Discurso durante a 36ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre o setor energético brasileiro. Realização, entre os dias 10 e 12 de abril, do encontro "Os movimentos populares, as instituições de ensino e pesquisa e o desenvolvimento regional da área de Tucuruí".

Autor
Ana Júlia Carepa (PT - Partido dos Trabalhadores/PA)
Nome completo: Ana Júlia de Vasconcelos Carepa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ENERGETICA.:
  • Considerações sobre o setor energético brasileiro. Realização, entre os dias 10 e 12 de abril, do encontro "Os movimentos populares, as instituições de ensino e pesquisa e o desenvolvimento regional da área de Tucuruí".
Publicação
Publicação no DSF de 11/04/2003 - Página 7180
Assunto
Outros > POLITICA ENERGETICA.
Indexação
  • DEBATE, PLANEJAMENTO, POLITICA ENERGETICA, BRASIL, INCENTIVO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, DESENVOLVIMENTO REGIONAL, REGISTRO, PRESENÇA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DE MINAS E ENERGIA (MME), COMISSÃO DE SERVIÇOS DE INFRAESTRUTURA, SENADO, REESTRUTURAÇÃO, SETOR, PARCERIA, PODER PUBLICO, INICIATIVA PRIVADA, PARTICIPAÇÃO, SOCIEDADE.
  • DETALHAMENTO, SISTEMA ELETRICO, BRASIL, PRIORIDADE, APROVEITAMENTO HIDROELETRICO, ESPECIFICAÇÃO, SITUAÇÃO, ESTADO DO PARA (PA), FALTA, RESPONSABILIDADE, INSTALAÇÃO, USINA HIDROELETRICA, AGRESSÃO, BIODIVERSIDADE, ECOSSISTEMA, DESLOCAMENTO, POPULAÇÃO, DEFESA, DISCUSSÃO, AMPLIAÇÃO, MUNICIPIOS, RECEBIMENTO, ROYALTIES, TRIBUTAÇÃO, PRODUÇÃO, ENERGIA, COMPENSAÇÃO, IMPACTO AMBIENTAL.
  • DEFESA, EXTINÇÃO, PRIVILEGIO, SUBSIDIOS, EMPRESA, CONSUMO, ENERGIA.
  • REGISTRO, ENCONTRO, MUNICIPIO, TUCURUI (PA), ESTADO DO PARA (PA), DEBATE, DESENVOLVIMENTO REGIONAL, PARTICIPAÇÃO, POPULAÇÃO, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, CENTRAIS ELETRICAS DO NORTE DO BRASIL S/A (ELETRONORTE).

A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho a esta tribuna para falar do setor energético, assunto já muito comentado por vários Srs. Senadores. Entendemos esse setor como de responsabilidade pública pelo seu caráter altamente estratégico para o crescimento sustentável.

            Não é à toa que estamos presenciando uma guerra inescrupulosa e desnecessária, como, aliás, todas as guerras. A nós cabe discutir o tema sob o prisma da imensa gama de possibilidades de aproveitamento do potencial energético brasileiro a partir de fontes limpas, alternativas e renováveis. Também cabe discuti-lo pelo viés das metas de universalização, ou do significativo potencial de conservação de energia existente no País. E devo registrar que o Estado do Pará é o terceiro pior Estado do País em atendimento de energia elétrica, apesar de ser sede da maior hidrelétrica totalmente nacional, que é a Hidrelétrica de Tucuruí.

Cabe, finalmente, discuti-lo pelo âmbito do desenvolvimento regional e de como a energia pode ser um fator fundamental para alavancar econômica e socialmente as regiões que, pelos seus abundantes potenciais hidráulicos para geração de energia elétrica a custos muito inferiores à média dos praticados internacionalmente, devem ser vistas como estratégicas no novo modelo de gestão que iremos implantar - “com o planejamento regional, levando em conta os problemas ambientais e os benefícios do empreendimento à região e às populações atingidas”, como diz o plano de Governo apresentado à população. Lembro que a construção de grandes hidrelétricas afetou, muitas vezes, populações enormes, atingidas por barragens e deslocadas à força de suas casas ou reassentadas sem a devida compensação. Para nós da Região Norte é ainda mais premente que o planejamento energético torne-se um instrumento de desenvolvimento regional verdadeiramente sustentável.

Sobre esse assunto, como já falei, recebemos anteontem, na Comissão de Infra-Estrutura do Senado, a visita da Ministra de Minas e Energia Dilma Rousseff. Sua competência e seriedade têm sido reconhecidas até mesmo pelos opositores ao nosso Governo. Receber a crise como herança não é tarefa fácil. E, mesmo sabendo que desde os anos 80 o País tem vivido graves desajustes nesse setor sensível e estratégico para a economia, não se pode amenizar os danos que o modelo recentemente adotado trouxe à Nação. O diagnóstico do Governo anterior culpava a presença do Estado no setor elétrico. Falácia perigosa: o novo modelo implementado, voltado para o mercado, desestruturou o planejamento, privatizou empresas e modificou as regras do setor abruptamente. O fracasso desse modelo energético foi, como todos sabemos, o racionamento - o grand finale de uma crise anunciada.

            Mais do que criticar, entretanto, este Governo vem tentando realizar. Sem rupturas nem atropelos. São grandes e penosos os desafios: reestruturar o setor, retomar o planejamento a curto, médio e longo prazo; investir na parceria entre os setores público e privado para investir na expansão da oferta de energia (inclusive promovendo transferência de tecnologia); corrigir a falta de coordenação dos agentes públicos; dirimir os conflitos de competências que se sobrepõem e que são um empecilho à eficácia governamental; no mais longo prazo, pretende retomar os investimentos; enfim, construir caminhos, com os olhos voltados para o futuro.

Esse novo modelo de gestão do setor elétrico será desenhado em parceria com todos os agentes, como, aliás, é a tônica do Partido dos Trabalhadores: a discussão inclusiva, democrática, ampla, capaz de enxergar a complexidade dos problemas, e, ao mesmo tempo, dar voz a todos os envolvidos. Recusamos o tom tecnocrático e autoritário. Na nossa prática política, a técnica é exclusivamente o instrumento pelo qual se realiza a vontade dos cidadãos e das cidadãs. Por isso, defendemos o caráter participativo, os mecanismos de controle social e de incorporação de contribuições dos diversos segmentos da sociedade.

Para o nosso mandato, é muito cara a discussão sobre a energia elétrica. Primeiro porque, no Brasil, a eletricidade é um instrumento de organização do território e vetor do desenvolvimento nacional. Ela deve ocupar um lugar de destaque entre os temas debatidos pela sociedade. O setor elétrico brasileiro é o maior e mais complexo sistema hídrico e interligado do mundo! Entregá-lo às forças do mercado contraria a orientação social que marca o perfil deste Governo, de que o crescimento econômico deve ser buscado conjuntamente com a geração de empregos, a distribuição de renda, a inclusão social. O mercado só visa ao lucro. Por isso, é importante o planejamento público, integrado, de longo prazo, com definições precisas para o setor da eletricidade - sem, entretanto, esquecer-se do petróleo, gás natural, álcool e bagaço da cana, carvão e combustível nuclear, fontes como a eólica, a solar, a biomassa e outras, que muitas vezes são deixadas de lado, mas que são tão importantes principalmente para soluções de pequenos sistemas que podem atender uma microrregião.

Nessa discussão sobre o mercado, vale ressaltar que em países onde prepondera a geração hidrelétrica, como a Noruega (Statkraft) e o Canadá (Hydro Québec, B.C. Hydro, Ontário Hydro), preservou-se a estrutura do sistema, que permaneceu em grande parte sob controle público, mesmo com a introdução de mecanismos destinados a criar mercados competitivos para a comercialização da eletricidade. Registre-se ainda que, nos Estados Unidos, o grande exemplo do neoliberalismo, as principais hidrelétricas são controladas por entidades de direito público, como a Tennessee Valley Authority, a Boneville Power Administration, o Bureau of Reclamations e o US Army Engineering Corps. Nesses países, o sistema funciona assim porque, para além de sua importância estratégica, os reservatórios hidrelétricos pressupõem usos múltiplos, que requerem investimentos em programas de regularização de bacias hidrográficas, controle de enchentes, preservação da fauna ictiológica, proteção dos solos e da flora ribeirinha, irrigação de terras agrícolas, construção de hidrovias e outros, indispensáveis para o desenvolvimento econômico equilibrado e para o bem-estar da sociedade como um todo. Essa amplitude de finalidades não corresponde aos interesses de rentabilidade rápida dos investidores privados e exige recursos bastante vultosos. Aliás, a ministra fez questão de registrar que, no setor energético, investimento de curto prazo, planejamento de curto prazo significa, pelo menos, cinco anos.

Gostaria de dar um perfil do sistema elétrico brasileiro apenas para ilustrar como a Amazônia é fundamental para o País. O nosso sistema é muito peculiar quanto às fontes primárias. Dos cerca de 70.000 MW instalados atualmente, mais de 90% correspondem a aproveitamentos hidroelétricos. Portanto, a eletricidade brasileira é quase toda de fonte renovável, diferentemente da maioria dos países desenvolvidos que usam maciçamente termoelétricas a combustíveis fósseis. Não há no mundo outro sistema elétrico de proporções comparáveis às do sistema elétrico brasileiro e que goze de vantagem tão significativa. Ele é incomparavelmente mais extenso e complexo do que o de países como a Inglaterra, a Argentina e o Chile, que são apresentados como paradigmas da privatização. Daí, a importância de regionalizar a discussão.

No caso do Pará, Estado que represento, os problemas ambientais e sociais da instalação irresponsável de hidrelétricas, como nós conhecemos. No caso mais famoso, o da hidrelétrica de Balbina, houve inundações causadas pelos reservatórios das usinas que cobriam grandes áreas. Comprometeram-se ecossistemas locais, agrediu-se a biodiversidade e restou ameaçada parte do patrimônio vegetal e animal, com destaque para os prejuízos causados à Floresta Amazônica. Outros desastres sociais dizem respeito ao deslocamento de populações ribeirinhas ou indígenas atingidas pelas barragens. Esses impactos decorreram de uma concepção de projetos tecnocrática, centralizadora e não-participativa, resultando na completa desconsideração de soluções alternativas, que teriam atenuado bastante os danos causados por nossas hidrelétricas. Haja vista, inclusive, que o Projeto de Belo Monte já tem um impacto consideravelmente menor, porque houve mais cuidado.

Por conta justamente desse amplo impacto negativo a que estão sujeitos a sociedade e o meio ambiente é que devemos discutir os royalties e a tributação sobre energia elétrica. Em primeiro lugar, devemos discutir como pode ser realizada a alteração de royalties sobre a geração de energia elétrica. Sabemos que os preços são altamente competitivos e, portanto, nada mais correto do que definir alíquotas mais justas para aqueles que irão deparar-se com um leque de problemas sócio-ambientais de relevo. Além disso, é preciso igualmente discutir quem recebe os royalties. O mesmo princípio da justiça deve ser aqui aplicado: quem sofre impactos deve ser recompensado. Hoje, os royalties, que, na legislação atual, recebem o nome de compensação financeira sobre extração de recursos naturais, os royalties advindos dessa geração de energia elétrica são recebidos pelos Municípios atingidos pelo reservatório, em função do lago que forma a represa geradora de energia. Entretanto, os Municípios que ficam abaixo da barragem também sofrem, o que significa que é preciso estudar critérios para ampliar o leque de beneficiários de forma a podermos fazer justiça sobre a percepção de royalties, sem criar distorções.

A outra questão, igualmente relevante, que já foi abordada por vários Senadores, que dever ser por nós discutida durante a reforma tributária é a incidência do tributo, seja ele ICMS ou IVA. Devemos retomar o grande debate: tributação na geração ou no consumo? Defendemos firmemente que o tributo incida sobre a geração. E por quê? Porque na região onde se gera energia - e o Pará é um dos maiores produtores do País - concentram-se os impactos negativos. E para onde vão os recursos hoje? Para onde há concentração de consumo. A região amazônica, que contribui com a maior parte da energia elétrica gerada neste País, consome cerca de 6% da energia gerada, enquanto a região Sudeste consome cerca de 63%. Para que realmente se realize a superação das desigualdades regionais, que consta da nossa Constituição como uma das nossas funções, é preciso que os recursos sejam distribuídos na Federação de maneira menos privilegiada.

Por último, gostaria de lembrar ao Governo Federal uma questão da maior importância estratégica. Existem empresas privadas cujos contratos de regime especial de subsídio vencerão durante este Governo. Muitas delas são apenas consumidoras de energia, pela qual pagam baixos preços. É preciso que a parceria público-privado, ressaltada pela Ministra Dilma Rousseff, se dê com vistas ao bem geral. Devemos assumir uma postura firme de exigir que tais empresas apresentem um cronograma de investimentos em gestão para suprir as suas demandas. Não poderemos sucumbir diante de pressões para que se mantenha o privilégio. Existe o mercado para a energia e tais empresas encontram-se na cômoda situação de não investir e consumir, pagando até 70% menos do que o consumidor residencial. É o caso da Albras/Alunorte, que consome mais energia que Belém inteira e nada produz de energia. Isso faz-se necessário ainda mais diante do que nos relatou a Ministra na Comissão de Infra-Estrutura: existem as fragilidades que levaram ao racionamento de energia iniciado em 2001 e a expansão de geração de energia no setor é fator crucial para nosso desenvolvimento.

Aproveito este pronunciamento para dizer que essas questões - do desenvolvimento regional, da legitimidade do processo decisório, da justiça social - estarão sendo discutidas nos dias 10, 11 e 12 de abril no encontro “Os movimentos populares, as instituições de ensino e pesquisa e o desenvolvimento regional da área de Tucuruí”, a ser realizado em Tucuruí, a maior hidrelétrica brasileira totalmente nacional, onde iremos dar nossa contribuição. De programa vasto, certamente englobando a discussão que acabamos de levantar, o encontro está sendo organizado pela Eletronorte, pelo Museu Emílio Goeldi e pelo Cesupa, Centro Universitário do Estado do Pará. Estamos, juntos, lutando para que vingue a construção de um novo modelo - já tantas vezes aqui falado e repetido não apenas por mim, mas também por outros Senadores, inclusive os da nossa região - que seja particularmente orientado para o ser humano. Como disse Antonio Machado, poeta andaluz, “caminante, no hay camino; se hace camino al andar”.

Portanto, deixo registrado que vamos ter um grande debate, principalmente na reforma tributária. V. Exªs já perceberam que estamos discutindo assuntos, Senador Rodolpho Tourinho, fundamentais para o Brasil, mas, sob a ótica, com certeza, do nosso Estado, da nossa região, digo que, na verdade, existe um déficit, nessa região, em termos de investimentos que possam realmente trazer o desenvolvimento.

Portanto, a discussão sobre onde será cobrado esse imposto, na geração ou no consumo, teremos que enfrentar nesta Casa, e defenderemos poder ter um sistema mais justo, para que também nós, paraenses, que temos um orgulho imenso de sermos o segundo Estado que mais contribui com a balança comercial neste País, de sermos a maior potência hidrelétrica deste País, Senador Aloizio Mercadante, e que o povo de nosso Estado, tão rico - pois o Estado do Pará é a maior província mineral do mundo -, possa também ter acesso a essa riqueza, porque hoje, infelizmente, a maioria passa ao largo do acesso a ela.

E é com a preocupação com o Brasil, mas com o olhar voltado para a Amazônia, que sempre estarei atuando neste Senado Federal.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/04/2003 - Página 7180