Discurso durante a 32ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Precariedade da saúde pública no Estado de Rondônia.

Autor
Amir Lando (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Amir Francisco Lando
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Precariedade da saúde pública no Estado de Rondônia.
Publicação
Publicação no DSF de 04/04/2003 - Página 6049
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • COMENTARIO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, SAUDE PUBLICA, ESTADO DE RONDONIA (RO), FALTA, INFRAESTRUTURA, HOSPITAL, RESPONSABILIDADE, PODER PUBLICO, INSUFICIENCIA, MEDICO, ATENDIMENTO, SOCIEDADE, AGRAVAÇÃO, SAUDE, ESPECIFICAÇÃO, POPULAÇÃO CARENTE, VITIMA, DOENÇA, MORTE.
  • CRITICA, POLITICA, PRIVATIZAÇÃO, INSTITUIÇÃO PUBLICA, AUMENTO, EMPRESA PRIVADA, OBJETIVO, LUCRO, AUSENCIA, INTERESSE, BEM ESTAR SOCIAL, REDUÇÃO, ARRECADAÇÃO, ESTADO, DIFICULDADE, PROMOÇÃO, MELHORIA, ATIVIDADE SOCIAL, MOTIVO, INSUFICIENCIA, FUNDOS PUBLICOS.
  • EXPECTATIVA, ATUAÇÃO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PRIORIDADE, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, PROMOÇÃO, MELHORIA, SAUDE, AMBITO NACIONAL, GARANTIA, EFICACIA, ATENDIMENTO, POPULAÇÃO CARENTE.

O SR AMIR LANDO (PMDB - RO) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os horrores da guerra dos mísseis ditos inteligentes sobre Bagdá já não são, assim, tão desconhecidos dos profissionais médicos que trabalham na saúde pública de Rondônia. Suas impressões sobre as cenas diárias com as quais convivem nos corredores dos hospitais do Estado, mais se parecem com relatos dos campos de batalha. Esses mesmos profissionais, muitas vezes, têm a dolorosa missão de decidir sobre prioridades de atendimento que podem significar a linha divisória entre a vida e a morte. As imagens descritas dos corredores dos nossos principais centros de atendimento hospitalar nada devem às fotos de primeira página dos jornais que, hoje, correm o mundo, sem que isso tenha causado, até aqui, igual indignação.

Não há que reivindicar, para Rondônia, a primazia da dor. Ela tem sido a mesma nas filas de quase todos os hospitais públicos do País. Os problemas de Rondônia são os mesmos de todas as regiões brasileiras. Mas ali eles assumem dimensões diferenciadas. Não é maior a dor, mas ela cala mais fundo na precariedade dos hospitais e, nas áreas mais isoladas, de profissionais médicos que, quando se aventuram pela mata, têm que ir além da plenitude do sacerdócio da medicina.

Tal precariedade parece ter chegado ao limite da tolerância. A saúde pública é o retrato mais fiel do verdadeiro apartheid social no País. Não obstante a preocupação dos legisladores para que se vinculem recursos orçamentários em rubricas específicas, o que se tem, ainda, é um quadro de insuficiência e de má utilização de dinheiro público.

O discurso oficial, principalmente na última década, é de que o Estado deve se retirar de atividades tipicamente produtivas, para se dedicar, integralmente, ao atendimento das chamadas áreas sociais, como saúde, saneamento, educação e segurança pública. Discurso e prática caminharam em sentidos opostos. As estatais foram transferidas para mãos privadas, a preços vis e em leilões viciados, sem que se obtivesse qualquer ganho na atuação pública em setores que deveriam ser beneficiados após o programa de desestatização.

É que, na verdade, o mercado, verdadeiro beneficiário do processo de privatizações, não respeita limites entre o que é definido, comumente, como atividade produtiva ou social. O que lhe interessa é o que é, ou não, lucrativo. Não é o bem comum que define as relações entre a empresa privada e o público. É o lucro. E o lucro, como se sabe, não se pauta, necessariamente, pelo pudor. Não importa ao empresário capitalista se a atividade está ligada, por exemplo, à atividade siderúrgica, à petroquímica, à educação ou à saúde. Ele busca o lucro, independentemente do setor ou da atividade.

Isso significa que o programa de privatizações, imposto no chamado processo de globalização e gravado nos corações e, principalmente, nas mentes dos seguidores do tal Consenso de Washington, é muito mais abrangente que o teor e as prioridades defendidas no discurso oficial. O mercado busca o que dá lucro, independente da fonte.

Assim, qualquer atividade (chamem-na de produtiva ou social) que dá lucro, vai para os empresários capitalistas. As que não dão lucro, ao contrário, exigem despesas vultosas para atender a um número cada vez mais crescente de pessoas que não podem pagar, e que, portanto, não dão retorno financeiro, permanecem nas mãos do Estado.

O tal apartheid coloca, de um lado, quem pode pagar a medicina particular ou os planos de saúde cada vez mais inacessíveis. De outro, todo o restante da população, sem qualquer condição de arcar com despesas médicas e de laboratório, no aguardo da “dádiva” do atendimento público de plantão. Daí, os dois “Brasis”. Um, com níveis de vida próximos aos do primeiro mundo. Outro, de terceiro mundo, o das filas dos hospitais públicos e da escuridão do analfabetismo. Este último, totalmente dependente do Estado.

Mas, para que o Estado fosse privatizado, ele passou, antes, por um processo de desmonte. Endividado, e tendo de arcar anualmente com juros e encargos que beiram o limite do impagável, não conseguiu acompanhar as necessidades financeiras, ainda que elas se circunscrevessem às novas atribuições que lhe foram estipuladas na tal “cartilha” da modernização. O Estado, no que já foi denominado de “causação circular cumulativa”, passou a agir a reboque das necessidades, cada vez maiores e mais inatingíveis.

O resultado não poderia ser diferente: “pacientes” que se amontoam nos corredores de hospitais, em macas e camas improvisadas e subumanas, dezesseis milhões de brasileiros incapazes de escrever (ou ler) um simples bilhete, insegurança pública que mais se parece à de uma guerra civil não declarada.

É esse o quadro que tanto indignou o Dr. Jônatas dos Santos Andrade, Juiz do Trabalho que determinou a intervenção na saúde pública em Rondônia. A sua atitude, mais que a tentativa de correção de um caso estadual em que médicos e pacientes se juntam como vítimas da “enfermidade” da saúde pública, não lucrativa, relegada a um Estado desmontado e “falido”, é um grito de alerta contra a odiosa divisão social de um país que tem todos os requisitos para se tornar verdadeiramente democrático na distribuição de suas riquezas.

Urge, portanto, que o caso específico dos hospitais de Rondônia seja solucionado. Que se coloque para dirigir os destinos da saúde pública do Estado os profissionais mais qualificados e regidos pelos mais rígidos princípios éticos. Que os médicos recebam o necessário para honrar dignamente o juramento solene que prestaram diante da mesma população com a qual eles hoje se deparam com tamanha fragilidade. Que o caso de Rondônia e o de outros que povoam as páginas dos jornais sirvam de base para uma ampla discussão de um projeto de desenvolvimento nacional no seu sentido mais amplo, que inclua todos os brasileiros, na saúde, na educação, na segurança pública, na cidadania, enfim.

O Brasil exigiu mudanças, através das urnas. O novo governo inaugurou um novo discurso. É impossível um país com tamanhas riquezas permanecer refém de credores e da especulação financeira que solapa a nossa dignidade como cidadãos. Quem sabe os médicos de Rondônia tenham dado um passo decisivo para que o novo discurso se torne, efetivamente, uma prática. Não se pode permanecer inerte diante da dor de quem possui todos os direitos mais fundamentais cravados na Constituição do País, e que no seu nascedouro, foi chamada de “cidadã”. Não se pode permitir que irmãos, “iguais em tudo na vida”, sejam tratados como criaturas menores, na dor e na escuridão. Que se revejam as prioridades, porque não há nada mais importante que a vida humana, na sua plenitude!

Era o que eu tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/04/2003 - Página 6049