Discurso durante a 35ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Equívocos na implantação de programas sociais pelo governo federal.

Autor
Lúcia Vânia (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/GO)
Nome completo: Lúcia Vânia Abrão
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Equívocos na implantação de programas sociais pelo governo federal.
Aparteantes
Ana Júlia Carepa, Arthur Virgílio, Eduardo Azeredo, Eduardo Suplicy, Tasso Jereissati, Íris de Araújo.
Publicação
Publicação no DSF de 10/04/2003 - Página 7045
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, ESTRUTURAÇÃO, PROGRAMA, COMBATE, FOME, GOVERNO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, IMPORTANCIA, REAPROVEITAMENTO, CADASTRO, POPULAÇÃO CARENTE, CONTINUAÇÃO, PROGRAMA ASSISTENCIAL, GESTÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, REDUÇÃO, CUSTO, IMPLANTAÇÃO, PROGRAMA DE GOVERNO.
  • CRITICA, DECLARAÇÃO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO EXTRAORDINARIO DE SEGURANÇA ALIMENTAR E COMBATE A FOME, EXCLUSÃO, PARTICIPAÇÃO, PREFEITURA, IMPLANTAÇÃO, PROGRAMA, COMBATE, FOME, MUNICIPIOS.
  • OPOSIÇÃO, ATUAÇÃO, GOVERNO, CENTRALIZAÇÃO, PROGRAMA, COMBATE, FOME, DESRESPEITO, LEGISLAÇÃO, ASSISTENCIA SOCIAL.
  • ELOGIO, PROGRAMA ASSISTENCIAL, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, RECEBIMENTO, PREMIO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), RECONHECIMENTO, EMPENHO, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, POPULAÇÃO CARENTE.

A SRª LÚCIA VÂNIA (PSDB - GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nesses últimos três meses, tenho observado atentamente, nesta Casa, os debates sobre as questões que considero cruciais para o País. Dentre elas, uma me chamou atenção especial por envolver a abordagem que o Governo Lula tem dado aos problemas sociais brasileiros e, principalmente, à formatação de uma nova política pública para o setor.

Sr. Presidente, em particular, preocupa-me a notícia de que o Programa Fome Zero caminha para ser o guarda-chuva da área social, reduzindo em apêndices todos os programas de transferência de renda implantados pelo Governo Fernando Henrique Cardoso. Prevaleceriam, assim, no Governo petista, os benefícios vinculados à compra de alimentos. O motivo da apreensão não se refere apenas à incerteza que ainda envolve o Fome Zero, mesmo após quatro horas de sabatina, nesta Casa, do Ministro da Segurança Alimentar e Combate à Fome, José Graziano.

Não exponho apenas aqui a mera objeção por parte de uma Parlamentar que hoje está na Bancada da Oposição, até porque tenho uma experiência acumulada de 25 anos nesta área, o que me habilita a emitir uma avaliação técnica das mudanças apresentadas até o momento.

Além do mais, Sr. Presidente, quero aqui dizer que admiro o Presidente Lula, com quem tive o privilégio e a honra de compartilhar o início da minha vida parlamentar, em 1986, ambos eleitos Deputados Federais para a Assembléia Nacional Constituinte. E, por conhecê-lo, sei que Sua Excelência concorda que é preciso superar a demagogia, o improviso e a vaidade, se quisermos efetivamente construir um País mais humano e mais justo.

Sras e Srs. Senadores, a centralização dos programas da área social é um erro, da mesma forma que é um erro a focalização da iniciativa governamental em projetos de natureza meramente compensatória. Desafio qualquer especialista na área, mas com vivência em administração pública, a defender essa tese. Tanto isso é verdade que a descentralização está prevista na Constituição Federal, na seção que trata da assistência social, no Capítulo Da Seguridade Social. Eis o que diz o art. 204, no seu inciso I:

Art. 204. As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes e organizadas com base nas seguintes diretrizes:

I - descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social.

            Insisto, Sr. Presidente, que a melhor fonte de idéias para novos projetos tem que ser a experiência. Se uma série de vazamentos surgir numa represa, há várias providências possíveis. O impulso inicial do leigo é tampar um buraco atrás do outro e esperar que a situação se resolva. Outra abordagem mais sensata é parar para pensar, localizar a fonte de vazamentos e corrigir a falha na raiz. Foi isto que fizemos nesses últimos anos: paramos para pensar, aprovamos uma legislação para nortear as políticas públicas do setor e criamos programas que já foram testados no Governo Fernando Henrique, muitos com sucesso inquestionável. Não podemos desprezar essa experiência, seria um retrocesso para o País, com efeitos negativos para a população mais carente, na qual foi criada uma grande - e por que não dizer - desmedida expectativa.

Não tenho a intenção de fazer aqui um rosário de críticas, mas de colaborar com o acerto do Governo, principalmente, por conhecer o funcionamento e a estrutura da máquina federal e o potencial dos municípios em formar parcerias para beneficiar a população. Afinal, Srs. Senadores, é no Município que as pessoas vivem e os projetos acontecem. Por isso, considero equivocada a determinação do Ministro José Graziano de afastar as prefeituras do trabalho de refazer o cadastro único, com mais de cinco milhões de famílias, ou seja, 25 milhões de pessoas, cadastro esse que serviu de base para os programas sociais do Governo passado.

Também surpreende a notícia de que o Governo deixará de fora a ajuda das prefeituras para implantar o Fome Zero. Aliás, nesta questão, há um desencontro entre o desejo do Ministro e a vontade do Presidente Lula. Há duas semanas, por exemplo, o próprio Presidente pediu aos prefeitos que estivessem à frente do Programa Fome Zero. Fica, portanto, difícil saber realmente como vai ser conduzido esse processo em meio a tantas contradições.

Se o cadastro herdado contém falhas - e as tem - essas falhas precisam ser corrigidas, mas o trabalho não pode ser desprezado. Foi um investimento de tempo e de recursos públicos pelos quais temos a obrigação de zelar. Afinal, a construção do cadastro único consumiu tempo e dinheiro. No mínimo, iremos gastar outro tanto de recursos para refazê-lo.

Há um reconhecimento, até pelos segmentos do próprio Governo, da validade das informações contidas nesse cadastro, principalmente dos dados originados no Ministério da Saúde. Não é para menos. Os dados foram coletados pelos agentes comunitários de saúde, programa de completo sucesso, com repercussão, inclusive, na redução da taxa de mortalidade infantil no País. São 160 mil agentes comunitários de saúde - e é bom que se diga aqui - recrutados pelas prefeituras, que atuam nas comunidades mais pobres, entre elas a zona rural, e conferindo pessoalmente a vulnerabilidade das famílias.

Quando chegamos ao Governo, encontramos uma área social fragmentada, desacreditada e corroída pela corrupção. No início dos anos 90, a atividade/meio consumia três vezes mais recursos do que a atividade/fim, isto é, gastava-se três vezes mais para operar um programa do que o recurso que chegava ao beneficiário.

Os órgãos federais como LBA, CBIA e outros, responsáveis pela assistência social, executavam projetos nos Estados e Municípios independentes dos governadores, em uma superposição total de funções. Esse diagnóstico foi feito pelos principais profissionais da área e serviu de base para a elaboração da Lei Orgânica da Assistência Social, sancionada pelo Presidente Itamar Franco em 1993 e regulamentada no Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso em 1996.

A Lei Orgânica da Assistência Social, conhecida como Loas, foi um importante passo que demos para criar condições de sobrevivência para os brasileiros que eram até então marginalizados. Deu-se organicidade à assistência social.

Pela primeira vez na história deste País, o deficiente físico e mental com deficiência severa e profunda e o idoso a partir dos 67 anos passaram a receber um benefício de um salário mínimo. Hoje um milhão e setecentas mil pessoas recebem esses benefícios.

Pela primeira vez na história deste País, retirou-se a assistência social da caridade, da troca e do favor para transformá-la em uma política pública. Houve, de fato, incontestável mudança de comportamento e os conselhos municipais foram a principal inovação. Com eles, projetos sociais deixaram de ser criados de cima para baixo para serem formulados na comunidade local. Em nossa história, nunca houve uma participação tão ativa da sociedade civil. Formados paritariamente por membros do Poder Público municipal e da sociedade, os conselhos têm a incumbência de estabelecer, de localizar as entidades que irão executar os projetos sociais e, acima de tudo, de fiscalizar o uso dos recursos públicos.

A Srª Iris de Araújo (PMDB - GO) - Permite-me V. Exª um aparte, eminente Senadora Lúcia Vânia?

A SRª LÚCIA VÂNIA (PSDB - GO) - Pois não, Senadora. Antes, porém, gostaria de concluir meu raciocínio. Posteriormente, conceder-lhe-ei o aparte.

A Srª Iris de Araújo (PMDB - GO) - Perfeitamente.

A SRª LÚCIA VÂNIA (PSDB - GO) - É inegável, Sr. Presidente, que a Loas é uma marca da solidariedade do povo brasileiro e só deve ser mudada para ser mais justa, e isso sinceramente não parece estar acontecendo.

O princípio básico dessa lei repousa na descentralização. A partir do momento em que volta a definir e centralizar todas as ações em um único programa o atual Governo afasta os Municípios e as comunidades da discussão, sem falar no aumento dos custos da execução dos projetos.

No passado, todo programa que nasceu dessa forma foi fadado ao insucesso, além de manter a comunidade sempre passiva, à espera de repasse de recursos.

A experiência acumulada após a criação da Loas permitiu encontrar alternativas para o crescimento local e propiciou a centenas de prefeituras tornarem-se auto-suficientes.

Nesse sentido, quero aqui destacar matéria publicada neste final de semana na Folha de S.Paulo, a qual apontou um trabalho desenvolvido na prefeitura de Roraima pela prefeita Teresa Jucá, que, interpretando a vocação local, elaborou uma série de projetos e os tornou inteiramente auto-sustentáveis. Quero ressaltar aqui a importância do Programa Comunidade Ativa e do Comunidade Solidária, que se empenharam em mobilizar os prefeitos municipais e fazer com que entendessem a importância da prestação de contas, da elaboração de um plano diretor e de projetos que atendessem a vocação de cada Município.

Convém lembrar que em 1995 criou-se a Rede de Proteção Social, que envolvia e coordenava pelo menos 12 programas federais, cujas ações estavam voltadas para os brasileiros mais pobres entre os mais pobres. Os recursos para tanto em 2002 ultrapassavam trinta bilhões de reais, ou seja, mais do que o Governo recebeu do Imposto de Renda das pessoas físicas e jurídicas.

Para se ter uma idéia e se fazer uma comparação, no Fundo Nacional de Combate à Pobreza está prevista quantia de quatro bilhões de reais, quantitativo bem inferior ao que foi gasto pelo Governo na Rede de Proteção Social.

Dentro dessa rede de proteção quero aqui destacar e alertar as autoridades para a importância de um projeto que se tornou símbolo do Governo passado, símbolo das comunidades carentes: o Projeto Alvorada, um exemplo bem-sucedido na área social e cujos resultados contribuíram para a premiação da ONU ao ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, por colocar o desenvolvimento humano no centro da agenda política.

Ressalto do comunicado quando do anúncio da escolha pela ONU a afirmação de que o desenvolvimento é muito mais que aumentar a renda nacional. Também é um processo de ampliar as escolhas das pessoas, criar um ambiente onde possam desenvolver seu potencial e participar das decisões que diretamente as afetam.

Para implantar o Projeto Alvorada, o Governo Federal buscou parceria com os Governos estaduais, com as Prefeituras e a sociedade organizada. Foram articuladas 17 ações sociais, com impacto direto nas áreas mais vulneráveis do País. São projetos como:

- apoio à agricultura familiar;

- erradicação do trabalho infantil;

- Bolsa-escola;

- Saúde da Família;

- Bolsa-alimentação;

- saneamento básico;

- desenvolvimento turístico da região.

Para executar esses projetos, os Municípios escolhidos foram os mais vulneráveis do País, onde vivem cerca de 32 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza. O indicador usado para medir o grau de desigualdade foi o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), escolhido devido a sua aceitação internacional como indicador síntese do desenvolvimento social, superando outros que se apóiam em uma visão meramente econômica. No total, o programa chegou a 2.361 Municípios em 23 Estados da Federação.

O Projeto Alvorada era um instrumento de integração de famílias e comunidades, gerando emprego e renda, mas envolve a administração pública no momento em que estabelece uma contrapartida, não apenas do Município, para sua execução, mas também dos próprios beneficiados.

Lamentavelmente, até mesmo as contrapartidas dos programas, que sempre foram instrumentos de combate à exclusão social, estão sendo revistas pelo atual Governo. No Cartão-alimentação, por exemplo, que acaba de ser criado, não foram definidas contrapartidas como:

- a comprovação da freqüência às aulas;

- a vacinação das crianças;

- a presença dos pais nos programas de geração de renda.

Sr. Presidente, ainda que nem todas as ações do Governo Fernando Henrique tenham ganhado novos desenhos, o fato é que houve uma renovação na política pública desenvolvida pela área social.

Todos os programas tiveram uma fase de implantação, de crítica e de aperfeiçoamento. Além disso, formas adequadas de redistribuição de recursos públicos foram implantadas, como o Fundef, que é a articulação entre os Orçamentos das três esferas de Governo: Federal, Municipal e Estadual. O Fundef, sem dúvida nenhuma, foi a grande conquista da Educação. E, ao lado do Fundef, com o mesmo objetivo, agora na Saúde, a Emenda nº 29. Ambos propiciaram o desenvolvimento dos Municípios e de suas comunidades.

A descontinuidade desses programas e projetos, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é um retrocesso, é a volta aos vícios do passado, que foram superados.

O que temos hoje são avanços expressivos, que não podem ser desprezados, sob pena de prejudicar milhares de famílias carentes, que estavam participando desses projetos e que ainda podem ser beneficiadas, desde que retomemos a discussão da área social.

Todos nós, parlamentares e Governo, temos que ser coerentes com o compromisso que assumimos nas urnas. E todos nós assumimos compromisso com as populações mais carentes deste País; não o compromisso de gerar aqui programas assistencialistas ou compensatórios, mas de, juntos, ajudarmos a construir uma cidadania para o nosso povo.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Concede-me V. Exª um aparte?

A SRª LÚCIA VÂNIA (PSDB - GO) - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Senadora Lúcia Vânia, primeiramente, cumprimento V. Exª por trazer a este Plenário o fruto da sua experiência quando esteve à frente da Secretaria de Assistência Social do Ministério da Previdência e Assistência Social, hoje desmembrado, e também por fazer uma importante reflexão relativa às experiências havidas nos últimos anos. Em verdade, V. Exª acompanhou de perto a primeira fase dos oito anos do Governo Fernando Henrique Cardoso, que transformou bastante a visão de V. Exª quanto àquilo que deveria ser forma de transferência de renda. Porém, nos primeiros quatro anos, houve em boa parte transferência de bens alimentícios. Basta lembrar que, em 1995, o Governo Fernando Henrique Cardoso estava distribuindo cerca de três milhões de cestas básicas e, quatro anos depois, mais de 30 milhões. Verificou-se, pela enésima vez, que grupos de interesse muito fortes se formavam para fornecer aqueles bens alimentícios. Por mais de uma vez, o próprio Governo disse: “Essa Diretoria - por exemplo, da Conab - precisa ser afastada, porque outra vez envolveu-se com práticas de superfaturamento”. E foi então que, ao final da década de 90, o Presidente Fernando Henrique Cardoso falou: “Não, é melhor fazer a transferência de renda através do dinheiro propriamente, fazendo-o chegar às famílias carentes, para que elas próprias, então, decidam como gastá-lo”. Assim estaria estimulando mais adequadamente o comércio local de cada uma das regiões do País, às vezes distantes, deixando para a própria organização econômica de cada localidade o transporte dos bens. Também estaria estimulando a produção local, em vez da aquisição em Brasília de grande quantidade de bens, que depois teriam que ser transportados, às vezes com a ajuda do Exército. Então, esse foi um estágio de aprendizado do Governo brasileiro. O Governo Fernando Henrique Cardoso, sobretudo nos seus últimos quatro anos, mas já desde o primeiro mandato, desenvolveu uma série de programas. Se levantarmos todos eles, inclusive aqueles que já existem desde 1988 pela nova Constituição, pela regulamentação da Lei Orgânica da Assistência Social, e mais os que já havia, relativos à transferência para os beneficiários do PIS-Pasep, temos, em verdade, mais de 15 programas de transferência de renda. Eu contabilizei mais de quinze. Há o Bolsa Escola, o Bolsa Alimentação, o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, o Bolsa Renda, o Agente Jovem, o 14º salário do PIS/Pasep, o Seguro-Desemprego, e assim por diante. Assim, está na hora, tanto daqueles que participaram do Governo Fernando Henrique, com a experiência de V. Exª, tanto no Executivo quanto no Legislativo, e também em Goiás, e de todos nós que somos a base do Governo e do Poder Executivo analisarmos em profundidade os méritos, os aspectos positivos e negativos, as vantagens e desvantagens desses programas, porque fizeram com que famílias, umas vizinhas a outras, passassem a ter direitos diferentes neste País. Senadora Lúcia Vânia, precisamos caminhar na direção não de ver tais programas de transferência de renda como qualquer favor ou assistência que uma pessoa precisa ter, mas no sentido de que cada brasileiro faça parte e seja sócio deste País; que não vejamos isso como um favor, mas como um direito inalienável de participar da riqueza da Nação.

(O Sr. Presidente Magno Malta faz soar a campainha.)

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Este debate vai longe e não vou abusar, uma vez que o Presidente me chama a atenção. Cumprimento V. Exª por nos convidar a uma reflexão de avaliação dos programas que não podem ser, de uma hora para outra, desativados. Todos eles merecem ser adequadamente avaliados para caminharmos na direção do melhor desenho possível. E V. Exªs. sabem que propugno para que venhamos a ter o direito inalienável de uma renda básica de cidadania a todos. Meus cumprimentos.

A Srª Iris de Araújo (PMDB - GO) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. PRESIDENTE (Magno Malta) - Senadora Iris, eu gostaria de pedir aos aparteantes - e quem sou eu para chamar a atenção do Senador Suplicy, sou um neófito e quero aprender com V. Exª - que fossem breves, dois minutos, para que os outros oradores tenham condição de falar.

A SRª LÚCIA VÂNIA (PSDB - GO) - Em primeiro lugar, eu gostaria de pedir desculpas à Senadora Iris, que tinha pedido o aparte primeiro. Vou responder ao Senador Suplicy, Senadora Iris, e posteriormente passarei a palavra a V. Exª.

Senador Eduardo Suplicy, na minha fala, eu disse que paramos para pensar; refletimos. No primeiro período do Governo Fernando Henrique, distribuímos cestas básicas, mas sabíamos que aquele não era o caminho. V. Exª contribuiu muito com o Programa de Renda Mínima. V. Exª sabe que sou uma entusiasta do seu projeto. No entanto, eu esperava que o Governo do PT viesse a adotar o seu projeto, que estaria muito mais próximo do nosso, e que não perdêssemos o grande esforço feito com esses programas de transferência de renda.

Outro ponto importante que tem sido muito mencionado pelo PT é que há uma pulverização de projetos por todos os ministérios. Veja V. Exª que no antigo Ministério da Ação Social imperava a corrupção e a centralização. Prefeitos precisavam vir até aqui de prato na mão a fim de conseguir alguns recursos. Foi extinto esse ministério. Os programas referentes à educação, saúde, assistência, agricultura, permaneceram em seus respectivos ministérios. Mas havia na Secretaria Nacional de Assistência Social um grupo de pessoas que coordenava todos os programas, pois eram executados nos Municípios e não aqui. Essa é a visão mais moderna para se aplicar programas sociais.

De qualquer forma, eu gostaria de dizer a V. Exª que nosso trabalho aqui é no sentido de colaborar. Não venho fazer um rosário de críticas, mas colocar a experiência a serviço do País. O PT necessita de um pouco de humildade, de parar e pensar, de agir como agiu na área econômica. Que aproveite o que deu certo. Dessa forma, tenho certeza que o País sairá ganhando.

Concedo o aparte à nobre Senadora Iris de Araújo.

            A Srª Iris Araújo (PMDB - GO) - Senadora Lúcia Vânia, como há outros aparteantes, eu não me dirijo a V. Exª com a intenção de entrar no mérito do seu pronunciamento. Logicamente nós divergimos, mas trilhamos os mesmos caminhos no passado, como primeiras damas do nosso Estado, embora em circunstâncias diferentes. No momento em que V. Exª assume esta tribuna para fazer um pronunciamento tão denso, eu não poderia deixar de me congratular com esta goiana que trabalha com muito empenho, o que eu devo reconhecer, apesar, logicamente, volto a dizer, das nossas diferenças políticas. Eu gostaria de parabenizá-la e de desejar, Senadora Lúcia Vânia, que o seu trabalho no Senado seja coroado de todo o sucesso, porque sei que, apesar dessas diferenças, temos um ponto em comum: o amor ao povo do nosso Estado.

            A SRª LÚCIA VÂNIA (PSDB - GO) - Eu agradeço as palavras gentis de V. Exª, Senadora Iris, e quero também dizer que a sua atuação no Senado também engrandece a mulher brasileira e a mulher goiana. Tenho certeza que o Estado de Goiás ganha com a sua presença nesta Casa.

            O Sr. Eduardo Azeredo (PSDB - MG) - Senadora Lúcia Vânia, V. Exª me permite um aparte?

            A SRª LÚCIA VÂNIA (PSDB - GO) - Com prazer, nobre Senador Eduardo Azeredo.

O Sr. Eduardo Azeredo (PSDB - MG) - Senadora Lúcia Vânia, quero cumprimentá-la pelo seu discurso ponderado, sereno, objetivo. Essa é uma preocupação que devemos ter. Nós fomos eleitos para representar o povo brasileiro. É evidente que a política se faz no Parlamento com discursos, negociações, reuniões, mas com um objetivo que deve ser permanentemente perseguido, que é o objetivo de ações. V. Exª coloca com muita clareza as ações empreendidas pelo Governo Fernando Henrique Cardoso na área social. O Governo do Presidente Lula dará realmente uma prova de grandeza na medida em que der continuidade a projetos que deram certo, ou a projetos que não deram tão certo assim, mas que podem ser modificados. Não podemos ter mais no Brasil, em respeito ao recurso público, a mania de abandonar projetos porque foram de adversários, ou a mania de renomear alguns projetos, um que se chamava A agora passa a se chamar B. O discurso que V. Exª faz é muito pertinente, adequado a este momento. Um discurso, volto a dizer, sereno. E serena deve ser nossa atuação no Senado Federal na busca de melhorias para o povo brasileiro. Os projetos sociais que foram listados são verdadeiros, como o Projeto Alvorada, o Projeto Bolsa Escola, o Bolsa Alimentação. Eles não podem ser, de maneira nenhuma, abandonados. Tenho certeza de que isso não acontecerá. Volto a dizer que será uma demonstração de grandeza do Governo atual na medida em que der continuidade a eles. Meus parabéns.

A SRª LÚCIA VÂNIA (PSDB - GO) - Agradeço ao Senador Eduardo Azeredo, que coloca a sua experiência de governador a serviço desta Casa, com sua ponderação, com sua sensatez. Tem sido para mim um prazer enorme tê-lo como companheiro de Bancada e principalmente poder aprender muito com seu jeito mineiro de ser. Muito obrigada.

O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª LÚCIA VÂNIA (PSDB - GO) - Ouço V. Exª com muito prazer.

O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - Senadora Lúcia Vânia, V. Exª fez um discurso da mais alta seriedade. Isso não surpreende, é coerente com a vida pública de V. Exª. Eu dizia ao Senador Sérgio Guerra que é um discurso para nós, do PSDB, incorporarmos e o levarmos às nossas bases, pronunciado com sua voz tranqüila, com sua postura sóbria. Ele é uma prestação de contas de alguém que ajudou a fazer algo de muito concreto pelo social neste País. Tenho a honra e orgulho de pertencer ao Partido de V. Exª. Se eu pertencesse ao Partido do Governo ou a algum dos Partidos que porventura componham a base de apoio ao Presidente Lula, eu ouviria seu discurso com muita atenção, com muito respeito, com muita humildade. Não consigo imaginar que alguém faça um governo bom com arrogância, sem humildade, imaginando que sabe tudo, que a roda não foi inventada, que é possível reinventá-la. Tenho a impressão de que esse seu discurso deve ser enviado para o Dr. José Graziano, Ministro da Segurança Alimentar, para que ele perceba as experiências vividas por um Governo que, durante oito anos, teve idas e vindas, teve acertos e equívocos; teve em V. Exª um esteio e tem no seu discurso isso, a meu ver, uma bússola, mostrando os resultados de uma experiência muito intensa. V. Exª encheu os meus olhos. Tenho a impressão de que qualquer pessoa humilde e séria de um Governo que é cheio de pessoas humildes e sérias, como imagino que seja o Governo do Presidente Lula, haverá de dar importância e acatar o ensinamento de uma especialista em matéria social como é a Senadora Lúcia Vânia. Muito obrigado.

A SRª LÚCIA VÂNIA (PSDB - GO) - Agradeço ao Líder Arthur Virgílio. Quero dizer a V. Exª que suas palavras, sem dúvida alguma, me enchem de orgulho, mesmo porque V. Exª tem procurado, aqui nesta Casa, representar bem o nosso Partido, numa postura é oposicionista, mas franca, sincera, leal e competente. Portanto, suas palavras são palavras de estímulo e, sem dúvida nenhuma, são palavras que vão ajudar a nortear nosso trabalho para o futuro.

Muito obrigada.

Concedo o aparte ao Senador Tasso Jereissati.

O Sr. Tasso Jereissati (PSDB - CE) - Senadora Lúcia Vânia, assim como todos os nossos companheiros, foi com muita alegria e satisfação que ouvimos seu discurso exposto de uma maneira tão profunda, tão equilibrada e tão sensata. O Senador Arthur Virgílio disse que o nosso Partido deveria incorporar seu discurso. Vou mais longe: acho que o Governo deveria incorporar o seu discurso. É sempre importante lembrar - e sempre repeti isso em todas as oportunidades que tive, sem nenhum tipo de paixão ou de parti pris na questão - que o Governo Fernando Henrique, se verificarmos os resultados dos índices sociais, alcançou avanços notáveis. E eu pediria aqui licença para puxar brasa, um pouquinho, para a minha sardinha: o Ceará foi o Estado cujo IDH cresceu mais neste País e teve um aumento fantástico de seu IDH - Índice de Desenvolvimento Humano, irrefutável, feito por órgãos independentes. E um dos programas, o Programa Alvorada, por exemplo, nasceu com o nome - lembrava aqui o Senador César Borges, numa reunião da qual os Governadores mais pobres participaram - IDH 7, se não me engano, e depois se chamou IDH12 ou IDH10, o qual foi considerado nome de remédio e mudou. V. Exª teve uma participação fantástica, desde o início do Governo, na elaboração desses projetos sociais. Destruir ou ignorar todos esses programas que estão em andamento e que têm, mais do que tudo, alcançado resultados concretos muito bons é de uma insensatez tremenda. E sensatez V. Exª teve, inclusive falando que foram se aprimorando, durante os oito de Governo, os projetos, da maneira como eram feitos, mais ou menos descentralizados entre os Ministérios, entre a União e os Municípios. Isso foi formatando esse programa nos últimos anos, nos últimos dias de Governo. Portanto, para o Governo Lula, que tem o objetivo - e acredito nisso sinceramente, pois está na própria história do Presidente Lula - alcançar avanços sociais gigantescos para este País, ouvir o discurso de V. Exª seria fundamental para que Sua Excelência alcançasse resultados imediatos. Tenho me preocupado e dito algumas vezes, em relação ao Ministro José Graziano, que em algumas coisas está sendo feito um retrocesso, como V. Exª mencionou aqui. Tenho certeza de que seria excelente para o País que essa visão fosse reformada. Hoje mesmo, se não me engano, li uma entrevista do Presidente Lula, o qual dizia que o saneamento precisa ser tratado com mais carinho. E não entendi! Será que o Presidente não está sendo informado de que todos os projetos de saneamento básico que estavam na programação justamente nos Municípios mais pobres, onde mais se precisa de saneamento, foram suspensos. Se Sua Excelência tivesse ouvido o discurso de V. Exª, por exemplo, com certeza isso não estaria acontecendo, porque Sua Excelência não permitiria, pelo que depreendi da entrevista a que assisti hoje. Portanto, quero parabenizá-la, dizendo que fico muito feliz por pertencer ao seu Partido e por ouvir, de uma companheira, um discurso dessa qualidade. Estou vendo dois Senadores do Partido do Governo que têm a mesma vontade, o mesmo desejo de melhorias na ação social. Que S. Exªs levem ao Governo o seu discurso com a mesma sensatez, que o ouçam e conversem, troquem idéias, pois isso não faz mal a ninguém. Meus parabéns.

A SRª LÚCIA VÂNIA (PSDB - GO) - Agradeço o aparte do Senador Tasso Jereissati. O trabalho de V. Exª no Ceará foi, sem dúvida, a inspiração, a semente de todo o trabalho social deste País. Foi V. Exª quem deu o primeiro passo para a redução da taxa de mortalidade infantil no Nordeste. Nós nos orgulhamos da forma séria, tranqüila, como V. Exª administrou aquele Estado. Pude ver de perto os trabalhos sociais e seus resultados no Estado. 

Muito obrigada por suas palavras.

A Srª Ana Júlia Carepa (Bloco/PT - PA) - V. Exª me concede um aparte, Senadora Lúcia Vânia?

A SRª LÚCIA VÂNIA (PSDB - GO) - Pois não, Senadora Ana Júlia.

A Srª Ana Júlia Carepa (Bloco/PT - PA) - Nobre Senadora, não tenho nenhuma dúvida de que V. Exª tem um compromisso imenso com o serviço social e com as políticas públicas de assistência social. V. Exª faz um pronunciamento defendendo esse ponto de vista e o respeito. E não tenho nenhuma dúvida também de que o Governo anterior, e refiro-me particularmente ao Governo de Fernando Henrique, realmente tentou uma série de políticas compensatórias, é verdade, uma série de política sociais, uma série de tentativas de compensar, por exemplo, o desastre que foi a sua política econômica, que jogou mais de 40 milhões de brasileiros a uma condição de vida considerada abaixo da linha da pobreza. Se bastasse manter tudo da mesma forma, o povo não teria votado para mudar, o que não quer dizer que não se deva aproveitar tudo de bom que existe. Pelo contrário, e falo isso muito à vontade, como quem já relatou, sendo Vereadora da Oposição, projeto do Poder Executivo dando parecer favorável, porque não vejo a autoria, mas, sim, o mérito da proposta. Afinal de contas, lembro o exemplo do nosso Ministro da Educação, nosso Colega Senador Cristovam Buarque, jamais poderíamos deixar de lado o Programa Bolsa-Escola, até porque, aqui em Brasília, onde foi implementado, tornou-se um exemplo para todo o País. Logo depois disso, o próprio Governo adotou um programa que é positivo e que achamos muito bom. Agora, sem dúvida, também problemas ocorreram. As expansões desses programas aconteciam, coincidentemente, em períodos pré-eleitorais. Apenas para V. Exª ter uma idéia, Senadora Lúcia Vânia, dos trezentos primeiros Municípios atingidos pelo Programa Fome Zero, nenhum é governado pelo Partido dos Trabalhadores, exatamente porque se utilizou o Índice de Desenvolvimento Humano, a que ainda há pouco o Senador se referiu. Esse foi o critério. São positivas as contribuições de V. Exª. Particularmente, penso que algumas questões que V. Exª apresentou são passíveis de reflexão, como a da alimentação. Quero dizer que o Programa de Segurança Alimentar não foi feito agora, em cima da hora, mas foi discutido há dois anos, com entidades. Ele não foi criado da noite para o dia. Na verdade, agradeço a V. Exª, mas digo que também há um programa diferenciado. Foi por essa proposta, inclusive, que a população brasileira fez a sua opção.

A SRª LÚCIA VÂNIA (PSDB - GO) - Agradeço a V. Exª, Senadora Ana Júlia Carepa, o aparte. Mas digo a V. Exª que esse programa não pertence ou não pertenceu apenas ao Governo Fernando Henrique. Ele foi discutido com a sociedade civil, e o Partido de V. Exª participou ativamente de todas as conferências que fizemos durante os oito anos do Governo passado.

Em relação ao aspecto eleitoreiro, posso citar para V. Exª a Capital do meu Estado, que é administrada por um Prefeito do PT. S. Exª fez o cadastro do Bolsa-Escola. Tem erros, como todos os outros têm, porque a escola, infelizmente, apesar de todo o esforço que fizemos, ainda está distanciada da comunidade. Às vezes, a família da criança que está na escola não é tão pobre quanto uma família que não tem uma criança na escola. Então, a distorção não foi eleitoreira, a distorção que há é muito mais em relação à metodologia. A Saúde cadastrou, e vocês adotam o cadastro da Saúde. Mas por quê? A Saúde vai de casa em casa e consegue isso.

No mais, quero dizer que, sob o ponto de vista econômico, acredito que o Partido de V. Exª tem sido ufanista em tocar para frente aquilo que foi deixado. Só espero que seja ufanista na área social também.

Sr. Presidente, para encerrar, quero dizer da minha satisfação em poder colaborar com o meu País, com o meu Partido e com as Sras e os Srs. Senadores. Estarei sempre aqui, atenta, observando e procurando aprender cada vez mais, mas tendo a humildade de reconhecer aquilo que porventura não colocamos bem. Mas penso que o mais importante na vida do ser humano é estar aberto para sugestões e reciclar aquilo que, porventura, não esteja correto.

Muito obrigada a todos. Muito obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/04/2003 - Página 7045