Discurso durante a 27ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

INTERPELA O SR. ANTONIO PALOCCI, MINISTRO DE ESTADO DA FAZENDA, SOBRE A REFORMA TRIBUTARIA.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA TRIBUTARIA.:
  • INTERPELA O SR. ANTONIO PALOCCI, MINISTRO DE ESTADO DA FAZENDA, SOBRE A REFORMA TRIBUTARIA.
Publicação
Publicação no DSF de 28/03/2003 - Página 4974
Assunto
Outros > REFORMA TRIBUTARIA.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, ESCLARECIMENTOS, FORMA, MANUTENÇÃO, RECEITA, ESTADOS, SITUAÇÃO, ALTERAÇÃO, IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS (ICMS), COBRANÇA, DESTINO, MERCADORIA, POSSIBILIDADE, PERDA, RECEITA TRIBUTARIA, ORIGEM, PRODUÇÃO.
  • SOLICITAÇÃO, ESCLARECIMENTOS, PROVIDENCIA, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), GARANTIA, PROTEÇÃO, ECONOMIA NACIONAL, INSERÇÃO, BRASIL, ECONOMIA INTERNACIONAL, PERIODO, CRISE, GUERRA, ESPECIFICAÇÃO, CONTROLE, MOVIMENTO FINANCEIRO.
  • QUESTIONAMENTO, REFORMA TRIBUTARIA, REFERENCIA, CRIAÇÃO, RENDA MINIMA, CIDADANIA, JUSTIFICAÇÃO, PROPOSTA, AMPLIAÇÃO, ACESSO.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, prezado Ministro Antonio Palocci, de 1694 a 1774 viveu François Quesnay, um dos médicos que se tornaram fundadores de uma escola de economia política, a Escola Fisiocrata. O médico François Quesnay escreveu seus livros de economia, dentre os quais, o mais famoso, o Tableau Économique, quando já contava cerca de 60 anos. Ele se tornou um economista muito respeitado sobretudo pelo seu conhecimento da circulação do sangue no corpo humano e por acreditar que a forma natural de as pessoas viverem poderia significar grandes lições para o funcionamento da economia.

Baseado no estudo do Tableau Économique, Vassily Leontief, economista russo, desenvolveu a tabela de insumo-produto, que justamente mostrava a circulação de bens, de mercadorias e serviços e os fluxos financeiros na economia, o que se tornou um grande auxílio no planejamento da economia e fez com que Vassily Leontief ganhasse o Prêmio Nobel de Economia.

Ministro Antonio Palocci, o ex-Ministro Antônio Delfim Netto, hoje Deputado Federal, referiu-se a V. Exª como alguém que poderá dar, como médico, uma grande contribuição à economia. Espero que, efetivamente, essa predição se realize e, na medida do possível, quero ajudá-lo nessa direção, como seu companheiro de Partido.

V. Exª salientou os aspectos de péssima distribuição de renda e de grande vulnerabilidade de nossa economia. Na Carta de Brasília, acordada pelo Presidente com os Governadores, há a definição dos princípios de reforma tributária que deverão ser levados em consideração.

Solicito a V. Exª que esclareça alguns pontos. Um deles refere-se ao ICMS, cobrado nas várias etapas de produção e circulação de bens e serviços. Nas operações interestaduais, uma parte fica com o Estado produtor e a outra com o Estado comprador. Se, com a criação do Imposto sobre o Valor Adicionado, houver a proposição de que o recolhimento do ICMS seja transferido para o Estado de destino dos bens e serviços, estimou o Governador Geraldo Alckmin que poderá haver uma perda para as regiões mais industrializadas. O Estado de São Paulo poderia perder, aproximadamente, de 4,5 a 5 bilhões de reais. V. Exª mencionou que a reforma terá neutralidade no que diz respeito a esses aspectos de transferência.

Pergunto: quais os mecanismos que o Ministério da Fazenda está, efetivamente, estudando para propiciar essa neutralidade no que diz respeito a essa complexa situação? Será cobrado na origem ou no destino?

No que diz respeito à vulnerabilidade externa, constitui um exagero afirmar que o problema do desequilíbrio das contas externas se resolverá apenas com o equilíbrio das contas públicas, pois existem muitos problemas, inclusive na conjuntura internacional, que contribuem para aumentar a nossa vulnerabilidade, como, inclusive, o Senador Tasso Jereissati e outros aqui já expressaram, e, obviamente, isso pode prejudicar, como já tem ocorrido, o crescimento da economia e a geração de empregos. Como o cenário internacional está indicando uma enorme instabilidade política, com a gravidade da guerra no Iraque, é preciso elaborar uma estratégia cuidadosa na defesa da posição externa de nossa economia.

Então, pergunto: quais as medidas efetivas que o Ministério da Fazenda vem adotando, visando fortalecer a visão do Brasil nesse cenário? Em que medida o Ministério da Fazenda considera providências que visem a um melhor controle dos movimentos de capital e a existência de um estoque adequado de reservas internacionais?

Há pouco mais de uma semana, esteve aqui o Primeiro-Ministro da Malásia e entregou ao Presidente Luiz Inácio Lula da Silva um livro sobre a experiência daquele País no controle de movimentos de capital financeiro, inclusive a exigência de os capitais permanecerem por algum tempo no País após o seu ingresso. A Malásia também adotou medidas para impedir o excesso de trocas internas de moedas estrangeiras, de mãos em mãos. Não sei de todos os detalhes, mas algumas das providências adotadas contribuíram para que ali houvesse rápido crescimento da economia.

O que desejo perguntar, em terceiro lugar, é relativamente à questão da reforma tributária como um dos mecanismos que devem possibilitar o crescimento econômico, a geração de empregos, mas criando justiça fiscal e garantindo o direito de todas as pessoas participarem da riqueza da Nação. V. Exª estava presente na reunião do Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores, onde foi aprovada, por consenso, a resolução segundo a qual as propostas de reforma tributária, previdenciária e trabalhista devem levar em conta a instituição de uma renda básica de cidadania, que permita a todo brasileiro participar da riqueza da Nação.

O SR. PRESIDENTE (Alberto Silva. Fazendo soar a campainha.) - Gostaria de lembrar ao nobre Senador que ainda há vários Senadores inscritos.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Estou concluindo a última frase, Sr. Presidente.

Pergunto: Se essa proposição for realmente levada em conta pelo Executivo - que, então, preverá a aprovação do projeto na Câmara dos Deputados, já aprovado aqui no Senado -, em que medida aquele Poder, nos estudos da reforma tributária, previdenciária e trabalhista, levará em conta a recomendação feita pelo Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores?

 

O SR. PRESIDENTE (Alberto Silva) - Concedo a palavra ao Sr. Ministro.

O SR. ANTONIO PALOCCI - Caro Senador Eduardo Suplicy, na questão relativa aos impostos interestaduais e ao tipo de tributação, há várias maneiras de se equacionar o problema na reforma tributária. Estamos debatendo isso no Governo, junto com o Ministério, vamos dialogar com o Presidente. Mas já temos os modelos prontos e vamos enviá-los ao Congresso, a partir do diálogo que tivermos com os Governadores de Estados.

Em princípio, tenho defendido a tese de que não é preciso constitucionalizar a questão de origem e destino. Ou seja, alguns pontos serão dispostos na Constituição Federal a partir da reforma tributária; outros, não. Creio que o tema origem/destino não precisa ser estabelecido constitucionalmente. Podemos definir a sistemática de unificação do ICMS. Isso, sim, na Constituição, estaria na primeira etapa da reforma, mas não o tema origem/destino. E talvez não seja desejável que façamos a unificação do ICMS e a modificação de origem/destino ao mesmo tempo - o que poderia ser bastante complexo e causar muitas alterações entre Estados. Estamos elaborando várias formulações, mas a tendência - que considero a mais adequada - é que seja encaminhada uma proposta de mudança constitucional garantindo a unificação do ICMS no novo imposto, com uma única lei etc., concedendo um prazo para essa unificação. Após esse prazo, a lei complementar reordenaria a questão de origem/destino. Dessa forma, não há dificuldade em equacionar como tais mudanças ocorrerão no Estado.

            Digo isso porque, ao pensarmos, como disse o Senador Arthur Virgílio, que o Estado do Amazonas pode perder grande parte de seus recursos, ou que um Estado como São Paulo pode perder R$4 bilhões de ICMS, devemos ter claro que não é possível realizar uma reforma tributária que imponha perdas dessa magnitude para nenhum dos Estados da Federação, seja São Paulo, Amazonas, Rio Grande do Sul, Paraná etc. Não é possível, pois todos os Estados, neste momento, assim como a União, caminham com o ajuste de suas contas de maneira muito difícil, com um equilíbrio muito difícil. Impor uma perda dessa magnitude a qualquer das Unidades da Federação seria insuportável. Então, estamos ordenando a mudança do ICMS de forma que não haverá qualquer impacto dessa magnitude a nenhum dos Estados, negativo ou até mesmo positivo, porque, quando um Estado perde R$4 bilhões, outro ganha esse valor. Não é possível fazer com que esse movimento se dê dessa maneira.

Senador Suplicy, no que se refere às contas externas, discorro agora sobre as medidas que estamos tomando para defender o País dos efeitos do conflito no Oriente. Já tomamos providências e temos tido um resultado razoável. Não podemos dizer que estamos completamente blindados para qualquer efeito de crise externa, mas gostaria de ressaltar o seguinte ponto: as medidas tomadas no início do Governo deram posicionamento suficiente à economia brasileira, no aspecto macroeconômico, para que não houvesse crise de movimento de capitais no início deste ano. Dessa forma, se considerarmos o período até o dia do início da Guerra do Iraque e avaliarmos o que ocorreu com os países em desenvolvimento, em termos de contas macroeconômicas, verificaremos que o país que menos sofreu com aquele período chama-se Brasil.

Portanto, as medidas tiveram efeito positivo. O Brasil conseguiu superar o período pré-guerra melhor do que todos os outros países. Neste momento em que o movimento de capitais torna-se muito nervoso em razão do conflito econômico, com todos os aspectos que essa questão significa para a economia e para a geopolítica, como também os aspectos humanitários, essenciais num momento como este, com tudo isso, o Brasil ainda consegue manter relativamente intactas suas contas nesse período. Evidentemente, se esses processos de conflito internacional se perpetuam, não tenho medo sobre o Brasil, tenho medo sobre o que acontecerá no mundo. Se nações como os Estados Unidos, o Japão, o bloco sul-americano, o bloco europeu, mantiverem o nível de conflito - não apenas o conflito que determina a guerra, mas o conflito entre grandes nações, de grandes blocos econômicos -, se ele se perpetua depois da guerra, certamente teremos um impasse político-econômico importante, não só para o Brasil, mas para o mundo. Não é simples verificar como isso pode se refletir no nosso caso.

Senador Eduardo Suplicy, relembrando minha total admiração por V. Exª, com todo o respeito, eu acredito que as medidas que poderiam se tomar e que foram experimentadas de maneira positiva em outros países não nos ajudam neste momento. Não por não serem boas, porque as idéias ajudam, mas no preciso momento em que se transformam numa força real. Alguém já disse que nada é mais forte do que uma idéia na hora certa, em que chega a sua hora. Por exemplo, a questão de controle de fluxos de capital é um instrumento que, neste momento, não nos ajuda, porque o que tivemos, no final do ano passado, foi fuga de capitais do Brasil. Precisamos fazer com que os investidores, principalmente aqueles que querem investir na produção, escolham o Brasil por ser um país viável. Queremos fazer com que esses investimentos se reflitam em grande produtividade na nossa economia real, a industrial, a agrícola. As contas correntes brasileiras estão vencendo as dificuldades das contas externas existentes ao longo do tempo. Estão melhorando. A cada mês, temos melhorado o balanço de conta corrente no Brasil por força da economia real. Isso não é criticar as soluções que outros países buscaram, mas acredito que não sejam adequadas para o momento em que vivemos. Não tenho nada contra o debate.

Por fim, a renda mínima, como parte do texto tributário, é uma necessidade. Como disse ao Senador Roberto Saturnino, uma correta distribuição de renda não começa com isenção, mas com Imposto de Renda negativo. É assim que acredito deva construir-se uma política tributária adequada, porque somente o fato de o Estado não cobrar da pessoa que não tem nada não é democrático.

Assim tem sido muitas vezes no Brasil. Queremos uma política efetivamente de distribuição de renda. Não acredito que a reforma tributária resolva toda a questão de distribuição de renda, mas deveria, sim, fazer um esforço para ser parte da solução da questão distributiva.

Com esse ponto de vista, acredito que a questão que V. Exª tem defendido nesta Casa deva fazer parte da construção do projeto.

 

O SR. PRESIDENTE (Alberto Silva) - Senador Eduardo Suplicy, V. Exª tem dois minutos para a réplica.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Sem revisão do orador.) - Ministro Palocci, ainda ontem, ao responder à minha pergunta, o Ministro José Graziano disse já estar convencido da idéia da renda básica de cidadania como meta. Anteontem, ao dialogar comigo, S. Exª disse: “Só falta agora, Eduardo, você convencer o Ministro Palocci, porque ele ainda não está inteiramente convencido”.

            Preciso, então, usar esse pequeno tempo para dizer por que a renda básica de cidadania pode ser justamente aquele instrumento de ousadia, de coragem, de criatividade que este Governo poderá vir a ter na sua interação com o Congresso Nacional. Por que a renda básica de cidadania é melhor? Primeiro, porque se elimina totalmente a burocracia envolvida em se saber quanto cada um ganha para efeito de receber o direito a renda de cidadania. Hoje V. Exª mostrou nos quadros que quem paga Imposto de Renda é pouca parte do nono ou do décimo quintil. Em segundo lugar, com a renda básica de cidadania, eliminar-se-á o estigma, o sentimento de vergonha de a pessoa ter de dizer quanto recebe e que precisa de complemento de renda. Em terceiro lugar, iremos efetivamente atender todos os pobres muito mais do que se tivermos mecanismos tais como os que temos hoje, pois, em cada um dos municípios, mesmo no Piauí do Senador Alberto Silva, alguns estão recebendo e outros, não. Está havendo um grande debate nesses locais sobre quem tem e quem não tem o direito, mesmo que se defina aquele patamar. A renda básica seria um direito universal.

            Pode-se perguntar por que todos terão de pagar, até mesmo o Senador Alberto Silva, que está presidindo o debate, o Pelé, o Ronaldinho e o Antônio Ermírio. Mas é claro que essas pessoas, nós, que temos mais recursos vamos colaborar progressivamente mais no princípio, como V. Exª defende, para que nós mesmos e todos os demais brasileiros venhamos a receber.

E qual a grande vantagem, Ministro Palocci? Dessa maneira, do ponto de vista da dignidade e da liberdade, as pessoas saberão que, nos próximos 12 meses, no próximo período, terão assegurado esse direito. E isso - esse é o ponto fundamental, Senador Alberto Silva, permita-me complementar - muda a relação entre trabalhadores, empresários e patrões. Por que razão? Porque o trabalhador, se tiver assegurado o mínimo de renda, poderá dizer a qualquer eventual patrão que queira empregá-lo que, se for para aceitar condições que venham a ofendê-lo, humilhá-lo, colocando a sua vida em risco ou criando uma situação em que tenha de vender o corpo ou colocar suas crianças em risco, ele prefere continuar com a garantia dessa renda, até que possa encontrar um trabalho que lhe dê outra condição. Sim, o imposto de renda negativo é o princípio correto, mas é equivalente à renda básica de cidadania, com todas essas vantagens.

Continuarei procurando persuadi-lo, meu caro amigo Ministro Antonio Palocci. Meus cumprimentos pela contribuição extraordinária que V. Exª vem dando ao Brasil, ao Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que, espero, possa instituir também esse mecanismo, ao lado de outros e de reformas tributária, previdenciária e trabalhista mais justas.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/03/2003 - Página 4974