Discurso durante a 36ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Congratulações ao Governo Lula pelas ações empreendidas nos primeiros cem dias de administração e pela aprovação popular. Reflexões sobre o Programa Primeiro Emprego, a ser implementado pelo Governo Federal.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. POLITICA DE EMPREGO.:
  • Congratulações ao Governo Lula pelas ações empreendidas nos primeiros cem dias de administração e pela aprovação popular. Reflexões sobre o Programa Primeiro Emprego, a ser implementado pelo Governo Federal.
Publicação
Publicação no DSF de 11/04/2003 - Página 7148
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. POLITICA DE EMPREGO.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, AVALIAÇÃO, INICIO, GOVERNO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, APOIO, POPULAÇÃO.
  • RESPOSTA, INEXATIDÃO, DISCURSO, JORGE BORNHAUSEN, SENADOR, CRITICA, GOVERNO FEDERAL.
  • ANUNCIO, PROGRAMA, GOVERNO FEDERAL, INCENTIVO, EMPREGO, JUVENTUDE, CREDITO FISCAL, EMPRESA, REGISTRO, DADOS, DESEMPREGO.
  • DEBATE, TEORIA, ECONOMISTA, ASSUNTO, SUBSIDIOS, TRABALHO, QUESTIONAMENTO, EFICACIA.
  • REGISTRO, EFICACIA, CREDITO FISCAL, BENEFICIARIO, TRABALHADOR, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), REINO UNIDO.
  • EXPECTATIVA, ATENÇÃO, AUTORIDADE, GOVERNO FEDERAL, AVALIAÇÃO, VANTAGENS, PROGRAMA, EMPREGO.
  • IMPORTANCIA, INTEGRAÇÃO, PROGRAMA, NATUREZA SOCIAL, TRANSFERENCIA, RENDA, REITERAÇÃO, DEFESA, IMPLEMENTAÇÃO, RENDA MINIMA, CIDADANIA.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Senadora Serys Slhessarenko, que alegria poder vê-la presidindo esta sessão!

Srªs e Srs. Senadores, desejo iniciar o meu pronunciamento congratulando-me com o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelos bons resultados até agora alcançados por seu governo, que acaba de completar cem dias, com grande e merecido apoio do povo brasileiro - estão aí as pesquisas mostrando a extraordinária confiança e esperança do povo brasileiro nas ações e nos passos que têm sido dados pelo Presidente Lula.

A propósito, ontem eu gostaria de ter feito um aparte ao presidente do PFL, Senador Jorge Bornhausen, quando S. Exª afirmou que o governo do Presidente Lula estaria sendo caracterizado pela paralisia e pelo despreparo. Creio que esses e outros adjetivos que S. Exª empregou em sua fala estão muito longe da verdade. O presidente do PFL, Senador Jorge Bornhausen, tem criticado o fato de o Presidente Lula ter constituído o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, que reúne representantes das principais entidades de trabalhadores, de empresários e da sociedade civil para discutirem os pontos principais das reformas previdenciária, tributária e trabalhista. Hoje mesmo esse conselho está reunido.

O Senador Jorge Bornhausen, aparentemente, critica o fato de o Presidente Lula não ter algo completamente pronto para enviar ao Congresso Nacional. Parece-me estar sendo muito prudente o Presidente Lula, parece-me que seus passos vão na direção correta: Sua Excelência vem dialogando com os vinte e sete Governadores dos Estados com o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social sobre as proposições de seu governo, do Partido dos Trabalhadores e dos demais partidos que o apóiam, obviamente considerando as opiniões dos diversos segmentos sociais. Penso que o Presidente Lula vem dando passos na direção correta e em velocidade bastante grande: pretende-se que neste mês de abril, corrente, sejam concluídas as propostas das reformas previdenciária e tributária.

Dentre os programas que o Presidente Lula estaria por anunciar está o do Primeiro Emprego. Nesta tarde, gostaria de compartilhar com as Srªs e os Srs. Senadores algumas reflexões sobre esse programa, uma vez que foi anunciado para ser detalhado até o dia 1°de Maio.

Sem sombra de dúvidas, o agravamento do desemprego ao longo dos anos noventa, particularmente a partir de 1995, está na raiz da crise social que assola o país e que constitui um dos principais componentes da herança deixada pelo governo anterior.

De acordo com o último Boletim do Mercado de Trabalho, de responsabilidade do Ministério do Trabalho e do Ipea, no texto de Valdir Quadros intitulado “Um Retrato do Desemprego Juvenil no Brasil”, “o desemprego tornou-se um fenômeno generalizado, atingindo o conjunto da sociedade brasileira, ele também revela um forte viés social e etário, afetando com maior intensidade as famílias da massa trabalhadora urbana e os segmentos juvenis”.

O componente etário da desocupação é o que o governo do Presidente Lula pretende atacar com o Programa do Primeiro Emprego. Ainda segundo Quadros, podemos constatar que é nas faixas de 15 a 19 anos e de 20 a 24 que se concentram 4, 9 milhões de pessoas desocupadas.

A revista Carta Capital, de 9 de abril último, ressalta que “o número de jovens que não conseguem a sua primeira ocupação cresceu 91% na década. O percentual dos que perderam emprego e não obtiveram uma nova colocação aumentou 41% no mesmo período”.

Mas gostaria de tecer algumas reflexões sobre o desenho do programa que o governo está para anunciar. Segundo esse programa, o governo federal pretenderia conceder um crédito fiscal equivalente a um salário mínimo, hoje da ordem de 240 reais por mês, às empresas que vierem a contratar jovens trabalhadores que venham a ganhar até dois salários mínimos mensais.Trata-se de um instrumento para estimular as empresas de qualquer porte a dar mais oportunidade de trabalho aos jovens.

Srª Presidente, há, de fato, economistas que têm defendido a introdução, o aperfeiçoamento e a expansão de subsídios ao trabalho, alguns pagos diretamente aos trabalhadores, outros pagos diretamente às empresas para que empreguem mais pessoas. Dentre os que mais se destacam, está o Professor Edmund S. Phelps, que no livro Remunerando o Trabalho. Como Restaurar a Participação e o Sustento Próprio à Livre Empresa, publicado pela Harvard University Press, em 1997 (em inglês, Rewarding Work. How to Restore Participation and Self Support to Free Enterprise), argumenta que o benefício social resultante de mais pessoas trabalhando é maior do que o benefício privado contabilizado pela própria empresa. Se mais pessoas forem empregadas, muito menor será o custo para a sociedade, uma vez que diminuiria o envolvimento das pessoas com drogas, com crimes e outros desvios. Daí a justificativa para se prover o subsídio para que mais indivíduos estejam trabalhando. Para o Professor Phelps será melhor se o subsídio for dado diretamente às empresas, o que é consistente com o que, segundo declarações à imprensa, estaria por ser anunciado pelo governo.

Há, entretanto, economistas que muito têm estudado o tema de como se expandir o emprego, erradicar a fome e a pobreza absoluta, melhorar a distribuição da renda, promover o crescimento com maior eqüidade, e que têm formulado críticas às fórmulas de subsídios transferidas diretamente às empresas que, acredito, também precisam ser levadas em consideração antes de uma decisão definitiva do Ministro do Trabalho e Emprego, Jacques Wagner; do Ministro da Fazenda, Antonio Palocci; do Ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão, Guido Mantega; e do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Dentre os economistas de maior importância está, justamente, o diretor do Programa de Segurança Socioeconômica da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Guy Standing, autor de Global Labour Flexibility. Seeking Distributive Justice (Flexibilidade do Trabalho Global. Procurando Justiça Distributiva) MacMillan Press e St. Martin’s Press, 1999, em que argumenta que os subsídios ao emprego, sobretudo quando pagos diretamente às empresas, acabam sendo ineficazes, Srª Presidente, no que diz respeito ao objetivo de se empregar mais pessoas, e podem acabar resultando em maior concentração de renda.

Por ser um dos principais economistas da OIT, o professor Guy Standing tem prestado consultoria a vários governos no que tange à política de emprego e renda. Em 2001, ele foi consultor da Comissão de Trabalho do governo sul-africano que estava considerando implantar um programa de subsídios ao trabalho. Nessa ocasião, Guy Standing - que também já esteve no Brasil a convite do Dieese, da CUT e também do Senado Federal - publicou, no jornal Business Mail, que é o equivalente ao Financial Times, na África do Sul, o artigo intitulado “Subsídios ao Trabalho são Ineficazes”. E, desde então, o governo sul-africano está reformulando seu programa de estímulo ao emprego.

Nesse artigo, Guy Standing afirma que os subsídios trabalhistas poderiam encorajar os administradores a subestimar o trabalho, por não arcar inteiramente com os seus custos, o que resultaria no uso ineficiente do mesmo. Resultariam também em altos custos administrativos para bem fiscalizá-los. As maiores desvantagens estariam nos efeitos chamados de peso morto e de substituição. Peso morto porque o subsídio acabaria sendo quase inócuo: os empregos criados com os subsídios seriam criados de qualquer forma, sem a existência deles. O efeito substituição refere-se à possibilidade de uma empresa, ao receber o subsídio, deslocar empregos de outras empresas, uma vez que está recebendo uma vantagem competitiva.

Guy Standing ainda chama a atenção para o efeito “trem da alegria” - as empresas que tendem a empregar parentes e apadrinhados nas suas folhas de pagamento - e efeito “fantasma” - a manutenção, na folha, de pessoas que por circunstâncias infelizes já deixaram a empresa. Também observa que subsídios direcionados a certas categorias de trabalhadores, como os mais jovens, podem levar a iniqüidades intragrupos, como quando trabalhadores de algum grupo favorecido são dispensados e depois recontratados no lugar dos outros.

Segundo o levantamento que Guy Standing realizou pela OIT, os subsídios pagos às empresas tendem a ampliar as desigualdades de renda. Os problemas serão ainda mais sérios no caso de haver grande informalidade no mercado de trabalho, como ainda existe em grande parte do Brasil.

Noto que no mesmo momento em que o Governo está para anunciar o programa “Primeiro Emprego”, ele está implementando medidas no sentido de coordenar, unificar e racionalizar os seus diversos programas sociais.

Considerando que o Governo está por anunciar a Reforma Tributária e a Reforma Previdenciária, que vão transferir os encargos sociais que hoje pesam sobre a folha de pagamentos para o valor adicionado pelas empresas, é necessário que passemos a analisar a compatibilização dos subsídios do “Primeiro Emprego” e essas reformas. Há, portanto, que se levar em consideração essa modificação.

Outro ponto que quero deixar para a reflexão das Senadoras e Senadores é que em diversos países desenvolvidos, como nos Estados Unidos e no Reino Unido, instituíram-se, nas últimas décadas, formas de crédito fiscal que são pagos diretamente aos trabalhadores e não às empresas. Assim o são o Earned Income Tax Credit ou o Crédito Fiscal por Remuneração Recebida, nos Estados Unidos, e o Family Tax Credit, no Reino Unido. São formas de imposto de renda negativo que complementam a renda dos trabalhadores de baixa renda e que certamente tornam aquelas economias mais competitivas em relação à nossa, se não tivermos algum instrumento melhor ou equivalente. A expansão EITC e do FTC nos governos Bill Clinton e Tony Blair fez as economias daqueles países crescerem com taxas de desemprego menores do que provavelmente ocorreria se não tivesse ocorrido aquela expansão.

Cabe lembrar que no Brasil existem algumas experiências de estímulo fiscal ao emprego, dentre outras no Rio Grande do Sul, São Paulo e Pernambuco. Será importante se promover uma avaliação bastante aprofundada das suas vantagens e desvantagens, bem como daquelas em outros lugares do mundo. Economistas como Paul Singer, Márcio Pochmann, João Sabóia, Maria Ozanira Silva e Silva, Ricardo Henriques, Ana Maria Medeiros da Fonseca, Antonio Prado e o Deputado Federal Tarcísio Zimermann, que foi Secretário do Trabalho no Rio Grande do Sul, estão dentre aqueles que estudaram bastante o assunto e podem ser chamados a dar uma contribuição ao Ministro Jacques Wagner, ao Coordenador do Programa Primeiro Emprego Remigio Todeschini e a todo o seu Governo.

É importante que o Governo Lula avalie exaustivamente as experiências existentes de programas de estímulo ao emprego, considerando, inclusive, outros mecanismos de geração de emprego e renda, especialmente aqueles que relacionam a renda com a oportunidade de educação, que, creio, são muito relevantes. Devemos propiciar que as pessoas cresçam com a ampliação cada vez maior do seu grau de liberdade.

Ainda outro dia, dialogando com o Ministro Luiz Gushiken, este me revelou que havia feito uma ponderação junto aos Ministros da área social, observando que é possível relacionar cada um dos programas sociais. O Programa de Renda Mínima associado à Educação, ao Bolsa-Escola; o Programa de Renda Mínima associado à Saúde ou Bolsa-Alimentação; o Programa Bolsa-Renda; o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil ou Bolsa Criança-Cidadã, programas como Seguro-Desemprego, Cartão-Alimentação, e assim por diante. E visto que existem recomendações no sentido de coordenar, racionalizar e unificar todos esses programas, poderíamos relacioná-los com a transferência de renda, havendo sempre um aspecto cultural a ser levado em consideração. Poderíamos relacionar a ida das crianças à escola, a assistência das famílias nos postos de saúde, o recebimento das vacinas necessárias, o devido acompanhamento médico com a transferência de renda; a não-participação das crianças no mercado de trabalho com a transferência de renda; a melhor nutrição das famílias com a obtenção de alimentos por meio do cartão-alimentação com a transferência de renda correspondente, e assim por diante.

Ora, eu gostaria de ponderar que os grandes educadores brasileiros, reconhecidos internacionalmente, como Anísio Teixeira, Paulo Freire, Maria Montessori e tantos outros sempre mostraram que é com maior grau de liberdade que as pessoas amadurecem e se libertam. Também o próprio Prêmio Nobel de Economia Amarthya Sen procura argumentar no seu livro Desenvolvimento como Liberdade que desenvolvimento, para fazer sentido, significa as pessoas terem maior grau de liberdade. O que observamos é que as pessoas que detêm os rendimentos do capital têm a liberdade de poder se desenvolver, de fazer a sua escolha.

Portanto, se quisermos proporcionar o amadurecimento das pessoas, temos que tornar realidade os programas de transferência de renda, temos de garantir uma renda com um sentido inteiramente de liberdade, de incondicionalidade.

Em verdade, mais e mais, as pessoas poderão perceber que o amadurecimento, a educação para a liberdade envolve muita informação, da melhor qualidade, sobre a importância de todos colocarem suas crianças na escola, as vantagens das crianças serem acompanhadas pelo médico, serem vacinadas, alimentarem-se de acordo com os mais adequados princípios nutricionais. Mas é importante que essas pessoas tenham a liberdade de fazer o que desejarem com os recursos aos quais têm direito.

Assim, Srª Presidente, Serys Slhessarenko, quero, mais uma vez, argumentar o quão importante será instituirmos, em breve, uma renda básica de cidadania para todos os brasileiros e brasileiras.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/04/2003 - Página 7148