Discurso durante a 17ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Avaliação das críticas feitas contra o Ministro da Segurança Alimentar, Sr. José Graziano, por ter proferido recentemente frase considerada ofensiva aos nordestinos.

Autor
Efraim Morais (PFL - Partido da Frente Liberal/PB)
Nome completo: Efraim de Araújo Morais
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DISCRIMINAÇÃO RACIAL. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. POLITICA SOCIAL. :
  • Avaliação das críticas feitas contra o Ministro da Segurança Alimentar, Sr. José Graziano, por ter proferido recentemente frase considerada ofensiva aos nordestinos.
Aparteantes
Paulo Paim.
Publicação
Publicação no DSF de 15/03/2003 - Página 3562
Assunto
Outros > DISCRIMINAÇÃO RACIAL. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • MANIFESTAÇÃO, APOIO, DISCURSO, PAULO PAIM, SENADOR, SUSPENSÃO, CIRCULAÇÃO, LIVRO DIDATICO, INCENTIVO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
  • CRITICA, DECLARAÇÃO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO EXTRAORDINARIO DE SEGURANÇA ALIMENTAR E COMBATE A FOME, VINCULAÇÃO, AUMENTO, VIOLENCIA, NUCLEO URBANO, MIGRAÇÃO, POPULAÇÃO, REGIÃO NORDESTE.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF), O GLOBO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ALEGAÇÕES, RESPONSABILIDADE, REDUÇÃO, POPULARIDADE, PRESIDENTE DA REPUBLICA, INSUFICIENCIA, PROGRESSO, PROGRAMA ASSISTENCIAL, COMBATE, FOME, DECLARAÇÃO, MINISTRO DE ESTADO.
  • REGISTRO, FATOR, CONTRIBUIÇÃO, AUMENTO, VIOLENCIA, DESIGUALDADE SOCIAL, INSUFICIENCIA, RENDA, DESEMPREGO, POPULAÇÃO.

O SR. EFRAIM MORAIS (PFL - PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há dias o nobre Senador Vice-Presidente desta Casa, Senador Paulo Paim, fez grave denúncia acerca da difusão do racismo em nosso País por meio de material didático. O fato foi amplamente denunciado pela mídia e provocou reações objetivas por parte do Governo Federal e do Governo do Distrito Federal, já que o fato se deu na Capital do nosso País. Em Brasília, o livro em questão, Banzo, Tronco & Senzala, circulava nas escolas das redes pública e privada. Graças à denúncia do eminente Senador Paulo Paim, o livro foi recolhido.

Sr. Presidente, associo-me aos protestos que essa obra gerou, porque sou visceralmente contra qualquer tipo de racismo. Vivemos em um País mestiço, que encontra nessa mestiçagem o seu diferencial positivo em relação às demais nações do planeta. A força da civilização brasileira advém dessa mistura cultural e racial que encontra uma resistência minoritária esporádica - se é que encontra alguma - e que recebe sempre repulsa do conjunto da sociedade, além de ser reprimida pela lei.

Mas o racismo, Sr. Presidente, não é o único tipo de discriminação que eventualmente se apresenta em nosso País. Há outras modalidades menos evidentes, mais sutis, mas nem por isso menos nocivas e repugnantes. Inclusive, há algumas semanas, o Ministro da Segurança Alimentar, José Graziano, a manifestou, em palestra na Fiesp, ao associar a violência urbana à migração de nordestinos para os Estados do Sul e Sudeste.

O Ministro Graziano já se retratou e até publicou artigos na imprensa explicando que fora mal-interpretado, reconhecendo que se manifestou de maneira inadequada. Mesmo assim, Srªs e Srs. Senadores, dada à gravidade do que disse e dos sentimentos que atingiu, não escapou de censuras públicas, veiculadas por eminentes personalidades nordestinas e de outras regiões do País.

Na quarta-feira desta semana, foi preciso fazer, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado, um acordo entre governistas e oposicionistas para evitar a aprovação de uma moção de censura pública ao Ministro autor da famosa frase: “Enquanto eles - os nordestinos - continuarem vindo para cá, continuaremos andando de carro blindado”.

Ora, Srªs e Srs. Senadores, o Ministro, embora tenha escapado da moção de censura, está sendo convocado para dar explicações ao Senado. Falará a respeito do Programa Fome Zero, que tem provocado amplos questionamentos na sociedade brasileira, e também, mais uma vez, a respeito da indigitada frase.

Sr. Presidente, referindo-se ao Programa Fome Zero, os jornais de hoje dedicam todas as suas manchetes ao Ministro que não gosta de nordestinos.

Está aqui o Correio Braziliense: “Lula menos popular ...e Graziano menos ministro”. Graças às pesquisas do censo, que informam a queda de popularidade do Governo Lula. E um dos maiores responsáveis é exatamente o Ministro Graziano.

O Correio Braziliense, referindo-se ao Programa Fome Zero, diz: “Graziano Ministro. Por enquanto”. E mais: “Graziano: Declarações desastrosas e demora para implantar o Fome Zero prejudicaram o Ministro”.

O Globo informa: “Governo já discute substituição de Graziano”. E diz: “Ministro da Segurança Alimentar diz que não renuncia, mas sua situação se agravou com o Fome Zero na estaca zero”.

            Sinceramente, Sr. Presidente, cada governo tem a sua posição, a sua ação. Particularmente, se eu, na condição de Presidente da República e de nordestino, tivesse ouvido de um Ministro meu as palavras em relação ao Nordeste, de imediato o demitiria do cargo de Ministro.

Cabe agora ao Sr. Ministro José Graziano se pronunciar e se defender, inclusive pelo fato de a própria mídia o considerar responsável por puxar a popularidade do Governo Lula para baixo. É o que noticiam todos os jornais.

Lamento, sinceramente, por S. Exª, mas há descuidos que levam um homem público a passar toda uma existência se explicando. Basta lembrar o que ocorreu há quase 60 anos com o líder comunista Luiz Carlos Prestes, um homem honrado. Eleito Senador, Prestes disse, numa sessão da Constituinte, em 1946, que, na eventualidade de uma guerra entre Brasil e União Soviética, ficaria ao lado da União Soviética. Perdeu os direitos políticos e viu o seu Partido - o PCB - ser colocado na clandestinidade. Depois, explicaria que não teve a intenção de dizer o que disse, que foi mal interpretado, etc. e tal. Mas se tornou refém da frase pelo resto da vida.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, espero que isso não aconteça com o Ministro Graziano, mas, com toda certeza, S. Exª terá ainda que arcar, por mais algum tempo, com o ônus da frase infeliz.

Como nordestino, quero registrar que sei que o Ministro é homem de bem. Mas não posso deixar de reconhecer que a frase, como S. Exª insiste em dizer, não foi mal compreendida. Ao contrário, foi muito bem-compreendida e apenas expressa aquilo que, em psicanálise, costuma-se chamar de “ato falho” - uma traição do inconsciente.

Expressa um preconceito, recorrente em certos setores da sociedade sulista brasileira, tal como ainda ocorre também em relação aos negros, como o demonstrou aqui o Senador Vice-Presidente desta Casa, Paulo Paim, ao denunciar o livro didático a que já me referi.

Tudo isso, Sr. Presidente, é fruto do quadro social adverso de nosso País, que separa ricos e pobres e segrega os despossuídos e os rotula e estigmatiza. Nordestino tornou-se, para alguns, símbolo de pobreza, carência, problema.

De fato, nossa região, a de V. Exª, Sr. Presidente, a do Senador Garibaldi Alves Filho e minha, o nosso Nordeste, é uma das mais carentes do País do ponto de vista econômico. Mas, apesar disso, tem sido a que mais contribui com mão-de-obra, talento e patriotismo para a construção e o progresso do Brasil. São Paulo e Rio de Janeiro não seriam o que são - metrópoles modernas e dinâmicas - sem a presença atuante e criativa dos nordestinos, não apenas no campo do desenvolvimento econômico, mas também no campo cultural, científico e tecnológico.

Brasília, esta capital classificada como Patrimônio da Humanidade pela Unesco e construída em apenas cinco anos, tem a marca indelével do trabalhador nordestino, cuja contribuição não está apenas no fornecimento de mão-de-obra barata e eficiente. Há também a inestimável contribuição no campo das letras, das artes e da política.

O advento da violência urbana como fenômeno patológico das metrópoles brasileiras não é obra dos migrantes pobres, nordestinos ou não, mas de uma conjunção de fatores, que passa, sim, pelo agravamento da crise social, mas encontra no narcotráfico - fenômeno relativamente recente e não suficientemente estudado - o seu foco preciso e perverso.

E o Nordeste, felizmente, não é produtor de drogas, nem corredor de exportação, e é mercado de consumo irrelevante nesse setor. O fenômeno do narcotráfico é conhecido, e é ele, sim, que vem obrigando as elites do “Sul-maravilha” a andar de carros blindados e a pedir Exército nas ruas.

O migrante nordestino pobre, Srªs e Srs. Senadores, continua sendo mão-de-obra preferencial nas grandes cidades, contribuindo com o seu suor para o progresso de regiões que nem sempre lhe dão a contrapartida justa. E é predominantemente cidadão pacífico e trabalhador.

Há um estudo, Sr. Presidente, da Ordem dos Advogados do Brasil, cujos números, infelizmente, não tenho aqui, mas que tive a oportunidade de ler, há cerca de dois anos, que constata que cerca de 80% dos presidiários de São Paulo são originários das regiões Sul e Sudeste. Menos de 20% são nordestinos. Eu vi V. Exª fazer esse registro desta tribuna. São evidências que dispensam comentários.

O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. EFRAIM MORAIS (PFL - PB) - Antes de concluir o meu pronunciamento, ouço, com muito prazer, o aparte de V. Exª, nobre Senador Paulo Paim, Vice-Presidente desta Casa.

O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Nobre Senador Efraim Morais, estava em meu Gabinete e, ouvindo o pronunciamento de V. Exª, vi-me na obrigação de vir a este plenário para cumprimentá-lo. V. Exª faz uma análise, para mim, muito clara, coerente com a sua história como Deputado Federal. Tive a alegria de ser membro da Mesa da Câmara dos Deputados juntamente com V. Exª.

O SR. EFRAIM MORAIS (PFL - PB) - A recíproca é verdadeira.

O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Este aparte, embora pequeno, pode V. Exª ter a certeza, é de muito sentimento. V. Exª começou o pronunciamento falando da nossa caminhada contra o preconceito, contra o racismo.

Concordo com V. Exª. Inclusive estou apresentando um projeto à Casa sobre a questão do livro, que V. Exª citou muito bem, que cultua, incentiva, contribui para o aumento do preconceito do racismo não só contra o negro, mas também contra o nordestino. O projeto que ora apresentamos vai na mesma linha do pronunciamento de V. Exª. Que ninguém possa ser discriminado neste País. V. Exª foi um parceiro na Câmara dos Deputados na luta pelo salário mínimo, quando defendíamos um piso melhor para todo o país e lembrávamos que os mais prejudicados eram os companheiros do Nordeste. Por isso fiz questão de, neste momento, vir ao plenário cumprimentar V. Exª. Estou inscrito para falar nesta sessão e pretendo aprofundar o debate em torno deste assunto. Nobre Senador, cumprimento V. Exª pela clareza e pela firmeza ao fazer um pronunciamento macro, um pronunciamento mostrando que o preconceito, o racismo, a pobreza e a miséria têm que ser enfrentados não só por este Governo, mas por todos os governos que efetivamente tenham o compromisso com uma sociedade igualitária, libertária e justa. Parabéns a V. Exª.

O SR. EFRAIM MORAIS (PFL - PB) - Agradeço o aparte de V. Exª, nobre Senador Paulo Paim. Não poderia trazer este assunto, com tanta emoção, na condição de nordestino, com tanta precisão, se não tivesse ouvido antes o protesto de V. Exª neste plenário - protesto que não surgiu porque V. Exª é Senador. Nos 12 anos em que passamos juntos na Câmara dos Deputados, V. Exª sempre esteve à frente de todos esses movimentos, contestando, lutando e defendendo o negro, defendendo posições claras contra o racismo, a discriminação dos povos, seja do Nordeste, do Sul ou de qualquer parte do nosso País.

O importante é que possamos combater - tenho certeza de que somos a maioria, na sociedade, que defende essa posição; hoje, eu, V. Exª e tantos outros setores da sociedade brasileira a defendem - o que sabemos ser a idéia de uma minoria. Quem sabe, por meio do projeto de lei de V. Exª, possamos enquadrá-la por racismo e discriminação contra qualquer que seja o povo.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, vou concluir dizendo que, se insisto em abordar a frase do Ministro José Graziano, não o faço por impulso sádico, para criticá-lo mais do que já o foi. Faço-o pela relevância que o tema tem. Se o Ministro, com seu perfil de humanista e cidadão politicamente correto, encarregado de um setor considerado prioritário pelo Governo Federal e pela população brasileira, deixa escapar um conceito como aquele, imagine em que medida esse preconceito ainda grassa na sociedade sulista brasileira, em minoria, evidentemente. 

Por isso voltarei ao tema sempre que julgar necessário e estarei presente para abordá-lo, com todo respeito e rigor, especialmente quando da vinda do Ministro José Graziano a esta Casa, se Ministro ainda for até a próxima semana, porque aqui estaremos em reunião conjunta das Comissões de Assuntos Sociais e Assuntos Econômicos. Se, na próxima semana, o atual Ministro estiver presente à reunião, estarei lá defendendo os nordestinos da frase maldita pronunciada pelo Sr. José Graziano.

Obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/03/2003 - Página 3562