Discurso durante a 29ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Apresentação de requerimento que sugere a Sua Santidade, o Papa João Paulo II, que convoque conclave dos lideres religiosos mundiais, preferencialmente em Bagdá, ou em outra Capital de um dos países envolvidos no conflito, para discutir soluções pacíficas para a crise no Iraque e propugnar pelo cessar das hostilidades e pela paz.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA. POLITICA INTERNACIONAL.:
  • Apresentação de requerimento que sugere a Sua Santidade, o Papa João Paulo II, que convoque conclave dos lideres religiosos mundiais, preferencialmente em Bagdá, ou em outra Capital de um dos países envolvidos no conflito, para discutir soluções pacíficas para a crise no Iraque e propugnar pelo cessar das hostilidades e pela paz.
Aparteantes
Roberto Saturnino.
Publicação
Publicação no DSF de 01/04/2003 - Página 5534
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA. POLITICA INTERNACIONAL.
Indexação
  • LEITURA, REQUERIMENTO, AUTORIA, ORADOR, APRESENTAÇÃO, SENADO, ENDEREÇAMENTO, JOÃO PAULO II, PAPA, SUGESTÃO, CONVOCAÇÃO, CONCLAVE, LIDER, RELIGIÃO, AMBITO INTERNACIONAL, REALIZAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, IRAQUE, OBJETIVO, SUSPENSÃO, GUERRA, NEGOCIAÇÃO, PAZ.
  • GRAVIDADE, GUERRA, VITIMA, CIVIL, ANALISE, POLITICA INTERNACIONAL, CRITICA, ATUAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), DESRESPEITO, SOBERANIA.
  • ANUNCIO, REUNIÃO, COMISSÃO DE RELAÇÕES EXTERIORES (CRE), SENADO, ARGUIÇÃO, AUTORIDADE, ASSUNTO, CONFLITO, ORIENTE MEDIO.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o mundo está estarrecido com a terrível guerra no Iraque. E temos nos perguntado o que poderia fazer suspender essas ações bélicas.

Observamos que, nos últimos dias, no site do Vaticano, o Papa João Paulo II já recebeu mais de 60 mil mensagens, para que continue seu empenho pela paz. Inúmeras têm sido as sugestões para que o próprio Papa João Paulo II se dirija a Bagdá. Talvez esse seja um dos caminhos possíveis para se acabar com essa guerra o quanto antes.

Srª Presidente, pensando nisso, resolvi, juntamente com outros Senadores, apresentar um requerimento que sugere a Sua Santidade, o Papa João Paulo II, que convoque um conclave dos líderes religiosos mundiais, preferencialmente em Bagdá ou, se não for possível, em outra capital de um dos países envolvidos no conflito - Washington ou Londres -, para discutir soluções pacíficas para a crise no Iraque e para propugnar pelo cessar das hostilidades e pela paz.

Assim, encaminho à Mesa, para exame do Senado Federal, o seguinte requerimento que, gostaria de registrar, Srª Presidente, e que foi assinado por todos os Senadores presentes na sessão de hoje.

Nós, Senadores da República Federativa do Brasil,

Sabedores das firmes e inabaláveis convicções pacifistas do Papa João Paulo II, manifestada inúmeras vezes no que tange à crise do Iraque;

Conscientes de que o Governo brasileiro, bem como inúmeros governos de diferentes países, vem defendendo, como é o correto, solução pacífica e negociada dentro do quadro das Nações Unidas para o conflito entre o Iraque e os Estados Unidos;

Colocando em relevo a necessidade de fortalecer o sistema de segurança coletiva instituído pela Carta das Nações Unidas, de fundamental importância para o equilíbrio geopolítico entre os países;

Constatando que a maior parte da opinião pública mundial manifesta-se vigorosamente contra a guerra;

Preocupados com a tragédia humanitária que se está desenhando no Iraque, com um grande número de vítimas civis;

Considerando que os líderes religiosos têm grande influência sobre a opinião pública e os governos da maior parte das nações do Planeta;

Convictos de que o conflito entre os Estados Unidos e o Iraque só será resolvido de forma perene no quadro de negociações diplomáticas multilaterais;

Observando que têm sido muitos os apelos para que o Papa João Paulo II dirija-se pessoalmente a Bagdá com o objetivo de colocar um paradeiro à terrível guerra que lá se desenvolve;

Recordando os termos do “Compromisso pela Paz Global” assinado pelos principais líderes religiosos do mundo, em 08 de setembro de 2000, na sede da ONU, por ocasião da realização da Cúpula do Milênio, o qual destacou a necessidade do trabalho em conjunto para promoção de condições que cultivem a paz e a administração não violenta de conflito;

Enfatizando, por outro lado, que a intervenção militar unilateral no Iraque contribuirá para o agravamento da tensão entre o Ocidente e o mundo muçulmano e para o recrudescimento do terrorismo internacional; e

Considerando, por último, que o Parlamento brasileiro, em consonância com os princípios pacifistas inscritos em nossa Constituição Federal, sempre defendeu a solução negociada dos contenciosos internacionais.

Sugerimos a Sua Santidade, o Papa João Paulo II, que convoque conclave dos líderes religiosos mundiais, preferencialmente em Bagdá, ou em outra Capital de um dos países envolvidos no conflito, para discutir soluções pacíficas para a crise no Iraque e propugnar pelo cessar das hostilidades e pela paz.

            Srª Presidente, quando observamos, pela televisão, pela mídia, as terríveis cenas de crianças, de pessoas inocentes tendo os seus braços arrancados, os seus rostos desfigurados, quando não perdendo as suas vidas pelas bombas, as mais modernas tecnologicamente, que estão a cair em Bagdá e em outras cidades do Iraque, em outros lugares, vemos a necessidade urgente de todos nós, neste mundo, fazermos um apelo para que haja paz.

            Ainda ontem, em São Paulo, com a presença do Ministro Gilberto Gil e de inúmeros artistas, inclusive dos meus filhos, o João Suplicy e o Supla, da Prefeita Marta Suplicy e de representantes de muitos Partidos políticos, cerca de 30 mil pessoas estiveram no Parque Ibirapuera para o Ato pela Paz, expressando o quão importante será a suspensão imediata dessas hostilidades bélicas. Ontem, no Rio de Janeiro, também houve uma manifestação pela paz.

            Também assinaram o manifesto os Senadores Roberto Saturnino, Mão Santa, Efraim Morais, Pedro Simon, Iris de Araújo e outros Senadores aqui presentes. Acredito que até amanhã praticamente todos os Senadores terão assinado este requerimento propondo a João Paulo II que considere a possibilidade de ir pessoalmente a Bagdá, para, quem sabe, com sua presença, haja a suspensão dessa terrível guerra.

            Com a palavra o Senador Roberto Saturnino.

O Sr. Roberto Saturnino (Bloco/PT - RJ) - Senador Eduardo Suplicy, quero cumprimentá-lo mais uma vez. V. Exª tem desenvolvido um conjunto de iniciativas tentando solucionar humanística, democrática e razoavelmente essa questão. Todas as manifestações devem ser persistentes e crescentes, além de estarem presentes a todo o momento para convencer especialmente a opinião pública dos Estados Unidos da América do Norte, que está dominada por uma conspiração da mídia para formar uma opinião favorável à guerra. Precisamos atingir a opinião pública americana, que, não obstante as dificuldades, não tem acesso à outra fonte de informação senão a própria mídia local, que está envolvida em todo esse conciliábulo, nessa conspiração a favor da guerra. Temos que nos manifestar diariamente a respeito deste assunto porque está em jogo o futuro da própria humanidade e, evidentemente, os interesses da nossa Nação. A proposição de V. Exª é extremamente lúcida, capaz de mudar, de um dia para o outro, essa situação tão grave, constrangedora e deprimente que atinge a todos os cidadãos do mundo. Fiz questão de assinar o requerimento, mas queria manifestar publicamente meu apoio e meu regozijo por mais essa iniciativa de V. Exª, que se tem posicionado à altura da gravidade da situação que vivemos, como Presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado Federal. Meus cumprimentos.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Quando propus a V. Exª que assinasse esse requerimento, V. Exª disse-me que no avião vinha pensando a mesma coisa. Isso indica a identidade do nosso pensamento. Portanto, essa proposição é nossa.

            Na última sexta-feira, conversei com um professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo, Mahir Saleh Hussein, nascido no Iraque, casado com uma brasileira, dois filhos, um americano e um brasileiro, que fez o seu doutoramento no MIT - Massachussets Institute of Technology, e que muitas vezes esteve realizando pesquisas nos Estados Unidos. Nos últimos anos, toda vez que vai àquele país, tem uma grande dificuldade, por sua origem iraquiana, árabe, dados os cuidados dos americanos. Ele tem o mesmo sobrenome que Saddam Hussein e explicou-me que o sobrenome Hussein no Iraque é como Silva no Brasil, um nome bastante comum.

Eu o convidei a proferir uma palestra na Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo, onde nos contou sobre a História do Iraque e da guerra. Explicou-nos como o Governo dos Estados Unidos, em verdade, muito estimulou a ascensão de Saddam Hussein ao poder e seu fortalecimento. Explicou sobre os métodos de Saddam Hussein, que ele condena, e disse que Saddam Hussein, em certos momentos da história, ao ser guindado à Chefia do Estado iraquiano, resolveu simplesmente mandar matar os seus adversários. Perguntei-lhe se isso era possível, se era da lei. Ele respondeu que Saddam Hussein simplesmente solicitava a seus companheiros de governo que matassem aqueles que discordavam e, depois, pior do que isso, filmava a morte dos que discordavam e mostrava as cenas aos generais para amedrontá-los. E esse homem foi aquele que o Governo dos Estados Unidos ajudou a se fortalecer no poder, inclusive para que o Iraque combatesse o Irã quando ascendeu ao poder o aiatolá Khomeini.

Ora, mas esse mesmo Professor Hussein está extremamente preocupado, porque tem irmãs e primos em Bagdá e em outras localidades do Iraque, e acredita que o Governo americano está procedendo de uma maneira totalmente equivocada. Se o Governo dos Estados Unidos acha que é necessário, e nós também achamos, se proceder a uma democratização das instituições iraquianas, ele teria todo o apoio dos povos do mundo, de João Paulo II e do Senador Mão Santa para que possa haver um procedimento democrático. Nós poderemos pressionar o Governo Iraquiano para que mude os seus procedimentos, mas que não seja através da guerra.

No século XX, os Estados Unidos promoveram dezenas de ações de intervenção - bem mais do que quarenta -, apenas na América Latina. No Brasil, contribuíram para a queda de João Goulart; no Chile, para a de Salvador Allende; ajudaram golpes no Peru, no Uruguai, na Argentina e assim por diante. Naquelas ocasiões, por que não agiram de maneira a fortalecer a democracia? Portanto, os Estados Unidos deveriam olhar um pouco para sua própria história e para norte-americanos que sempre propugnaram por ações não violentas, como Martin Luther King Jr. e tantos outros.

João Paulo II conquistou respeito no mundo todo. Sua Santidade é um verdadeiro santo, é respeitado, adota procedimentos que galvanizaram os povos. Mesmo em visitas a países de maioria não católica ou de religiões inteiramente diversas, pertencentes à Ásia ou à África, por exemplo, o Papa foi respeitado. Certamente, se João Paulo II resolver visitar Bagdá, no Iraque, mesmo em meio a esse procedimento, inevitavelmente os Estados Unidos, a Inglaterra e a Austrália terão que suspender os bombardeios, a fim de verificar o resultado do diálogo entre Sua Santidade, o Papa João Paulo II, e outros líderes religiosos. E poderiam participar desse diálogo xeques, líderes islamitas das diversas denominações - sunitas, xiitas e outras - o Dalai Lama, líderes do budismo, do islamismo, do taoísmo, do bahá’í, das religiões africanas e afro-brasileiras, como também das denominações evangélicas, que muito têm estado com o Presidente George W. Bush. Todos esses líderes poderiam se reunir com João Paulo II para uma reflexão sobre um caminho que não seja a morte de pessoas, a destruição de um patrimônio da humanidade como o existente em Bagdá.

Eu gostaria de agradecer o apoio das Srªs e dos Srs. Senadores a esse requerimento, que, lido na sessão de hoje, será apreciado amanhã na Comissão de Relações Exteriores, onde haverá também a argüição do ex-Presidente Itamar Franco, de Tilden José Santiago e da Embaixadora Celina Maria Assumpção do Valle Pereira, designada para a Suíça. Na próxima quinta-feira, às 10 horas, na mesma Comissão, estará presente a Embaixadora Donna Hrinak, dos Estados Unidos, e o Embaixador Roger Bone, do Reino Unido, para também conversarem conosco sobre o conflito no Iraque.

Muito obrigado, Srª Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/04/2003 - Página 5534