Discurso durante a 23ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Defesa do aperfeiçoamento do programa "Fome Zero".

Autor
Leonel Pavan (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/SC)
Nome completo: Leonel Arcangelo Pavan
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Defesa do aperfeiçoamento do programa "Fome Zero".
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 25/03/2003 - Página 4633
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, VEJA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), CRITICA, PROGRAMA, GOVERNO FEDERAL, COMBATE, FOME.
  • DEFESA, NECESSIDADE, URGENCIA, PLANEJAMENTO, APERFEIÇOAMENTO, PROGRAMA, COMBATE, FOME, SIMULTANEIDADE, GARANTIA, ALIMENTOS, INTEGRAÇÃO SOCIAL, CIDADANIA, POPULAÇÃO CARENTE.

O SR. LEONEL PAVAN (PSDB - SC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho a esta tribuna para falar, mais uma vez, sobre o programa Fome Zero, para lembrar um artigo que escrevi, há cerca de dois ou três meses, para ler a parte de um artigo da revista Veja publicado há três semanas e também para lembrar o que esse projeto poderá causar no Brasil se não houver um planejamento rápido e sério.

Eu dizia, no meu artigo, bem antes de assumir o Senado, no início de janeiro, que o programa Fome Zero era um projeto vazio, que não havia como desassociar as regiões Norte e Nordeste do contexto nacional, com sua potencialidade turística e cultural, assim como é inegável a contribuição industrial e econômica do Sudeste e do Sul para o desenvolvimento do País.

Dentro deste contexto de integração nacional é que tenho defendido o aperfeiçoamento do programa de erradicação da fome no Brasil, o chamado Fome Zero, para que não se transforme em um projeto meramente existencialista e transitório.

A nova e absoluta prioridade da Administração Federal, esse projeto, sob a batuta do Presidente Lula da Silva, necessita, urgentemente, de conteúdo. Assim como está posto, trata-se de um projeto vazio.

Sou solidário à posição do bispo de Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, Dom Mauro Morelli, respeitado líder brasileiro no terreno do apoio social às pessoas de baixa renda, que declarou, em rede nacional, que não adianta somente distribuir comida, mas é preciso promover ações de integração social e de cidadania entre os excluídos, para que tenham acesso a condições básicas de saneamento, saúde e educação. O complemento deve ir sob a forma de treinamento e encaminhamento de mão-de-obra. A única forma de acabar definitivamente com a fome é estabelecer política séria e efetiva de apoio à pequena, média e grande empresa em todos os setores, para gerar empregos, renda e poder de compra. Programas emergenciais devem existir, sim, mas revestidos de conteúdo e direcionamento.

Setores lúcidos da imprensa nacional também têm defendido o aperfeiçoamento do atual projeto governamental. A revista Veja de 15 de janeiro de 2003 registra, nas páginas 28 e 29 de sua reportagem principal: “A verdade é esta: o Fome Zero, como meta, é impecável e merece aplausos. Como projeto prático, não passa de uma confusão de amadores.” Quem diz isso é a revista Veja. Repito: “Como meta, o Projeto Fome Zero é impecável e merece aplausos. Como projeto prático, não passa de uma confusão de amadores”.

Os pobres de todo o Brasil merecem mais respeito. Necessitam de um programa que não só dê peixe como alimento do dia, mas ensine a pescar para que se alimentem a vida inteira.

Esse foi um artigo que fiz em janeiro. Depois, lemos um artigo da revista Veja que diz que “o programa de combate à fome fez o Senado chamar o Ministro para dar explicações, já teve conta secreta, mas resultado que é bom...” E assim por diante.

            A revista continua:

Brasília se habituou a histórias envolvendo autoridades, cheques e contas secretas. A novidade nesse campo é um episódio protagonizado pelo Ministro José Graziano, o homem escolhido por Lula para tocar o programa Fome Zero. No fim de janeiro, Graziano recebeu um cheque no valor de R$50 mil das mãos da modelo Gisele Bündchen. O dinheiro foi entregue como doação ao principal programa social da administração Lula. Em vez de depositar o dinheiro imediatamente, Graziano manteve o documento sob sua guarda durante mais de quarenta dias. Só efetuou o depósito na semana passada [o artigo é de três semanas atrás] em conta corrente aberta em nome do programa. O Ministro tratou de explicar, quando sentiu o problema, que a conta já havia sido aberta, mas o número não tinha sido divulgado. Ou seja, havia uma conta, mas ela era secreta.

No lançamento do Fome Zero, Lula disse que quem tem fome tem pressa. Parece que a pessoa que ele escolheu para tocar o programa não tem pressa alguma. Depois de várias trapalhadas, Graziano foi chamado pelo Senado para dar explicações, e a cúpula petista já fala em demissão do Ministro. [Isso tudo aconteceu três semanas atrás, segundo artigo da revista Veja. Faço questão de lembrar aos que estão me ouvindo que isso já está um pouco atrasado.] Dizem que o Ministro seria substituído por alguém com mais organização e mais rapidez, [porque o Lula disse que “quem tem fome, tem pressa”].

Uma eventual troca de comando no Fome Zero poderia resolver a fraqueza gerencial do programa. Mas existem outras duas questões conceituais graves que vêm sendo deixadas de lado. A primeira diz respeito à extensão do programa. O Governo insiste em falar que são 44 milhões as pessoas que precisam de reforço alimentar. Por alguma razão inexplicável, o Governo rejeita os estudos mais sérios feitos sobre o assunto, como o da Organização Mundial de Saúde, cujo critério aponta para no máximo 7 milhões de pessoas com algum grau de desnutrição. A outra questão é de foco. O Fome Zero foi criado para suceder o programa social de Fernando Henrique Cardoso. Lula recebeu a mais bem montada estrutura social já vista no País. [Vou repetir. A revista Veja, tantas e tantas vezes citada pelo PT nos anos que antecederam o atual Governo - uma revista que nós, homens públicos, certamente lemos, além de nos espelharmos em seus artigos -, publicou que “Lula recebeu a mais bem montada estrutura social já vista no País”.] Além de dobrar o gasto em programas de assistência social, Fernando Henrique Cardoso conseguiu melhorar a qualidade das despesas nas áreas de educação, saúde e reforma agrária. O grande feito foi nacionalizar uma idéia que vigorava em alguns Estados e Municípios: o cartão magnético. Com ele em mãos, as famílias carentes sacam o benefício diretamente no banco, sem intermediação política. Isso serviu como um escudo contra o assistencialismo e a corrupção. Tais ações consumiram R$30 bilhões do Orçamento [montante significativo e incontestável até pela Oposição].

Para complementar, a primeira-dama Ruth Cardoso tocava o Comunidade Solidária, que articulava os trabalhos sociais em vários Ministérios. Para ampliar o Orçamento na área social, o Governo organizou parcerias com empresas e instituições da sociedade civil. Muitos especialistas entendem que o programa até poderia ser aprimorado, mas modificá-lo completamente é apenas um capricho ideológico. [É evidente que o projeto existia e ainda existe, mas apenas estão dando outra roupagem a tudo o que já era feito, com eficiência e transparência, no Governo de Fernando Henrique Cardoso.] De qualquer forma, esperava-se que o Fome Zero fosse suplantá-lo nas virtudes e inovasse para acabar com os defeitos encontrados. Não foi o que aconteceu. Aliás, não aconteceu nada. Desde que Graziano começou a trabalhar, ele se concentrou na agitação, como a cena do oba-oba do cheque de Gisele. E, quanto mais o Ministro fala, mais fica claro que o Fome Zero pode está perdendo contornos de programa perene e ganhando ar de campanha de mobilização popular. Em mais de uma ocasião, Graziano bombardeou a idéia de distribuir dinheiro apenas. Seria, sem dúvida, a forma mais rápida de fazer a comida chegar ao prato dos desvalidos. Em vez disso, Graziano prefere o método antigo do transporte físico dos alimentos. Na semana passada [há quatro semanas], o Ministro esteve em um encontro com prefeitos para defender um sistema de distribuição de cestas básicas e levou o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva até a fábrica da Mercedes-Benz, onde Lula recebeu um caminhão da direção da empresa para distribuir alimentos. [Agora, o Líder do Governo nos comunica que receberam mais dois caminhões.] Essa combinação de cestas e caminhões aumenta o custo de alimentação dos pobres e atrasa a distribuição. Além disso, Graziano tem demonstrado apego exagerado ao programa de doações. Ora, contribuições eventuais não sustentam programas perenes de erradicação da fome. É fundamental que o dinheiro público seja a base do projeto. Exatamente como fez Fernando Henrique Cardoso. [Faço questão de registrar: “Exatamente como fez Fernando Henrique Cardoso”.] Falta a Graziano e ao PT humildade para reconhecer que adversários políticos podem fazer bom trabalho no campo social. E sobra arrogância para insistir em reinventar o que já deu certo.

Digo isso, Sr. Presidente, porque está aqui. Às vezes, alguns Senadores ocupam a tribuna, cantam em verso e prosa, falam que são autores, não reconhecem o projeto passado, criticam o Governo passado, ignorando todo o trabalho realizado pelo Governo Fernando Henrique Cardoso e pelo PSDB.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, levantei o assunto porque a falta de planejamento, a falta de transparência nesses projetos, de como encaminhar os produtos doados e como aplicar o dinheiro doado, pode levar o povo, os milhões de eleitores que votaram em Luiz Inácio Lula da Silva, acreditando que haveria uma mudança já no primeiro momento - e o programa Fome Zero é uma esperança muito grande -, a uma frustração enorme.

Existem pessoas, entidades desconhecidas promovendo eventos, recolhendo dinheiro e donativos por todo o Brasil, Sr. Presidente. Não sei se isso ocorre na cidade de V. Exª, mas, em várias cidades, é muito comum haver um programa, uma noite de festa, um jantar, etc., a fim de arrecadar fundos para o programa Fome Zero. Nisso pode já estar havendo desvio de recursos e de finalidade do projeto. Trago esses dois artigos e essa questão para alertar o Presidente da República. Estamos torcendo por esse projeto, para que o Brasil avance, para que o Brasil continue a progredir como progrediu no Governo Fernando Henrique Cardoso. Alertamos o Governo para que tome providências e mande levantar as informações, uma vez que existem campanhas pelo Brasil afora na busca de recursos, com jantares a R$50, R$100, com donativos e alimentação sendo solicitados como entrada em clubes, dizendo-se que a arrecadação será doada ao Programa Fome Zero. Mas não existe projeto concreto, amplo, transparente. Não existe conta bancária e nem alguém para receber a alimentação. Aliás, ainda não se sabem quantos famintos existem no Brasil, no Nordeste, no Norte, no Sudeste. Aliás, não sei se já foram para o Sul do Brasil, onde também tem gente que passa fome. Temos também problemas sérios dos sem-terra, dos sem-teto, dos sem-comida e sem-tantas-outras-coisas. Ainda não foi feito um levantamento sério, concreto, para que não haja desvios de recursos.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Leonel Pavan, concede-me V. Exª um aparte?

O SR. LEONEL PAVAN (PSDB - SC) - Concedo o aparte ao Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Leonel Pavan, o maior administrador conhecido é Jack Welch, da General Eletric. Ele é tão reconhecido que o Bill Clinton o convidava para jogar tênis e trocar sugestões sobre como administrar os Estados Unidos. Em seus livros, ele diz que era grande porque mandava seus administradores em todo o mundo para ver e imitar o que havia de bom. Ele disse que esse negócio de inventar era para Einstein, o que é raro. Assim, ele buscava as informações. Dou o testemunho. Fui prefeitinho quando o Presidente José Sarney, quando o Itamar e quando o Collor foram Presidentes. Tive experiência porque fui Prefeito e posso dizer que não existe neste País um programa melhor contra a fome do que o programa do leite do Presidente Sarney. Está aqui o Augustinho ao meu lado, que é médico e prático e sabe que o leite é o melhor alimento que existe. Não há outro. O Presidente José Sarney nem imaginou - como disse o Padre Antonio Vieira, que passou pelo Maranhão: “o bem nunca vem só, sempre arrasta outro” - que o programa do leite foi mais importante ainda do que o leite que chegava aos necessitados pelo fato de ter expandido a bacia leiteira e fixado o homem no campo. O homem tinha a sua vaquinha porque o Governo comprava o seu leite. Então, evitou essa migração louca que hoje está ocorrendo para os centros urbanos e acarretando a alta criminalidade. Deve-se, pois, copiar os programas. O Graziano precisa conversar com o Presidente José Sarney sobre como funcionou o seu programa, porque funcionou bem. Eu era Prefeito de Parnaíba e depois inventei um programa chamado Sopa na Mão.

O SR. PRESIDENTE (Eduardo Siqueira Campos) - Senador Mão Santa, a Mesa tem o dever de interrompê-lo apenas para prorrogar a sessão por mais cinco minutos, a fim de que V. Exª possa terminar o seu aparte e de que o Senador Leonel Pavan possa concluir seu pronunciamento.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Eu mesmo fiz esse programa, que existe e é copiado. Quando fui Governador do Estado do Piauí, ao lado do Palácio havia uma guarda, que foi retirada pela minha esposa, que era do serviço social - eram 200 policiais -, para fazer o primeiro restaurante Sopa na Mão. Foi de lá que o Covas imitou; lá que o Garotinho visitou. Foi o primeiro restaurante, em janeiro de 1995. E havia um lado educativo. Faltava o alimento para aquele povo do interior, que ia à capital às vezes por uma doença, por causa de remédio, e ia ao restaurante com dignidade. O programa irradiou-se por todo o Piauí. O meu próprio adversário que assumiu o governo não retirou o programa, apenas mudou o seu nome. Os programas existem, e o mais eficiente foi o do Presidente José Sarney. Eu sei que o Presidente José Sarney é inspirado romancista - já li e todos podem ler os seus romances -, mas S. Exª teve uma inspiração extraordinária. O programa do leite deve voltar.

O SR. LEONEL PAVAN (PSDB - SC) - Senador e ex-Governador Mão Santa, a sua explanação lembrou-me de outros projetos espalhados pelo Brasil, como o utilizado em Balneário Camboriú, Santa Catarina, cidade que tive o prazer de governar por três vezes. Penso que o Governo Lula deveria buscar experiências por aí afora. Em minha cidade, implantei o programa Leite Amigo Pão. Em meus governos, todas as sextas-feiras, todas as crianças das escolas levavam para casa um saco plástico, dois pacotes de leite longa vida e seis pães sete dias - aquele pão que dura sete dias. Já estamos com esse projeto do Fome Zero há muito tempo. Isso ocorreu no Governo Fernando Henrique Cardoso, no Governo Sarney, no meu governo, no seu governo e em outros tantos governos. Luiz Henrique da Silveira, Governador de Santa Catarina, implantou em Joinville a Cozinha Comunitária e levou o Lula recentemente para conhecê-la.

Esses projetos precisam ser visitados e conhecidos, pois são, de uma forma transparente e profissional, mais fáceis de serem fiscalizados. Deveriam ser implantados nos municípios. Aliás, o Fome Zero deveria começar a ser implantado pelos prefeitos, porque quem conhece seus habitantes e a pobreza, quem conhece quem precisa de comida, de casa, de saneamento são os prefeitos, os vereadores. E o Presidente deveria fazer com que esse projeto fosse dirigido aos prefeitos, para que eles o conduzissem e solucionassem os problemas de suas próprias cidades. Com certeza, teríamos um levantamento, em questão de poucos dias, do número de miseráveis e de pessoas necessitadas e desassistidas. Teríamos certamente um direcionamento mais profissional, com maior transparência e com solução imediata.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/03/2003 - Página 4633