Discurso durante a 26ª Sessão Especial, no Senado Federal

INTERPELA O SR. ANTONIO PALOCCI, MINISTRO DE ESTADO DA FAZENDA, SOBRE A REFORMA TRIBUTARIA.

Autor
Aloizio Mercadante (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Aloizio Mercadante Oliva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA TRIBUTARIA.:
  • INTERPELA O SR. ANTONIO PALOCCI, MINISTRO DE ESTADO DA FAZENDA, SOBRE A REFORMA TRIBUTARIA.
Publicação
Publicação no DSF de 29/03/2003 - Página 5252
Assunto
Outros > REFORMA TRIBUTARIA.
Indexação
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, ANTONIO PALOCCI, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), MELHORIA, SITUAÇÃO, ECONOMIA NACIONAL, REDUÇÃO, DEFICIT, CONTENÇÃO, FINANCIAMENTO, EMPRESTIMO EXTERNO, DEFESA, POLITICA, REFORÇO, EXPORTAÇÃO, AUMENTO, PARTICIPAÇÃO, EMPRESA NACIONAL, MERCADO EXTERNO.
  • DEFESA, UNIFICAÇÃO, IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS (ICMS), SIMPLIFICAÇÃO, LEGISLAÇÃO, DESBUROCRATIZAÇÃO, OPERAÇÃO, NATUREZA TRIBUTARIA, APOIO, PROPOSTA, MINISTRO, REDUÇÃO, TRIBUTAÇÃO, FOLHA DE PAGAMENTO, COMBATE, ECONOMIA INFORMAL, AUMENTO, CONTRIBUIÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL.
  • CRITICA, SUGESTÃO, CRIAÇÃO, IMPOSTO UNICO, CONTRIBUIÇÃO PROVISORIA SOBRE A MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA (CPMF), REFERENCIA, CRISE, PAIS ESTRANGEIRO, ARGENTINA, MANIFESTAÇÃO, APOIO, PROPOSTA, MINISTRO, IMPLEMENTAÇÃO, PROGRESSÃO, VALOR, IMPOSTO DE RENDA.
  • EXPECTATIVA, ATUAÇÃO, ANTONIO PALOCCI, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), EFICIENCIA, EXECUÇÃO, REFORMA TRIBUTARIA, SIMPLIFICAÇÃO, SISTEMA TRIBUTARIO, BRASIL, REDUÇÃO, CUMULATIVIDADE, AUMENTO, EXPORTAÇÃO, MODERNIZAÇÃO, ECONOMIA NACIONAL.

O SR. ALOIZIO MERCADANTE (Bloco/PT - SP.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, queria, inicialmente, saudar o Ministro Antônio Palocci Filho não apenas pela exposição consistente, mas, sobretudo, pela gestão serena, equilibrada, competente, que tem permitido ao País benefícios absolutamente visíveis e substanciais na área macroeconômica e na evolução da economia, num cenário externo muito adverso, em meio a uma guerra, tendo herdado um crise financeira internacional e um País extremamente vulnerável do ponto de vista das contas externas e fragilizado do ponto de vista das suas contas públicas e ainda agredido por uma inflação excessivamente elevada para o esforço de estabilização que foi empreendido.

No entanto, hoje estamos aqui, depois de um pouco mais de 80 dias de governo. O déficit de transações correntes já vinha caindo e era o núcleo do modelo neoliberal anterior, porque é por onde se gera a dependência de capital externo, a necessidade de financiamento de novo capital. Esses empréstimos foram sendo financiados pelas privatizações, pela desnacionalização da economia e pelos juros altos.

No final de 2001, o déficit de transações correntes era de US$24 bilhões e, em 1998, chegou a US$34 bilhões; no início do Governo Fernando Henrique Cardoso, era de apenas US$1,7 bilhões e, agora, está caminhando para algo em torno de US$5 bilhões. Ou seja, o Brasil está diminuindo a necessidade de financiamento externo, por isso não precisa mais continuar privatizando, nem desnacionalizando a economia.

É verdade que, para fazer esse ajuste, é necessária não apenas a taxa de câmbio, mas uma política exportadora agressiva, uma nova política de financiamento para as exportações, para a cadeia produtiva exportadora, algo que impulsione a pequena e a microempresa a participarem do mercado externo, substituindo-se importações, para dar consistência à superação dessa crise cambial.

À medida que a taxa de câmbio vem cedendo, benefícios inestimáveis têm sido observados em relação à dívida pública, e a própria inflação começa a ceder. Como consolidar esse movimento que V. Exª tem o papel fundamental de imprimir ao País? Enfrentando problemas estruturais que estão acumulados, com coragem e determinação, particularmente a reforma previdenciária, que foi discutida aqui, em primeiro lugar, porque é prioridade deste Governo.

Neste ponto, quero dialogar, de forma muito franca, com o ilustre Senador Tasso Jereissati, um dos Líderes da Oposição ao Governo.

V. Exª vem à tribuna e diz: a reforma tributária é uma matéria tão complexa, tão difícil, que o único caminho que o País tem é a inércia; mantém-se tudo como está, porque não é possível mudar.

Ora, esse foi o discurso, durante oito anos, do Ministro da Fazenda e do competente Secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, que trouxe contribuições inestimáveis a este País, mas, do ponto de vista da reforma tributária, foi, diria, absolutamente tímido e não demonstrou nenhum esforço criativo, para enfrentarmos uma matéria que é, sim, como V. Exª disse, complexa, porque gera um conflito de interesses entre Municípios, Estados e União, entre o setor privado, entre os assalariados.

No entanto, nós somos eleitos pelo povo para administrar os conflitos. O pacto federativo não é outra coisa senão acomodar as diferenças, conviver com elas, diminuir o desequilíbrio regionais, e a instância da Federação privilegiada por essa gestão é este Plenário, o Senado Federal.

Assim, o que quero afirmar nesta Casa é que, mesmo num cenário de grave fragilidade financeira, com toda a vulnerabilidade herdada, há um caminho para a reforma tributária, promissor, necessário, urgente e inadiável, e acho que o Ministro aponta para esse caminho.

Em primeiro lugar, a criação do IVA* - Imposto sobre Valor Agregado, que unificará 27 Códigos Tributários. Cada Código Tributário no Estado tem entre 1.000 e 1.200 páginas. Isso é irracional economicamente, burocratiza a vida das empresas, permite o planejamento da sonegação fiscal. E há experiência: a Europa criou um único IVA para um continente que opera um PIB de US$10 trilhões, um único imposto entre nações. O nosso pacto federativo tem que caminhar para um único tributo; o ICMS tem que ser unificado - eu diria - em torno de cinco alíquotas, dando-se espaço e autonomia tributária aos Estados, mantendo-se, portanto, aquilo que a Constituição assegura aos entes federativos, mas simplificando-se a legislação, desburocratizando-se. Esse é um passo de racionalização fundamental para evoluirmos numa nova estrutura tributária.

E mais: assisti ao depoimento do Governador Lúcio Alcântara na reunião dos Governadores. O apoio dos 27 Governadores significa a possibilidade de aprovarmos isso, para que se crie o ICMS único nacional.

Em segundo lugar, o Ministro traz a proposta de reduzir a tributação sobre a folha de pagamentos, que hoje está em torno de 20%, ou seja, de reduzir e transferir essa carga tributária para o valor adicionado, que é o fato gerador, segundo a literatura tributária, internacional, mais adequado, mais racional, economicamente, mais apropriado para os tributos. Então, nós a reduziríamos, de forma progressiva, em 10%, provavelmente.

Ora, isso significa estimular o emprego formal. Mais da metade da classe trabalhadora está na economia informal, sem qualquer direito previdenciário. Quarenta milhões de brasileiros não estão na Previdência Social e vivem sem carteira de trabalho, sem direitos, sem possibilidades. Se reduzirmos a carga tributária sobre a folha, estaremos estimulando o emprego formal dando direito de cidadania e oportunidade de emprego, que tem que ser um objetivo da política econômica no século XXI. Infelizmente, passou a ser um objetivo fundamental gerar emprego formal de qualidade. Assim, as empresas mais automatizadas deverão contribuir mais para a Previdência Social, para que, aquelas que podem empregar mais o façam. Com isso as empresas poderão se sentir estimuladas a gerar mais empregos organizados e formais. Isso é justiça social, sim; é essencial, fundamental e inadiável.

Em terceiro lugar, o Ministro propõe a redução da Cofins, um fator incidente sobre o faturamento que tem prejudicado, pela cumulatividade, as exportações brasileiras. A saída para a crise brasileira é o aumento das exportações. Essa atitude tem racionalidade macroeconômica, porque, à medida que desoneramos o faturamento, impulsionamos as exportações. Com maior volume de importações, mais dólares são gerados, com emprego e renda, o que diminui nossa dependência de financiamento externo e permite que o País supere a crise cambial com a redução da taxa de câmbio, condição para a redução da inflação e da taxa de juros. É essencial para um sistema tributário racional que o País reduza a cumulatividade.

Há um assunto cujo debate é muito difícil, mas essencial para o País e sobre o qual o Ministro apresentou uma sugestão. Refiro-me à progressividade do Imposto de Renda. A leitura conservadora diz que isso não é possível. Como não é possível, se os Estados Unidos, países da Europa, o Japão, enfim, todos os países industrializados e desenvolvidos têm progressividade superior à nossa? Trata-se de um instrumento de justiça social. O imposto mais justo que existe é o direto, porque, em última instância, incide sobre toda a renda do indivíduo. Quando se estabelece a progressividade, quem tem mais paga mais, para que seja possível implementar políticas sociais para quem tem menos. É verdade que não pode haver uma abertura muito grande do leque, porque isso estimula a sonegação. Mas, dentro dos padrões tributários internacionais, este País precisa de mais justiça tributária, mais imposto direto e mais progressividade. V. Exª tocou num outro imposto que a elite brasileira também não quer discutir, que é o imposto sobre herança. Esse é o imposto mais justo da literatura tributária. O cidadão paga uma vez depois que morre. Então, por definição, é o mais justo. É evidente que havemos de permitir que a herança seja transferida para os filhos, para os netos. O direito dos pais poderem deixar o patrimônio para a família. Mas, num país em que uma multidão não tem esperança alguma, é fundamental que o imposto sobre a herança tenha uma perspectiva de solidariedade social, que dê condições para você fazer políticas sociais de inclusão para aqueles que nascem sem qualquer tipo de herança. Hoje, imposto sobre herança é estadual. À medida que você aumenta no Estado o imposto sobre a herança, o defunto morre no outro. Isso é o que a elite quer: vamos continuar assim porque aí o pacto federativo empurra para baixo a carga tributária sobre a herança e nós não fazemos distribuição de renda.

É evidente que não se pode abusar do imposto sobre herança. Os Estados Unidos e a Europa têm como instrumento que, parte do imposto sobre herança pode ser transformada em fundação para educação, saúde, meio-ambiente, ciência e tecnologia. Poderíamos incorporar, também, essa visão.

Em cima desses princípios que foram, aqui, apresentados, entusiasticamente, apoiados pelos Governadores na reunião da qual participei temos a base de uma reforma tributária. Alguns proporão, como o Senador Paulo Octávio, o imposto único. O imposto único é um grande imposto para fazer campanha eleitoral. Vender para a sociedade a ilusão que terá um único tributo, a pessoa já pensa que vai pagar menos, porque é um só, é muito mais fácil.

Por que será que a história econômica nunca criou essa possibilidade e a literatura séria da matéria jamais trabalhou com essa hipótese? Porque não é viável. Quer dizer, vamos pegar a CPMF como único imposto no País. A carga tributária será muito alta nos cheques e vamos “desintermediar” as relações financeiras. Vamos criar papagaio, ouro, e outras formas de administração. O sistema financeiro que é um serviço da economia moderna fica impedido de tornar-se efetivo. Toda carga do País estará no cheque. A Argentina já pôs o imposto sobre o cheque em 2% e inviabilizou a economia, teve que tirar o imposto porque “desintermediou” totalmente o sistema financeiro. E mais: a estrutura tributaria não é só para arrecadar, é para distribuir melhor a carga tributária, fazer justiça. Quem consome bens de luxo tem que pagar mais para que os bens essenciais não tenham a carga tributária. A política tributária é também para alocar os recursos, racionalizar a economia, estimular atividades e punir outras.

Então, eu diria que temos, sim, Sr. Ministro, uma base, o alicerce de uma reforma tributária promissora. Vamos sonhar com a reforma tributária acabada, fantástica, essencial para não fazer nada hoje, o País conhece dos últimos oito anos. Prefiro, neste momento, como faço parte daquele movimento de que a esperança derrotou o medo - o Brasil precisa de esperança com o pé no chão - encarar a reforma tributária e dar um passo, firme, concreto, viável, possível, que traga mais justiça, mais inclusão social, mais simplificação tributária, mais exportação, menos cumulatividade, mais homogeneização da nossa estrutura e que vai fazer aproximar o nosso sistema do que tem de mais moderno, mais avançado e mais promissor na economia internacional.

Parabenizo V. Exª pela seriedade, pela sobriedade e pela consistência da proposta que está sendo apresentada. E quero fazer um apelo sincero no sentido de que possamos realmente tratar as reformas tributária e previdenciária como essenciais ao País. Há uma imensa expectativa no Brasil em torno disso. Faremos a reforma que dará oportunidade para o avanço de outras reformas no futuro. É um passo sensivelmente melhor do que essa herança perversa que herdamos, qual seja, essa estrutura burocrática, cumulativa, injusta socialmente e irracional do ponto de vista dos investimentos e da produção.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/03/2003 - Página 5252