Pronunciamento de Arthur Virgílio em 27/03/2003
Discurso durante a 27ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Interpela o Sr. Antônio Palocci, Ministro de estado da Fazenda, sobre a reforma tributária.
- Autor
- Arthur Virgílio (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
- Nome completo: Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Neto
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
REFORMA TRIBUTARIA.:
- Interpela o Sr. Antônio Palocci, Ministro de estado da Fazenda, sobre a reforma tributária.
- Publicação
- Publicação no DSF de 28/03/2003 - Página 4966
- Assunto
- Outros > REFORMA TRIBUTARIA.
- Indexação
-
- QUESTIONAMENTO, POLITICA PARTIDARIA, TRAMITAÇÃO, REFORMA TRIBUTARIA, GOVERNO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA.
- CRITICA, DECLARAÇÃO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), REFERENCIA, EFEITO, GUERRA, ORIENTE MEDIO, ECONOMIA NACIONAL.
- SOLICITAÇÃO, ESCLARECIMENTOS, POSIÇÃO, GOVERNO, REFERENCIA, IMPOSTO SOBRE GRANDES FORTUNAS, TRIBUTAÇÃO, APOSENTADO.
- QUESTIONAMENTO, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, GOVERNO FEDERAL, AUMENTO, TAXAS, JUROS.
- QUESTIONAMENTO, POSIÇÃO, GOVERNO, AUTONOMIA, INDEPENDENCIA, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), MANDATO, PRESIDENTE, BANCO OFICIAL.
- ARGUIÇÃO, POSIÇÃO, GOVERNO, AÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), AUTORIA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL (PC DO B), QUESTIONAMENTO, LEGISLAÇÃO, RESPONSABILIDADE, NATUREZA FISCAL.
O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Sr. Presidente, Sr. Ministro, o Senador Jefferson Péres de fato faz justiça a V. Exª, que a todos nos conquista, cada vez mais, pela simpatia e pela fidalguia. A simpatia é tanta que, da última vez em que aqui esteve, V. Exª não respondeu a três quintos ou quatro quintos das minhas perguntas, e eu nem reclamei.
Homenageando o Senador Fernando Bezerra, Ministro do Governo do qual fui Ministro e Líder do Governo, peço que V. Exª me ajude a derrubarmos, de uma vez por todas, um argumento eivado de alguma inconsistência: o Governo passado não fez a reforma tributária por que não quis. Pergunto a V. Exª se adotaria, in totum, sem tirar nem pôr, o Relatório Mussa Demes. Se não, é porque o seu Governo teria tropeçado nos mesmos problemas que o outro. Preocupo-me porque tenta-se passar a idéia de que agora é muito fácil fazer a reforma tributária.
Outro dia, V. Exª, que costuma ser muito feliz em suas declarações, disse que o Brasil não sofreria com a guerra. Fiquei preocupado com isso - veja como V. Exª me preocupa, tenho medo de que coloquem uma pessoa indevida no seu lugar. O Brasil vai sofrer com a guerra. O dólar deverá perder valor entre hoje e o médio prazo. As exportações norte-americanas, portanto, valerão menos para os norte-americanos. As importações deverão ser restringidas para evitar desequilíbrios internos maiores que os já instalados. Com isso, suponho que se aprofundará a perspectiva da recessão mundial. O Brasil perde com isso porque perde a possibilidade de negociar bem a Alca - a política norte-americana pode passar a ser a de cooptação individual de parte dos países -; perde porque estamos vendo o enfraquecimento da OMC e perde, enfim, porque está se enfraquecendo aquele que, com todos os males, é o nosso principal parceiro, os Estados Unidos da América.
Se prevalecer a idéia de que a reforma tributária é fácil e depois ela não sai, vão dizer que V. Exª não foi competente, e eu serei o primeiro a proclamar que V. Exª é profundamente competente.
Acabei de ouvir agora, neste plenário, que os países são ricos porque pagam bons salários; e são pobres porque não pagam. Entendo que isso seja um despautério - e digo isso do fundo do coração. Então o Paraguai é pobre por absoluta burrice? Bastaria aumentar o salário de todos e estaria resolvido? E não é essa a situação de fato. Existe um fator chamado produtividade econômica, que rege o valor do salário; tenho a impressão de que isso é “indesmentível” se quisermos nos ater ao rigor científico.
Vejo que há boa-fé nessas afirmativas, assim como nas críticas que V. Exª tece. Quando percebo que a boa-fé falece, eu me indisponho inclusive com a idéia de colaborar em votações essenciais. Quero ser bastante positivo, concreto e correto ao abordar V. Exª da maneira frontal que o meu caráter me ensinou.
Coisas do tipo - parece jargão de passeata da UNE - ‘modelo neoliberal anterior’, ou ainda ‘o déficit de conta corrente está caindo’, com se fosse um milagre do seu Governo e não a decorrência de um processo que, no ano passado, fez com que o déficit de conta corrente fosse de apenas U$7,8 bilhões. Este ano será algo em torno de U$5 bilhões e, se Deus quiser, será zerado em pouco tempo. A idéia, por exemplo, de se dizer ‘herança maldita’ equivale a eu colocar levianamente nas costas do seu Governo a notícia veiculada no jornal O Globo de que, em apenas dois meses do Governo Lula, os juros fizeram a dívida pública crescer em R$21,6 bilhões.de reais.
Não tenho a ousadia de dizer que isso seria culpa do seu Governo, que ele teria muito mais opção além de fazer isso. Seria injusto, também, dizer que o Governo Lula é mágico porque vai colher uma safra recorde de grãos e o Governo passado não teria feito nada para isso, que simplesmente se plantou do nada o tudo. Seria injusto, ainda, dizer que o Governo Lula seria mágico ao se blindar contra crises externas, e tem agido corretamente nesse campo, como se não houvesse sido feito todo um trabalho de recuperação da credibilidade brasileira ao longo dos oito anos passados.
Portanto, Sr. Presidente, dizia que reforma tributária é muito complicada, o Sr. Ministro verá isso, talvez já tenha visto, talvez seja a mais difícil das reformas, porque opõe interesse de região contra região, de grupos econômicos contra grupos econômicos, de Estado contra Município, de Município contra União e assim por diante.
Quero dizer que se a reforma resolver taxar o ICMS no destino, terá em mim, no Senador Gilberto Mestrinho e no Senador Jefferson Peres opositores, até pelo nosso compromisso com o parque industrial de Manaus.
Considero quase impossível que isso passe sem ser por cima de nós, pois o Amazonas perderia 80% do seu faturamento atual de ICMS e São Paulo perderia 18%, o que para nós seria quase o caos econômico.
Farei a V. Exª uma pergunta bem objetiva Sr. Ministro.
Penso que há certa confusão do Deputado Virgílio Guimarães. S. Exª não fez bem a lição de casa, e V.Exª precisa conversar com ele sobre o imposto de solidariedade. V. Exª se referiu, tempos atrás, a esse imposto quando mencionava a taxação de grandes fortunas. Queria saber se isso consta do seu projeto de reforma tributária. Já o Deputado Virgílio Guimarães se referia, na reforma tributária da Câmara, ao imposto de solidariedade como um drible para cobrar uma taxa dos inativos. Queria saber se V. Exª mantém o seu compromisso em taxar grandes fortunas e o que V. Exª acha dessa visão do Deputado Virgílio Guimarães sobre os inativos, a qual deturpa a de V. Exª.
Aproveito para perguntar se V. Exª considera viável e desejável a cobrança de contribuição dos inativos.
O Sr. Ministro abordou, neste plenário, vários outros tópicos. Já discuti com V. Exª porque essa história de 2002 é muito grave.
O seu colega de partido, o grande economista Paulo Nogueira Batista Júnior - discordo dele e muito, mas reconheço ser uma pessoa muito brilhante -, disse que o Governo Lula foi mostrando, pouco a pouco, que não faria nada tresloucadamente e essa atitude foi recuperando a confiança. Implicitamente, ele admite que a desconfiança, que o favoritismo consolidado de Lula trazia agitavam a economia.
Naquela carta ao Presidente Fernando Henrique, Lula diz que não se acovardaria: “Se vencermos as eleições, começaremos a mudar a política econômica desde o primeiro dia”. E assim por diante. Hoje, V. Exª vem a esta Casa e tranqüiliza todos. V. Exª não é neoliberal. “Mercado já discute a necessidade de renovação de acordo com o FMI” - manchete do jornal O Estado de S.Paulo. E ainda: “Se for necessário, vamos fazer”. Portanto, pergunto: haverá revisão do acordo com o FMI? Na sua opinião, o juro alto era causa ou conseqüência da crise econômica brasileira? V. Exª conhece muito bem esse assunto. Quais eram os juros herdados em relação aos juros mais elevados de hoje?
(O Sr. Presidente José Sarney faz soar a campainha.)
O SR. ARTHUR VIRGÍLIO - Sr. Presidente, já concluirei minha manifestação. Ouvi os outros Parlamentares falarem tanto...
Não quero perder a oportunidade de conviver com o Ministro Pallocci, porque sempre aprendo.
O SR. PRESIDENTE (José Sarney) - V. Exª disporá de mais dois minutos posteriormente.
O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Sr. Presidente, eu gostaria de usá-los de uma vez. Não precisarei rebater nada, porque o Sr. Ministro é sempre cortês, educado e respeitoso em relação aos seus adversários. Até usaria agora os dois minutos de que disponho, mais o tempo que V. Exª pudesse me conceder.
Sr. Ministro, o aumento de juros no Governo Lula causou mais crise à economia brasileira? Farei esse questionamento caso as outras respostas sejam positivas.
Passados quase três meses da posse do novo Governo, o que mudou mesmo? A sua honestidade intelectual, que me faz admirá-lo, levou V. Exª a fazer aquela autocrítica em relação ao que seria sua parcela de culpa - depois cobrou de mim e assumi minha culpa também - em relação à política cambial brasileira. V. Exª disse: “Nós erramos, tínhamos de ter sido um partido reformista”. Isso me faz admirá-lo mais ainda.
Em relação à Proposta de Emenda Constitucional nº 192, de autoria do Senador José Serra, que tem o substitutivo do Senador Jefferson Péres, pergunto: V. Exª apóia esses dispositivos? V. Exª quer, de fato e para já, a autonomia do Banco Central? Ou é para 2004? Sinalizar que é para amanhã causa inquietação e dá impressão de que a protelação está vencendo a decisão de fazer.
Pergunto ainda que visão V. Exª teria quanto a mandatos. Qual seria a duração do mandato ideal? Seriam coincidentes ou não? Coincidiriam com o mandato do Presidente da República? E qual seria o sistema para demitir um diretor? Eu queria saber exatamente qual é a concepção que V. Exª tem, até que ponto V. Exª avança na autonomia, ou se quer, efetivamente, a independência do Banco Central, que é algo além.
E, ainda, vejo que a Lei de Responsabilidade Fiscal, passo civilizador alcançado por nós e é do Governo passado, foi um grande fato da reforma. Essa lei encontrou alguns obstáculos, a partir de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin)* interposta pelo PT, PC do B, enfim pelos Partidos que defendem, com muito vigor, o seu Governo. Como não se votou tudo ainda, não se decidiu tudo no Supremo Tribunal Federal a respeito disso, pergunto a V. Exª se confirma que a Advocacia Geral da União, hoje do PT, irá, de maneira talentosa e firme, combater a Adin proposta, a meu ver, sem nenhuma tempestividade histórica.
Digo-lhe, ainda, que se a reforma tributária respeitar minha região e modernizar o País, V. Exª poderá contar comigo. Quanto à reforma previdenciária, eu anseio por ela há muito tempo. A Alemanha luta há dezoito anos para completar a sua reforma previdenciária e não consegue concluí-la. Isso não é fácil.
As pessoas que têm o olhar panglossiano acham que tudo é fácil e têm a mania de jogar a culpa nos seus adversários, nos seus antecessores. V. Exª não é assim e, portanto, sei que dará respostas bastante coerentes e conseqüentes.
Pergunto, ainda, se vai manter ou não a atual carga tributária, se vai reduzi-la ou aumentá-la. Isso é muito importante.
Essa é uma oportunidade histórica de V. Exª não agir exatamente conforme aquela piada dos dois envelopes, segundo a qual o Ministro da Fazenda entrega dois envelopes ao seu sucessor e diz: “Fica com esses dois envelopes e abra o primeiro em uma crise muito grande e, o segundo, quando houver uma crise maior ainda”.
Na primeira crise, o Ministro abre o envelope em que está escrito:
“Jogue a culpa nos seus antecessores”.
Há outra crise. Ele abre o envelope, que diz:
“Não se esqueça de, em sua demissão, deixar dois envelopes para o seu sucessor”.
Portanto, é hora de realmente construirmos um país que tenha um processo, que não viva de miudezas, de coisas pequenas porque a grande histórica vai mostrar se somos coerentes ou não com a idéia das reformas e se V. Exª é ou não capaz de executar aquilo que começa a idealizar muito bem na teoria, mas entre ela e a prática há uma distância muito grande.
Desejo-lhe de novo muita sorte no exercício de sua função nesse Ministério. Atento a seu debate, eu o homenageio mais uma vez.