Discurso durante a 19ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão sobre o uso de biotecnologia na agricultura brasileira.

Autor
Gilberto Mestrinho (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AM)
Nome completo: Gilberto Mestrinho de Medeiros Raposo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE. POLITICA AGRICOLA.:
  • Reflexão sobre o uso de biotecnologia na agricultura brasileira.
Aparteantes
Hélio Costa, Juvêncio da Fonseca, Leomar Quintanilha, Marco Maciel, Mozarildo Cavalcanti, Mão Santa, Ney Suassuna.
Publicação
Publicação no DSF de 19/03/2003 - Página 3943
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE. POLITICA AGRICOLA.
Indexação
  • ANALISE, BENEFICIO, UTILIZAÇÃO, BIOTECNOLOGIA, AGRICULTURA, BRASIL, CRITICA, PRECARIEDADE, INVESTIMENTO, PESQUISA, PODER PUBLICO, IMPORTANCIA, APROVEITAMENTO, CONHECIMENTO, CIENCIA E TECNOLOGIA, DESENVOLVIMENTO, ECONOMIA, INDUSTRIA, COMERCIO.
  • CRITICA, UTILIZAÇÃO, AGROTOXICO, COMBATE A PRAGA, AGRICULTURA, PREJUIZO, SAUDE, DEFESA, INCENTIVO, CULTIVO, PRODUTO TRANSGENICO, MANIPULAÇÃO, GENETICA, CONTENÇÃO, PERDA, SAFRA, PRODUÇÃO AGRICOLA.
  • COMENTARIO, PESQUISA, INICIATIVA, ENTIDADE INTERNACIONAL, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ALIMENTAÇÃO E AGRICULTURA (FAO), ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAUDE (OMS), CONFIRMAÇÃO, AUSENCIA, PREJUIZO, SAUDE, VIDA HUMANA, CONSUMO, PRODUTO TRANSGENICO.
  • DEFESA, AUMENTO, DEBATE, MATERIA, PARTICIPAÇÃO, POPULAÇÃO, INCENTIVO, POLITICA, DESENVOLVIMENTO CIENTIFICO, GOVERNO FEDERAL, IMPORTANCIA, MODERNIZAÇÃO, PRODUÇÃO AGRICOLA, CRITICA, DECISÃO JUDICIAL, PROIBIÇÃO, PLANTIO, SEMENTE, MANIPULAÇÃO, GENETICA.

O SR. GILBERTO MESTRINHO (PMDB - AM. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Senadores, inicialmente quero expressar minha satisfação em assomar a esta tribuna, pela primeira vez nesta legislatura, e registrar meus calorosos cumprimentos a mais de cinqüenta novos Senadoras e Senadores, que representam a vontade popular de seus Estados, ao mesmo tempo em que formulo votos de um feliz desempenho de seus mandatos voltados para o bem comum.

E é diante de um auditório assim, Sr. Presidente, que pretendo expor as minhas preocupações com alguns fatos da realidade brasileira e convidar meus eminentes pares para uma reflexão sobre o uso da Biotecnologia na agricultura brasileira, um tema cuja relevância e encaminhamento serão, certamente, enriquecidos certamente com suas idéias e sugestões, contribuindo assim para o avanço do processo de desenvolvimento, fortalecimento da nossa economia e melhoria das condições de vida do nosso povo, especialmente de segmentos que se dedicam às atividades do campo.

Todos sabemos que a Humanidade avança no conhecimento freqüentemente em proporções geométricas em relação a outras atividades, no enfrentamento de enigmas e na busca de respostas para questões que povoam nosso cotidiano. Tais avanços, engendrados em algumas sociedades e civilizações, muitas vezes resultam na ampliação das desigualdades entre as nações, exigindo por parte, sobretudo dos países emergentes, esforços adicionais para acompanhar e usufruir os benefícios da evolução do conhecimento e da inovação tecnológica.

É um penoso desafio compatibilizar o avanço da ciência com as atividades econômicas e as relações de mercado, especialmente para países como o Brasil, onde é precário, historicamente, o investimento em pesquisa e seu aproveitamento no aperfeiçoamento e qualificação industrial e comercial. Temos pago um preço muito alto ao descuidar dessa decisiva equação, correndo a reboque de soluções para problemas que bem poderíamos equacionar pela via do investimento no saber. É clássico, na história recente do País, o exemplo da Informática, o lastimável equívoco do regime ditatorial da “redentora”, em sua tentativa de impor uma reserva de mercado para o setor - respaldado, sabidamente, nos interesses de certos empresários e apoiado pelo oportunismo político de alguns segmentos - e que acabou trazendo graves prejuízos cujos reflexos se estendem até os nossos dias.

Com a disseminação e a democratização da informática no limiar do novo milênio, a nova onda de conhecimento já é a Biotecnologia. Os economistas convencionais que ainda consideram como fatores de produção a terra, o trabalho e o capital precisam se atualizar, como recomenda o futurólogo e filósofo Alvin Toffler, pois o conhecimento não é apenas um fator de produção, mas um substituto restante. Ora, as soluções de biotecnologia são adotadas cada vez mais pelos países desenvolvidos - nossos concorrentes diretos, especialmente na produção e mercado agrícola. E mais, os alimentos geneticamente modificados são consumidos por mais de 55% da população mundial, produtos comprovadamente seguros na ótica dos seus efeitos na saúde humana e no meio ambiente. É por isso, Sr. Presidente, que é preocupante e carece de sentido a proibição do cultivo e o desestímulo à pesquisa dos produtos geneticamente modificados no Brasil.

Os chamados alimentos transgênicos resultam de diversos organismos alterados através de técnicas laboratoriais de Engenharia Genética e possuem no seu genoma genes de outra espécie. Esses organismos passam a ter características de outros organismos no seu acervo genético. Os genes são transferidos de uma espécie para outra e essas manipulações podem aperfeiçoar, substituir, destruir, mudar ou desativar os genes, pois todos os organismos vivos têm um código molecular que define as suas características. Esse código, a que se dá o nome de genoma, foi submetido a um recente, sistemático e abrangente estudo - o Projeto Genoma - com resultados comparáveis às grandes revoluções da história da Humanidade.

Os alimentos geneticamente modificados (AGMs) são aqueles em que o genoma foi alterado. Essa alteração pode ocorrer de forma natural, conforme demonstra Charles Darwin em sua teoria evolucionista, ou artificial, através da Engenharia Genética. E qual é a diferença básica entre os alimentos convencionais e os geneticamente modificados? Desde os primórdios da agricultura, passando pelos registros bíblicos das várzeas do Nilo, os homens vêm aperfeiçoando as culturas através da seleção de sementes que oferecem melhores resultados, tanto no sabor como no valor nutritivo e econômico. Essa seleção de sementes decorre da cruza e recruza de diferentes variedades, que nada mais é do que a manipulação genética em seus primórdios de saber e utilização. Trata-se de um paciente método de tentativa e erro a serviço do progresso e do benefício social. Um gene específico, entre os milhares existentes em um tomate, para dar um exemplo, pode ser identificado e inserido numa planta, visando o aprimoramento da qualidade e a dispensa de pesticidas, causadores de muitas desgraças, sem prejudicar os itens de nutrição e da saúde da planta que recebeu o gene.

Antes das soluções da Engenharia Genética, temos experimentado as seqüelas da chamada “Revolução Verde” iniciada a partir do pós-guerra com autorização intensiva de agrotóxicos para reduzir as pragas e aumentar a produtividade, mas causando estragos à saúde humana e ao meio-ambiente. A indústria que respaldou a “Green Revolution” se tornou poderosa e hoje movimenta cerca de US$40 bilhões. Só no Brasil, os negócios de agrotóxicos alcançam a cifra de U$2,5 bilhões, e esses custos, no entanto, não são capazes de reduzir as pragas que atacam as safras convencionais no mundo inteiro e que já receberam mais de três milhões de toneladas de agrotóxicos clorados - sem contar os fosfatados. Os danos conseqüentes, alguns irreversíveis, já alcançaram a cadeia genética humana e o meio ambiente, sobretudo o solo e os elementos aqüíferos. É compreensível - à luz dos interesses do mercado - que essa indústria venenosa se levante contra as soluções da biotecnologia. Na China, onde o algodão geneticamente modificado substitui a espécie convencional com 80% de aumento médio da produtividade, foi fechado um hospital que cuidava das vítimas dos pesticidas e agrotóxicos.

Até hoje, em todos os estudos realizados com alimentos geneticamente modificados, nenhum indício foi encontrado de que safras desses produtos apresentaram riscos especiais, de acordo com o depoimento de R. James Cook, professor de patologia de plantas na Universidade do Estado de Washington e membro da Academia Americana de Ciências, uma referência institucional e científica para acadêmicos e estudiosos da modernidade. Segundo dados da OMS, Organização Mundial da Saúde, os alimentos geneticamente modificados hoje disponíveis foram mais testados do que qualquer outro em toda a História. No mundo inteiro, foram realizados cerca de 25 mil testes em mais de 60 culturas em 45 países. Antes de serem aprovados para uso, os alimentos geneticamente modificados são avaliados sob diretrizes da própria Organização Mundial de Saúde (OMS), da Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO), da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico (OECD) e do Regulamento Europeu para Novos Alimentos, entre outros. Os cientistas e as autoridades sanitárias os comparam com os alimentos tradicionais e determinam se existem diferenças em termos de valor nutritivo e propriedades para a saúde, o efeito sobre a saúde humana. Ainda de acordo com o depoimento de Maurice Hofnumg, chefe da unidade de programação molecular e toxicologia genética,do Instituto Pasteur, em Paris, não há registro de acidentes com organismos geneticamente modificados e seus derivados nutricionais - nem mesmo um único caso em mais de três décadas de pesquisas e 8 anos de uso comercial. Portanto, desde que as diretrizes sejam seguidas, pode-se concluir que eles são seguros.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PPS - RR) - Senador Gilberto Mestrinho, permite V. Exª um aparte?

O SR. GILBERTO MESTRINHO (PMDB - AM) - Pois não, Senador Mozarildo Cavalcanti.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PPS - RR) - Senador Gilberto Mestrinho, desejo cumprimentá-lo pela coragem de abordar um tema tão atual e polêmico como é a questão dos transgênicos. Quero dizer que é realmente de causar espécie como tanta gente se levanta contra a tecnologia. Parece até que estamos em outra época, quando se condenavam tantos cientistas só porque o que eles descobriam parecia ser superstição ou feitiçaria. V. Exª aborda uma questão fundamental, quando diz que por trás dessa guerra está a indústria dos agrotóxicos, pois havendo os transgênicos, evidentemente que se usarão menos agrotóxicos, causando prejuízo a essa indústria. Portanto, como médico e como homem que acredita na ciência e na tecnologia, quero aplaudi-lo, porque V. Exª aclarou esta discussão: Será que o produto geneticamente modificado é uma coisa do mal? Será que causará danos à saúde? Portanto, é fundamental que os Senadores não se precipitem aqui, e o Governo Federal muito menos, em proibir simplesmente o uso de transgênicos no País. Desejo aplaudir o pronunciamento de V. Exª. Estou a seu lado nesta questão.

O SR. GILBERTO MESTRINHO (PMDB - AM) - Senador Mozarildo Cavalcanti, agradeço o aparte de V. Exª. Na continuidade do discurso, contarei talvez as razões maiores por que isso ocorre e, sobretudo, os equívocos do Brasil nesse processo.

Motivos não faltam para responder por que a adoção de biotecnologia na agricultura e na silvicultura é indispensável. Nós, da Amazônia, padecemos as conseqüências do descaso com o conhecimento e o investimento tecnológico, numa época em que éramos os únicos fornecedores de borracha, oportunidade em que colaboramos para o mundo andar mais rápido e asséptico, por conta dos pneumáticos e das luvas hipodérmicas produzidas com a goma elástica amazônica no início do século passado. Não fomos capazes de gerar uma estrutura de beneficiamento e um parque industrial para perenizar essa riqueza. Os ingleses, atentos a essa alternativa, levaram as sementes da Hevea brasiliensis para seus laboratórios de biogenética em Kew Gardens, aperfeiçoaram a espécie e a cultivaram racionalmente em seus domínios tropicais asiáticos. Com o aumento da produtividade, conquistaram um incremento de 60% em sua economia de então, enquanto a Amazônia voltou à condição precária de porto de lenha, resultado do descuido com o conhecimento e o investimento tecnológico.

O Sr. Leomar Quintanilha (PFL - TO) - Permite V. Exª um aparte, nobre Senador Gilberto Mestrinho?

O SR. GILBERTO MESTRINHO (PMDB - AM) - Concedo um aparte ao Senador Leomar Quintanilha. Em seguida, concedo o aparte ao Senador Mão Santa.

O Sr. Leomar Quintanilha (PFL - TO) - Senador Gilberto Mestrinho, não tive a felicidade de ouvir por inteiro o pronunciamento que V. Exª está conduzindo com raro brilho nesta Casa. Havíamos conversado antes, quando V. Exª comentou que iria trazer à discussão este assunto momentoso, importante e moderno: a questão dos transgênicos. Particularmente, Senador, chego a acreditar que a polêmica em torno dos transgênicos e esse verdadeiro alvoroço que o assunto provoca deriva muito mais da questão econômica do que da de natureza científica. Tive o ensejo de realizar nesta Casa, há dois anos, um seminário que envolveu segmentos da sociedade civil organizada, produtores, cooperativas, empreendedores, inclusive a Igreja, para discutir a clonagem e os transgênicos. Um cientista do Reino Unido compareceu a esse seminário e disse textualmente, para todos ouvirem, que era muito mais perigoso atravessar uma avenida da nossa capital do que consumir produtos transgênicos. O que queria dizer é que cada caso é um caso. O caso da soja transgênica é hoje motivo de muita discussão; está chamando a atenção até mesmo do Governo, em razão da expressiva safra deste ano. Produtores do Rio Grande do Sul estão buscando principalmente reduzir os seus custos de produção - o que a soja transgênica permite. Então seria imperativo que analisássemos a opinião de um dos mais importantes, mais significativos institutos de pesquisas que o Brasil tem, que é a Embrapa, cujos técnicos e cientistas, extremamente preparados, exerceram sobre a matéria um exame profundo e apresentaram para o Ministério da Saúde e para o Ministério da Agricultura variedades de soja transgênicas que poderiam ser levadas da produção para o consumo. Eminente Senador, hoje, em todo o mundo, há mais de 40 milhões de hectares cultivados com produtos transgênicos.

O SR. GILBERTO MESTRINHO (PMDB - AM) - 59,5 milhões, para ser exato.

O Sr. Leomar Quintanilha (PFL - TO) - Veja como meu dado está atrasado. Se descuidarmos, amanhã haverá uma área muito maior sendo cultivada. V. Exª traz o assunto, em hora oportuna, para que possamos participar, efetivamente, da discussão de um problema altamente significativo, principalmente para o Brasil, que tem uma vocação natural para produzir e precisa aproveitar esse potencial para tirar o País do atoleiro e permitir que os nossos produtores tenham competitividade no mercado nacional e internacional. Parabéns pelo belo trabalho que traz, com minha solidariedade para que possamos ampliar essa discussão.

O SR. GILBERTO MESTRINHO (PMDB - AM) - Obrigado, Senador Leomar Quintanilha, mas não precisamos fazer mistério nem procurar entidades para resolver a questão dos transgênicos. Nesta Casa, encontra-se presente, para nossa honra, o autor da lei de biossegurança, o eminente Senador Marco Maciel, que também, por coincidência, no exercício da Presidência da República, regulamentou a criação da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, que prevê todos os casos. É um estatuto claro, em que a sociedade e o mundo científico estão representados. Só que, de uns tempos para cá, resolveram ignorar a CNTBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança). O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis) passou a ter mais autoridade do que a CNTBio. E o Brasil está nisso. Mais adiante, vamos falar sobre isso.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Concede-me V. Exª um aparte?

O SR. GILBERTO MESTRINHO (PMDB - AM) - Concedo aparte, com muito prazer, ao meu colega de Partido, Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Gilberto Mestrinho, o pronunciamento de V. Exª nos permite mudar seu nome: é Mestrão agora. Com muita sabedoria, V. Exª está comentando um dos assuntos mais importantes no mundo moderno. Como médico - e aqui nesta Casa há cinco médicos: Senadores Antonio Carlos Magalhães, Mozarildo Cavalcanti, Papaléo Paes, Tião Viana e eu próprio - e Professor de Biologia que sou, quero dizer da importância disso no mundo. Já foi analisado o lado da agricultura, mas quero analisar o lado médico. A cirurgia de transplante teve no passado obstáculos e críticas, entretanto ela avançou muito - inclusive no meu Piauí já se faz transplante de coração com êxito. Mas, apesar dos avanços, os transplantes enfrentam grandes dificuldades no Brasil e no mundo para encontrar órgãos. A saída para essa situação é justamente o estudo dos transgênicos. Entendemos que o tema deveria ser uma cadeira das ciências médicas. Hoje, temos estudos no sentido de o porco transgênico fornecer órgãos para transplante. Modificam-se os genes dos suínos para se obterem os órgãos para transplante. Ainda há o problema da rejeição, mas há perspectivas para milhares de pacientes de obterem grandes chances de êxito na cirurgia; o caminho para a vitória é certo. O estudo do transgênico nos possibilitará esse avanço. Cumprimento V. Exª e desejo que seu pronunciamento seja uma inspiração para que nas faculdades de ciência e de saúde se estudem os transgênicos.

O SR. GILBERTO MESTRINHO (PMDB - AM) - Muito obrigado, Senador Mão Santa, que, com sua autoridade médica, compreende bem a importância dos transgênicos na vida moderna.

Por falta de pesquisa em biotecnologia, a cada ano, cerca de 40% das safras de alimentos são perdidas por conseqüência da ação de insetos e fungos, ou por serem perecíveis, problemas solúveis pela Engenharia Genética. Especialistas em nutrição dizem que plantas geneticamente modificadas também serão necessárias para aumentar a produção de cereais, a fim de atender à demanda de alimentos, em especial nos países periféricos.

O Programa Fome Zero, que precisa, urgentemente, transformar-se em um programa da sociedade para ser materializado, muito ganharia se incorporasse as informações e experiências consagradas da Embrapa - cujo banco de germoplasma é um dos maiores do Planeta - e de outras instituições similares que oferecem soluções no setor.

Será que o Brasil pretende encerrar a questão dos transgênicos por decreto como fez a Igreja Católica com as teses de Galileu e Copérnico? É preciso mobilizar a sociedade como um todo na direção do debate desapaixonado e com a participação efetiva de todos os segmentos e atores sociais, incluindo, obviamente, as empresas ao lado das instituições de pesquisas, agricultores, especialmente os multiplicadores de sementes, os exportadores e os consumidores do cotidiano. Sem teologia nem ideologia, todos esses setores devem ser ouvidos para que haja legitimidade das decisões, tomadas necessariamente a partir de fatos e evidências científicas comprovadas, e jamais fundadas em hipóteses, subterfúgios e hermenêuticas tendenciosas, ideológicas dos oportunistas de plantão.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Senador Gilberto Mestrinho, V. Exª me concede um aparte?

O Sr. Juvêncio Dias (PMDB - MT) - Também peço a V. Exª o aparte, Senador Gilberto Mestrinho.

O SR. GILBERTO MESTRINHO (PMDB - AM) - Concedo o aparte ao Senador Ney Suassuna e, posteriormente, ao Senador Juvêncio Dias.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Nobre Senador Gilberto Mestrinho, quero me solidarizar com V. Exª e falar da oportunidade do discurso que faz em um momento em que parece que perdemos a orientação. Os nossos concorrentes usam transgênicos a torto e a direito há anos. O milho de Minas Gerais foi transportado para os Estados Unidos, misturado, e tem muito mais proteína. Aqui, ao contrário, muitos, em diversas regiões do Brasil, acusam concorrentes, por causa do bicudo, que acabou com o nosso algodão, da ferrugem, que acabou com a nossa laranja, da vassoura-de-bruxa, que acabou com o nosso cacau, falam das nossas seringueiras, que foram melhoradas e transportadas para outros continentes. Mas parece que esta é a ameaça mais séria que temos: de repente, a nossa mentalidade passou a ser dominada pela ideologia de grupos que devem estar a serviço de alguém. Não é possível essa postura em uma hora dessas, em que se reduzem os agrotóxicos, aumenta-se a produtividade e o alimento não possui nenhum comprovante negativo, como têm demonstrado os laboratórios. Aliás, fabricam farinha com transgênicos para a Europa e os Estados Unidos. Portanto, eu não consigo entender como legislamos contra nós mesmos e nos auto-regramos de uma forma que não dá para compreender, na contramão do que está acontecendo no mundo. Tenho certeza de que, em seu discurso, V. Exª deixará claras as razões que estão por trás de toda essa movimentação, porque não é possível que, de pura e espontânea vontade brasileira, as coisas aconteçam como estão acontecendo.

O SR. GILBERTO MESTRINHO (PMDB - AM) - Nobre Senador Ney Suassuna, a política brasileira, em certos segmentos, nem sempre é adotada de acordo com as conveniências do País. Ela é adotada mais por imposição internacional. Vêm as determinações que têm de ser cumpridas aqui e elas são religiosamente cumpridas, sem resistência.

Há organismos nossos dominados por entidades internacionais que dão as ordens e estabelecem políticas. É por isso que ficamos em situação como esta. Lamentavelmente, isso tem acontecido; mas, por outro lado, felizmente, a sociedade está despertando e adquirindo luzes. Ela encontrará caminhos para mostrar aquilo que é conveniente ao País. Temos de adotar uma política que seja conveniente ao Brasil. No caso específico, uma política conveniente ao Brasil e não aos vendedores de agrotóxico.

Concedo o aparte ao Senador Juvêncio da Fonseca.

O Sr. Juvêncio da Fonseca (PMDB - MS) - Senador Gilberto Mestrinho, pedi o aparte a V. Exª por dois motivos. Primeiro, para dizer a V. Exª do meu grande orgulho de ter V. Exª como um dos Senadores, hoje, no Senado Federal, com essa consciência dos interesses nacionais, com essa consciência de que a biotecnologia é um caminho muito forte que precisamos, de uma vez por todas, alcançar. Também tenho feito pronunciamentos nesse sentido, e V. Exª, com esta riqueza maior de argumentos que traz, está cada vez mais ajudando para que este País, de uma vez por todas, levante o véu da questão da biotecnologia. Parabéns pelo pronunciamento! O segundo motivo do meu aparte é informar, como Presidente do Conselho de Ética, permitindo V. Exª que assim o faça, que haverá reunião do Conselho às 17 horas 30 minutos. Gostaria que todos os Srs. Senadores, titulares e suplentes, do Conselho de Ética estivessem conosco daqui a sete minutos, para que possamos apreciar a pauta de hoje. Muito obrigado.

O SR. GILBERTO MESTRINHO (PMDB - AM) - Agradeço-lhe o aparte, Senador Juvêncio da Fonseca. Peço apenas que me confira um pouco de tolerância, para que possa concluir meu discurso com presença de Parlamentares no plenário.

O Sr. Hélio Costa (PMDB - MG) - Permite-me V. Exª um aparte, eminente Senador Gilberto Mestrinho?

O SR. GILBERTO MESTRINHO (PMDB - AM) - Com muita honra, ilustre Senador Hélio Costa.

O Sr. Hélio Costa (PMDB - MG) - Obrigado, Senador. Um importante jornal de Minas Gerais, O Estado de Minas, publica, em sua edição de hoje, um artigo assinado pelo ex-Senador Murilo Badaró, onde ele faz uma comparação dos três grandes atrasos provocados no passado ao Brasil por força daqueles que querem evitar o progresso a toda forma. Refere-se, especial e inicialmente, à campanha O petróleo é nosso, que acabou atrasando o Brasil por não ter tecnologia para fazer a perfuração de poços de petróleo em águas profundas; depois, à reserva de mercado na informática, que atrasou o Brasil em vinte anos, e agora, diz ele, querem atrasar o Brasil na agricultura com a biotecnologia, com os transgênicos. Cito esse artigo porque está rigorosamente de acordo com a preocupação de V. Exª, uma vez que o Brasil precisa dessa tecnologia e certamente só poderá ser competitivo na medida em que esteja dentro dos parâmetros atuais da biotecnologia internacional.

O SR. GILBERTO MESTRINHO (PMDB - AM) - Muito obrigado, Senador Hélio Costa. Isso demonstra que a sociedade brasileira, sobretudo a inteligência brasileira, está despertando para essa realidade e as pessoas já estão tendo coragem de enfrentar o problema e dizer honestamente o que pensa a respeito dele. O policiamento que havia antes e que ainda existe em determinados segmentos da Imprensa é muito grande para todos aqueles que se levantam contra esses absurdos que são impostos à economia brasileira.

O Sr. Marco Maciel (PFL - PE) - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador Gilberto Mestrinho?

O SR. GILBERTO MESTRINHO (PMDB - AM) - Para mim, é um motivo de orgulho, Senador Marco Maciel, ouvir o aparte de V. Exª.

O Sr. Marco Maciel (PFL - PE) - É uma satisfação muito grande poder ouvi-lo nesta tarde, vez que V. Exª fere assunto extremamente oportuno e que merece a análise sobretudo do Congresso Nacional, como o grande fórum dos problemas nacionais. Houve um presidente americano, Woodrow Wilson, que disse, certa feita, que o Congresso tem uma tríplice função: legislar, fiscalizar e ser sobretudo um grande fórum das questões do país. Essa função está sendo exercitada hoje por intermédio do discurso de V. Exª, porque a questão dos transgênicos, a meu ver, está associada a uma questão maior, que é uma grande revolução científica e tecnológica que vive o mundo. Talvez a maior marca positiva das últimas décadas do século XX e sobretudo dos primeiros anos deste novo milênio tenha sido essa revolução científica e tecnológica, que está mudando os paradigmas e concorrendo para fazer com que possamos encontrar saídas, alternativas, para alguns dos problemas com os quais se defronta a humanidade. Certamente a questão dos transgênicos merece uma reflexão do Senado, do Congresso Nacional, uma grande discussão nacional, porque estamos numa fase de aceleração histórica tal que não podemos perder oportunidades. Recentemente, um cientista político italiano, Norberto Bobbio, disse, ao lançar o seu segundo livro de memórias, uma frase que gravei e considero muito oportuna. Ao lançar o livro O Tempo da Memória, ele disse que o mundo já se dividiu entre nações fracas e fortes, entre nações ricas e pobres, e agora o mundo vai se dividir entre os que sabem e os que não sabem. Com isso, ele quer certamente dizer que, cada vez mais, a componente educação/ciência e tecnologia será fundamental para vertebrar o destino de uma nação. O Brasil não pode perder espaço neste momento, não pode deixar de estar atento a essas transformações que ocorrem no mundo e não pode também deixar de se preparar, por meio de estudos, de pesquisas e sobretudo da formação de técnicos e cientistas nessa área tão importante para o progresso do nosso povo. Senador Gilberto Mestrinho, digo isso porque estou convencido de que a questão dos transgênicos precisa ser adequadamente encaminhada e resolvida. Lamento que o Governo do Presidente Lula ainda não tenha adotado uma conduta clara com relação a este tema, porque, como V. Exª recordou, fui autor do projeto de lei que se converteu na chamada Lei de Biossegurança, a Lei nº 8.974, que entrou em vigor no início de 1995. Acredito que a lei, ao dispor sobre a criação de uma comissão habilitada a dar parecer sobre essas questões, criou condições para que fossem devidamente dilucidadas. Contudo, tal não ocorreu. Aliás, V. Exª chama a atenção para o fato de que, lamentavelmente, a comissão criada para esse fim não está tendo seus pareceres devidamente acatados, o que não concorre para que essa questão seja esclarecida. Não quero me alongar em considerações, pois vejo que V. Exª encontra-se na parte inicial do seu discurso, mas acredito que a manifestação de V. Exª certamente nos ajudará a encontrar o caminho correto, o caminho que faça com que o Brasil seja coetâneo dessas grandes transformações mundiais, recorrendo, portanto, a tecnologias que já estão comprovadamente a serviço do homem e do seu desenvolvimento, a serviço da solução dos agudos problemas com os quais se defronta a humanidade, sobretudo aqueles ligados à melhoria da qualidade de vida do cidadão e à melhoria da dieta alimentar de países como o Brasil, que desejam ainda vencer suas enormes desigualdades interespaciais e interpessoais. Congratulo-me com V. Exª pelo pronunciamento, e oxalá sua voz possa não somente repercutir nesta Casa, mas venha alcançar também outras áreas do Governo, e, quem sabe, a partir daí se dê um tratamento adequado à questão dos transgênicos no Brasil.

O SR. GILBERTO MESTRINHO (PMDB - AM) - Agradeço o erudito aparte do eminente Senador Marco Maciel, que bem apresentou o tema, conhecedor profundo que é da questão da biossegurança e dos transgênicos no nosso País.

Como dizia, não podemos entregar à uma comissão ministerial ou a uma facção ideológica da sociedade os destinos e interesses do País, nem adotar a postura da avestruz em relação à manifestação de centenas de cientistas e acadêmicos de todo o mundo e de instituições acreditadas, como a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), a Academia Nacional de Ciências da China, a Comissão Científica do Parlamento da União Européia, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o posicionamento assumido por sete academias de ciências, entre as quais a Royal Society britânica, a Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos e a Academia Brasileira de Ciências, que já se manifestaram sobre o assunto e têm atestado a segurança alimentar dos produtos transgênicos hoje comercializados nos países civilizados.

A posição brasileira, a propósito dos produtos geneticamente modificados, além de vesga e equivocada, ameaça efetivamente os interesses diretos de parcelas efetivas da sociedade. A safra “Maradona”, como é conhecida a soja transgênica que vem contrabandeada da Argentina - lembrada aqui pelo Senador pelo Estado do Tocantins -, este ano representaria R$ 6 bilhões para a economia do Rio Grande do Sul, num País em que foram cortados R$ 14 bilhões do Orçamento, com reflexos, inclusive, no Programa Fome Zero. Mesmo que a decisão final para esse impasse seja pela exportação, como negociar externamente um produto em que o Governo brasileiro imprime o estigma de ilegalidade? A China vai suspender a importação da soja até que haja um posicionamento final para a questão.

Raciocínio semelhante aplica-se ao algodão, insumo vital da indústria têxtil brasileira, que mal se recompôs dos estragos causados em sua competitividade internacional com a abertura inesperada da economia no início dos anos 90. Com a proibição do cultivo das sementes transgênicas, vamos começar a importar algodão e tecidos a partir dos próximos anos, pois Estados Unidos, China, Índia, África do Sul e até o Egito colocarão no mercado produtos mais econômicos, mais competitivos e de melhor qualidade para o trabalho industrial, resultantes das sementes transgênicas, que são resistentes a insetos - o que é muito importante. O Nordeste, histórico produtor de algodão, e, mais recentemente, o cerrado mato-grossense estarão excluídos do mercado, gerando, por conta disso, o aumento das taxas de empobrecimento, desemprego, violência e êxodo rural. Vale lembrar que, no cultivo tradicional de algodão, cada safra exige 11 fumigações de agrotóxicos, enquanto a safra de semente modificada transgênica, o algodão BT, exige apenas uma fumigação. Foi por isso que o hospital chinês fechou. Agora, é incompreensível, é interessante, chega até a ser contraditório e meio ridículo proibirmos aqui o cultivo do algodão transgênico e importarmos algodão transgênico da China, da África do Sul e de outros países.

Falta a percepção, Sr. Presidente, de que existe uma campanha internacional contra a liberação dos transgênicos no Brasil, com uma finalidade essencialmente geopolítica: evitar, principalmente, que o Brasil, neste início de milênio, passe a liderar o ranking mundial de fornecedor de produtos agrícolas. E que não seja perdido um mercado de US$2,5 bilhões, que é quanto representa o nosso mercado para os agrotóxicos.

Não podemos, Srªs e Srs. Senadores, ficar reféns de uma organização financiada pela União Européia e que se atreve a dizer o que devemos e não devemos plantar, o que podemos e não podemos tirar da Floresta Amazônica, e outras intromissões inaceitáveis.

O Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que não é responsável por esse impasse, haverá de atentar para um posicionamento coerente com seu compromisso de brasilidade e de busca de caminhos sólidos, soberanos e promissores para o Brasil, recusando a opção pelo atraso e pela exclusão dos nossos produtos nos mercados mundiais.

Não podemos fechar os olhos para o fato de que 100% da soja argentina seja transgênica. E, há poucos dias, li um artigo de um defensor do combate aos transgênicos, dizendo que o Brasil aumentou a sua exportação para a Europa de soja porque não produz transgênicos. Não foi, não! A Argentina só produz transgênicos, mas aumentou sua posição, nestes três anos, de 19 milhões para 32 milhões de toneladas, e vende quase tudo para a Europa. Então, isso é conversa fiada! Pois bem, a soja transgênica da Argentina tem crescente aceitação no mercado interno e nacional. Setenta por cento da soja dos Estados Unidos é transgênica. E, no mundo inteiro, 58,9 milhões de hectares já são destinados ao cultivo desses produtos, com taxas decrescentes de utilização de agrotóxicos e com produtividade superior ao cultivo convencional. É muito melhor combater os fungos e as bactérias que atacam as culturas agrícolas com elementos biológicos do que com produtos químicos. Admira-me como tais defensores, os que são contra os transgênicos, rebelam-se contra essa ação exclusivamente biológica, que o homem faz desde antes de Cristo. Antes de Cristo, o homem já fazia vinho, pão e queijos, que são produtos transgênicos e que, naquele tempo, eram feitos sem a racionalidade do saber, pois não havia ainda a indústria de agrotóxicos e nem mercado para ela.

Nas prateleiras dos supermercados globais, mais de 600 produtos geneticamente modificados são adquiridos para o consumo com estritas normas de biossegurança. Os diabéticos, por exemplo - o diabetes é uma doença que atinge milhares de pessoas -, tiveram sua expectativa de vida ampliada com a insulina transgênica. A insulina com que se trata os diabéticos hoje é transgênica e salva ou prolonga vidas. Sem falar nas várias vacinas da modernidade, que são todas transgênicas e não causam nenhum mal, mas, ao contrário, combatem doenças.

Também fizeram movimento contra o descobridor da vacina da varíola no século XVIII e depois com Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, quando houve até a revolta da vacina. Esses fatos ocorrem porque ferem interesses. E, infelizmente, o nosso País tem sofrido dominação constante em vários aspectos.

Mas vamos adiante.

           O SR. PRESIDENTE (Mozarildo Cavalcanti) - Senador Gilberto Mestrinho, alerto que o tempo de V. Exª já está esgotado.

O SR. GILBERTO MESTRINHO (PMDB - AM) - Estou terminando, Sr. Presidente. É que esse problema de transgênicos é tão discutido e tão longo, que temos de demorar um pouco mais.

A Lei de Biossegurança do Brasil é uma das mais avançadas do mundo e contempla todas as medidas a serem adotadas no uso e aproveitamento dos produtos geneticamente modificados. A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, a CNTBio, cuja composição é altamente qualificada e representativa dos interesses nacionais, foi regulamentada e estruturada pelo eminente Senador Marco Maciel, quando no exercício da Presidência da Republica, devendo ser prestigiada e fortalecida, e cumprirá, como tem cumprido desde 1996, com seriedade e segurança, as atribuições que lhe foram conferidas. É também de vital importância que seja dada ao consumidor brasileiro e aos meios de comunicação a informação precisa sobre as vantagens da adoção da biotecnologia, utilizando a mais rigorosa e confiável base científica, com ênfase nos aspectos de biossegurança. 

Quando governei pela última vez o Amazonas, tive a oportunidade de conhecer algumas experiências da biotecnologia no Brasil e no exterior. Certa vez, em 1993, conversando com um dirigente do board de engenharia genética de uma importante universidade americana sobre as potencialidades genéticas do Amazonas e a biopirataria existente, ouvi o seguinte: “Governador, conheço uma empresa no Estado tal que somente com uma bactéria da sua terra garantiu um faturamento anual de US$1 bilhão”.

E pensar que 50% da biodiversidade do Planeta encontra-se na floresta tropical, com 250 mil espécies de plantas conhecidas, sendo 30% potencialmente comestíveis!

Lembro Alvin Toffler, que contou, para ilustrar a necessidade de adequação do conhecimento, que houve uma tribo nos Estados Unidos que se especializara em fazer canoas para todas as tribos da vizinhança. Tratava-se de uma especialidade secular, a única atividade econômica que desenvolvia. De um dia para o outro, o rio que passava em frente às tribos foi desviado para a construção de uma hidrelétrica e perdeu sua navegabilidade. Não haveria mais água, não haveria mais rio, e fabricar canoas deixou de ter qualquer sentido.

Receio, Srªs e Srs. Senadores, que percamos o bonde da história, e que num futuro próximo, persistindo a alternativa da agricultura convencional, não tenhamos mercado nem opção de negócios, transformando o Brasil num gigantesco fabricante de canoas sem rio para navegar.

A decisão judicial que hoje proíbe o plantio de sementes transgênicas ainda não foi reformulada em parte pelos reflexos da presença do Ibama no papel absurdo de coadjuvante do Greenpeace contra a União Federal. Esse fato estapafúrdio provocou desconfiança da própria justiça e da opinião pública e favoreceu abertamente dois setores: os produtores de agrotóxicos e os competidores do Brasil no mercado de commodities. De quebra, infelizmente, a demora dessa definição está desestimulando as pesquisas e fazendo com que os jovens cientistas abandonem ou percam o interesse por um tema tão relevante e promissor para não se envolverem em atividades cujos resultados são taxados de ilegais pelas autoridades brasileiras. Toda essa celeuma, Sr. Presidente, só não favorece o principal interessado: o Brasil. 

Finalmente, para que possamos avançar na superação desse impasse, é preciso desencadear algumas ações propositivas, abertas à apreciação das Srªs e Srs. Senadores. Antes, é preciso reafirmar os compromissos da Agenda 21, de que o Brasil é um dos primeiros signatários e que foi debatida e aprovada por este Congresso Nacional.

Cabe, portanto: mobilizar as associações científicas nacionais para assessorar a tomada de posição do Governo; consolidar institucionalmente e fortalecer a Comissão Técnica Nacional de Biotecnologia, CNTBio, como instância técnica e autoridade científica no assunto, incentivando sua interlocução e interatividade permanente com os Ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento*, do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Agrário*; propiciar condições científicas e técnicas ao Governo brasileiro para um posicionamento coerente e consistente em relação ao Protocolo do Canadá; e, em nome do destino do País e da reparação dos equívocos históricos de nossos governantes, investir maciçamente na pesquisa científica e na inovação tecnológica para transformar a imensidade do nosso patrimônio natural, definitivamente, na necessária e inadiável prosperidade social.

            Muito obrigado.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR GILBERTO MESTRINHO EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210 do Regimento Interno.)

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Artigo do Senador Murilo Badaró, no jornal Estado de Minas, do dia 18/03/2003.

            VANGUARDEIROS DO ATRASO

Murilo Badaró - Presidente da Academia Mineira de Letras

Com a decisão governamental de impedir a plantação de produtos geneticamente modificados no Brasil no Brasil, as esquerdas brasileiras devem estar festejando o tri-campeonato da maratona do atraso, competição em que se têm mostrado inexcedíveis. São três disputas vencidas em desfavor do Brasil, de sua política econômica e de seu desenvolvimento. A primeira, na década de 50, ao impor reservas à exploração do petróleo abundante nas costas e no território nacional, mediante vigorosa campanha do "petróleo é nosso", atrasando o Brasil em mais de 40 anos. Sem possuir tecnologia para atuar em águas profundas no oceano, sem preparo técnico para operar refinarias de alta produtividade, ficamos nos alimentando de slogans, enquanto outros países rejeitaram políticas xenófobas para avançar na exploração de suas jazidas.

O resultado é conhecido. Ainda não conseguimos auto-suficiência e a presença de empresas estrangeiras em nada diminuiu nossa independência. No mundo globalizado e sem fronteiras de hoje, o desastre da política canhestra da Petrobrás está refletindo na dependência que nossa economia ainda mantém com relação ao petróleo e seus derivados. Em 1950 os vanguardeiros do atraso venceram o Brasil no campeonato do progresso. A segunda maratona do atraso vencida pelas esquerdas brasileiras, acolitadas por nacionalistas de fachada que, ao contrário do discurso, atuam como poderosos agentes de interesses empresariais, foi quando da implantação da política de informática, retardando nosso desenvolvimento em uma década. Essa década perdida é o troféu alcançado pelos vanguardeiros do atraso, espécie de animal bifronte que advoga posições em defesa da indústria brasileira enquanto funciona como lobista, de empresários estrangeiros.

Sob a capa de proteger a indústria nacional, despreparada e carente de tecnologia para um mínimo de capacidade competitiva, esses grupamentos jurássicos com tempero ideológico barraram todas as tentativas de atrair o capital internacional para fazer do Brasil parceiro do suculento mercado mundial da informática. Conseguimos superar

essa falácia nacionalista e entramos na disputa, com os gravames de ter pela frente competidores mais avançados. A outra maratona do atraso, ainda em plena disputa, é a que pretende impedir a plantação de produtos geneticamente modificados, os famosos transgênicos, de que as plantações de soja são o protótipo em evidência. Nosso vacilante governo continua sem resolver essa questão crucial para a agricultura brasileira. O combate aos transgênicos é outra burla contra a boa-fé dos brasileiros. Trata-se de monumental farsa suscitada por ONGs e multinacionais européias para impedir o desenvolvimento dessa moderna técnica, para a qual não estão preparadas e em condições de enfrentar os Estados Unidos e outros países. O episódio revelado pela imprensa de estarem integrantes do MST plantando soja transgênica põe a nu a monumental contradição vivida pelo país. Há em esferas governamentais, com extensões para o judiciário, ardilosa trama para impedir possa o Brasil ingressar nessa nova era da moderna agricultura.

Enquanto a Argentina e vizinhos aprofundam-se e avançam no estudo para aproveitamento dessas tecnologias, estamos sendo vencidos pelos

vanguardeiros do atraso, impedindo pela ação de parlamentares, organizações não governamentais mantidas por empresas européias, inocentes úteis e assemelhados, a entrada do país nesse rendoso negócio, cujos frutos são o emprego no campo e o aumento de divisas com as exportações. Não há prova científica de que transgênicos causam qualquer dano à saúde ou ao ambiente. São apenas manobras de cunho ideológico para manter os níveis do atraso de que tanto se utilizam. Aos vencedores, as batatas transgênicas. Às favas a economia brasileira e o emprego para milhares de trabalhadores rurais.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/03/2003 - Página 3943