Discurso durante a 31ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa da inserção do gás natural na matriz energética brasileira por meio da maximização do fornecimento do gasoduto Brasil-Bolívia e de investimentos na estrutura do setor.

Autor
Delcídio do Amaral (PT - Partido dos Trabalhadores/MS)
Nome completo: Delcídio do Amaral Gomez
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ENERGETICA.:
  • Defesa da inserção do gás natural na matriz energética brasileira por meio da maximização do fornecimento do gasoduto Brasil-Bolívia e de investimentos na estrutura do setor.
Aparteantes
Ana Júlia Carepa, Garibaldi Alves Filho, Hélio Costa, José Jorge, Rodolpho Tourinho, Valdir Raupp.
Publicação
Publicação no DSF de 03/04/2003 - Página 5881
Assunto
Outros > POLITICA ENERGETICA.
Indexação
  • COMENTARIO, PREJUIZO, BRASIL, NECESSIDADE, PAGAMENTO, MULTA CONTRATUAL, AUSENCIA, CONSUMO, QUANTIDADE, GAS NATURAL, PREVISÃO, CONTRATO, PAIS ESTRANGEIRO, BOLIVIA.
  • REGISTRO, VANTAGENS, UTILIZAÇÃO, GAS NATURAL, ESPECIFICAÇÃO, CONTRIBUIÇÃO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, REDUÇÃO, IMPACTO AMBIENTAL.
  • DEFESA, AMPLIAÇÃO, MERCADO, CONSUMO, GAS NATURAL, CONSTRUÇÃO, USINA TERMOELETRICA, UTILIZAÇÃO, GAS, COMPLEMENTAÇÃO, USINA HIDROELETRICA, IMPEDIMENTO, REPETIÇÃO, RACIONAMENTO, ENERGIA ELETRICA.
  • APRESENTAÇÃO, PROPOSTA, CONSOLIDAÇÃO, MERCADO, GAS NATURAL, BRASIL.

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Cumprimento-a, Srª Presidente.

Parabenizo-a, Senadora Ana Júlia, pela iniciativa de V. Exª. Vivi também no Pará, além de outros Estados brasileiros, aprendi a admirar a gente de lá e a admirar o potencial econômico daquele Estado. É assim que o Estado do Pará consegue alavancar o desenvolvimento, a arrecadação, com essa riqueza fantástica, não apenas de minério de ferro, mas de manganês, bauxita, cobre, e assim por diante.

Mas hoje falarei, Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a respeito da inserção do gás natural na matriz energética. E contarei um pouco de história.

O combustível que impulsionou a Revolução Industrial em seus primórdios, no século XIX, foi, sem dúvida, o carvão mineral abundante na Europa e nos Estados Unidos. À medida que a escalada do consumo foi exigindo transportá-lo em distâncias cada vez maiores, o carvão foi perdendo espaço para o petróleo que, por ser um líquido, apresenta menores custos de transporte, seja por navios, ferrovias ou por oleodutos.

A termeletricidade foi se implantando tanto na Europa quanto nos Estados Unidos às custas de carvão. De fato, Inglaterra, Alemanha e Estados Unidos construíram seu setor elétrico moderno a partir de inúmeras centrais a carvão, energético abundante e com reservas próximas aos centros consumidores. A França, cujas reservas de carvão não se comparam às desses países, optou pela energia nuclear, de cuja tecnologia detém o domínio. Até o final dos anos 80, o carvão representava 60% das fontes de energia elétrica na Alemanha, chegando a 70% na Inglaterra, e a 50% nos Estados Unidos. Na França, nada menos que 80% já era de origem nuclear, enquanto a Itália optava pelo uso de derivados de petróleo.

Srª Presidente, convém lembrar que a França conquistou preços competitivos em função da escala e em função de um projeto agressivo de geração termonuclear.

A preocupação com os danos ao meio ambiente e a busca de um crescimento sustentável evidenciaram o elevado custo social de se promover o desenvolvimento à custa do carvão, do petróleo e da energia nuclear.

Entre as fontes primárias de energia com origem em combustíveis fósseis, o gás natural é o que apresenta menor impacto ambiental:

- em primeiro lugar, pela ausência de compostos de enxofre, presentes tanto no petróleo quanto no carvão, responsáveis pela chuva ácida que danifica as colheitas e provoca doenças respiratórias;

- em segundo lugar, pela menor produção de gás carbônico, o grande responsável pelo efeito estufa;

- em terceiro lugar, sua queima não gera resíduos de óxidos de nitrogênio, com mínimos danos sobre a camada de ozônio.

Assim, o gás natural, com reservas mundiais semelhantes às do petróleo - que penetrou com tanta força no mundo inteiro, principalmente na Europa e nos Estados Unidos, que hoje as reservas de gás natural têm o mesmo tamanho das reservas de petróleo -, passou a ser a grande solução para os desafios do crescimento sustentável. Os acordos que viabilizaram a construção de extensos gasodutos trazendo gás da Sibéria e do norte da África, nos anos 80, além do crescimento da produção de gás em plataformas off-shore no Mar do Norte, inundaram a Europa Ocidental desse combustível, permitindo alterar radicalmente a matriz energética daquela região. De fato, o gás já representa mais de 20% da matriz energética dos países da Comunidade Européia.

Ao mesmo tempo, o avanço da tecnologia das usinas a gás natural em ciclo combinado permitiu alcançar eficiência energética bastante superior a das usinas a carvão, cuja economicidade já vinha caindo face aos elevados custos para atender aos crescentes requisitos ambientais.

Não estou fazendo proselitismo contra as indústrias de carvão até porque, no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, temos usinas termelétricas a carvão operando com muita eficiência e com dispositivos importantes com vistas a mitigar os impactos ambientais, principalmente dos dois Estados.

Assim, o mundo assistiu, ao longo dos últimos 15 anos, a uma revolução da área de geração de energia elétrica na Europa, especialmente na Inglaterra, quando mais de 70% das usinas a carvão foram desativadas em favor de usinas a gás. Toda a expansão da indústria de geração de energia elétrica da Espanha, Itália, Alemanha e Estados Unidos está se dando à custa de termelétricas a gás natural. Na América Latina, assistimos ao mesmo movimento, especialmente no México, na Colômbia e na Argentina.

Nos Estados Unidos, a demanda é tão elevada que, apesar de possuírem as maiores reservas de gás do mundo, importam significativa quantidade deste energético tanto do Canadá quanto do México. A participação do gás natural na matriz energética americana já atinge 25%. Ultrapassa a participação do petróleo e ocupa o primeiro lugar entre as fontes primárias de energia daquele país.

O Brasil, cujas reservas de gás natural são modestas diante do porte do País, optou por desenvolver o setor de gás por meio de uma parceria energética com a Bolívia. Esta, sim, detém reservas apreciáveis de gás situadas próximo à nossa fronteira. Assim, foi construído o gasoduto Bolívia-Brasil que permite abastecer as Regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, disponibilizando até 30 milhões de metros cúbicos por dia que, somados à produção das bacias de Campos e Santos, já oferecem 50 milhões de metros cúbicos diários. Tal cifra já representa metade da produção da Argentina, onde o gás é responsável por 40% da matriz energética.

O que fazer com o gás natural no Brasil?

Essa é a grande pergunta, Srª Presidente, porque esse é o grande problema a ser resolvido no que se refere ao gás natural. Em função do contrato Boliviano, gastamos hoje US$1 milhão por dia por não consumir o gás natural. Por isso o Brasil precisa criar um mercado de gás natural não somente para cumprir o seu contrato, como também pelas vantagens aqui relatadas, como nos setores de energia, no setor industrial, comercial, residencial e automobilístico. É sobre isso que gostaria de citar alguns fatos importantes com relação à utilização do gás natural.

Em primeiro lugar, usá-lo em substituição a combustíveis nobres e de maior valor comercial, como o GLP, seja para uso industrial ou residencial, a gasolina em veículos leves, especialmente táxis e picapes, e o diesel em ônibus e caminhões urbanos. Todos sabem que nas grandes cidades brasileiras como Salvador, São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro, é utilizado o gás natural, com economia para aqueles condutores de veículos que fizeram a conversão, e com impactos ambientais menores. Atualmente tais usos representam cerca de 10% do gás comercializado e são os que mais crescem, face à expansão das redes de distribuição, os postos. Nos dois últimos anos, essa faixa de uso apresentou crescimento superior a 30%.

Em segundo lugar, substituindo os combustíveis usados na indústria, especialmente o óleo combustível, cuja queima produz elevadas emissões de poluentes na atmosfera das cidades. Trocar o óleo pelo gás natural. Nesse caso, atenção especial deve ser dada às oportunidades de utilização do gás para geração simultânea de calor industrial e de energia elétrica, a chamada cogeração, com elevado ganho de eficiência. Um exemplo: cogeração num shopping center, onde se garante o fornecimento de energia para o shopping e se usa o calor para ar-condicionado e outros serviços para geração de vapor, conseguindo com isso economicidade maior àquelas instalações.

A construção de termelétricas a gás tem recebido críticas descabidas, fruto de preconceitos e da mentalidade “barrageira” que se formou dentro dos órgãos do setor elétrico brasileiro.

Srª Presidente, sou uma pessoa de cultura “barrageira”. Fiz minha história no setor elétrico dentro de barragens e conheço a importância delas. E sei que a matriz energética brasileira continuará utilizando a energia hidroelétrica predominantemente.

Alguns argumentos utilizados contra as termelétricas no Brasil apresentam meias verdades e provocam visões distorcidas. O argumento mais difundido contra as termelétricas é que “as hidrelétricas não apresentam impacto ambiental”. Que me desculpem essas pessoas que fazem esses comentários.

Srª Presidente, sou uma pessoa criada no setor elétrico e amassei muito barro na vida em várias regiões do País. Passei pelas hidrelétricas do Vale do São Francisco, no Nordeste; pelas hidrelétricas do Pará, especialmente pela Usina de Tucuruí, Senadora Ana Júlia Carepa, aqui presente; pela Usina de Balbina, no Amazonas; pela Usina de Samuel, em Rondônia; pela Usina de Manso, em Mato Grosso; pelas Usinas de Itá e Machadinho, na divisa de Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Precisamos entender: as dificuldades não são graves. As dificuldades se apresentam para que as resolvamos competentemente. Mas os impactos ambientais existem no enchimento do reservatório, e as conseqüências do enchimento do reservatório, no desvio do rio, no remanejamento das populações. Isso tem de ficar claro, para que não adotemos soluções energéticas simplistas para o País porque não o são.

A Srª Ana Júlia Carepa (Bloco/PT - PA) - Senador Delcídio Amaral, permite-me V. Exª um aparte?

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Ouço o aparte de V. Exª, querida Senadora Ana Júlia.

A Srª Ana Júlia Carepa (Bloco/PT - PA) - Quero parabenizar V. Exª pela brilhante exposição de um tema tão importante para este País. Represento um Estado que tem o maior potencial hidrelétrico, além da maior província mineral do mundo, o Estado do Pará também possui o maior potencial hidrelétrico deste País. Bem sabemos o quanto sofremos impactos por conta da Hidrelétrica de Tucuruí. Por isso, o povo do Pará hoje exige, sim, investimentos necessários. Sabem V. Exªs muito bem que a Hidrelétrica de Tucuruí exporta energia para outros Estados do País e que é importantíssima, inclusive, para a Albras. Metade do consumo de energia no Estado do Pará vai apenas para a Albras/Alunorte. A outra metade o Estado consome. Apesar de exportarmos energia para outras regiões do País, o povo paraense não é servido pela energia de Tucuruí. Infelizmente, somos o segundo pior Estado em distribuição de energia. O compromisso assumido pela Ministra Dilma Rousseff é o de que vai compensar esses Estados, iniciando os investimentos por eles. Quero parabenizá-lo pelo reconhecimento e por trazer a esta Casa um tema tão importante quanto a utilização do gás, que é outra riqueza que temos em nossa região. É fundamental discutirmos outras matrizes energéticas para o nosso País. Não podemos ficar presos apenas a uma matriz de geração de energia. Meus parabéns, Senador.

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Obrigado, Senadora.

O Sr. José Jorge (PFL - PE) - Senador Delcídio Amaral, peço também um aparte a V. Exª.

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Pois não, meu caro Senador José Jorge.

            O Sr. José Jorge (PFL - PE) - Meu caro Senador Delcídio Amaral, eu estava em meu gabinete e não sabia que V. Exª ia falar. Fiz questão de vir ao plenário exatamente para apoiar suas palavras sobre a utilização do gás na matriz energética brasileira. Além de toda a experiência no setor de energia elétrica propriamente, V. Exª, quando diretor da Petrobras na área de gás, realizou um trabalho bastante importante, o que faz com que hoje tenhamos uma participação muito maior do gás na matriz energética. É uma solução que não é simples. O gás disputa espaço com produtos advindos do petróleo, como a gasolina, o óleo combustível, e se torna bastante viável, quando está com um preço razoável, para substituir esses produtos. Todavia, quando é para substituir energia elétrica gerada por hidroelétricas, o gás sempre tem um custo superior, exatamente por ser um produto que um dia vai se extinguir. Temos que fazer essa tentativa, mesmo porque o gás é que dará segurança a nossa matriz energética. Se a hidroelétrica gera energia barata, em determinado momento não vai gerar energia por não mais existir água. O Nordeste, por exemplo, durante longos anos passou por duas crises. A situação da região era muito difícil pelo fato de toda a sua energia elétrica ser gerada por um único rio. Agora não, estão sendo construídas diversas termoelétricas, que vão dar a garantia necessária ao sistema do Nordeste. Esse sistema, permanentemente em risco, diminuirá o risco com estas duas medidas: a construção das termoelétricas, por um lado, e a ligação dele, através de grandes linhas de transmissão, com os sistemas do Norte e do Sudeste. V. Exª, no Senado, tem que continuar na sua luta pela participação do gás na matriz energética brasileira.

O Sr. Valdir Raupp (PMDB - RO) - Senador Delcídio Amaral, V. Exª me concede um aparte?

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Pois não.

O Sr. Valdir Raupp (PMDB - RO) - Gostaria de parabenizar V. Exª pelo brilhante pronunciamento.

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Obrigado, Senador.

O Sr. Valdir Raupp (PMDB - RO) - Senador Delcídio Amaral, V. Exª, como profundo conhecedor do sistema elétrico brasileiro, que já contribuiu muito como diretor da Petrobras e Ministro de Minas e Energia e foi um dos responsáveis pela interligação do gasoduto Brasil-Bolívia, conhece melhor do que ninguém a problemática energética do Brasil. Em função do apagão no Governo Fernando Henrique, foram estabelecidas metas para construir 20 ou 30 -- não sei quantas -- termoelétricas no Brasil. Rondônia, meu Estado, foi contemplado com uma dessas usinas. Ela já está praticamente pronta, gerando mais de 200 megawatts, com capacidade para 400MW, e queima aproximadamente um milhão de litros de óleo diesel por dia. O óleo diesel é mais poluente do que o gás. Em Rondônia só temos a Samuel - em cuja planta V. Exª trabalhou -, que não é mais suficiente para gerar energia para Rondônia e Acre, tendo em vista que o Acre não tem nenhuma pequena hidrelétrica, só queima óleo diesel. Já foi interligado o linhão de Porto Velho para Rio Branco, Estado do Acre, e está pronta a TermoNorte, que é uma termelétrica ciclocombinada, inicialmente gerando a óleo diesel e, futuramente, com o gás. Hoje, nos deparamos com um problema muito sério, qual seja, a licença ambiental para a construção do gasoduto Urucu-Porto Velho, que terá 500 quilômetros. A alegação das autoridades ambientais é a de que vai agredir muito o meio ambiente. Pelo levantamento realizado, serão desmatados em torno de 1.050 hectares de terra, área que um pequeno fazendeiro desmata em qualquer Estado da região Norte do Brasil, ou com licença do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis) ou, muitas vezes, sem licença, e o Ibama tem que correr atrás para multar depois que a mata é derrubada. Então, não vejo que a derrubada dos 1.050 hectares de mata para fazer o picadão por onde passará o gasoduto seja o principal problema, porque V. Exª sabe que oito anos depois essa mata pode ser totalmente recomposta, reflorestada. Existe uma experiência dessas num trecho do gasoduto de Urucu a Coari - para Manaus, que terá continuidade agora -,feito há algum tempo e hoje não se sabe mais por onde passou o gasoduto, a floresta já foi recomposta também. Sei que V. Exª, como profundo conhecedor dessa matéria, vai nos ajudar e esse seu pronunciamento vai, com certeza, auxiliar muito nosso projeto de Rondônia. O que queremos é que o Ibama libere o mais rápido o documento. O Senador Amir Lando e eu estivemos lá duas vezes. Uma vez, com o presidente do Ibama, e a outra, com o superintendente de licenciamento ambiental do Ibama, buscando a concessão dessa licença. São esses os entraves até agora. Há cerca de um ano estamos esperando o início dessa obra. A Petrobras e a TermoNorte, em parceria com a El Paso, estão prontas para iniciar a obra e querem que essa licença seja liberada agora, porque o transporte dos tubos só pode ser feito no período das cheias e só após a autorização do Ibama, a licença definitiva, podem ser encomendados os tubos para essa obra. Então, no período do verão, agora, podem ser confeccionados os tubos. No próximo inverno, a partir de novembro, seriam transportados os tubos para o gasoduto. O prazo é de aproximadamente dois anos. Se não for concedida essa licença agora, perderemos mais um ano nessa obra tão importante para a região Norte do Brasil e deixaremos de contribuir ainda para a economia de óleo diesel, pois o Brasil importa petróleo.

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - E que a população paga por meio da Conta CCC.

O Sr. Valdir Raupp (PMDB - RO) - Exatamente. O gás de Urucu está se perdendo. Uma parte está sendo queimada na atmosfera e a outra está sendo injetada no subsolo para reaproveitar mais tarde. Estamos perdendo, nessa questão do gás, a oportunidade de gerar uma energia mais barata e mais limpa. Parabéns pelo seu pronunciamento. Muito obrigado.

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Obrigado, Senador.

O Sr. Rodolpho Tourinho (PFL - BA) - Concede-me um aparte V. Exª?

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Pois não, Senador Rodolpho Tourinho.

O Sr. Rodolpho Tourinho (PFL - BA) - É muito oportuno seu pronunciamento acerca do gás natural. Endosso essa questão de Rondônia. É fundamental que se resolva isso, pelo que se queima hoje de gás de Urucu e pelo que se gasta efetivamente de óleo diesel. Na questão da inserção do gás natural na matriz energética, isso implica necessariamente - e V. Exª sabe disso melhor do que ninguém - a construção das usinas termelétricas. A questão industrial é muito mais lenta. É necessário um tempo muito maior para conseguir a inserção natural do gás por meio das indústrias. Mas isso deve ocorrer por meio de um programa específico - é muito importante isso - como aliás foi feito. Evidentemente, o preço do gás é o grande problema. Se entendermos hoje que o gás não é commodity, a partir daí fica mais fácil resolver esse problema. Gás não é igual a petróleo. Devemos partir daí, e tenho certeza de que V. Exª concorda com isso. A última palavra que eu queria dar era em relação à segurança do sistema, que foi levantada aqui pelo Senador José Jorge. Não há a menor condição de se ter segurança do sistema elétrico hoje sem um percentual de termelétrica que pode ser estimado em torno de 20%. O pronunciamento de V. Exª, Senador Delcídio Amaral, é muito oportuno.

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Muito obrigado, Senador Rodolpho Tourinho.

O Sr. Hélio Costa (PMDB - MG) - Senador Delcídio Amaral, permite-me V. Exª um aparte?

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Concedo a palavra ao Senador Hélio Costa.

O Sr. Hélio Costa (PMDB - MG) - Senador, primeiramente, congratulo-me com V. Exª pela colocação clara, objetiva e que mostra bem o seu conhecimento do setor energético. Anotei, com preocupação, uma declaração de V. Exª no sentido de que estamos pagando US$1 milhão por dia - imaginem - pelo gás não utilizado. Tenho informações de que as reservas de gás da Bolívia que eram, há alguns anos, de 4 trilhões de metros cúbicos, hoje chegam a 50 trilhões de metros cúbicos.

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - O equivalente, Senador Hélio Costa, a cinco gasodutos Bolívia-Brasil aproximadamente. E diziam que a Bolívia não tinha gás suficiente para nos abastecer.

O Sr. Hélio Costa (PMDB - MG) - Na verdade, a Bolívia é o Kuwait, a Arábia Saudita do gás. Nós, brasileiros, somos naturalmente aqueles que serão beneficiados, por assim dizer, com essa energia abundante, extraordinária, limpa e que certamente levará o Brasil à frente na sua pretensão de ser uma grande potência industrial. E é com grande preocupação que ouço essas colocações de V. Exª porque nós, em Minas Gerais, estamos ansiosos pela construção do segundo gasoduto, que sairá de Mato Grosso, chegará na ponteira do Triângulo Mineiro, descerá pelo sul de Minas Gerais, passando por Varginha, até chegar novamente a Belo Horizonte, e que será fundamental para o desenvolvimento econômico do nosso Estado. Também lembro que, durante uma reunião da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, no ano passado, quando eu era Presidente da Comissão na Câmara dos Deputados, trouxemos aqui o Presidente de Furnas, o Dr. José Carlos Santos. S. Sª assumiu o compromisso de levar para a região do lago de Furnas uma termelétrica que seria usada evitando o estrago ecológico causado há cerca de dois anos, quando, praticamente, o lago de Furnas foi ao minimum minimorum aceitável para atender às necessidades energéticas. Isso causou um impacto terrível, principalmente na indústria do turismo, no sul de Minas Gerais. Costumo dizer que eu chegava, às vezes, a um hotel em Varginha, abria as janelas e via um lago maravilhoso, mas, num belo dia, cheguei a este mesmo hotel, abri as janelas e, na realidade, havia uma lagoa seca. Ou seja, tudo isso causou um tremendo prejuízo a Minas Gerais e a toda a região do sul de Minas. Vejo que essa ponderação de V. Exª, bem como a sua preocupação em fazer do gás natural um veículo, por assim dizer, que impulsione o progresso no Brasil para nós, mineiros, é da maior importância. Agradeço a V. Exª pela oportunidade de aparteá-lo.

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Muito obrigado, Senador Hélio Costa.

Continuando a minha exposição, lembro também os impactos ambientais, Senadora Ana Júlia, de terras ricas, agriculturáveis e os de nações indígenas, também impactadas pelos reservatórios das hidrelétricas.

Aproveito esta oportunidade e a interação com todos os Senadores para também citar um outro argumento muito apresentado com relação ao gás natural e à geração de termoeletricidade a gás natural. As hidrelétricas são a alternativa mais barata de geração de energia no Brasil.

Srªs e Srs. Senadores, os grandes aproveitamentos hidroelétricos do Brasil já foram construídos.

(A Srª Presidente Iris de Araújo faz soar a campainha.)

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Srª Presidente, gostaria de concluir meu raciocínio, minha exposição, porque considero de fundamental importância o que vou apresentar aqui. Peço a V. Exª um pouco de paciência, apesar do adiantado da hora.

A SRª PRESIDENTE (Iris de Araújo) - Senador Delcídio Amaral, estou interrompendo V. Exª por alguns minutos, para prorrogar a sessão por mais 15 minutos, que serão divididos entre os oradores que ainda almejam falar. Solicito a compreensão de V. Exª.

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Pois não. Muito obrigado.

Disponho de 15 ou 5 minutos, Srª Presidente?

A SRª PRESIDENTE (Iris de Araújo) - Mais cinco minutos, Senador.

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - O outro argumento utilizado é o de que as hidrelétricas são a alternativa mais barata de geração de energia no Brasil. Para quem conhece o setor elétrico, as principais usinas, as mais competitivas, foram construídas nas regiões Sul e Sudeste. Todas as próximas usinas competitivas serão construídas na Amazônia, com altos custos de transmissão, o que tem de ser trazido à baila, para que tenhamos uma discussão equilibrada.

Outro ponto de fundamental importância: o Brasil não precisa de termelétricas. As hidrelétricas nos bastam. Realmente, o que aconteceu foi o racionamento, pois o Brasil tem um sistema que depende única e exclusivamente de São Pedro. Choveu, tem energia. Não choveu, falta energia. É impossível haver um sistema, um setor elétrico confiável sem ter uma complementação de termoeletricidade. O fator de carga de uma usina hidrelétrica é de 55%; o fator de carga de uma usina termelétrica é de 92%.

Portanto, as usinas termelétricas, especialmente as a gás, pelos motivos que expus anteriormente, têm que servir como um seguro do sistema, para que o consumidor tenha garantia da energia confiável e de qualidade que precisa, não só para o seu bem-estar, mas também para as atividades comerciais e industriais.

O Sr. Garibaldi Alves Filho (PMDB - RN) - Senador Delcídio Amaral, com a tolerância da nossa Presidente, permite-me V. Exª um aparte?

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Pois não, meu caro Senador Garibaldi Alves.

O Sr. Garibaldi Alves Filho (PMDB - RN) - Senador, farei uma intervenção rápida apenas para me congratular com V. Exª por mais este pronunciamento sobre a economia do País, mais voltado desta vez, especificamente, para o problema do aproveitamento do nosso gás natural. V. Exª é uma autoridade no assunto. Ouvimos aqui depoimentos dos ex-Ministros de Minas e Energia Rodolpho Tourinho e José Jorge. Todos conhecem não apenas o estudioso que V. Exª é, mas também a sua dedicação ao trato dessa questão. Gostaria de perguntar - pedindo permissão à Srª Presidente - a V. Exª sobre as termelétricas emergenciais, aquelas criadas por conta da crise do apagão. Elas realmente se inserem ainda nesse nosso modelo? Acredito que sim, porque é um seguro, como V. Exª estava falando há pouco, para nossa matriz elétrica.

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Senador, muito obrigado. Não tenho dúvida de que o programa emergencial representa efetivamente um seguro, mas é por tempo determinado. O importante da termoeletricidade a gás natural é que se trata de uma proposta definitiva que vai otimizar todo o sistema em função de anos de hidraulicidade boa e outros anos com hidraulicidade ruim.

Srª Presidente, um outro argumento que tem sido apresentado é que as termelétricas não servem como seguro. São caras e exigem infra-estrutura que ficará ociosa nos anos de hidrologia favorável. Esse é o conceito do seguro, que estou propondo aqui e que é fundamental para garantir a otimização energética do setor.

Aproveito a oportunidade para relatar alguns dados. A geração das termelétricas se situa entre os US$400/Mw e US$700/Mw, e as térmicas ficam nos centros de carga. Por isso não gastam com linhas de transmissão, ao contrário dos projetos hidroelétricos mais competitivos, que têm grandes linhas de transmissão para levar sua energia.

As hidrelétricas têm seu custo de geração aproximadamente entre US$1 mil e US$2 mil o quilowatt. Por quê? Porque as mais competitivas já foram feitas. As próximas usinas terão um custo marginal maior. Isso é evidente, óbvio, porque o setor elétrico foi planejado assim, foi pensado assim.

(A Srª Presidente Iris de Araújo faz soar a campainha.)

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Srª Presidente, posso continuar por mais cinco minutos? É importante.

A SRª PRESIDENTE (Iris de Araújo) - Nobre Senador, temos de dividir o tempo com os outros oradores que estão aguardando e que se inscreveram também.

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Pois não. Estou sofrendo, Srª Presidente, porque o tempo de outros pronunciamentos feitos aqui foi muito além do prazo. Estou sendo prejudicado no tempo regulamentar, que preciso para expor o que eu gostaria sobre a questão de energia.

A SRª PRESIDENTE (Iris de Araújo) - Também estou sofrendo por ter de interrompê-lo. Sinto muito, Senador Delcídio Amaral.

O SR. GARIBALDI ALVES FILHO (PMDB - RN) - Srª Presidente, peço a palavra pela ordem, para, se possível, ceder o meu tempo ao orador, já que estou inscrito.

A SRª PRESIDENTE (Iris de Araújo) - Não é possível, Senador Garibaldi Alves Filho. O Regimento Interno não permite.

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Srª Presidente, concluirei rapidamente.

Há um outro comentário, feito por muitas pessoas, de que o Brasil tem elevadas sobras de energia elétrica. É verdade, mas isso é por causa de um planejamento completamente descontrolado, que está levando a um desequilíbrio na geração e, conseqüentemente, a uma reversão dos investimentos. Investidor, quando vê excesso de ofertas, não investe nesse segmento. Assim, as coisas funcionam; assim, a realidade tem de ser.

Entretanto, vamos crescer. O País tem obrigação de gerar emprego e de se desenvolver econômica e socialmente. Por isso, temos que ter um sistema híbrido: hidrelétrico e termelétrico.

Há um assunto muito debatido ultimamente: as termelétricas que entraram em operação. Diz-se que não há mercado para elas. Gostaria de dar o exemplo da Petrobras. Em 2003, a Petrobras tem 1.000 MW instalados e já negociou, com distribuidoras, com industriais e com consumidores livres, 900 MW. A partir de 2005, dos 2.000 MW que a Petrobras instalará ou que já estão em instalação no País, serão vendidos 1.900 MW, sendo 300 MW para consumo próprio e 1.600 MW para vender em todo o mercado do sistema interligado.

Para encerrar, Srª Presidente, há um outro discurso dos opositores das termelétricas: o Programa Prioritário das Termelétricas foi um erro grave. Muito pelo contrário: se o Programa Prioritário das Termelétricas tivesse sido criado um ano antes e se as autoridades, principalmente as responsáveis por questões de ordem econômica e financeira, tivessem se sensibilizado pelo problema, não teríamos colocado o País numa dos maiores apagões da sua história, com prejuízos sociais de desemprego e, principalmente, de investimentos sendo desviados para outros continentes e outros países. É importante registrar o quanto o próprio BNDES teve de aportar de recursos para suprir aqueles que acreditaram nos investimentos no Brasil e viram seu planejamento frustrado em virtude do racionamento, que levou o mercado a consumir 30% a menos do que era projetado. Nem o Procel - Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica, da Eletrobrás, conseguiu tamanho feito. Houve efetivamente um acontecimento trágico: o racionamento de energia. Por isso, seria fundamental que o PPT tivesse sido implantado no momento certo.

Srª Presidente, para que restabeleçamos as condições básicas de um sistema competente, interligado e que atenda à população, devemos superar questões do risco regulatório, do retorno do investimento e das garantias financeiras. Em outra ocasião, explicarei esses três temas.

Registro que o gás natural tem importante missão a cumprir no Brasil, seja pela substituição de energéticos mais caros ou mais poluentes, seja pela viabilização de usinas termelétricas. O gás natural deverá ser utilizado prioritariamente nas indústrias, no comércio e nas residências, mas, como eu disse, ele é fundamental para a geração de energia e para a otimização do sistema interligado, uma vez que a nossa base estará eminentemente voltada para a questão da hidreletricidade.

Ao contrário do que vem sendo alardeado, as termelétricas a gás têm um papel importante no sistema hidrotérmico brasileiro, representando um seguro nos períodos de hidrologia desfavorável. Não podemos depender mais de São Pedro. Chega! Esse tempo já passou.

Assim, quero apresentar algumas propostas para a consolidação do mercado de gás natural no Brasil.

a) com relação ao preço do gás nacional:

- revisão na estrutura de preços;

- desvinculação das oscilações cambiais;

- desvinculação das variações da cesta de óleos no mercado internacional;

- revisão do custo do gás natural nacional, considerando suas características (gás associado e gás não-associado);

- reavaliação da metodologia de cálculo da tarifa de transporte;

- revisão da incidência de encargos financeiros;

- dilatação do prazo de pagamento.

b) com relação ao preço do gás importado:

- desvinculação das variações da cesta de óleos do mercado internacional;

- revisão do descompasso entre a elevação do preço do gás importado da Bolívia, ajustando-o ao preço dos energéticos concorrentes, que era o raciocínio inicial, ou seja, o gás está sempre abaixo do combustível concorrente, que é o PPF, que é o óleo diesel;

- repasse imediato às distribuidoras da redução da tarifa de transporte já concedida pela Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil S.A., vulgo Gasoduto Bolívia-Brasil, ao carregador, no caso a Petrobras.

c) com relação ao suprimento único:

- implantação imediata do concurso aberto, ultrapassados os 30 milhões de metros cúbicos/dia no caso do Gasoduto Bolívia-Brasil, que é o contrato que a Petrobras teve que bancar para construí-lo;

- redução nos percentuais das obrigações mínimas de ship-or-pay e take-or-pay, que são aqueles compromissos que, dentro do contrato, percentualmente temos que consumir. É importante flexibilizar, diminuir esses compromissos;

- utilização dos recursos da Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) para redução imediata das tarifas de transporte;

- revisão das tarifas de transporte, levando-se em conta a depreciação dos investimentos do gasoduto.

d) com relação aos aspectos regulatórios federal e estadual:

- os agentes reguladores considerem que as distribuidoras são, em sua maioria, empresas em formação e necessitam, neste momento, de mecanismos que possibilitem sua consolidação;

- definição urgente pelo Governo Federal da regulamentação referente à implantação e operação das térmicas;

- regulamentação da Lei nº 10.336/01 - Cide - (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) de forma a assegurar ao gás natural recursos para seu desenvolvimento;

- regulamentação da Lei nº 10.438/02 - CDE - (Conta de Desenvolvimento Energético) de forma a criar uma infra-estrutura de transporte de gás natural nas regiões que ainda não dispõem desse energético, interiorizar o gás natural e levá-lo para todos os Estados.

Quanto aos incentivos tributários:

- extensão da não comutatividade do PIS/COFINS concedida ao PPT para todos os outros segmentos do mercado;

- redução das alíquotas de ICMS conforme estabelecido no Confaz (Convênio 18);

- revisão da política de incidência do ICMS

Ainda não estão claramente definidas as ações que serão implementadas visando maior participação do gás natural na matriz energética brasileira. É necessário o estabelecimento das medidas a serem adotadas e das metas a serem alcançadas para o efetivo aumento dessa participação.

Entendo que essas medidas, se aplicadas em sua totalidade, dentro de um espaço político e institucional possível, trarão benefícios a toda a sociedade, que de forma direta ou indireta terá uma alternativa energética realmente presente no País.

            Srª Presidente, era o que tinha a dizer. Agradeço a atenção e o carinho dos Srs. Senadores. Penso que este assunto é de fundamental importância e a verdade tem que ser restabelecida, para que as pessoas que conhecem o setor de energia pelo que aprendem nos bancos escolares ou pelos livros entendam melhor, porque a realidade é muito diferente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/04/2003 - Página 5881