Discurso durante a 22ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Preocupação com a guerra entre os Estados Unidos da América e o Iraque.

Autor
Amir Lando (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Amir Francisco Lando
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL. POLITICA EXTERNA.:
  • Preocupação com a guerra entre os Estados Unidos da América e o Iraque.
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 22/03/2003 - Página 4383
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL. POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • PROTESTO, GUERRA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), IRAQUE, AUMENTO, NUMERO, MORTE, SOLDADO, VITIMA, CONFLITO, FALTA, ALIMENTOS, AGUA, POPULAÇÃO.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), BOMBARDEIO, ORIENTE MEDIO, AUSENCIA, AUTORIZAÇÃO, CONSELHO DE SEGURANÇA, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU).
  • ELOGIO, DECISÃO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, OPOSIÇÃO, GUERRA, PAIS ESTRANGEIRO, IRAQUE, DEFESA, UTILIZAÇÃO, DIPLOMACIA, SOLUÇÃO, CONFLITO.

O SR. AMIR LANDO (PMDB - RO. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, neste momento em que um hálito de morte se esboça diante da terra, com o coração dorido, venho a esta tribuna, para, mais uma vez, lançar meu libelo pessoal contra a guerra.

O barulho das bombas lançadas na madrugada de ontem sobre Bagdá não aturdiu apenas o povo iraquiano. O milagre da tecnologia, que transporta os invasores para dentro de todas as casas, acordou o mundo. Não importa que dia foi ontem, se 11 de setembro ou 20 de março, afinal, talvez o mundo tenha que adotar, a partir de agora, um novo calendário, marco divisório entre o lamento pelo que não se fez e a esperança pelo que há de fazer. É um marco da nossa história.

Novamente, temos no horizonte do mundo a guerra de conquista. Que diferença faz matar num assalto, ou matar, assaltando um país? Que diferença faz, se a morte, com seu decreto irreversível, vai dizimando vidas do jeito que for? É exatamente nesse réquiem que todos nós vemos soar, sobre a humanidade, esse hino à morte, das sirenes que tocam desesperadas ante o ataque e o bombardeio iminente.

É um momento de reflexão, de saber se a humanidade quer sobreviver, ou se o caminho é a destruição. Da dor não se discute o tamanho. Ela é a mesma, se em Nova Iorque, em 11 de setembro, quando choramos juntos, com toda a humanidade, as vítimas das Torres Gêmeas, ou, agora, em Bagdá, no Iraque; se em Londres ou em Bombaim. Não importa por quem os sinos dobram. Eles dobram por todos nós, que não conseguimos que a guerra não acontecesse. Mas a comoção parece ter a dimensão do poder. Se de Washington ou de Luanda; se pelas torres gêmeas ou pelos genocídios. Tomara que o mundo tenha realmente despertado e que, após esta noite escura da insânia da conquista, após este réquiem, possamos, talvez, festejar a aleluia da paz, da justiça e da grandeza da condição humana.

Mais de um terço da população do Planeta sofre da dor da fome e da miséria: são mais de um bilhão de verdadeiros corpos espectrais. Vagam da Guiné a Manhattan, de Serra Leoa a Paris; da Rocinha a Guaribas. Nos céus de Bagdá, de Cabul ou de Sarajevo, não se viram, até a madrugada de hoje, mísseis de arroz, de feijão ou de pão. As primeiras notícias da imprensa quase oficial dão conta de que o primeiro tomahawk matou um civil. Pois imaginem, Srs. Senadores, de onde saiu esse petardo? Pois bem, dependendo de que base tal torpedo foi lançado, no curtíssimo espaço entre o lançamento e o alvo, podemos calcular que entre 15 a 25 crianças morreram, principalmente de causas decorrentes da fome, da miséria, que assola o mundo. Se o conflito bélico durar um único mês, são contraditórios os números estimados de “baixas”. Entretanto, as estatísticas mostram que se somarão outros mais de um milhão de inocentes, mortos na guerra pela vida. É essa a guerra que se trava um pouco por dia.

Toda guerra é abominável! Não há homenagem por bravura ao soldado diligente que volta com a coroa gloriosa da matança inominável! Não há o que gabar a bravura para compensar a dor de uma mãe ao receber do front a notícia mais temida: a morte de seu filho. É o aniquilamento de uma história de amor sem similar. Mas há uma outra guerra mundial constante e igualmente dolorida, e que raramente está nas manchetes dos principais jornais. A diferença é que, no caso, essas treze milhões de crianças que, na voz do poeta, morrem “de fome um pouco por dia”, que chegam talvez, no máximo, até os vinte e cinco anos, suspiram pela última vez nos braços das mães igualmente esquálidas, que sobreviveram à emboscada da vida, mas que, com certeza, também morrerão de velhice muito cedo.

Que a paz esteja conosco! Que, enfim, se possam entoar as aleluias! Que onde houver guerra, o mundo leve a paz! Mas, onde houver a fome, que o mundo leve o pão! Navios graneleiros estacionados nas costas da África, ao sul da Índia ou em qualquer porto da América Latina! Ataques por terra, ar e mar! Que haja uma busca incansável pelos miseráveis em todas as palafitas, as favelas e os mocambos! Que seja bombardeado o relento das pontes e dos viadutos! Que o cinza do latifúndio seja substituído pelo verde do roçado e do plantio! Que a enxada seja a arma mais poderosa para conquistar novas terras e mais pão! Que a frota de tratores seja precursora do exército de reserva de salvação dos miseráveis! Que todas as terras férteis sejam minadas por sementes benfazejas!

Quanto custará esta guerra de mísseis de última geração, visões noturnas, tanques rompedores de tempestades de areia, da “mãe de todas as bombas”, que se colocam como a coroa de uma conquista tecnológica dessa máquina mortífera sem precedentes na história da humanidade?

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Amir Lando, V. Exª me concede um aparte?

O SR. AMIR LANDO (PMDB - RO) - Ouço V. Exª, Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Amir Lando, V. Exª teve a competência de transformar essa tragédia toda numa das mais belas páginas de literatura do seu trabalho. É o momento de nos orgulharmos: não é Demóstenes, não é Cícero, não é Quintiliano, não é Padre Vieira, de Portugal, o melhor orador; é V. Exª mesmo que acaba de revelar esse quadro dramático. Ouvi aqui muitos pronunciamentos sobre a guerra, até o do nosso Presidente, que é um literato internacional - o Presidente Sarney. Das palavras de S. Exª ninguém dissente. Mas V. Exª transforma esse drama internacional em belas palavras. Sou um cirurgião, e, para onde vamos, levamos a nossa formação profissional - aprendi isso com o Dr. Alberto Silva, que diz ser engenheiro político, não político engenheiro, pois aonde S. Exª vai, faz obras. O cirurgião é um homem de ação. De todas as coisas que ouvi aqui também me veio um pensamento que aprendi com um filósofo como o Senador Amir Lando, um sábio: de nada valem as palavras e os pensamentos que não se seguem de ação. Todos nós estamos contra esse poder ímpar de Bush, mas temos que, congregando, “ter paz em pabla”. Traduzindo: pancada atrai pancada; então tem que haver um contraponto. Não é, Senador? Temos que ter um foco real, vamos nos inspirar em Gandhi, quando foi vítima dos próprios ingleses, na humilhação, em invasões semelhantes, vivendo o mesmo drama, apenas em outra época. Ele ensinou o povo da Índia a não se vestir mais com roupa inglesa, e aí as mulheres queimaram seus vestidos, o sal inglês era jogado no mar. Então, partamos todos agora para uma ação real: boicotemos esse poder, não tomemos Coca-Cola, não viajemos em avião construído naquele país, não comamos sanduíche do McDonald’s, enfim, tenhamos uma reação para chegar a eles, aos poderosos, que o mundo quer paz, que o mundo quer a mensagem de S. Francisco. Não me refiro a mim, mas àquele santo que andava com uma bandeira escrita “Paz e bem” e que disse: “Senhor, fazei-me instrumento de vossa paz!”

O SR. PRESIDENTE (Alberto Silva) - Senador Amir Lando, lembro-lhe que seu tempo está se esgotando.

O SR. AMIR LANDO (PMDB - RO) - Concluirei, Sr. Presidente, apenas dizendo duas palavras a esse sábio e preciso aparte que me faz o Senador Mão Santa. V. Exª, com a incisão do bisturi, foi logo ao tumor. Para eliminar o mal, é preciso ação. É a hora da assepsia, de remover esse mal que afeta a todos nós. E V. Exª lembra Gandhi, que me inspirou em tantos discursos, em tantas reflexões. Aquele que nos apontou o caminho da paz, sobretudo pela conduta pessoal, pela conduta coletiva de um povo que buscou na resistência pacífica a solução das agressões que sofria no momento em que ele lançou a grande campanha de libertação da Índia. Esse é o caminho, mas não posso agora nele me adentrar.

A generosidade de V. Exª me comove. Sou apenas um plantador de idéias e um semeador de esperança. Só tenho discurso na tribuna, mas vamos partir para a ação. O mundo deve reagir a esse tipo de agressão, a essas guerras de conquista, e também à fome. 

Vou concluir, com brevidade, o meu discurso.

Quanto custará a reconstrução da terra arrasada? O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, órgão da mesma ONU, organização agora humilhada pelos donos do poder, calculou o montante necessário para se vencer a guerra contra a fome, não apenas no Vietnã, na Bósnia, no Afeganistão e em Bagdá, mas também na Guiné, na Nigéria, no Haiti, na Somália, no Vale do Jequitinhonha, em Guaribas, no mundo, enfim! Algo em torno de US$40 bilhões anuais. Depois dessa guerra, a “reconstrução” demandaria outros US$40 bilhões para gerar empregos e tornar sustentável a fartura. Outros cálculos dão conta de que apenas 0,05% da especulação financeira mundial somam US$100 bilhões anuais. Os donos do poder e do dinheiro, que possuem armas capazes de destruir o mundo inúmeras vezes, poderiam, ao custo de um único conflito, destruir a miséria e reconstruir a dignidade humana.

Não há quem possa negar que o Presidente Lula tomou duas atitudes das mais corretas neste princípio de governo. Em primeiro lugar, declarou guerra sem trégua à fome no País. Mobilizou seus “exércitos” no sentido de que ocupassem todas as posições onde o “inimigo” pudesse estar causando “mortes severinas”. É bem verdade que, como em todas as guerras, há avanços e recuos. A burocracia conspira. Há interesses frustrados que se transformam em “fogo amigo”. Há inimigos que acumulam táticas que perduram há cinco séculos. Em segundo lugar, expressou o mais puro sentimento do povo brasileiro ao se colocar contra qualquer tipo de conflito que fira de morte a democracia, a cidadania e a soberania dos povos. Condenou a tirania e a ditadura, mas defendeu a diplomacia como o melhor instrumento para resolver os grandes conflitos mundiais.

O SR. PRESIDENTE (Alberto Silva) - Senador Amir Lando, peço que V. Exª conclua o seu pronunciamento.

O SR. AMIR LANDO (PMDB - RO) - Concluo, Sr. Presidente.

Em ambos os casos, arregimentou seguidores. Não salvou Bagdá dos mísseis de última geração tecnológica. Quem sabe, pelo menos lançou sementes para as próximas gerações salvarem a fome dos brasileiros.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/03/2003 - Página 4383