Discurso durante a 36ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa da construção de um superávit primário nas contas públicas, estrutural e indexado ao Produto Interno Bruto.

Autor
Aloizio Mercadante (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Aloizio Mercadante Oliva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • Defesa da construção de um superávit primário nas contas públicas, estrutural e indexado ao Produto Interno Bruto.
Aparteantes
Arthur Virgílio, Edison Lobão, Renan Calheiros, Rodolpho Tourinho, Romero Jucá, Sibá Machado, Tião Viana.
Publicação
Publicação no DSF de 11/04/2003 - Página 7189
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • DEFESA, PROPOSTA, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, CRIAÇÃO, SUPERAVIT, SETOR PUBLICO, ESTRUTURAÇÃO, INDEXAÇÃO, PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB), BENEFICIO, RECUPERAÇÃO, CONFIANÇA, CREDITOS, MERCADO INTERNACIONAL, COMBATE, INFLAÇÃO, RECESSÃO, POSSIBILIDADE, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, PROTEÇÃO, POLITICA SOCIAL, PERIODO, CRISE.
  • ANALISE, CRITERIOS, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), DIFERENÇA, ORIENTAÇÃO, ECONOMIA, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), INFERIORIDADE, CREDITOS, ECONOMIA NACIONAL.
  • ANUNCIO, DECISÃO, GOVERNO FEDERAL, APRESENTAÇÃO, PROPOSTA, EXERCICIO FINANCEIRO SEGUINTE, PROJETO DE LEI ORÇAMENTARIA, POSTERIORIDADE, NEGOCIAÇÃO, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), BANCO MUNDIAL, BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO (BID), GRUPO, PAIS INDUSTRIALIZADO.
  • IMPORTANCIA, PARTICIPAÇÃO, SENADO, DEBATE, NEGOCIAÇÃO, AMBITO INTERNACIONAL, PROPOSTA, ECONOMIA, BRASIL.

O SR. ALOIZIO MERCADANTE (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, apresento neste momento uma idéia inovadora, que temos discutido desde a campanha eleitoral, durante todo o período de transição e ao longo de todo o governo. Trata-se de uma concepção que alguns intelectuais de prestígio internacional e que alguns poucos países, especialmente o Chile, a Espanha e, ao que me consta, a França, já começaram a adotar. Refiro-me a uma concepção econômica promissora, porque consegue romper a visão ortodoxa e monetarista que tantas vezes tem prevalecido no debate econômico. Essa visão, baseada numa perspectiva realista, contribuiria para que economias, especialmente as em desenvolvimento e as com restrições severas no balanço de pagamento e nas contas públicas, honrem compromissos e igualmente tenham uma previsão de superação da crise e do crescimento sustentado.

Defendi essa idéia ao longo de todos esses meses, e, agora, o Governo do Presidente Lula assume com muito entusiasmo essa proposta. Basicamente, defendemos a construção de um superávit primário nas contas públicas, estrutural e indexado ao Produto Interno Bruto. O resultado entre a receita tributária e o gasto público, hoje de 4,25% do PIB brasileiro, é um superávit extremamente elevado. É fundamental para recuperar a confiança do País, combater a inflação e criar condições a fim de que, futuramente, a taxa de juros caia e os indicadores macroeconômicos evoluam positivamente. Esse superávit tem sido colocado por credores e até mesmo pelo Fundo Monetário Internacional como um patamar não apenas no Brasil, mas em todos os 55 países hoje monitorados pelo FMI, como um valor em si mesmo independentemente do nível de atividade e de crescimento econômico.

Muitas vezes, essa visão do Fundo Monetário Internacional tem prejudicado a recuperação das economias, quando não, como foi o caso recente da Argentina, levado a crises ainda mais graves.

O FMI, Srª Presidente, foi constituído no acordo de Bretton Woods, depois da Segunda Guerra Mundial, para ser uma instituição de socorro financeiro dos países que contribuem anualmente - o Brasil é sócio-fundador do FMI. Ao longo de todo esse período de pós-guerra, muitas economias, inclusive a nossa, tiveram que solicitar os recursos do Fundo para enfrentar a conjuntura de crise cambial. O FMI aporta recursos, diminui a pressão sobre o balanço de pagamentos e contribui, sim, para amenizar a crise, que, evidentemente é uma das mais graves que uma economia pode atravessar.

Porém, os condicionantes do Fundo são basicamente dois grandes objetivos: superávits comerciais elevados, ou seja, exportar mais do que importar, para gerar divisas e pagar a dívida, exigência dos credores e do próprio Fundo, e superávit primário elevado. Esses são, portanto, os dois condicionantes fundamentais das cartas do Fundo, das exigências do Fundo.

O Brasil possui uma capacidade espetacular de gerar superávit comercial. A nossa safra agrícola, nos últimos dois anos, cresceu 30% ( 16% este ano ), produzindo 112 milhões de toneladas de grãos. A mineração, siderurgia, papel e celulose, suco de laranja estão liderando as exportações, que, nos últimos três meses, cresceram 27%, enquanto as importações, apenas 2,5%. Estamos gerando superávit, isto é, exportando, gerando divisas, gerando emprego, tentando sair da crise. Ao mesmo tempo, estamos gerando um superávit primário de 4,25% do PIB, apresentando resultados superiores a isso.

Mas vamos comparar esse esforço - já quero conceder o aparte a V. Exa, Senador Edison Lobão - do Brasil com a resposta dada pela economia americana na crise. Qual foi a resposta da economia americana? Os Estados Unidos tinham, em 2001, um superávit primário de setenta e um bilhões de dólares. Em 2002, tinham um déficit de cento e noventa e nove bilhões de dólares e, este ano, um déficit público de quatrocentos bilhões de dólares.

Eles diminuíram os impostos e a taxa de juros,e aumentaram os gastos e os investimentos para sair da crise. Uma política tipicamente keynesiana, em que aumentaram a demanda agregada, o investimento, o gasto,e baixaram os juros, aumentaram o crédito para sair da crise e voltar a produzir, para sair da recessão.

No Brasil, qual é a política do Fundo? Qual é a resposta da política econômica? Tivemos que aumentar a taxa de juros. Somos obrigados a aumentar os impostos, somos obrigados a cortar gastos e investimentos para poder enfrentar a crise. Por quê? Porque somos um país que não tem crédito ou um país que tem pouco crédito ou uma precária qualidade no crédito público.

Exatamente por não termos como nos financiar, somos obrigados a viver com políticas econômicas restritivas. E não há outro caminho. O superávit primário é essencial para recuperar o crédito e ganhar a confiança. A substituição de importações, o superávit comercial ajuda a superar a crise cambial - como estamos superando -, baixar a taxa de câmbio, melhorar a relação dívida pública/PIB, sair da crise. Mas o superávit primário das contas públicas é indissociável do nível de atividade.

O que estamos defendendo? Que o superávit primário seja associado ao nível de crescimento econômico. Quando a economia cresce mais, o Brasil tem que dizer ao mundo que pagará mais dívidas, aumentará o superávit, honrará seus compromissos, aumentará seu esforço para melhorar e superar o seu crédito. No entanto, quando o PIB cai, quando a recessão se abate, quando as adversidades internacionais são graves, o País quer ter o direito de reduzir o seu superávit primário, para poder manter um investimento público mínimo estratégico e os gastos sociais essenciais à preservação dos interesses da sociedade, porque as demandas sociais crescem na recessão. Ou seja, temos que introduzir um viés keynesiano numa política monetarista a qual hoje estamos submetidos.

O Governo Lula não apresentará essa proposta para 2004, mas o fará na LDO para 2005 e 2006. Por quê? Porque precisamos criar confiança e convencer outros parceiros, dialogando com o Fundo Monetário Internacional e com o Banco Mundial e discutindo com as nações mais importantes. O Presidente Lula participará da reunião do G-8, convidado pelo Primeiro-Ministro Jackes Chirac. O Ministro da Fazenda irá agora à reunião do Banco Mundial e do BID para debater essa visão. Também recebi um convite para ir a Washington e Nova York para debatê-la. O Chile já está praticando esse mecanismo, só que sua dívida pública é de 10% do PIB; a Espanha e a França também o praticam. Mas a nossa dívida é 55% do PIB. A nossa margem de manobra é menor. Mas, se apontarmos uma perspectiva de longo prazo de um superávit estrutural, de um compromisso permanente indexado ao PIB, teremos uma proteção na adversidade, manteremos investimento e gasto social.

Gostaria de concluir, para dar os apartes, indagando como o Brasil vai aumentar as exportações agrícolas se não investir em transporte e portos. Os caminhões estão abarrotando os portos. Uma restrição orçamentária de tal ordem que impede investir em energia, em transporte e em infra-estrutura. Que segurança o País tem para gerar competitividade e eficiência para continuar aumentando as exportações, gerar superávit e superar crises?

Então, creio que temos uma inovação teórica, política e técnica com respaldo de economistas importantes. E digo, de público, que ainda durante a campanha conversei com o então Presidente do Banco Central, Dr. Armínio Fraga, entusiasta e defensor da idéia, disposto a dialogar na mesma perspectiva.

Portanto, o Brasil, por estar obtendo uma resposta econômica adequada e uma política econômica responsável, por ganhar credibilidade política, penso que tem autoridade política para sensibilizar os organismos multilaterais e dar início ao debate, mostrando um caminho novo, a fim de tratar o problema do superávit em relação ao PIB.

Gostaria de ouvir primeiramente o Senador Edison Lobão, Presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, com muito prazer.

O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - Senador Aloizio Mercadante, desde sua criação, após a guerra, o Fundo Monetário Internacional tem sido espalderado mundo afora, sobretudo em momentos eleitorais. Fala-se do Fundo como se fosse o gestor da economia mundial. O Fundo, diz V. Exª - e o faz muito bem -, é, na verdade, um banco com muitos sócios, entre os quais o Brasil. E quando há necessidade de recorremos a ele, assim como os outros países, nós recorremos ao Fundo, e o Fundo nos ajuda. O Fundo é um mal ou um bem? Penso que é um bem. Mas nem sempre reconhecemos isso. É claro que deve ser um pouco mais maleável, sobretudo diante de soluções e sugestões como a que V. Exª traz ao debate hoje. Chega a ser desesperadora a idéia de produzir cada vez mais, como estamos produzindo, exportando, e não obter um resultado interno à altura de nosso esforço. O que propõe V. Exª é o conjunto de tudo isso. Ou seja, uma vinculação do superávit ao PIB e ao pagamento da dívida. Esta é uma solução criativa, de boa origem, com a imaginação de técnicos da inteligência mundial. V. Exª não vem a esta tribuna dizer que é o autor da idéia. Ao contrário, está apenas enaltecendo aquilo que já existe em outros países, mas que devemos absorver. Estou inteiramente de acordo com V. Exª. Esta é uma fórmula que todos nós poderemos defender politicamente, porque ela resultará em benefício da economia do Brasil, do nosso crescimento e da geração de empregos. Cumprimentos a V. Exª.

O SR. ALOIZIO MERCADANTE (Bloco/PT - SP) - Muito obrigado, Senador Edison Lobão. De fato, penso que essa é uma idéia coletiva e, tenho certeza, poderemos construir também um respaldo coletivo entre o Parlamento e o Governo e abrir esse debate em todas as esferas, para buscar convencer as instituições multilaterais, os credores e o mercado de que essa perspectiva de médios e longos prazos é muito mais promissora para a economia do que empurrar a recessão como único caminho para o reajuste da crise de câmbio e das finanças públicas.

Senador Romero Jucá, por favor.

O Sr. Romero Jucá (PSDB - RR) - Senador Aloizio Mercadante, louvo também as observações de V. Exª. Mais do que isso, aplaudo o posicionamento do Governo Lula ao assumir essa idéia para ser colocada na mesa de negociações. Sem dúvida nenhuma, é uma solução inteligente, que implanta um círculo virtuoso no processo de pagamento da dívida. Hoje, com a questão do superávit, o círculo é vicioso, temos andado para trás. Apesar do grande esforço que é feito no País, a economia tem tido as suas dificuldades. Sem dúvida nenhuma, essa é uma solução inteligente, criativa e que merece o apoio do Senado brasileiro. Tenho certeza de que a Comissão de Assuntos Econômicos e todos nós estaremos ao lado dessa solução. E gostaríamos de ajudar no processo de negociação. Devemos ir além. O Senado poderá contribuir efetivamente nessa questão, assumindo um posicionamento político. Esse é um caminho que deve ser aprofundado. Quero parabenizá-lo pelas observações e aplaudir o Governo Lula por direcionar por esse caminho a negociação do superávit com o FMI.

O SR. ALOIZIO MERCADANTE (Bloco/PT - SP) - Senador Romero Jucá, tenho falado reservada e publicamente da qualidade da sua interlocução, assim como da responsabilidade com que cumpre o seu mandato de parlamentar e das suas atitudes não só nos pareceres, mas também na crítica, que é própria da Oposição, da relação com o Governo. É louvável a seriedade de suas motivações, bem como o seu espírito público.

Quero dizer que me sinto muito incentivado com essa intervenção. De fato, podemos estimular esse debate na Comissão de Assuntos Econômicos. Seria de grande ajuda um pronunciamento do Senado sobre o tema. Poder-se-ia constituir uma Comissão desta Casa para discutir essa matéria com o Fundo Monetário Internacional e com o Banco Mundial, para mostrar que é um projeto de nação. Tenho certeza de que é um projeto em virtude da conversa de que participaram o Presidente Duhalde, o Presidente Lagos, o Presidente Fox, o vice-Ministro da Fazenda da Alemanha, que esteve no Brasil, e várias autoridades do governo americano. Não apenas para o Brasil, mas também para o FMI é uma possibilidade concreta e promissora de inovar, de criar, de avançar, para que não repitamos situações econômicas em que a ortodoxia levou ao agravamento da crise. Nesse caso os credores perdem. Sobretudo o povo, a Nação, o País, perde muito, por situações como a que ocorreu na Argentina recentemente.

Ouço o Senador Renan Calheiros com prazer.

O Sr. Renan Calheiros (PMDB - AL) - Senador Aloizio Mercadante, em nome da Liderança do PMDB, eu gostaria de parabenizar V. Exª, que tem absoluta razão. O Brasil tem como vocação o crescimento econômico. Houve um período de mais de cinqüenta anos em que o Brasil foi o País que mais cresceu economicamente. Daí a enorme capacidade que tem de gerar superávit cada vez maior. Essa regra, essa concepção nova, essa visão que V. Exª defende, e que muita gente também defende, em todo o mundo - V. Exª mencionou economistas, especialistas, intelectuais que têm esse entendimento -, seria muito boa para nosso País. Se o Brasil crescesse mais, evidentemente teria um superávit maior e pagaria mais; se crescesse menos, teria um superávit menor sem sacrificar investimentos na infra-estrutura, sobretudo na área social. No que pudermos, modestamente, vamos colaborar com V. Exª para que esse debate seja aprofundado aqui no Senado Federal, para que possamos ter com o FMI e com outros organismos internacionais uma relação efetivamente melhor. Parabéns.

O SR. ALOIZIO MERCADANTE (Bloco/PT - SP) - Agradeço a intervenção do Senador Renan Calheiros, Líder do PMDB, maior Bancada nesta Casa, que tem um papel fundamental na atividade do Senado. Lembro-me da história do MDB e dos seus economistas. Alguns foram meus companheiros de universidade - colegas, professores - como Carlos Lessa, Maria da Conceição Tavares, João Manuel Cardoso de Mello, Luis Gonzaga Belluzzo, e tantos outros que assessoram diretamente o então Presidente Ulysses Guimarães. Tenho certeza de que comungam com essa tese, que já foi discutida com alguns reservadamente. Eles possuem grande simpatia por essa possibilidade e, assim, ajudarão a dar sustentação política, acadêmica, intelectual a esse esforço. A Bancada do PMDB no Senado pode ter um papel decisivo nessa negociação.

Muito obrigado, Senador Renan Calheiros.

Concedo um aparte ao Senador Rodolpho Tourinho.

O Sr. Rodolpho Tourinho (PFL - BA) - Senador Aloizio Mercadante, a idéia de V. Exª é muito própria, muito inteligente, muito adequada. Eu me permitiria, somente, dar duas sugestões: uma, de caráter interno, e a outra, relativa a esse relacionamento com o FMI. Esse relacionamento já foi discutido, mas há alteração de procedimentos contábeis, no sentido de considerar investimento e despesa. Em função disso, de alguma forma, as principais estatais brasileiras foram, e ainda estão, impedidas de investir. Os cálculos da Petrobras, há dois anos, indicavam que poderíamos ter atingido o equilíbrio entre consumo e auto-suficiência, o que não aconteceu porque, em virtude da falta de investimento, deixamos de produzir de cerca de 200 mil barris por dia. No ano passado, se não me engano, quase conseguimos isso do Fundo. Outra sugestão é referente aos Estados. O superávit primário, que é um problema nacional, acaba sendo considerado, única e exclusivamente, responsabilidade do Governo Federal, na gerência dos problemas do dia-a-dia. Haveria uma forma de os Estados também participarem desse empenho se recebessem algum benefício. Assim, haveria interesse deles na formação do superávit primário.

O SR. ALOIZIO MERCADANTE (Bloco/PT - SP) - Agora vou dirigir -me ao ex-Ministro Tourinho. Sei que V. Exª e a equipe econômica anterior, defenderam, com muita firmeza, uma mudança na concepção da contabilidade do gasto público, para separar o financiamento do investimento como conceito para o superávit primário. Isso permitiu, no acordo com o Fundo, que a Petrobrás mantivesse seu programa de investimento, o que foi uma conquista importante. Mas outros setores, incluindo o de energia elétrica, não estão inseridos nessa visão.

Nessa disputa de conceito, será mais fácil avançarmos nessa direção se projetássemos um superávit estrutural indexado à taxa de crescimento do PIB a médio e longo prazo. O Brasil tem um crescimento claro, tem regras claras, que serão alteradas em virtude da evolução da conjuntura econômica. Isso dará uma percepção do mercado financeiro e uma possibilidade de investimento, o que seguramente será o melhor para todos, especialmente para gerar emprego e produção no Brasil.

Ouço o Senador Tião Viana, Líder do nosso Bloco.

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT - AC) - Senador Aloizio Mercadante, desejo cumprimentar V. Exª pela conseqüência e oportunidade do pronunciamento que faz. V. Exª demonstra, com suas palavras, a profundidade que tem o Governo na área econômica, a responsabilidade com que tem tratado os momentos difíceis da política monetarista que o Brasil viveu, que nos asfixiaram, a subordinação a um referencial que tivemos com a economia nacional, quando o superávit causava, sem dúvida alguma, toda a inviabilidade de expansão da sociedade. Agora, o Governo afirma um otimismo com um cenário macroeconômico, olha com otimismo para o amanhã do nosso País, acredita no aumento das divisas, acredita na responsabilidade que tem no tratamento da dívida e olha para as suas potencialidades de maneira muito clara. Tivemos um debate com o Presidente do BNDES, que apontava o potencial de expansão, por exemplo, na indústria naval, na qual o Brasil paga US$6 bilhões por ano só para o transporte de mercadorias que chegam aqui. Isso pode ser uma receita invertida, uma receita nacional. O pronunciamento de V. Exª demonstra que é possível confiar e acreditar que o Brasil não pode abrir mão do aumento de divisas, de manter sua relação de responsabilidade no cenário com as instituições multilaterais e de acreditar que é possível olhar com a responsabilidade de quem tem um grande potencial, mas que não pode enfraquecer a sua sociedade. Acredito que essa é uma equação que não despreza a responsabilidade herdada com a política monetária, mas olha com a visão do desenvolvimento nacional, como algo sublime para o amanhã do nosso País. Parabéns! Trata-se de matéria acertada, com a experiência madura adquirida em países que têm características semelhantes e que têm dado certo. Muito obrigado.

O SR. ALOIZIO MERCADANTE (Bloco/PT - SP) - Senador Tião Viana, V. Exª tratou de um tema conexo a essa discussão, que é fundamental para a economia brasileira.

Hoje temos um volume de crédito em relação ao Produto Interno Bruto de apenas 23%. Somos um país sem crédito. E quanto a essa vocação de crescimento, o Prof. Carlos Lessa usou, no debate, segunda-feira, na Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos, a expressão de que o Brasil era um cavalo que tinha um freio apertado na boca e não conseguia correr. E esse freio é, fundamentalmente, a falta de crédito. Os Estados Unidos têm 115% do PIB de crédito, o Chile tem 85% do PIB de crédito e nós, que conseguimos fazer a agricultura crescer 30% em 2 anos, temos um volume de crédito de 23%.

O setor exportador brasileiro, que alavancou as exportações nesse cenário internacional de crise exportando 27% a mais nos últimos 3 meses, está sem crédito, com as linhas internacionais ainda voltando lentamente. Por isso mesmo, o Estado é o grande supridor de crédito. O BNDES, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, os investimentos são essenciais para alavancar o crescimento num país como o nosso.

Precisamos recuperar crédito, ter qualidade de crédito. O art.192, retirando os 12% da Constituição, diminui parte do risco, para diminuir a taxa de juros na ponta. Precisamos discutir a Lei de Falências, as reformas, tributária e previdenciária, o que vai nos ajudar a construir mais crédito. Se tivermos um superávit primário garantido a médio e longo prazo, mas associado ao nível de crescimento econômico, teremos garantia de um patamar de crédito de investimento público, essencial para conseguirmos um crescimento sustentado, ainda que moderado, nos próximos anos e superarmos as nossas dificuldades.

O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - Concede-me V. Exª um aparte, Senador Aloísio Mercadante?

O SR. ALOIZIO MERCADANTE (Bloco/PT - SP) - Passo a palavra ao nosso Líder, combativo e sempre presente em todos os momentos desta Casa, Arthur Virgílio, interlocutor antigo e agora com mais espaço neste plenário azul, que é bem melhor do que aquele verde, porque aqui podemos discutir com mais tempo e profundidade.

O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - Posso até dizer, Líder, que ficamos mais íntimos, até pela sobra de espaço. Queria parabenizar V. Exª pelo discurso oportuno. Antes de tecer os comentários sobre ele, desejo registrar que vejo a sua atuação como Líder crescer. É muito bom poder proclamar isso fazendo a oposição dura e às vezes inflexível que faço por dever, por obediência à democracia e ao povo. O povo disse: faça oposição - e eu aqui faço oposição - não ao Brasil, mas a eventuais equívocos que possam estar sendo cometidos pelo Governo, que tem um Líder do calibre de V. Exª. Vejo em V. Exª um Líder que se agiganta. O tema que traz hoje merece ser discutido a fundo: crédito, evitando soltar o crédito, evitando a chamada inflação de demanda, e por isso não tirei a razão do Governo Lula quando, agora mesmo, apertou o compulsório retido dos bancos. Um grande desafio seria lutarmos para em quatro anos termos inflação baixa, o mais perto de zero que possamos chegar, com crescimento em taxas que suponho que não deveriam estar abaixo de 4%, e, ao mesmo tempo, com a perspectiva de sustentar isso nos períodos que virão. Vejo que outro desafio é chegarmos com o crédito mais barato na ponta do consumo. Se tivermos, futuramente, taxas de juros básicas - digamos - de 12%, teríamos que ter um país que cobrasse na ponta do consumo 20% pelo crédito ofertado, além de se aumentar a própria oferta do crédito. Mas quero ficar no cerne do discurso de V. Exª. Deu certo no Chile, e V. Exª foi muito feliz e honesto ao dizer da diferença de como o Chile pode lidar com sua dívida interna, e o Brasil, que tem um quadro mais deficiente nesse campo. É uma idéia a ser analisada. Meu Partido a analisará com todo o respeito e apreço. Finalizo, Líder Aloizio Mercadante, dizendo que, para mim, há um diagnóstico que me aponta um esforço brutal da sociedade, o que gera crescimento baixo, juros mais altos e o quadro de uma certa letargia econômica há algum tempo. Temos cerca de 4,3% do PIB a título de ralo da Previdência pública, o geral da Previdência - isso é um brutal esforço -, e temos um superávit que agora está estipulado para chegar a 4,25%. Isso tudo dá algo em torno de 8,6% do PIB de esforço que a Nação brasileira faz, sem que esse esforço vire, a curto prazo, empregos e investimentos. É algo muito duro. Para mim, a política de superávit tem que ser mantida. A reforma da Previdência precisa ser feita. A oportunidade que terá o Governo de V. Exª de mostrar a face, o rosto, a cara e que quer efetivamente reformar, servirá para motivar a nós da Oposição, inclusive, e para mostrar que o Brasil assume um compromisso muito claro num processo de não cair em default, de resgatar seus compromissos internos e externos o tempo inteiro. Portanto, o princípio do superávit sendo mantido, o Brasil aprofundando seu compromisso com votar reformas profundas nas estruturas que ainda, em grande parte, são carcomidas, poderá paralelamente a isso discutir pontos que julgo bastante atraentes, como, por exemplo, a idéia de se vincular o pagamento de dívida e o esforço de superávit aos momentos de maior e de menor bonança. Faríamos uma espécie de fundo - esse fundo funciona no Chile, repito, muito bem -, que deixaria o Brasil cumprindo, talvez com a média do que hoje ele cumpre, sendo menos sacrificado na hora da dificuldade e não tendo tanta folga na hora da bonança maior. É um debate que temos que introduzir na Casa e nesse nível. Temos que ir para o varejo, muitas vezes, mas é muito bom irmos para o macro. V. Exª está de parabéns pela iniciativa - eu não poderia nunca perder a oportunidade de me colocar na tentativa de ficar em acordo com V. Exª e este é um momento muito bom. Ainda não digo que estou de acordo, mas estou a caminho de ver qual é a perspectiva real dessa coincidência. No mais, insisto que, se mantivermos o princípio do superávit, de sempre “superavitar” a economia, o Brasil um dia poderá - e não é para já - ser superavitário, quem sabe até do ponto de vista nominal. Esse é o grande objetivo de longo prazo da Nação, objetivo a ser alcançado por quem maneja a nossa economia, através de vários governos que se vão sucedendo uns aos outros, pelo próprio jogo democrático. A idéia de V. Exª merece respeito e o Partido irá analisá-la. Parabéns! Volto a reafirmar que o calor com o qual me jogo à luta defendendo as minhas posições - que muitas vezes não são coincidentes com as posições de V. Exª - ao contrário de diminuírem o apreço e a admiração que sinto por V. Exª, aumentam. Tenho algo que é da minha personalidade: acabo gostando muito das pessoas que me enfrentam com a lealdade que V. Exª o faz. Muito obrigado.

O SR. ALOIZIO MERCADANTE (Bloco/PT - SP) - Senador Arthur Virgílio, nada disso que estamos fazendo aqui foi combinado, é absolutamente espontâneo e, por isso, mais verdadeiro. Acredito que o sentimento seja recíproco e que a lealdade seja um valor fundamental na política, assim como a coerência, acreditar nos princípios, ter posição. Lembro-me do Senador Renan Calheiros outro dia falando que V. Exª tem posição. Ter posição, ter lado na vida é decisivo no processo político. V. Exª tem lado, tem posição, tem combatividade, é duro, implacável e às vezes um pouco injusto. Eu, como Governo, faço questão de dizer isso. V. Exª, muitas vezes, disse a mesma coisa nos embates que fizemos no passado e que fazemos hoje. Isso tem engrandecido a discussão política. É muito importante um Governo saber ouvir a Oposição, aprender com ela, corrigir seus erros, não ter arrogância e prepotência. Temos que avançar na qualidade do debate político do País.

Quando V. Exª estava falando, lembrei-me de algo interessante. Qual é a diferença entre a política e a cultura? A política precisa muito mais da cultura do que a cultura da política. Aprendemos com a cultura. A disputa pelo poder é sempre a destruição do outro, só há lugar para um. Quando se disputa um cargo, só há uma vaga. Na cultura não. Quando um compositor faz uma música, outros podem cantá-la, é muito mais fácil distribuir a cultura, socializá-la e conviver em seu mundo. São dois mundos distintos, mas podemos aprender com a cultura. Existem algumas teses e algumas idéias que podem ser de todos e, sendo de todos, são muito melhores e muito mais fortes. Essa é uma idéia que não é minha, mas que abracei.

O Presidente do Banco Central Armínio Fraga defendia essa idéia. Ele não levou essa idéia a público porque, na função em que estava e no momento que atravessávamos, não era apropriado tocar nesse tema. Tanto é assim que nunca tratei desse tema publicamente, nunca vazou uma nota e discuti longamente com Armínio, que foi um dos entusiastas da matéria, tendo inclusive levantado artigos e textos. S. Exª mostrou no mundo acadêmico internacional quem estava defendendo a proposta. Era disposição dele defender a idéia e chegou discuti-la com vários economistas, como Roberto Lavagna, com os Ministros da Fazenda do Chile e do México. Sinto que essa é uma idéia muito convergente e promissora.

Tenho por isso absoluta convicção de que, se aprofundarmos o debate no Senado, vamos ajudar o Brasil nessa direção. Entendo que o Governo, assim como o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, que tinha a devida cautela, não pode propor isso imediatamente. Eu diria que não pode sequer andar nessa direção no próximo ano, pois ainda é cedo. Temos de avançar nas reformas tributária e previdenciária, mostrar o compromisso com a responsabilidade fiscal, fazer o esforço para avançar nas exportações e no saldo comercial para ganhar confiança, credibilidade e apoio para as iniciativas mais inovadoras. Mas podemos desde agora abrir o debate.

Por isso estamos sugerindo que a LDO, que tem metas para o próximo ano, mas tem diretrizes para os anos de 2005 e 2006, que poderão ser debatidas ao longo de um ano, já deveria apontar essa concepção.

Então, para 2005 e 2006, estamos propondo essa possibilidade de indexação do superávit primário ao PIB, de abrir essa discussão no Congresso Nacional com a sociedade brasileira, com os credores, nos organismos multilaterais.

O Sr. Sibá Machado (Bloco/PT - AC) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ALOIZIO MERCADANTE (Bloco/PT - SP) - Ouço V. Exª antes de concluir.

O Sr. Sibá Machado (Bloco/PT - AC) - Senador Aloizio Mercadante, em primeiro lugar, quero saudar e parabenizar V. Exª pelo discurso de hoje. Desde o momento em que o conheci, quando V. Exª era Assessor para Políticas Econômicas, da Central Única dos Trabalhadores, e na época eu era Presidente da CUT, no Estado do Acre, eu ouvia atentamente, as suas formulações às quais eu tentava reproduzir da maneira que podia, naquele Estado. V. Exª como Líder do Governo no Congresso Nacional, muito tem contribuído para o engrandecimento das duas Casas; é uma pessoa que tem mantido o equilíbrio, o respeito, a coerência e determinação, superando inclusive minhas expectativas. Esta Casa se engrandece com seus debates; o PT, tem grande respeito por V. Exª. Gostaria de continuar observando-o e tendo acesso aos textos redigidos por V. Exª - acabei de ler o seu artigo publicado recentemente. A nossa Casa, o Brasil e o Governo ganharão muito com a sua intervenção, contribuição e atuação. Parabéns! Todos nós, aqui, também estamos de parabéns. Obrigado.

O SR. ALOIZIO MERCADANTE (Bloco/PT - SP) - Senador Sibá, V. Exª agora acaba de me comprometer definitivamente. Não pela condição de assessor econômico do movimento sindical e posteriormente da CUT, mas porque isso já faz 20 anos.

Então, vemos que o tempo passou e não estamos mais tão jovens. E eu termino com isso: exatamente porque não estamos tão jovens, porque são 30 anos de militância, 22 anos de construção do nosso Partido, e eu diria que precisamos ter mais pressa, mais seriedade e mais responsabilidade, mas não perder a perspectiva de ousar e de inovar.

Então, eu acredito que a definição do governo por esse caminho é ousada, mas madura, equilibrada, responsável e, tenho certeza, aumentará a credibilidade do Governo Lula, não apenas por defender uma proposta promissora no mundo intelectual acadêmico, mas, sobretudo, por apresentá-la com todo o cuidado que o momento econômico exige.

Não devemos nos precipitar e impor, mas devemos construir e convencer para poder, de fato, abrir o espaço na nossa política econômica e, com isso, permitir um desenvolvimento sustentado e duradouro tão fundamental para reverter a exclusão social, para melhorar o salário, o emprego e a renda do povo, que é a razão maior do nosso mandato.

Eu agradeço a generosidade da Mesa e dos demais participantes deste plenário. Tenho certeza que saio bastante motivado com essa discussão e convencido de que o Senado Federal estimulará esse debate e contribuirá decisivamente para este processo. E, como em outros momentos que tivemos neste Plenário, ela será uma proposta coletiva da instituição e, espero, uma proposta da nação para que possamos abrir espaço para o crescimento e para o emprego e, diria, para um desenvolvimento sustentado no País.

Muito obrigado, Srª Presidente.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/04/2003 - Página 7189