Discurso durante a 11ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Elogios à decisão da editora Harbra e das autoras do livro "Banzo, Tronco e Senzala", que comunicaram a retirada do livro de circulação, por desvirtuar a figura do negro. Apresentação de projeto de lei do Senado, que torna obrigatório o controle de qualidade de livros didáticos para que não haja discriminações. Reafirmações de apoio ao salário-mínimo referente à cem dólares.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DISCRIMINAÇÃO RACIAL. EDUCAÇÃO. POLITICA SALARIAL.:
  • Elogios à decisão da editora Harbra e das autoras do livro "Banzo, Tronco e Senzala", que comunicaram a retirada do livro de circulação, por desvirtuar a figura do negro. Apresentação de projeto de lei do Senado, que torna obrigatório o controle de qualidade de livros didáticos para que não haja discriminações. Reafirmações de apoio ao salário-mínimo referente à cem dólares.
Publicação
Publicação no DSF de 07/03/2003 - Página 2906
Assunto
Outros > DISCRIMINAÇÃO RACIAL. EDUCAÇÃO. POLITICA SALARIAL.
Indexação
  • ELOGIO, RETRATAÇÃO, EDITORA, AUTOR, LIVRO DIDATICO, RECONHECIMENTO, ERRO, CONTEUDO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, HISTORIA, ESCRAVATURA, BRASIL, ATENDIMENTO, RECLAMAÇÃO, DISCURSO, ORADOR, PLENARIO, SENADO, COMPROVAÇÃO, VALIDADE, ATUAÇÃO PARLAMENTAR.
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, CRIAÇÃO, CONTROLE DE QUALIDADE, CONTEUDO, EDIÇÃO, LIVRO DIDATICO, BRASIL, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO.
  • REITERAÇÃO, DEFESA, AUMENTO, SALARIO MINIMO, CONTINUAÇÃO, ATUAÇÃO PARLAMENTAR, ORADOR, EPOCA, DEPUTADO FEDERAL, EXPECTATIVA, DEBATE, GOVERNO FEDERAL, SERVIDOR, RECUPERAÇÃO, PERDA, POLITICA SALARIAL, POLITICA DE EMPREGO.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, venho à Tribuna com alegria, no dia de hoje, para falar àqueles que duvidam da atividade parlamentar, que dizem que só fazemos discursos, mas que a prática está muito distante.

Mostrei na Tribuna desta Casa um livro chamado “Banzo, Tronco e Senzala”, que desfigura a nação negra, contando a história como se os negros fossem macacos ou mortos vivos. As ilustrações demonstram, e em parte do livro lemos, com destaque, que a culpa pela escravidão foi dos próprios negros, que traíam os negros, e não da política econômica da época, calcada principalmente na filosofia européia de escravidão dos negros.

Por que a minha alegria, Sr. Presidente, por que a minha alegria, Senador Edison Lobão, que está aqui, neste momento, acompanhando o debate?

Ontem, recebi, em meu gabinete, representante da Editora Harbra e as autoras do livro, a Srª Elzi Nascimento e a Srª Elzita Melo Quinta. Não citei as autoras quando fiz a denúncia, mas o faço agora porque ambas tiveram a grandeza, ontem, de entender que, de fato, o livro é um equívoco.

A Editora Harbra comprometeu-se a recolher os milhares de livros em circulação no Brasil há quatro anos. Dirijo-me às autoras com um certo carinho e com todo o respeito, pois ambas disseram que, analisando em profundidade, inclusive com professores universitários que cuidam da questão da África e dos afro-brasileiros, reconheceram que o livro, de fato, foi um equívoco.

Sr. Presidente, errar é humano e reconhecer o erro é muito bonito. Portanto, presto este depoimento e elogio as autoras por terem se prontificado a fazer uma outra edição, que trarão a esta Casa e ao Ministério da Educação - pois também estive com o ex-Governador e hoje Ministro da Educação, Cristovam Buarque, que também se assustou com o teor e as gravuras do livro.

Sr. Presidente, a intenção da editora e das autoras é reproduzir o livro com o aval, inclusive, deste Senador. Não sou especialista na área e, é claro, não sou a pessoa indicada a dar esse aval. Vou remetê-lo a um conselho de professores, para que ele decida, efetivamente, que gravuras devem ilustrá-lo. Pedi a elas que as gravuras mostrem o negro como ele é, e não deformados, como se fossem mortos-vivos. Pedi-lhes que contassem a verdadeira história dos afro-brasileiros.

Em resumo, Sr. Presidente, quero dizer que estou feliz neste momento, pelo reconhecimento da editora e das autoras de que o livro foi realmente um equívoco. Elas mesmas estão providenciando para que ele seja apreendido rapidamente.

Senador Pedro Simon, estive com a Secretária de Educação e com o Governador Roriz, aqui em Brasília, ambos do PMDB, e sou obrigado a dar o testemunho de que, independente da questão político-partidária, das divergências existentes, eles entenderam que o livro deveria ser apreendido. Para nossa felicidade, a editora, as autoras e o Ministro Cristovam tiveram o mesmo entendimento, e o livro sai de circulação, inclusive da Internet, a partir deste fim de semana.

Por acontecimentos como esse, decidi encaminhar um projeto de lei à Casa que propõe que haja controle de qualidade de todo livro didático editado neste País.

E para justificar, cito o exemplo concreto de documento do Inmetro. O Inmetro, Sr. Presidente, faz pesquisa e análise de tudo o que é produzido no País, e, por incrível que pareça, no caso do livro didático não há esse controle, a não ser no caso dos adotados pela rede pública. Quando se trata de livros adotados pela rede privada, não há controle.

O projeto que apresento à Casa, depois de consultar especialistas na área, estabelece que nenhum livro que discrimine negro, branco, índio, que discrimine por etnia, por raça, por origem, por religião, por idade, por gênero, Senadora Heloísa Helena, Senadora Serys, possa ser editado, publicado ou vendido neste País.

É interessante notar, Sr. Presidente, que a própria Editora Harbra sentiu que há necessidade de fiscalização adequada. Isso não é censura, mas é não permitir que, nas salas de aula, haja livros que preguem o nazismo ou façam apologia do contrabando - porque pode gerar emprego.

Estou extrapolando nos exemplos. Mas se até para vender animais há controle, se a carne tem controle de qualidade - temos selos de qualidade, selos de ouro, de prata e de bronze -, e até os hotéis têm estrelas, como é que o livro, que é o coração da nossa formação, ou da deformação, não tem nenhum tipo de controle? Qualquer um pode escrever um livro e colocá-lo na praça, e ele passará a ser vendido nas salas de aula!

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - V. Exª está se referindo, de modo especial, ao controle dos livros que vão para a sala de aula?

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Exatamente, aos livros que vão para a sala de aula. A própria editora e as autoras chegaram ao entendimento positivo de que para ir para a sala de aula, o livro que vai ter papel didático deve ter um certo controle, ou acompanhamento, para que não haja deformação da história, como ocorreu com o livro Banzo, Tronco e Senzala, que, graças a Deus, está saindo de circulação.

Sr. Presidente, eu não ia falar hoje, mas outro dia, para aprofundar a questão do salário mínimo. Mas venho recebendo uma série de provocações - que acho positivas; isso é bom - da imprensa e por e-mail sobre a minha posição em relação ao salário mínimo.

Na contracapa do Jornal do Brasil, neste fim de semana, saiu uma nota de dólar com a minha fotografia no centro. Eu gostei; a foto é boa. E perguntam: “Afinal, US$100 são R$350 ou R$240?” Recebi também um e-mail do articulista Augusto Nunes, que, no fundo, faz a mesma pergunta.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu gostaria de dizer, em primeiro lugar, que estou no Congresso Nacional há 16 anos e há quase um mês especificamente no Senado. Não mudei uma vírgula nas minhas posições. O projeto que a Câmara tem, de minha autoria, garante o salário mínimo de US$100.

O que houve foi um acordo, na Comissão de Orçamento, para que o salário mínimo não ultrapassasse a linha dos R$250, ficando entre R$240 e R$250. Não faço parte da Comissão de Orçamento, conseqüentemente não fui nem consultado sobre o acordo. Sou Relator do projeto de salário mínimo na Câmara dos Deputados. É só consultarem o relatório e verão que os R$250 eram para o dia 1º de maio do ano passado. E se aplicarem o IGP-DI, mais os R$0,20 de reajuste para a hora, o salário mínimo, em 1º de maio deste ano, seria o correspondente a US$100.

O primeiro projeto que apresento nesta Casa é exatamente o correspondente a US$100. Então, a imprensa é livre, mas eu não autorizo ninguém a dizer nada. E não é crítica à imprensa, mas essa provocação dá espaço para que eu responda da tribuna, inclusive, já que no Senado tenho essa liberdade.

Continuo defendendo o salário mínimo de US$100. Para aqueles que dizem que essa é uma proposta sonhadora do Paim, lembro que, no Governo Fernando Henrique - e podem ver que não tenho problema algum em falar de PMDB, PFL, PDT ou PL, seja de quem for -, aprovei os US$100 em 1992, em 1995 e em 1998. É claro que não é só o Paim que conseguiu isso. Esse trabalho foi feito em parceria com todos os Parlamentares e Partidos da Casa. Aprovamos 147%; aprovamos 42% de reajuste.

E mais, Sr. Presidente: apresentamos na Câmara dos Deputados mais de 700 projetos, nas mais variadas áreas. Por isso, ontem, eu falava aqui em estatuto do idoso, em igualdade racial, em portador de deficiência física. Mas enfatizo a nossa meta, Sr. Presidente, que é a de um dia este País cumprir, inclusive, o que diz a Constituição. Mas ninguém vai querer que, em dois meses de Governo Lula - como V. Exª, Senador Pedro Simon, disse muito bem -, consigamos aprovar aqui exatamente o que considero o ideal. Eu lembrava que, no Governo anterior, somente em três anos, em um período de oito anos de mandato, atingiram-se os US$100.

É o primeiro ano do Governo Lula! Posso não alcançar os US$100 neste ano, mas ninguém vai me proibir de continuar a perseguir essa meta. Caso não a atinja este ano, posso alcançá-la no ano que vem. E eu já dizia da tribuna e digo novamente: não tenham dúvida de que, chegando aos US$100, vamos perseguir os US$150. Isso é natural; é assim a vida. E, chegando-se aos US$150, em outro momento, vamos perseguir, sim, os US$200. Devemos ter o objetivo de que, um dia, neste País, o trabalhador e sua família possam viver com dignidade.

Estou muito tranqüilo, Sr. Presidente. Já pedimos à Casa uma sessão de homenagem para o dia 1º de maio, em que vamos trazer aqui as centrais sindicais, as confederações, as entidades de aposentados e de pensionistas. Defendo que o mesmo percentual dado ao salário mínimo seja estendido ao salário dos aposentados e pensionistas, o qual está com uma perda acumulada em relação aos últimos oito anos de quase 50%. Nem falarei aqui do servidor público, cujo salário acumula uma perda, até o momento, de mais de 80%, e a previsão é a de que esse percentual chegará a 122% em abril e maio.

Se existe uma perda acumulada de quase uma década, não sou maluco e nem vou me pautar por um ou outro articulista no sentido de querer que o Governo Lula, do dia para a noite, reponha os 122% ou reponha, como eu dizia, 70% ou 80% no caso de outras categorias. Penso, sim, que o Governo Lula tem a obrigação - e, para mim, caminha nesse sentido - de dialogar com os servidores públicos, construindo uma proposta de recuperação das perdas salariais. E é na mesma linha que vejo o salário mínimo.

Digo mais, Sr. Presidente: não há um país no continente americano que pague um salário mínimo menor que US$110. Repito: não há um país que pague um salário mínimo menor que US$110. Espero, Sr. Presidente, que, no Governo Lula, alcancemos esse objetivo. E, respondendo àqueles que perguntam qual é a forma mágica de atingir os US$100, explico: é só aplicarmos o IGP-DI - Índice Geral de Preços-Disponibilidade Interna, que, durante um longo período, foi a referência para recuperar a inflação, a perda do salário mínimo na forma do alto índice, e proporcionarmos um aumento real de R$0,20 a hora, uma vez por ano, que corresponde a R$44,00. Com isso, estaremos construindo a proposta de US$100.

Não existe mágica. Deve haver um amplo debate nesta Casa e, naturalmente, com o Executivo, nos espaços da própria Previdência, para que o aposentado tenha também esse mesmo direito.

Vou mais além, Sr. Presidente. Ao apresentarmos o projeto do salário mínimo, aqui, no Senado - e já deve estar na Comissão de Assuntos Sociais -, deixamos muito claro que, neste País, ao contrário do que alguns dizem, não são 10 milhões, 20 milhões, nem 30 milhões, mas cerca de 100 milhões de pessoas dependentes do salário mínimo. E não é que essas pessoas ganhem o salário mínimo. Quando eu apresentava esse dado na Câmara, muitas vezes, achavam que eu estava faltando com a verdade. Esta é exatamente a verdade: 54 milhões de pessoas no Brasil percebem até meio salário mínimo. Digo “até”, o que não significa que ganham meio salário mínimo. Há 100 milhões de pessoas que percebem na faixa de 0 a 1 salário mínimo. Não é pouca gente, Sr. Presidente.

Quando falo no assunto, muitas pessoas dizem que só me preocupo com quem ganha um salário mínimo. Não é assim, está totalmente errado quem pensa dessa forma. O salário mínimo repercute diretamente sobre a vida de 22 milhões de aposentados e pensionistas, sobre o seguro-desemprego, sobre o salário-família, sobre o plano de cargos e salários das empresas, sobre o piso regional dos Estados, sobre o piso das categorias. O salário mínimo, Senador Pedro Simon, envolve, no mínimo, 150 milhões de brasileiros.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - V. Exª me concede um aparte?

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Concedo um aparte a V. Exª, com muito orgulho.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Preocupar-se só com o salário mínimo já é algo muito grande, e V. Exª já estaria cumprindo com louvor o seu dever. Se este Congresso se preocupasse só com o salário mínimo já estaria fazendo algo grandioso. O patamar sobre o qual o Brasil seria construído seria completamente diferente.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Senador Pedro Simon, agradeço-lhe a oportunidade de responder ao meu amigo Augusto Nunes, que fez uma provocação positiva, afirmando que eu me preocupo muito, muito, muito com o salário mínimo. O meu amigo Augusto Nunes - e quero referir-me a ele dessa forma - não conhece a nossa trajetória e a nossa opinião sobre todos os temas que a Casa debate. Mas creio, no entanto, que ele se lembra, porque ouvi uma crítica sua, também, sobre o episódio da CLT. Fiz um gesto ousado, na tribuna da Câmara, porque não aceitei que, acima da própria lei, estivesse o negociado entre as partes. No Brasil, entre a população economicamente ativa de 60 milhões de pessoas, somente 24 milhões têm carteira assinada. Infelizmente, o Brasil é considerado o país que possui o maior número de trabalhadores em regime de escravidão. Como é que vamos dizer que a lei não vale mais? Então, fiz aquele gesto que repeti aqui em um certo momento, repeti sua simbologia: desloquei uma folha da CLT e da Constituição, para dizer que aprovar aquele projeto significaria o fim do direito dos trabalhadores.

Estou muito tranqüilo, Sr. Presidente, ao fazer esta pequena exposição. Quero voltar, um outro dia, para aprofundar o debate sobre a questão do salário, da renda e do emprego. Teremos que fazer a diferença entre os três temas, com a profundidade que exigem. Muitos pensam que aumentar o salário mínimo significa desemprego. Ao contrário, todos os estudos demonstram que, quando se aumenta o salário mínimo, aumenta-se o número de pessoas que assumem novos postos de trabalho. O desemprego é um tema que preocupa todos. Por isso, há projetos nesse sentido, e vamos aprofundá-los no momento adequado.

Quero deixar tudo bem claro, Sr. Presidente. Para os que têm dúvidas, sugiro que acessem a minha página na Internet. Vão encontrar lá cerca de 700 projetos. Nem todos são projetos: há requerimentos, projetos, indagações que encaminhei ao Executivo etc. Verão, com certeza absoluta, que não mudei uma vírgula com relação às posições que eu tinha na época em que era Deputado.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/03/2003 - Página 2906