de posição mais firme e decidida adotada por um governo para alcançar a meta combinada pelos chefes de Estado e de Governo na Cúpula Mundial sobre a Alimentação de reduzir pela metade, antes de 2015, o número de pessoas que passa fome no mundo”.

Não há como tratar, neste pronunciamento, de toda uma série de temas relevantes para a implementação e o sucesso do programa que se propõe acabar com a fome e a insegurança alimentar no Brasil, tornando realidade a “opção preferencial pelos pobres” em um dos países mais desiguais do mundo. Mencionemos apenas a necessidade de realização de uma verdadeira e tão adiada reforma agrária em nossas terras e, ainda, o grande impulso que a agricultura, a pecuária e a agroindústria brasileiras devem receber ao produzir para um mercado consumidor interno que abrangerá a totalidade de nossa população.

Outro aspecto importante a merecer, ainda que breve, uma menção é a desigual distribuição da fome e da pobreza em nosso território. Combater a fome no Brasil significa, também, cumprir o preceito constitucional de reduzir as desigualdades regionais. Assim, naturalmente, deve ser priorizada a implantação do programa entre as populações das regiões Norte e Nordeste, que aparecem nos primeiros lugares nas estatísticas da escassez de alimentação.

As regiões Norte e Nordeste concentram, sozinhas, 86% dos Municípios onde o nível de pobreza é maior -- e que aguardam, portanto, com maior urgência, os estímulos ao seu desenvolvimento social e econômico. Para citar exemplo, em nosso Pará requerem atenção especial os Municípios de Melgaço, Cachoeira do Piriá, Bagre, Garrafão do Norte, Chaves, São João do Araguaia, Santa Luzia, Anajás, Curralinho e Nova Esperança do Piriá, cujos Índices de Desenvolvimento Humano são inferiores a 0,6.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, sabemos das dificuldades de ordem econômico-financeira que afetam o nosso País, impondo a tomada de medidas duras, como as qualificou o Presidente Lula, que importam, mais uma vez, sacrifícios de nossa população. Devemos entendê-las como medidas temporárias, indispensáveis para garantir o equilíbrio da economia nacional em período e condições particularmente difíceis. A população brasileira tem, no entanto, o direito de esperar e exigir que a política econômica nacional venha a se pautar, no mais breve intervalo possível, pela imperiosa e inquestionável necessidade do aumento da produção, da criação de empregos e da distribuição de renda.

Não podemos, em nenhuma hipótese, perder a oportunidade histórica consubstanciada no programa Fome Zero para a superação do secular problema da fome entre os brasileiros, oferecendo, ademais, um importante exemplo para um mundo, cada vez mais pautado pela indiferença diante das parcelas menos favorecidas da humanidade.

Conclamamos, portanto, a sociedade brasileira ao engajamento, da forma mais ampla e entusiástica e de acordo com as possibilidades de cada um, nessa tarefa de tão transcendente importância para o nosso presente e para o futuro da Nação.

Cito um exemplo concreto de como está atuando o programa Fome Zero. Hoje, o Conselho Nacional de Segurança Alimentar, Consea, na verdade, incorpora-se não só ao debate sobre a distribuição de alimentos, mas ao debate sobre a produção de alimentos e sobre todos os elementos que envolvem essa produção.

Para se ter uma idéia, o Plano Safra todos os anos destinava 90% dos recursos apenas aos grandes produtores agrícolas, os agroindustriais, ao chamado agribusiness.

Hoje, o Plano Safra não é discutido apenas pelo Ministério da Agricultura. Na última reunião do Consea - inclusive com a presença do Presidente Lula - foi colocada a idéia de que ele discuta o novo Plano Safra, uma política de safra, os instrumentos para estimular a produção de alimentos, como crédito, preço mínimo, garantia de compra da produção e segurança agrícola, juntamente com os Ministérios da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário, para que os recursos não sejam prioridade, como eram antes - com a destinação de 90% -, apenas para os agronegócios, mas também para a agricultura familiar, para os assentamentos, numa opção concreta que faz esse Governo de que o programa Fome Zero não existe apenas para matar a fome, mas também para se ocupar com a produção e com a distribuição de alimentos.

Quando o Ministério do Desenvolvimento Agrário e o Conselho de Segurança Alimentar discutem o Plano Safra, discute-se geração de emprego e renda, políticas que, na verdade, não são efêmeras, mas duradouras, para que o problema da fome possa ser solucionado em nosso País.

Eu gostaria de registrar que, infelizmente, a maioria da população brasileira não sabe da decisão de discutir a safra deste ano sob uma outra ótica, com a participação do Conselho de Segurança Alimentar e do Ministério do Desenvolvimento Agrário. Como disse o Senador Pedro Simon, a imprensa, às vezes, quer publicar apenas as notícias negativas. Vale registrar, portanto, para que todo o povo brasileiro saiba, que medidas concretas estão sendo tomadas não apenas para matar a fome, mas para acabar de vez com o problema que causa a fome. Isso nos fará adentrar o novo século trabalhando não apenas para o presente, mas pensando no futuro, já que seremos cobrados amanhã pelas gerações futuras pelas oportunidades que temos para dar uma chance a este País. E nossa oportunidade é neste momento. Portanto, eu gostaria de parabenizar o Programa Fome Zero.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Senadora Ana Júlia, concede-me V. Exª um aparte?

A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - PA) - Pois não, Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Quero cumprimentá-la, Senadora Ana Júlia, por ressaltar a importância do Programa Fome Zero, do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Quando o economista Amartya Sen ganhou o prêmio Nobel de Economia perante a Academia Real de Ciências da Suécia, em Estocolmo, ele dedicou-se muito à teoria do bem-estar, da escolha social e observou quão difícil é a teoria da escolha das pessoas numa sociedade. Ele ressaltou o que havia sido mostrado pelo economista Kenneth Arrow, também outro laureado com o Nobel, que, em 1951, escreveu a seguinte teoria: numa sociedade onde houvesse três pessoas - “x”, “y” e “z” -, existindo três opções de bem-estar, “x” preferiria “a” como melhor que “b”, melhor que “c”; “y” preferiria “c” como melhor que “b”, melhor que “a”; e “z” preferiria outra ordem de coisas. Poder-se-ia demonstrar que seria praticamente impossível obter-se uma regra de maioria, em que sempre se conseguisse que todos escolhessem, por maioria, o melhor para a sociedade. Amartya Sen, apesar das dificuldades de decisões por maioria democrática, nunca perdeu a fé na tomada de decisões por maioria democrática, sobretudo para problemas de enorme transcendência numa sociedade. E é também de Amartya Sen a observação de que, quando há efetiva liberdade e democracia, normalmente os problemas de fome prolongada são minimizados na sociedade. Em seu livro Desenvolvimento como Liberdade, ressalta que, nos mais diversos países ditatoriais, capitalistas ou de regime de planejamento centralizado, geralmente houve fome endêmica grave e prolongada. Por outro lado, onde há democracia, normalmente a sociedade se organiza de alguma maneira para que não haja fome endêmica prolongada. O cientista também salienta que, quando uma sociedade determina como objetivo maior e importante o combate à fome, o problema da escolha da decisão mais importante a ser tomada normalmente é resolvido por grande maioria e com grande apoio. Ora, estamos vivendo no Brasil justamente a oportunidade de demonstrar o que Amartya Sen disse em seu discurso de 1998, perante a Academia, quando ganhou o Prêmio Nobel, pois o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, já em sua campanha, sensibilizou os brasileiros para o objetivo de erradicar a fome e a miséria neste País, melhorar a distribuição da renda, conferir grande importância à geração de empregos, ao crescimento e assim por diante. E agora passamos efetivamente a colocar em prática o Programa Fome Zero, que tem um objetivo estrutural, o objetivo de mobilizar a população inclusive para produzir mais alimentos, estimulando a agricultura familiar e as formas cooperativas de produção. Há também um debate muito positivo a respeito de qual seria o melhor instrumento, qual a melhor maneira de se dar às pessoas, em qualquer parte do Brasil, o direito de se alimentar três vezes ao dia. Ali em Guaribas e Acauã, no interior do Piauí, na região semi-árida, começa a primeira experiência-piloto: estão sendo distribuídos 500 cartões num município e 500 cartões noutro município, ambos com aproximadamente 5 mil habitantes. Portanto, provavelmente há cerca de 1.500 ou 2.000 mil famílias participando efetivamente desse Programa, o que significa o atendimento de quase 1/3 ou pelo menos 1/4 da população. Nas próximas semanas, será realizado um acompanhamento das famílias beneficiárias para se verificar em que medida o programa está sendo aceito, como é que está sendo feita a utilização dos cartões-alimentação, qual a adequação de se pedir às pessoas a utilização dos cartões apenas em alimentos. Eu, por exemplo, tenho ressaltado a importância de se averiguar bem isso, mas, quem sabe, não seria mais adequado deixar de lado essa preocupação com o controle de gastos de cada um em cada tipo de alimento, permitindo-se às próprias famílias escolherem com quê gastar. Obviamente, deve-se estimular essas famílias a se organizarem, seja para a construção de cisternas, seja para o programa de alfabetização, seja para outras coisas que permitam a elas superar sua exclusão do processo de desenvolvimento econômico brasileiro. É muito importante que nós, no Senado Federal, no Congresso Nacional, acompanhemos de perto essas experiências. Aliás, eu disse ao Ministro José Graziano que, ainda neste mês de março, espero ir a Guaribas e Acauã para acompanhar de perto essa experiência, trazendo meu testemunho sobre a opinião dessas famílias, que certamente devem estar muito envolvidas e entusiasmadas com o Programa. Isso será um extraordinário aprendizado para, efetivamente, fazermos todos os brasileiros alimentarem-se e participarem da riqueza desta Nação. Meus cumprimentos a V. Exª.

A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - PA) - Muito obrigada, Senador Eduardo Suplicy.

Sr. Presidente, a grande riqueza deste Governo é o debate democrático, que permite que um programa seja feito e seja, sistematicamente, acompanhado e avaliado, para que possamos fazer o melhor em relação ao Programa Fome Zero.

Fiz questão de ressaltar a novidade da forma democrática como se está discutindo a safra para este ano, como nunca se fez, com a participação não apenas dos grandes agricultores do nosso País, mas também dos pequenos, dos agricultores familiares, dos assentados. A participação do Conselho de Segurança Alimentar (Consea) nessa definição torna-o, além de mais democrático, mais eficaz, porque não queremos apenas distribuir alimentos. Discutir a produção de alimentos e erradicar a fome é, com certeza, distribuir melhor a renda no Brasil .

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/03/2003 - Página 2912