Discurso durante a 21ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

INTERPELAÇÃO AO SR. MINISTRO DA PREVIDENCIA SOCIAL, RICARDO BERZOINI, SOBRE A REFORMA DA PREVIDENCIA SOCIAL.

Autor
Heloísa Helena (PT - Partido dos Trabalhadores/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PREVIDENCIA SOCIAL.:
  • INTERPELAÇÃO AO SR. MINISTRO DA PREVIDENCIA SOCIAL, RICARDO BERZOINI, SOBRE A REFORMA DA PREVIDENCIA SOCIAL.
Publicação
Publicação no DSF de 21/03/2003 - Página 4250
Assunto
Outros > PREVIDENCIA SOCIAL.
Indexação
  • ANALISE, INJUSTIÇA, IMPUTAÇÃO, RESPONSABILIDADE, SERVIDOR, DEFICIT, PREVIDENCIA SOCIAL, MOTIVO, FRAUDE, SONEGAÇÃO, INEFICACIA, GESTÃO, ESTADO.
  • DEFESA, VALORIZAÇÃO, TRABALHO, SERVIDOR, IMPORTANCIA, SERVIÇOS PUBLICOS, ATENDIMENTO, POPULAÇÃO CARENTE.
  • APREENSÃO, ABERTURA, PREVIDENCIA COMPLEMENTAR, SERVIÇO PUBLICO, RISCOS, GESTÃO, FALENCIA, PREJUIZO, SERVIDOR, DEFESA, REFORMULAÇÃO, REGIME, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS).
  • CRITICA, ATRASO, DEBATE, LIMITAÇÃO, SALARIO, PODERES CONSTITUCIONAIS.

A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, primeiro, saúdo o Ministro Ricardo Berzoini, inclusive por sua participação em vários debates nesta Casa. Talvez V. Exª seja o Ministro que mais participou de debates no Senado. Saúdo-o também porque, em alguns momentos, certas personalidades apresentam determinadas propostas como se fossem única e exclusivamente instrumentalizadas com argumentos pretensamente científicos, supostamente racionais. Nesta Casa, por exemplo, até entre nós mesmos do PT, existem visões diferenciadas. V. Exª tem apresentado uma proposição que, de alguma forma, reflete o pensamento majoritário do Governo. O nosso Senador Paulo Paim tem outra proposta. Evidentemente, são propostas igualmente racionais, até porque os números e a racionalidade nem sempre têm algo de neutro. Então, são propostas extremamente importantes a serem discutidas na Casa.

Tenho algumas considerações iniciais a fazer. Às vezes me torno repetitiva na defesa do servidor público, porque, infelizmente, não V. Exª, mas determinados setores da sociedade, tanto nas instâncias de decisão política como na sociedade de forma geral, insistem em estabelecer, no imaginário popular, a responsabilização do servidor público por todas as mazelas do País. Atribuem-lhe, por exemplo, a velha cantilena que sempre trato como enfadonha e mentirosa: rombo da Previdência, tendo como responsável o servidor público. Por isso, temos de ser sempre repetitivos e quase também enfadonhos para lembrar - e certamente V. Exª o fez na exposição inicial - as questões relacionadas com os problemas da Previdência: a sonegação na área de “pilantropia” - e V. Exª até expôs publicamente os mecanismos a serem utilizados para o combate à fraude; a sonegação do próprio aparelho do Estado, tanto da União, quanto dos Estados e dos Municípios: embora os servidores públicos tenham o desconto automático em folha no seu salário - portanto são contribuintes absolutamente honestos do ponto de vista formal -, o Estado é que não estabeleceu a contrapartida, e, por conseguinte, existe o déficit. Além disso, outros problemas extremamente graves acontecem: o próprio desvio de recursos da estrutura da Previdência ao longo da história, para fins diversos ou visando, por exemplo, em nome de ajuste fiscal, à desvinculação de receita da União; a situação do assustador percentual da população economicamente ativa na informalidade.

Diante desse quadro, tenho sempre tido a preocupação de defender o servidor público, pois, mesmo que estivesse tratando da proteção individual do servidor público, da servidora pública, não me sentiria nem um pouco constrangida em fazê-lo, porque estaria defendendo alguém que trabalha. Antes da condição de agente público, sou servidora pública e sei que, quando o servidor público não trabalha, é porque há um político vigarista a lhe dar sustentação. Do contrário, o servidor público trabalha, tendo inclusive problema de achatamento salarial. Então, trabalha!

E o grande debate - que infelizmente não temos tido a oportunidade de fazer em relação ao setor público - é discutir o papel do Estado. Existem tarefas que são prerrogativas exclusivas do aparelho do Estado. E há outras tarefas que, embora sejam também desenvolvidas pela iniciativa privada, quando desenvolvidas pelo setor público, são a única referência para a população mais pobre do País. Portanto, quando defendo o servidor público - e não teria nenhum problema em defender corporação; sentir-me-ia envergonhada de defender corporation, mas, corporação, não tenho nenhum problema em defender -, estou defendendo também determinadas atividades que, mesmo que não sejam efetivadas exclusivamente pelo aparelho de Estado, transformam-se em única referência para a gigantesca maioria da população pobre do País, que não vive como nós vivemos. Quando nossos filhos adoecem, temos o seguro saúde. A população pobre precisa do setor saúde e do servidor público, porque quem presta o serviço de educação, de saúde, de segurança, de assistência social não é um disco voador que sai por aí prestando serviço; são os servidores públicos. Daí a necessidade de que sejam tratados respeitosamente.

Exatamente pela minha caracterização do papel do Estado, tenho divergências em relação à questão da aposentadoria complementar e do sistema único. Algumas pessoas até já me perguntaram, considerando que tenho um sentido de justiça tão grande, por que não defendo um sistema único, com um teto único. É que prefiro a concepção de não estabelecer isonomia por baixo, mas isonomia na integralidade dos vencimentos. O Senador Paulo Paim está doente, internado, por isso não está aqui para fazer esse debate; mas, com certeza, teremos a oportunidade de discutir essa concepção, à luz da racionalidade dos números.

A previdência complementar sempre me preocupou - e sei que V. Exª não defende a previdência complementar privada. Contudo, se abrirmos a possibilidade para a previdência complementar, mesmo que pública, o problema é que ninguém sabe quais os outros governos que virão, quais os outros mecanismos de controle social que poderão ser estabelecidos. E, na previdência complementar, é evidente que não podemos aceitar o teto do INSS. V. Exª sabe que defendo, como primeiro passo da reforma da Previdência, que se faça a reforma do INSS. Trata-se da velha discussão sobre o fator previdenciário, que, embora seja um mecanismo inteligente do ponto de vista da expectativa de vida, efetivamente prejudica a população mais pobre, aqueles que ingressam no mercado de trabalho mais cedo e que têm de trabalhar mais dez anos para não ter um corte de até 45% na sua aposentadoria. Então, por que não fazemos a discussão da previdência do INSS, a previdência dos pobres, que vai desde o aumento do teto do INSS até à rediscussão do fator previdenciário?

Outra discussão que me incomoda muito é a do teto salarial. Se tivéssemos tido a coragem de fazer o debate do teto salarial logo, antes de qualquer debate sobre a reforma da previdência, isso não minimizaria problemas fiscais apenas no futuro, quando houver aposentadorias com supersalários, mas já a partir de agora, diante da combalida situação dos orçamentos públicos.

Falo isso com muita tranqüilidade porque não contribuo para as previdências parlamentares. Contribuo para o INSS. Portanto, quando eu voltar para a universidade e quando eu tiver a minha aposentadoria, eu a terei proporcional à minha contribuição ao INSS. Não contribuo, como muitos Parlamentares fazem, para os institutos próprios, porque, às vezes, é muito fácil se falar de R$2 mil, R$3 mil, R$4 mil, como se fosse um salário assombroso, quando se permitem salários de R$25 mil reais, R$30 mil, R$40 mil e não se tem a coragem de fazer o debate do teto.

Tenho uma posição divergente da de V. Exª em relação à questão do sistema único da previdência complementar. Tenho gigantesca preocupação em relação a quem vai administrar essa outra parte da previdência complementar. É mais fácil para algumas pessoas que tem assessoria jurídica buscar um sistema de previdência complementar privado do que para a população de uma forma geral, que pode ficar refém de determinadas seguradoras, que vão à falência, como acontece hoje com milhões de pessoas reféns das seguradoras no âmbito da saúde.

Este é um debate que temos de fazer com muita delicadeza, para que não criemos determinados instrumentos que apenem a gigantesca maioria do povo brasileiro, o povo pobre, e passemos uma visão à sociedade que não corresponde efetivamente à verdade.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/03/2003 - Página 4250