Discurso durante a 31ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Alerta ao Presidente da República e equipe ministerial para a possibilidade de uma maior concentração de renda, caso sejam concedidos incentivos fiscais às empresas que gerarem empregos.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Alerta ao Presidente da República e equipe ministerial para a possibilidade de uma maior concentração de renda, caso sejam concedidos incentivos fiscais às empresas que gerarem empregos.
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 03/04/2003 - Página 5888
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • ADVERTENCIA, GOVERNO FEDERAL, POSSIBILIDADE, PROGRAMA, CONCESSÃO, INCENTIVO FISCAL, EMPRESA, CONTRATAÇÃO, TRABALHADOR, BAIXA RENDA, AUMENTO, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, FRUSTRAÇÃO, OBJETIVO, CRIAÇÃO, EMPREGO.
  • DEFESA, SUBSTITUIÇÃO, PROGRAMA ASSISTENCIAL, CONCESSÃO, CREDITO FISCAL, EMPRESA, CRIAÇÃO, OPORTUNIDADE, EMPREGO, PROGRAMA, GARANTIA, RENDA MINIMA, POPULAÇÃO CARENTE.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Senadora Iris de Araújo, Srªs e Srs. Senadores, gostaria de fazer um alerta ao Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, antes que Sua Excelência promulgue medida, que já está sendo objeto de anúncio, relativa à forma de se proporcionar mais empregos à economia.

No momento em que o próprio Governo Lula anuncia que será importante coordenar e unificar os esforços relativos a todos os programas sociais, buscando uma maior racionalidade, tendo em conta, inclusive, que o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva lançou uma nova forma de programa social por meio do cartão-alimentação, que constitui um dos mecanismos dentro do Programa Fome Zero, e antes de lançar um novo mecanismo de transferência de renda na forma do chamado Primeiro Emprego, que, segundo está sendo cogitado, significaria um crédito fiscal concedido diretamente às empresas que contratarem trabalhadores ganhando até dois salários mínimos, sendo o subsídio fiscal equivalente a um salário mínimo - em torno, portanto, de R$240,00 -, eu gostaria de sugerir ao Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a seus Ministros, sobretudo do Trabalho, da Fazenda, da Integração Nacional, do Planejamento, ao Ministro Extraordinário do Combate à Fome e ao próprio Ministro da Casa Civil, José Dirceu, que ficou com a responsabilidade de melhor coordenar e entrosar todos os programas, que estudem se a melhor maneira de criar empregos é através de formas de crédito fiscal concedido diretamente às empresas. Por que sugiro isso? Porque uma coisa é prover, criar um crédito fiscal para melhorar a remuneração dos trabalhadores e aumentar as oportunidades de emprego com um crédito fiscal dado diretamente aos trabalhadores e outra coisa é criar um subsídio que vai para as empresas, ao capital.

Os estudos de especialistas a respeito do assunto indicam que o sistema de criação de oportunidades de emprego por crédito fiscal dado diretamente às empresas, normalmente, acaba frustrando a meta de se criar mais empregos, por diversas razões, e acaba, na verdade, concentrando a renda.

Os Estados Unidos, por exemplo, em 1975, criaram o crédito fiscal por remuneração recebida, que consiste em dar um complemento de renda àquele trabalhador cuja remuneração anual não atinja US$32 mil por ano e que tenha uma família com mulher e duas crianças. O trabalhador recebe um complemento para que a sua renda lhe permita ficar acima da linha de pobreza. Isso fez com que a sociedade norte-americana tenha decidido remunerar melhor aqueles que trabalham, que estão no mercado de trabalho, que conseguem um emprego, mas cuja renda não lhes permite deixar de serem considerados pobres. Mas o crédito fiscal é pago diretamente ao trabalhador. Pensou-se nisso num momento em que se avaliava ser importante prover às empresas aquilo que normalmente era pago à seguridade social.

Ora, aqui está se querendo fazer algo semelhante, só que com o crédito fiscal sendo pago à empresa. E quero alertar o Presidente Lula de que esse mecanismo pode acabar sendo concentrador de renda e de riqueza e pode, inclusive, não levar, como gostaria o Ministro do Trabalho, Jacques Wagner, o Ministro da Fazenda, Antônio Palocci, e toda a equipe de Governo, a aumentar efetivamente o nível de emprego.

Se estudarmos melhor o desenho deste benefício que se quer criar, vamos chegar à conclusão de que justamente deveremos caminhar na direção de um programa de transferência de renda, mas que caminhe na direção daquilo que tenho defendido e que o Senado já aprovou, que é uma renda básica de cidadania. Podemos chegar a isso por etapas. Certamente, será um caminho de maior racionalidade.

Srª Presidente, serei breve, porque a sessão já está terminando. Mas voltarei ao tema na próxima semana, ocasião em que comentarei um estudo de Guy Standing, da Organização Internacional do Trabalho, justamente o responsável pelo Programa de Seguridade Socioeconômica, que escreveu, recentemente, um artigo para a imprensa da África do Sul, cujo governo estava considerando adotar mecanismo de crédito fiscal semelhante, pago às empresas, em que alertou que este não seria o melhor caminho.

Então, quero, construtivamente, alertar o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que melhor seria estudar...

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Estava concluindo o meu pronunciamento, mas ouço V. Exª com muito prazer.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Eduardo Suplicy, acho que sua generosidade se aproxima à do Papa, a quem V. Exª recorreu para trazer a paz. Ninguém tem se preocupado mais do que V. Exª com os que não têm nada, com o Programa de Renda Mínima. Mas eu ficaria, antes, com o apóstolo Paulo, que diz que quem não trabalha não merece ganhar para comer. Esse é o caminho. Atentamente, eu estava ouvindo a citação dos trabalhos que V. Exª acabou de adquirir e vai estudar. Mas, aqui mesmo, um brasileiro já deixou isso muito claro: Rui Barbosa. Ele disse que o trabalho vem antes da riqueza. É o trabalhador que faz a riqueza, é ele que deve ser apoiado, admirado, fortalecido. É daí que V. Exª chegou a um subsídio para as empresas. É direto a ele, mas está muito fácil. Não vamos buscar soluções, está aqui. Discute-se agora o salário mínimo, como o apóstolo diz: “Só merece ganhar quem trabalha”. Esse merece ganhar para comer. O salário mínimo está sendo discutido e é uma vergonha o que se passa neste Brasil: estamos retrocedendo. Já tivemos um salário mínimo de US$100. Falta de ética é não termos a coragem do líder baiano, Senador Antonio Carlos Magalhães, que, nesta Casa, lutou contra um Governo do qual S. Exª fazia parte! Não conseguiu US$100, mas conseguiu a metade: ficou em US$85. E eu proponho aqui, em nome de Deus, em nome do Papa, invocado ontem por V. Exª: que não seja aquele defendido pelo “painho”, que seria o ideal, de US$ 100 dólares, ou seja, R$ 335,00; mas também que não seja...

A SRª PRESIDENTE (Iris de Araújo. Fazendo soar a campainha.) - Lamento, Senador, mas tenho de ser justa e dividir o tempo com os outros oradores.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Serei bem breve, Srª Presidente. Não devemos ficar com a proposta do PT, de R$240,00, mas com o que manda Deus, como Salomão disse: “A verdade está no meio”. Vamos estabelecer o salário entre R$335,00 e R$240,00, ou seja, R$287,50! Isso é muito pouco, muito vergonhoso, e Antonio Carlos Magalhães já havia conseguido isso no ano 2000. Muito obrigado.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Muito obrigado, Senador Mão Santa. Nos próximos dias 24 e 25, vou à terra de V. Exª, no Estado do Piauí, visitar Guaribas e Acauã, para ver o andamento do programa Fome Zero e as formas de transferência de renda. Quero observar seus mecanismos, seus efeitos e dialogar com as famílias beneficiárias.

Quando pensamos numa forma de garantir maior renda e emprego aos trabalhadores e em definir o valor do salário mínimo, precisamos também pensar na questão relativa ao que ocorrerá com o emprego. É preciso analisar as razões que levam as empresas a decidirem contratar mais ou menos trabalhadores. Por essa razão, Senador Mão Santa, é que precisamos pensar na definição não apenas do salário mínimo, mas também de uma renda que toda e qualquer pessoa tenha o direito de ter, mesmo sem trabalhar!

Senador Mão Santa, a Constituição brasileira, que V. Exª conhece muito bem, assegura aos que detêm o capital o direito de receber seus rendimentos na forma de juros, lucros e aluguéis, não é verdade? Pois bem, se é assegurado a quem detém o capital o direito de receber rendimentos do capital, mesmo sem trabalhar - a Constituição não os obriga a trabalhar...

A SRª PRESIDENTE (Iris de Araújo. Fazendo soar a campainha.) - Lamento, Senador, mas o tempo de V. Exª já se esgotou.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Estou concluindo, Srª Presidente. Preciso responder à reflexão tão importante do Senador Mão Santa.

Se asseguramos a todos o direito de receberem rendimentos na forma de juros, lucros e aluguéis, mesmo sem trabalhar, por que não assegurar a todos os brasileiros, ricos e pobres, o direito de participarem da riqueza desta Nação por meio de uma renda básica como direito à cidadania? Srª Presidente, isso seria consistente com os ensinamentos de São Paulo. O que disse São Paulo na Segunda Epístola aos Coríntios? - Senador Mão Santa, V. Exª se lembra perfeitamente. Disse São Paulo aos Coríntios que estes deveriam seguir os exemplos dos Macedônios e de Jesus, que, mesmo sendo tão poderoso, resolveu solidarizar-se e viver entre os mais pobres. Conforme está escrito, para que haja justiça, para que haja igualdade, todo o que tiver uma safra abundante não deverá ter demais, e todo o que tiver uma safra pequena não deverá ter de menos.

Portanto, assegurar a todo brasileiro, a toda brasileira uma renda básica como um direito à cidadania é o caminho da justiça, segundo São Paulo!

Muito obrigado. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/04/2003 - Página 5888