Discurso durante a 28ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Análise sobre a guerra entre o Iraque e os Estados Unidos. Posição do PMDB em relação ao governo Lula.

Autor
Amir Lando (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Amir Francisco Lando
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL. POLITICA PARTIDARIA.:
  • Análise sobre a guerra entre o Iraque e os Estados Unidos. Posição do PMDB em relação ao governo Lula.
Publicação
Publicação no DSF de 29/03/2003 - Página 5250
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL. POLITICA PARTIDARIA.
Indexação
  • ANALISE, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, POLITICA INTERNACIONAL, GUERRA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), IRAQUE, VIOLENCIA, ARMAMENTO, MORTE, NECESSIDADE, CONSCIENTIZAÇÃO, OPINIÃO PUBLICA, COMBATE, CONFLITO, DEFESA, PAZ, ACEITAÇÃO, DIVERSIDADE, CULTURA, CONSOLIDAÇÃO, DEMOCRACIA.
  • COMENTARIO, DIFICULDADE, SITUAÇÃO, BRASIL, CRISE, DIVIDA PUBLICA, FOME, ANALFABETISMO, VIOLENCIA, NECESSIDADE, ERRADICAÇÃO, EXCLUSÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, EXPECTATIVA, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, EXECUÇÃO, REFORMA POLITICA, REFORMA TRIBUTARIA, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, PROMOÇÃO, BENEFICIO, AMBITO NACIONAL.
  • MANIFESTAÇÃO, APOIO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRATICO BRASILEIRO (PMDB), POLITICA, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, REGISTRO, ANTERIORIDADE, LUTA, COLIGAÇÃO PARTIDARIA, DEFESA, DEMOCRACIA, DIREITOS, CIDADÃO, IMPORTANCIA, PARTICIPAÇÃO, PROJETO, RENOVAÇÃO, BRASIL, PROMOÇÃO, DESENVOLVIMENTO NACIONAL.

O SR. AMIR LANDO (PMDB - RO) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o medo não pode vencer a esperança. O que o mundo assiste, em tempo real, pela televisão, não é um espetáculo de fogos de artifício. A guerra paralela da mídia impõe uma tempestade de areia sobre a verdade. Não há precisão cirúrgica que possibilite que toneladas de explosivos despenquem, como bolas de fogo, sobre uma cidade povoada por cinco milhões de civis aglomerados e causem apenas a quantidade anunciada de mortos e feridos. São outros, e maiores, os números: os que tombam, corpos mutilados pelas bombas incendiárias e todos nós, corações dilacerados pela covardia, pela insensatez e pela insanidade dos senhores da guerra. A ação “cirúrgica” dos mísseis vai ceifando vidas aos milhares.

As cenas, midiáticas, horrendas, poderiam ser narradas ao som do texto bíblico do Apóstolo João, no sintomático Apocalipse:

Um anjo do abismo chamado Abaddon, em hebreu, Apollyon, em grego e, em latim, Exterminador.

Não será mera coincidência de personagem.

E tocou o sexto anjo a trombeta, e ouvi uma voz que vinha das quatro pontas do altar de ouro que estava diante de Deus, a qual dizia ao sexto anjo, que tinha a trombeta: solta os quatro anjos que estão presos junto ao grande rio Eufrates. E foram soltos os quatro anjos que estavam preparados para a hora, e dia, e mês, e ano, a fim de matarem a terça parte dos homens. E o número dos exércitos dos cavaleiros era de duzentos milhões; e ouvi o número deles. E assim vi os cavalos nesta visão; e os que sobre eles cavalgavam tinham couraças de fogo, e de jacinto, e de enxofre; e a cabeça dos cavalos era como cabeça de leão; e de sua boca saía fogo, e fumaça, e enxofre.

Pena que a melhor inspiração persista nas páginas do Apocalipse.

Não se admite, também, vibrações eufóricas pela derrubada do bombardeiro de última geração, e de seus pilotos robotizados. O que o mundo quer, nas conversas de esquina, nas manifestações barulhentas ou nas orações contritas, é que os que se arvoram em donos do mundo coloquem em prática o dom divino que nos difere dos outros animais: a consciência. Sem ela, nada nos difere das bestas-feras e de seus instintos.

Francesco Petrarca, poeta italiano do século XIV, considerado um dos precursores do humanismo na Itália, escreveu, em Triunfo da Morte:

Que val ganhardes reinos e cidades,

Fazerdes tributárias muitas gentes,

Forçardes nações livres e vontades?

Que achais nessas vitórias eminentes?

Trocar sangue por terra e por tesouro?

Melhor sabe na paz aos prudentes.

Beira o impossível, mas a busca por algo de positivo na crueldade do conflito nos remete às ruas do mundo. Quem sabe o grande “coral” dos prudentes, com todas as vozes, todas as línguas e todos os sotaques, neste solene hino à paz, penetre, enfim, na consciência coletiva e desperte o mundo do sono dos incautos, que inebria e aliena.

Mas, mesmo que todos entoem um mesmo “hino”, e que todos comunguem da mesma “partitura”, somente haverá a melhor afinação se ela for compartilhada e regida por “maestros” capazes de unir as diferenças de cada voz, na melodia de um canto uníssono. No caso, os “maestros” jamais estarão de costas para a platéia, porque é dela a voz. É assim a verdadeira democracia.

O povo brasileiro se uniu neste canto de paz. Mesmo antes das primeiras bombas sobre Bagdá, exigiu mudança de estruturas e elegeu o seu dirigente. O Presidente Lula, profundo conhecedor de todas as vozes e de todos os palcos da vida brasileira, deu o tom: o país também vive uma verdadeira guerra civil não declarada, fruto da exclusão social e dos desequilíbrios regionais e pessoais de distribuição de renda. No Brasil, estatísticas de mortos e de feridos pela violência urbana e rural, não empalmadas pela mídia, dão conta de que, aqui, se morre mais que em muitos conflitos bélicos. Trânsito, narcotráfico, latrocínios, chacinas de toda ordem são, também, o retrato mais que cruel do cotidiano brasileiro, na Rocinha ou em Corumbiara. Na linha Vermelha ou no Eixo Monumental. Em Vila Ângela ou em Eldorado dos Carajás. Nossas residências mais se parecem “autoprisões” em regimes semi-abertos: saímos, diariamente, para o trabalho e quando (e se) retornamos à noite, trancafiamo-nos atrás de grades e cercas eletrificadas. Nas ruas, a paranóia coletiva transforma-nos em inimigo potencial, sentimento recíproco que se intensifica de acordo com a estratificação social e, desgraçadamente, a mera aparência dos miseráveis amedronta.

A dívida pública brasileira caminha, solenemente, para R$ 1 trilhão. O país tornou-se refém dos credores. Os ministros das finanças que se sucedem se enredam na armadilha do déficit público. A tributação é espoliativa, principalmente para os assalariados e pequenos empreendedores. A questão da previdência social está a exigir um profundo debate, com todos os segmentos envolvidos na reforma que se dispõe realizar. A reforma política, a mãe de todas as reformas, contrasta fortes interesses e permanece no arrasto de discussões intermináveis, imóvel e ancorada no vórtice do nada.

Pois bem: o Presidente deu o tom e segmentos importantes do país, uns desafinam, outros impõem condições para suas respectivas “entradas”. Alguns, por inércia e imobilismo; outros porque insistem, ainda, em cobranças de “cachês”, outros mais porque teimam em manter os usos e costumes anteriores.

O mundo está mergulhado, direta ou indiretamente, em uma guerra sangrenta. Os países geograficamente fora do raio dos Tomahawks sentem, via satélite, o temor do chamado “efeito orloff”, aquele do “eu sou você amanhã”, porque, além da insensatez e da insanidade, tomou conhecimento do tamanho das garras do invasor, e já se imagina a próxima vítima.

O Brasil foi arremessado nas unhas felinas da globalização. A especulação financeira internacional solapa a nossa capacidade de crescer, impingindo-nos ao nanismo econômico e a todas as suas já conhecidas seqüelas sociais.

Por isso, é inadmissível que fiquemos paralisados ante as mudanças que a população exigiu, através das urnas. Se o debuxo do Governo ainda não é o mais adequado para os mais exigentes, que se contribua na composição de projetos mais adequados. Não se pode negar que o país ainda reclama por um projeto de desenvolvimento nacional, com objetivos claros, de inclusão estrutural de sua população mais pobre e de fortalecimento e prioridade ao seu mercado interno. E, isso, jamais será alcançado com a paralisia de seus artífices mais balizados. Não há canção que agrade a ouvidos moucos, nem pintura, aos olhos vedados.

É esse o cenário onde comparece o PMDB, hoje. Mais uma vez, o partido é chamado a participar, ativamente, da vida política do País, em um momento singular de turbulência mundial e de busca de horizontes internos que permitam dar voz a quem, nem ao menos, é platéia. O PMDB, com Ulisses, enfrentou as garras dos cães da ditadura. Abriu, com Teotônio, as grades da perseguição política. Lutou, com o povo, pelas eleições diretas e esculpiu a Constituição. Não pode, portanto, mesmo que no pleito legítimo por uma das “maestrias”, dar as costas ao povo que quer, pelo menos, um lugar nesta mesma platéia.

Não há como discordar das intenções do Presidente Lula. Quem seria contrário à idéia de matar a fome dos milhões de brasileiros que continuam à margem das mesas de refeições? Quem se oporia à idéia de alfabetizar os 16 milhões de conterrâneos que ainda continuam na escuridão do analfabetismo? Quem não gostaria de erradicar a dor das filas dos hospitais públicos? Quem discordaria da idéia de uma melhor distribuição pessoal e regional de renda? Quem não gostaria de viver em um país sem violência, onde o Estado respondesse, efetivamente, pela segurança de seus cidadãos? Quem não sonha, enfim, em ser um verdadeiro cidadão, em um país democrático e soberano?

São perguntas cujas respostas beiram o óbvio. São, todas elas, afirmativas. Mas, porque, então, na virada do terceiro milênio, em um país que ostenta todos os micro-climas do planeta, rico em recursos naturais, há fome, dor, analfabetismo, violência, insegurança, disparidades? Porque há, internamente, também, o império das elites, que se mantém há cinco séculos. É dela a terra que se quer dividida. É dela o poder de abrir mão, apenas, das migalhas. Submeteram, historicamente, sob suas rédeas, partidos e governos.

É por isso que o PMDB tem, em seu próprio nome e em sua concepção, a idéia de movimento. Ele nasceu da inquietude do povo brasileiro, na sua aversão natural contra a ditadura. Não se acomodou, nem se submeteu às benesses da elite e de sua sanha pelo poder. Ao contrário, moveu-se, braços dados com o povo, na união de forças mais importante da história brasileira, e que marcou todos os demais movimentos pela democratização do país, até os dias atuais.

Não se concebe, quando o povo elegeu a mudança e reclama pelo movimento, que o PMDB renegue a sua história e seu próprio nome e permaneça inerte às sirenes de alerta da fome, da dor, do analfabetismo e da violência.

O PMDB, pela sua experiência histórica, tem que participar da reconstrução do Estado brasileiro. É inadmissível o Estado paralelo, que cala de morte as instituições democráticas. O PMDB, que sempre teve o condão de dar unidade de objetivos às diferenças, tem que contribuir na afinação de vozes, a princípio tão díspares, mas reunidas no uníssono de propósitos. As nossas diferenças são o nosso maior patrimônio. Enfim, o PMDB, pela sua caminhada pela democracia, tem que tomar parte da travessia. O povo brasileiro é, também, inquietude, movimento, esperança.

O PMDB nasceu sob a bandeira do “movimento democrático”. Num momento de extrema sensibilidade política, quando os porões da ditadura exalavam o odor fétido da tortura e da morte, o partido agasalhou todas as tendências democráticas, que foram às ruas, porque acreditaram na sua força contra os canhões. Portanto, não há outro partido com melhor “fisionomia” do Brasil: um partido e um país ricos nas suas diferenças, que mantêm a unidade na diversidade e que lutam, diuturnamente, por objetivos comuns. O PMDB não pode ser atrelado, sectariamente, a este ou àquele segmento econômico, político ou social: ele congrega, sob uma mesma bandeira, empresários, trabalhadores, representações da sociedade civil organizada, diferentes credos, raças e culturas. O Brasil, enfim.

Enquanto artífice da democracia, nos anos de chumbo, e partícipe de todos os movimentos populares da história recente do país, pelas eleições diretas, pela ética na política, o PMDB é chamado, hoje, a contribuir naquilo que, talvez, seja a consolidação de sua luta: conceber um projeto de desenvolvimento nacional, enquanto resposta ao reclamo das urnas, encampado no discurso oficial do atual Governo. Não se trata de participar, formalmente, da base de sustentação do Governo, mas de colocar em prática um discurso de Governo que coincide com os princípios doutrinários do partido e com os reclamos das ruas. A paralisia não significa, portanto, divergência de propósitos com o Governo. Eles são coincidentes. A paralisia é, de fato, um afronta aos próprios princípios que norteiam a existência do partido.

O Brasil ostenta todos os ingredientes necessários para se conceber esse projeto de desenvolvimento nacional. Mercado interno de 170 milhões de consumidores potenciais. Recursos edafo-climáticos sem similaridade internacional. Possibilidades de produção agropecuária em todas as épocas do ano, o que permite vantagens comparativas consideráveis no mercado externo. Parque industrial com significativa capacidade de expansão. Mão de obra abundante. O maior rio. A maior floresta. Centros de produção de conhecimento reconhecidos internacionalmente, principalmente nas universidades públicas e privadas. Postos os ingredientes, há que se delinear o “modo de fazer”. E, para essa empreitada, o PMDB tem, em seus quadros, os melhores formuladores. A hora é agora, ou não se pode apontar quando.

No grande coral brasileiro, de nada vale a dança da batuta, se tenores, sopranos e barítonos teimarem em permanecer mudos, ou de cantarem, cada um, e ao mesmo tempo, canções diferentes das do programa concertado com a platéia. A música, não pode permanecer a dos rufos dos tambores do conflito deflagrado, nem a do gemido ensurdecedor da guerra não declarada. Muito menos o som do silêncio...

Era o que eu tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/03/2003 - Página 5250