Discurso durante a 11ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Leitura dos termos do despacho do Presidente do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar e do Presidente do Senado Federal, referente às escutas telefônicas no Estado da Bahia. Comentários à Medida Provisória 108, de 2003, que cria o Programa Nacional de Acesso à Alimentação - Cartão Alimentação. Apoio aos esforços pela paz do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SENADO. POLITICA SOCIAL. POLITICA EXTERNA.:
  • Leitura dos termos do despacho do Presidente do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar e do Presidente do Senado Federal, referente às escutas telefônicas no Estado da Bahia. Comentários à Medida Provisória 108, de 2003, que cria o Programa Nacional de Acesso à Alimentação - Cartão Alimentação. Apoio aos esforços pela paz do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Publicação
Publicação no DSF de 07/03/2003 - Página 2924
Assunto
Outros > SENADO. POLITICA SOCIAL. POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • EXPECTATIVA, INSTALAÇÃO, CONSELHO, ETICA, SENADO, LEGISLATURA, OBJETIVO, ANDAMENTO, PROVIDENCIA, REFERENCIA, INVESTIGAÇÃO, PARTICIPAÇÃO, SENADOR, ESCUTA TELEFONICA, ESTADO DA BAHIA (BA).
  • LEITURA, MEDIDA PROVISORIA (MPV), COMENTARIO, CRIAÇÃO, PROGRAMA NACIONAL, ACESSO, ALIMENTAÇÃO, AMBITO, COMBATE, FOME, DEFINIÇÃO, CRITERIOS, POSSIBILIDADE, RECEBIMENTO, DOAÇÃO, EXPECTATIVA, DEBATE, CHEFE DE ESTADO, PAIS ESTRANGEIRO, FRANÇA, ALEMANHA, GRÃ-BRETANHA, OPOSIÇÃO, GUERRA, ORIENTE MEDIO, SOLUÇÃO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), CONFLITO.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, em primeiro lugar, farei referência ao assunto tratado no pronunciamento da Senadora Heloísa Helena.

Gostaria de fazer observações quanto aos termos do despacho do Presidente do Conselho de Ética, Juvêncio da Fonseca, no dia 27 - “Encaminhe-se à Mesa Diretora, enviando cópia à Polícia Federal” -, à representação formulada pelos 14 Senadores do Partido dos Trabalhadores, e também do Presidente do Senado Federal, Senador José Sarney, em 5 de março, ontem, nos seguintes termos:

Assim, o requerimento é dirigido ao Conselho de Ética, ao qual requer providências.

Seu encaminhamento à Mesa é apenas para dar conhecimento, não sendo solicitada qualquer manifestação.

Por outro lado, o Presidente do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar já tomou a providência de acompanhar, através de uma comissão de três (3) senadores, o inquérito que se desenrola em instância própria.

Ciente, nada a despachar.

Srª Presidente, levando em conta esses despachos, considero que cabe ainda ao Conselho de Ética reunir-se, e, obviamente, isso só poderá ocorrer se o mesmo estiver constituído. Portanto, a manifestação do Presidente José Sarney, por enquanto, é apenas de ciência, não de arquivamento, conforme a imprensa em princípio registrou. S. Exª diz apenas: “Ciente, nada a despachar”. Consciente, portanto, de que o Conselho de Ética tem ainda o que definir. Daí a importância de o Conselho de Ética constituir-se o quanto antes, para começar o seu trabalho.

Srª Presidente, gostaria também de comentar a Medida Provisória nº 108, de 27 de fevereiro de 2003, que cria o Programa Nacional de Acesso à Alimentação - Cartão Alimentação.

É importante essa medida legislativa, porque é a primeira que dá caráter legal ao Cartão Alimentação, que constitui um dos instrumentos chaves do Projeto Fome Zero. Até o presente, não tínhamos a definição das pessoas ou famílias que teriam direito ao Cartão Alimentação.

Recordo, Srª Presidente, que, no mês de dezembro último, constituiu-se um grupo de trabalho, denominado “Governo de transição”, cujo coordenador foi o atual Ministro da Fazenda, Antônio Palocci. E uma das principais recomendações desse Governo de transição foi, após realizado o levantamento dos mais diversos tipos de programas de transferência de renda - o programa de renda mínima associado à educação, ou Bolsa-Escola; programa de renda mínima associado à saúde, ou Bolsa-Alimentação; o Bolsa-Renda, para famílias atingidas por calamidades públicas; o vale-gás; o programa de erradicação do trabalho infantil; e outros procedimentos de transferência de renda -, no sentido de coordenar, racionalizar os diversos programas e, se possível, unificá-los. Inclusive, em junho último, o Governo Fernando Henrique Cardoso havia recomendado que fosse feito um cadastro único dos programas sociais. Também o Governo de transição considerou a coordenação dos esforços nesse sentido, ao se instituir o Programa Fome Zero e o possível Cartão Alimentação.

Vejamos aqui como é definido o Programa Nacional de Acesso à Alimentação - Cartão Alimentação. Vou ler e comentar a Medida Provisória nº 108, pois é curta:

O Presidente da República, no uso da atribuição que lhe confere o art. 62 da Constituição, adota a seguinte Medida Provisória, com força de lei:

Relembremos que a medida provisória passa a valer como lei a partir da sua edição, tendo o Congresso Nacional um prazo regimental e constitucional para apreciar, fazer sugestões, modificar ou não e aprovar o respectivo projeto de conversão em lei.

Art. 1º - Fica criado o Programa Nacional de Acesso à Alimentação - Cartão Alimentação, vinculado às ações dirigidas ao combate à fome e à promoção da segurança alimentar e nutricional.

Parágrafo único - Considera-se segurança alimentar e nutricional a garantia da pessoa humana ao acesso alimentação todos os dias, em quantidade suficiente e com a qualidade necessária.

Aqui está se definindo o que é a segurança alimentar, ressaltando quantidade e qualidade de alimento necessárias e suficientes para cada pessoa.

Art. 2º - O Cartão Alimentação constitui o instrumento que garantirá, a pessoas em situação de insegurança alimentar, recursos financeiros ou acesso a alimentos, podendo ser implementado em cooperação com Estados, Distrito Federal e Municípios, observado o disposto em regulamento.

Não estão definidas quaisquer exigências ou contrapartidas, por enquanto. Isso será definido em regulamento.

Art. 3º - O Poder Executivo definirá os critérios para a concessão do benefício, a organização do cadastramento da população junto ao programa, o valor do benefício por pessoa ou por unidade familiar.

É dada flexibilidade ao Executivo se vai ser por pessoa ou por família o período de duração do benefício e as formas de controle social do Cartão Alimentação. Isso fica a critério do Poder Executivo.

§ 1º - O Cartão Alimentação não será concedido para pessoa com renda familiar mensal per capita superior a meio salário mínimo.

Esse é um dos objetivos principais dessa medida provisória ou desse instrumento legal. O Cartão Alimentação será conferido àquelas pessoas ou famílias quando a renda familiar for até meio salário mínimo per capita.

Aqui há uma questão, Senadora Serys Slhessarenko. Se o cartão for conferido à pessoa com renda mensal per capita até meio salário mínimo, a pergunta é: Será esse direito, conferido em lei, estendido a toda e qualquer pessoa no Brasil com rendimento até meio salário mínimo? Isso não está suficientemente esclarecido ainda nesta medida provisória, mas é uma questão da maior relevância, que se relaciona aos demais programas de transferência de renda a que me referi.

§ 2º - Para efeito desta Medida Provisória, considera-se família a unidade nuclear, eventualmente ampliada por outros indivíduos que com ela possuam laços de parentesco, que forme um grupo doméstico, vivendo sob o mesmo teto e mantendo sua economia pela contribuição de seus membros.

É uma clara definição do que se considerará como unidade familiar. Assim, pessoas que residem sob o mesmo teto, mantendo sua economia pela contribuição de seus membros, podendo até haver, nesse lugar, pessoas que não têm necessariamente laços sangüíneos, mas laços afetivos, moram no mesmo lugar e se consideram, portanto, uma família. Considero essa definição bem formulada.

§ 3º - Na determinação da renda familiar per capita, será considerada a média dos rendimentos brutos auferidos pela totalidade dos membros da família, excluídos apenas os provenientes do Programa de que trata esta Medida Provisória.

Esse parágrafo refere-se àqueles que terão direito ao Cartão Alimentação, programa de que trata esta medida provisória. Aqui se menciona que será considerada a média dos rendimentos brutos auferidos pela totalidade dos membros da família. Não está claramente dito se só se consideram os rendimentos digamos, no mercado formal, registrados em carteira ou aluguel formalmente declarado, e assim por diante. Entendo que, pela definição dos rendimentos brutos, estão sendo considerados rendimentos de toda e qualquer natureza, incluindo os de natureza informal, algo que deverá ser objeto de melhor consideração por parte dos gestores e ainda, possivelmente, de regulamentação.

Art. 4º - A concessão do Cartão Alimentação não gera direito adquirido, dado o seu caráter temporário.

Por enquanto, o Cartão Alimentação, no objetivo do Programa Fome Zero, é definido como tendo um caráter temporário. Sobre isso, quero, ao final, tecer mais considerações.

Art. 5º - As despesas com o Cartão Alimentação correrão à conta das dotações orçamentárias consignadas anualmente na unidade do Gabinete do Ministro de Estado Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome.

Por enquanto se sabe que para o Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome - que recebeu o nome de MESA, aliás, lembrando o sentido de fraternidade de as pessoas estarem sentadas à mesa, que é o sentido do Programa Fome Zero -, no orçamento de 2003, foi destinado R$ 1,8 milhão, menos R$ 30 milhões, retirados por ocasião do corte realizado em meados de fevereiro de todo o orçamento.

§1º - Na definição do valor do benefício previsto no inciso III do art. 3º, o Poder Executivo deverá compatibilizar a quantidade de beneficiários às dotações orçamentárias existentes.

Ou seja, na medida em que as dotações orçamentárias forem em valor inferior àquilo que se faz necessário para atender a todas as famílias ou pessoas que ganham até meio salário mínimo per capita, aqui se tem já a pressuposição de que talvez não se consiga atender a todas essas pessoas. Aqui vem uma das grandes questões, Senadora Serys Slhessarenko: o direito será concedido a algumas famílias que ganham até meio salário mínimo per capita. E as outras? Como ficará o direito de famílias, de pessoas no Brasil que, porventura, em recebendo até meio salário mínimo per capita, sendo brasileiros ou residentes no Brasil, não estejam, por algum critério, sendo contempladas? Esse é um problema sobre o qual deveremos estar no Congresso Nacional pensando para ver como resolver.

§2º - O valor do benefício previsto no inciso III do art. 3º poderá ser alterado pelo Poder Executivo, a qualquer momento, observado o disposto no §1º.

Portanto, fica a critério do Poder Executivo definir qual o valor do Cartão Alimentação.

Aqui temos as seguintes questões: primeiro, como relacionar o valor do Cartão Alimentação com o valor dos demais benefícios que são pagos pelos programas, seja o Programa Bolsa-Escola, Bolsa-Alimentação, Vale Gás, Programa de Erradicação do Trabalho Infantil e assim por diante? Será que esse valor deveria ser unificado? Será um valor somado a outro? Terá o beneficiário de um desses outros programas a possibilidade de receber também o Cartão Alimentação? Ou será melhor unificar todos os programas? E como ficará? Essa é outra questão importante sobre a qual o Congresso Nacional deverá refletir e decidir.

§3º - O Cartão Alimentação atenderá, no mês de março de 2003, aos atuais beneficiários do Programa Bolsa-Renda, previsto na Lei nº 10.458, de 14 de maio de 2002.

Aqui temos uma questão bastante importante, pois o Programa Bolsa-Renda era destinado a todas as famílias e pessoas que tivessem sido vítimas de flagelo, de calamidades da natureza - secas, inundações -, e estava sendo administrado pelo Ministério da Integração Nacional.

Isso significa que todos aqueles que estariam sendo beneficiados pelo Bolsa-Renda - seria um número da ordem de 1 milhão e 400 mil no final do ano passado - passarão a receber o Cartão Alimentação? É o que ocorrerá a partir de março? E haverá outros a serem atendidos? Fica claro que serão atendidos os que estavam no Programa Bolsa-Renda.

Mas aqui vem uma outra questão: o Programa Bolsa-Renda não tinha, até o início deste ano, verba orçamentária prevista para 2003. Por meio de medida provisória, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva destinou pouco mais de R$100 milhões para atender às famílias atingidas por calamidades, para que recebessem o Bolsa-Renda, que é uma ajuda modesta, da ordem de R$30,00 por família. Portanto, essas pessoas passaram a ter alguns recursos a partir da medida provisória. Como será a partir de março? Serão os beneficiários do Programa Bolsa-Renda beneficiados também com o Cartão Alimentação, de R$50,00, que só poderiam ser gastos com alimentos, ainda que isso não esteja explicitamente previsto na medida provisória? Essa é outra questão que merece esclarecimento.

Art. 6º - A União poderá receber doações destinadas ao Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, criada pelo art. 79 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e regulamentado pela Lei Complementar nº 111, de 6 de julho de 2001, com encargo de utilizá-las unicamente nas ações voltadas à segurança alimentar, nutricional e ao combate à fome.

Portanto, esse é um mecanismo para receber doações que devem ser destinadas ao Fundo de Combate à Fome.

Ressalto que há, de fato, imensa disposição da sociedade brasileira, em seus mais diversos segmentos, para destinar recursos para esse programa.

O art. 7º diz que a Medida Provisória entra em vigor na data de sua publicação.

Assinam o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o Ministro José Graziano da Silva, em 27 de fevereiro de 2003.

Trata-se, portanto, Srª Presidente, de Medida Provisória, a primeira, de importância para o Programa Fome Zero, mas que ainda não o define inteiramente.

Quero ressaltar que a minha expectativa é de que nós possamos vir a ter um programa que assegure o direito de cada pessoa ou família no Brasil poder, efetivamente, contar - não temporariamente, mas de uma maneira definitiva e incondicional - com uma renda que possibilite a todas as pessoas se alimentarem com três refeições ao dia e, mais do que isso, ter direito a uma vida digna por meio de uma renda básica de cidadania incondicional.

Conforme conversei com o Ministro José Graziano da Silva, podemos ver o Programa Cartão Alimentação como um passo na direção de chegarmos um dia - espero seja em breve - à renda básica de cidadania.

Quero concluir reiterando o apoio aos esforços de paz do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que nestes últimos dias dialogou com o Presidente Jacques Chirac, com o Primeiro-Ministro Gerard Schroeder, respectivamente da França e da Alemanha, e conversou, ontem, com o Primeiro-Ministro Tony Blair expressando a sua preocupação com o impacto negativo que uma guerra poderia causar na economia das nações em desenvolvimento e sobre o nosso ardente desejo de que todos os esforços sejam realizados para que o Governo do Iraque atenda às resoluções do Conselho de Segurança da ONU de uma maneira tal que não seja necessária a utilização da força e a explosão dos instrumentos bélicos, que poderão causar extraordinário dano à vida de milhares de pessoas por este mundo, especialmente no Iraque.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/03/2003 - Página 2924