Discurso durante a 24ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reivindicação de implementação de infra-estrutura e assistência técnica nos assentamentos da reforma agrária.

Autor
Valdir Raupp (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Valdir Raupp de Matos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • Reivindicação de implementação de infra-estrutura e assistência técnica nos assentamentos da reforma agrária.
Publicação
Publicação no DSF de 26/03/2003 - Página 4747
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • ANALISE, PRECARIEDADE, SITUAÇÃO, FALTA, INFRAESTRUTURA, ASSENTAMENTO RURAL, REFORMA AGRARIA, COMENTARIO, PESQUISA, UNIVERSIDADE DE BRASILIA (UNB), INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP), PUBLICAÇÃO, IMPRENSA, DENUNCIA, ABANDONO, SAUDE, EDUCAÇÃO, TRANSPORTE, CREDITO AGRICOLA.
  • EXPECTATIVA, INTEGRAÇÃO, MINISTERIO DA AGRICULTURA PECUARIA E ABASTECIMENTO (MAPA), MINISTERIO DO DESENVOLVIMENTO AGRARIO, ALTERAÇÃO, METODOLOGIA, ASSENTAMENTO RURAL, REFORMA AGRARIA, SOLICITAÇÃO, URGENCIA, AUXILIO, TRABALHADOR RURAL, SITUAÇÃO, ABANDONO.

O SR. VALDIR RAUPP (PMDB - RO) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a necessidade de se realizar uma reforma agrária de grande alcance em nosso País, permitindo assentar milhares de famílias que não dispõem de terras para cultivar, e assim promover a ocupação ordenada e produtiva de extensas áreas agricultáveis, hoje ociosas, parece consensual, a ponto de não gerar maiores polêmicas. Pelo menos, não deveria. Da mesma forma, não se discute - ou não se deveria discutir - a urgência na execução da reforma agrária, bastando lembrar que, na maioria dos países desenvolvidos, a situação fundiária foi equacionada há décadas, em alguns casos, há mais de século. Em outras nações igualmente desenvolvidas, não ocorreu, ortodoxamente, uma reforma agrária, mas as políticas governamentais, ao longo do tempo, ensejaram uma situação de convívio harmônico e produtivo de grandes e pequenas propriedades de terra, bem assim o aproveitamento racional de áreas antes ociosas.

Essas ponderações se impõem no momento em que os atuais governantes, historicamente comprometidos com a reforma agrária e com a inclusão social, questionam não só a amplitude dos programas anteriores, mas também sua eficácia como fator de produção e de promoção humana. E se ambos os aspectos deixam a desejar, salta à vista a precariedade da infra-estrutura nos assentamentos oficiais, cuja população parece estar entregue à própria sorte, passando por todo tipo de privacidades.

Diversas pesquisas, Sr. Presidente, têm retratado essa situação dramática, demonstrando cabalmente a falência do modelo de reforma agrária tradicionalmente adotado. Uma dessas, realizada pelo Ministério da Saúde em conjunto com a Universidade de Brasília, foi recentemente divulgada pelo jornal Correio Braziliense, revela que, entre 139 assentamentos visitados, 78 não dispunham de postos de saúde sequer nas redondezas.

Os pesquisadores entrevistaram nada menos que 3 mil 687 famílias e depararam com situações aflitivas. É o caso de Maria Praxedes da Cruz, de 58 anos, moradora do Assentamento Mãe das Conquistas, em Buritis, Minas. Para ir ao médico, ela precisa levantar-se às 4 horas da madrugada. Às 7 horas, chega ao posto de saúde, mas a consulta é marcada para três meses depois.

“No acampamento Buritis - relata o Correio Braziliense - os trabalhadores rurais rezam para não adoecer. Muitas vezes, ter um filho doente em casa significa ter prejuízo na lavoura.” Foi o que aconteceu com o agricultor Rosival da Silva Dias, de 26 anos, que estava prestes a colher uma safra de arroz, quando seu filho de dois anos contraiu pneumonia e precisou ficar internado por 15 dias. Sem poder administrar a plantação, por causa da doença do filho, perdeu todo o arroz, comido por um rebanho que invadira a área de plantio.

No mesmo assentamento, o agricultor José Raimundo da Silva e a mulher, Alaíde Pereira da Silva, se desesperam. Com saúde precária, o casal planta arroz, milho, cana e mandioca, além de criar algumas cabeças de gado. “Estou doente do coração. Aqui não tem atendimento médico. O Governo me deu terra, mas esqueceu de dar infra-estrutura. É o mesmo que nada”, desabafa o agricultor.

Em outro levantamento - esse, feito pelo próprio Incra, pelo Banco do Brasil e pelo Governo do Estado, no ano passado -, constata-se a ocorrência de uma série de irregularidades, que vão do pagamento de ágio para compra de lotes à falta de infra-estrutura. O relatório, à época, mereceu amplo destaque no jornal Folha de S.Paulo, que observou: “São contabilizados assentamentos que não saíram do papel, terrenos vazios e áreas sem casas nem infra-estrutura básica.”

“A falta de estrutura nos assentamentos de Mato Grosso criou situações que beiram o absurdo. O assentamento Ena, de Feliz Natal, teve 455 famílias ‘assentadas’ em 1998. Quando a comissão chegou ao local, só havia 50. O restante - acrescenta o periódico -, sem créditos agrícolas e sem infra-estrutura de moradia, saúde e educação, deixou as suas terras sem que seus nomes fossem subtraídos dos balanços da reforma agrária.”

Essa situação ocorre também no Estado de Rondônia e praticamente em todo o território nacional, Sr. Presidente. Os 137 projetos de assentamento em Rondônia contemplam 57 mil famílias, cujas reclamações são semelhantes às de outros assentamentos: carência de estradas, de assistência médica, localização distante dos centros urbanos e dos consumidores.

Já em meados do ano passado, a situação de precariedade dos assentamentos se anunciava com a destinação de apenas 2,7% dos 97 milhões de reais previstos para a execução dos serviços de infra-estrutura básica nesses projetos. O resultado desse descaso pode ser observado hoje nas estradas e portos sem manutenção, nos postos policiais sem recursos para aquisição de combustível e nas unidades de ensino que ficaram “no papel”.

A Universidade de São Paulo, que analisou as condições de 4.300 projetos no segundo semestre do ano passado, chegou a conclusões idênticas às dos demais pesquisadores: o programa de reforma agrária falhou decisivamente na assistência aos assentamentos, onde a qualidade de vida é baixíssima: aproximadamente 25% das famílias com filhos em idade escolar não têm acesso às escolas e, na região Nordeste, 57% dos assentamentos não dispõem de água de boa qualidade.

Essa situação alarmante levou Patrícia Aucélio, uma das coordenadoras de uma pesquisa realizada pela UnB, a declarar de forma peremptória: “Na verdade, a reforma agrária pára na desapropriação e na posse da terra.”

Esse panorama, no entanto, não é inevitável. Não tem que ser assim, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores. Em meados de janeiro último, a Folha de S. Paulo publicou notável artigo sobre essa questão, assinado por Rubens Tellechea Clausell. Ao destacar a importância de prévio entendimento entre o Ministério do Desenvolvimento Agrário e o da Agricultura, o autor salienta que “o território brasileiro tem condições diversas para a implantação de moderna reforma agrária. (...) O sucesso para cada região deverá ser estudado, mas nem sempre poderá ser transferido para outras localizações.”

Ao comentar as amplas possibilidades de se realizar uma boa reforma agrária em nosso País, o articulista defende, na realidade, uma nova postura para todo o setor agrícola. “Nossa agricultura, em seu conjunto - diz -, necessita de reforma agrária tecnológica, em muitos de seus aspectos: conservação dos solos, fertilizantes, melhores sementes, equipamento, formação e manutenção de pastagens, manejo dos rebanhos e processamento dos produtos, entre outros.”

Ele antevê, a partir daí, uma nova era na agropecuária brasileira, com o aproveitamento racional dos 50 milhões de hectares de terras agricultáveis, disponíveis de imediato. “Mas devemos convir que não será com a distribuição primária de terras, escrituradas na posse para assentamentos, que faremos o que o Brasil necessita para cooperar no combate à fome na economia mundial”, pontifica, para enfatizar a importância de treinamento do pessoal, planejamento na implantação das agrovilas e investimento em infra-estrutura, incluindo eletricidade, saneamento, irrigação, conservação de solos e beneficiamento da produção, entre outros fatores.

O Governo do Presidente Lula tem enfrentado algumas dificuldades com os trabalhadores sem-terra, e é possível que as cobranças pela dinamização dos projetos de reforma agrária venham a se acirrar no mês de abril, quando serão reverenciadas as vítimas do massacre de Eldorado de Carajás, ocorrido há sete anos. O descontentamento é preocupante, diante da baixa meta de assentamentos para este ano - apenas 5.500 famílias -, admitida até pelo próprio Governo.

De outra perspectiva, as autoridades federais, na impossibilidade de ampliar esse número, parecem empenhadas em adotar um novo modelo de reforma agrária, anunciando até mesmo a extinção de alguns assentamentos já existentes. Uma das estratégias da União, divulgada pelo Ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, será a concentração espacial, evitando-se a pulverização dos assentamentos, como ocorre hoje, sem integração com os centros de consumo, de produção e de assistência técnica. Não se pode ignorar também, como um fato alvissareiro, a inclusão do Plano Nacional de Reforma Agrária no Plano Plurianual, que deverá ser executado no período de 2004 a 2007.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a agropecuária e a agroindústria são dois poderosos instrumentos de que poderemos dispor, nos próximos anos, para matar a fome de milhões de brasileiros, para criar emprego e gerar renda. Além disso, esses setores representam uma oportunidade ímpar para que o Brasil amplie sua participação no mercado internacional, hoje restrita a 1%.

Uma reforma agrária que não se limite à desapropriação e à distribuição das terras, contemplando planejamento, investimento em infra-estrutura e assistência técnica, é imprescindível para que alcancemos novas metas. Até lá, entretanto, temos uma outra tarefa, a ser realizada de forma concomitante, que é mudar o panorama dos assentamentos já existentes. Assim, apelo às autoridades federais para que, sem descurar do longo prazo, não abandonem esses pobres brasileiros cujas quimeras se esvaneceram na pobreza dos assentamentos, na precariedade dos serviços básicos, no abandono do Poder Público.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/03/2003 - Página 4747