Discurso durante a 38ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Abordagem das causas da violência no Brasil. Mudança da legislação para combater o aumento da violência.

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Abordagem das causas da violência no Brasil. Mudança da legislação para combater o aumento da violência.
Aparteantes
Ney Suassuna.
Publicação
Publicação no DSF de 16/04/2003 - Página 7780
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • REGISTRO, MOBILIZAÇÃO, NATUREZA POLITICA, CONGRESSO NACIONAL, ANALISE, PROBLEMA, SEGURANÇA PUBLICA.
  • LEITURA, TRECHO, PUBLICAÇÃO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, GAZETA MERCANTIL, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), GRAVIDADE, DESIGUALDADE SOCIAL, ZONA RURAL, ZONA URBANA, BRASIL.
  • APRESENTAÇÃO, INFORMAÇÕES, ESTATISTICA, INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA (IPEA), REDUÇÃO, SALARIO, TRABALHADOR, AUMENTO, DESEMPREGO, AMBITO NACIONAL.
  • EXPOSIÇÃO, DADOS, SECRETARIA DE SEGURANÇA PUBLICA, COMPARAÇÃO, INCIDENCIA, CRIME, VITIMA, PESSOA FISICA, COSTUMES, CRIME CONTRA O PATRIMONIO, ESTADOS, BRASIL.
  • COMENTARIO, GRAVIDADE, DESIGUALDADE SOCIAL, EXCESSO, POBREZA, EFEITO, AUMENTO, VIOLENCIA, PAIS, NECESSIDADE, EMPENHO, CRIAÇÃO, POLITICA SOCIAL, CONCESSÃO, IGUALDADE, OPORTUNIDADE, DEFESA, ALTERAÇÃO, LEGISLAÇÃO, EFETIVAÇÃO, DIREITOS, CIDADÃO, SOLUÇÃO, CRISE, SEGURANÇA PUBLICA.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, neste momento em que todo o País discute o aumento da violência pública e o clamor popular se reflete no Congresso Nacional, com a realização da Semana da Segurança Pública, na Câmara dos Deputados, e já tendo o Senado Federal instalado os trabalhos da Subcomissão de Segurança Pública, presidida pelo Senador Tasso Jereissati, que, em reunião extraordinária, ouviu especialistas como a Secretária Nacional de Justiça do Ministério da Justiça, Srª Cláudia Chagas; o juiz do Tribunal de Alçada do Estado de São Paulo, Dr. Walter Maierovitch; o Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, Dr. Luiz Antônio Marrey e o Coronel José Vicente Filho, do Instituto Fernand Braudel, abordo o tema aqui, mas sob a ótica das causas da violência.

Para os que vivem nos grandes centros urbanos, tornou-se obrigatório inteirar-se das causas que, sobretudo, contribuíram para a degradação das cidades, sobressaindo a violência e o desemprego.

A escalada de crimes contra a vida e o patrimônio só é superada pelo sentimento de medo que perpassa ricos e pobres. Por outro lado, o nível de tolerância das pessoas para com a frustração, o desencanto, a discórdia e o desentendimento está mais baixo do que nunca. E reagem com atitudes violentas. Essa é a face das pessoas agressoras. Não há um só dia em que o jornal não dê notícia sobre isso.

Que valores marcam as nossas relações? Será que somos, historicamente, povo paciente, tolerante, como querem nos fazer crer? 

A sociedade de consumo com crescente variedade de apelos para o valor do “ter” e a iníqua desigualdade social que marca nosso País são um pano de fundo para esse cenário. Esse pano se turva, mais ainda, com a não efetivação dos direitos à cidadania.

Um fato é bastante esclarecedor e pode ser ilustrado pelos dados fornecidos por Maria Clara do Prado, publicado na Gazeta Mercantil, em 7 de novembro de 2002, cujo trabalho foi avalizado pelo sociólogo Ronaldo Garcia Coutinho, do Ipea. Diz esse estudo:

A iniqüidade social sem precedente que estamos vivendo é tão assustadora que, na trilha atual, necessitaríamos de 348 anos para que toda a população, urbana e rural, estivesse igual ou acima de um nível mínimo de condições de vida digna.

A ausência de políticas sociais, pode-se dizer, é uma das causas centrais da violência. A falta de acesso à saúde, ao lazer, à cultura e ao trabalho faz aumentar a violência, particularmente entre os adolescentes pobres, excluídos de todo um sistema consumista e de valores que não representam sequer seus tipos físicos. Eles encontram na quadrilha de narcotráfico a aceitação que não encontram na sociedade.

A bem da verdade, um dos principais motivos para o aumento da exclusão foi o fato de o conjunto de serviços da cidade não ter crescido, especialmente para atender o segmento jovem de seus moradores, ou seja, acabou-se com os espaços públicos da sociabilidade.

No Brasil, no ano 2000, foram assassinados 17.662 jovens entre 15 a 25 anos. A mortalidade média nacional para os jovens nessa faixa de idade foi de 52 por 100 mil. Em todo o País, a mortalidade entre os jovens disparou de 35 mil para 52 mil, entre 1990 e 2000, um aumento de quase 50%, que levou o Brasil a subir para a condição de terceiro pior país do mundo nesse aspecto - acima do Brasil estão apenas Colômbia e Porto Rico.

Por outro lado, o desemprego e o baixo rendimento salarial acentuaram, sem dúvida, apesar de posições contrárias, o fomento da violência. Segundo o Ipea, o rendimento médio do trabalhador brasileiro chegou ao final de 2002 com perda estimada de 0,74%, durante os oito anos do real. No final de 1994, o salário médio do trabalhador brasileiro era de R$664,93 e, no final de 2002, chegou a R$660,00, em valores de 2000. O Brasil, em 1980, tinha 2,6% da População Economicamente Ativa (PEA) e apenas 1,7% dos desempregados globais. No ano 2000, sua participação na População Economicamente Ativa tinha crescido para 3%, mas seu percentual no desemprego global tinha mais que quadruplicado (7,1%). Em termos percentuais, o Brasil, em 1980, era o 91º país com maior índice de desemprego, com 2,2%. Em 1990, com 3% de desemprego, ocupava o 78º lugar no mundo. Em 2000, a taxa de desemprego foi de 15% e o País “subiu” para 23º lugar.

Efetivamente, o desemprego não começou a crescer nos últimos anos, mas dados da revista do Deputado Sérgio Miranda, nosso querido amigo do PCdoB, nos dizem que a ausência de política social multiplicou por três o desemprego no País: de 4,5 milhões de pessoas, em 1995, para 11,5 milhões - na média, um milhão de desempregados a mais por cada um dos últimos oito anos.

O resultado disso tudo foi o aumento da violência. O retrato da situação de criminalidade no Brasil é disponibilizado à sociedade brasileira pela Secretaria Nacional de Segurança Pública, com informações estatísticas dos índices de criminalidade nas capitais do País cujos dados são oriundos das Secretarias Estaduais de Segurança Pública.

As informações são agrupadas segundo a tipologia criminal, sistematizada em três grandes grupos: crimes contra a pessoa; crimes contra os costumes e crimes contra o patrimônio. As taxas apresentadas são calculadas por 100 mil habitantes, para permitir a comparabilidade entre capitais com diferentes tamanhos de população.

Faço aqui uma ressalva que torna a questão muito mais grave. As informações refletem parcialmente a realidade criminal, uma vez que os registros são lançados com base no processo de notificação e, segundo pesquisas sobre vitimização realizadas pelas Nações Unidas, os organismos policiais registram, em média, apenas um terço dos crimes ocorridos.

Srªs e Srs. Senadores, no Brasil como um todo, se compararmos as taxas de criminalidade do primeiro semestre de 2001 com o mesmo período de 2002, no grande grupo de crimes contra a pessoa, concluíremos que houve aumento nas taxas de homicídio em treze capitais (Palmas, Teresina, Florianópolis, São Luís, Manaus, Goiânia, João Pessoa, Salvador, Curitiba, Aracaju, Rio Branco, Recife e Rio de Janeiro). Separando-se por região, temos: na Região Norte, Manaus aparece com um aumento de 12,32%, de 2001 para 2002. Na Região Nordeste, São Luís foi a capital que teve o maior aumento nos homicídios, 92,41%; enquanto que, no Sudeste, o destaque ficou com o Rio de Janeiro - isso até o ano passado -, que apresentou um crescimento de 19,35%. Já no Sul e no Centro-Oeste, respectivamente, o aumento foi de 9,69% e 9,7% em Curitiba e Goiânia.

Entre dados expressivos, destacam-se a queda abrupta da criminalidade em Belém (44,02%), e aumentos substanciais em São Luís (92,41%), Recife (45,70%) e, como citei anteriormente, infelizmente, na nossa querida Aracaju (61,11%).

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE) - Com muito prazer, concedo o aparte a V. Exª, Senador Ney Suassuna.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Quando olhamos as estatísticas da violência - e V. Exª faz muito bem em bater mais uma vez nessa tecla, porque temos realmente que frear a violência -, vemos que são assustadoras. E perguntei-me já muitas vezes o porquê do seu aumento. Talvez porque, apesar de querermos proibi-las, existam armas de fogo por todo canto. Mas a violência, muitas vezes, não acontece com o uso da arma de fogo. Então, por que ela aumentou tanto? Talvez porque a população tenha descoberto que matar uma pessoa dá, no máximo, seis anos de cadeia. Se o assassino for primário e tiver bom comportamento, em seis anos estará livre, se não antes. Portanto, devemos mudar a nossa legislação, tornando as penas cumulativas. Eu disse outro dia na Subcomissão Permanente de Segurança Pública - fui um dos que a subscreveram, com o Senador Tasso Jereissati - que assisti estarrecido, na televisão, esse cidadão que acabou de fugir de novo da Febem dizer que já matara nove pessoas e que, quando saísse teria uma lista de dez para matar. Segundo ele, matar é tão gostoso quanto comer um prato de feijão, arroz e carne. E, com toda a certeza, como as penas não são cumulativas, com uma ajeitadinha em seu comportamento, em seis anos ele estará livre para matar outros - se não fugir de quando em vez, porque as nossas penitenciárias estão muito vulneráveis. Eu me solidarizo com V. Exª, mas me preocupa muito ver a situação do Brasil. Em toda a guerra do Iraque, por exemplo, morreram 118 americanos. Cento e dezoito pessoas morrem, num final de semana, no Estado do Rio de Janeiro, ou em qualquer região nossa, com toda certeza, por mês. É estarrecedor! V. Exª tem toda razão de estar preocupado e de nos lembrar tema tão importante. Parabéns.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE) - Senador Suassuna, V. Exª, que não é apenas um cidadão da Paraíba, mas também um cidadão carioca, com o conhecimento que tem da violência que recrudesce em nosso País, tem autoridade suficiente para falar sobre esse assunto, sobre essa matéria. De fato, uma nova legislação tem que surgir o mais rápido possível, seja da iniciativa do Senado ou da Câmara dos Deputados, para a contenção da onda de violência que existe em nosso País, inclusive estimulada pela impunidade, resultante de uma legislação falha, equivocada, envelhecida, que não acompanha a realidade dos nossos tempos. Além de uma legislação dura, que não permita que criminosos reincidentes voltem a cometer crimes, nós temos que adotar uma política social mais abrangente, uma política de valorização do homem nordestino, para que ele não seja considerado, no sul do País, um excluído, um homem a mais, uma mulher a mais. Mas para que o nordestino seja considerado um cidadão brasileiro como outro qualquer, para que não haja diferenciação entre regiões, entre pessoas, entre sociedades, porque fazemos parte de uma mesma sociedade, que é a brasileira. De forma que agradeço a V. Exª e incorporo as suas palavras ao meu discurso, com muita alegria.

Sr. Presidente, o nível de degradação da sociedade pode ser medido também pelos chamados “crimes contra os costumes”, que são, por exemplo, o estupro e o atentado violento ao pudor. Todavia, as conclusões baseadas nos dados oficiais referentes aos crimes contra os costumes devem ser relativizadas, visto que a subnotificação é expressiva nos casos de crimes de natureza sexual. Ou seja, as pessoas ofendidas têm algum receio de entregar à polícia o criminoso. Dados de pesquisa patrocinada pelo Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República revelam que apenas 14% das vítimas de agressões sexuais entrevistadas em São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Vitória, procuraram as autoridades para registrar queixa.

O crime de estupro diminuiu em 14 capitais, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública (Porto Velho, Boa Vista, São Luís, Aracaju, Belém, Rio Branco, João Pessoa, do Senador Efraim, Vitória, Maceió, Fortaleza, Salvador, Rio de Janeiro, Porto Alegre e no Distrito Federal), e aumentou nas demais. Os crimes de atentado ao pudor seguem a mesma tendência, demonstrando alto índice de correlação com o crime de estupro.

O que chama a atenção na violência consubstanciada nos crimes contra os costumes é que, na metade dos casos (48%), os incidentes sexuais ocorrem perto ou dentro da casa da vítima e freqüentemente vítima e autor se conhecem (38% dos casos).

O Boletim da Secretaria Nacional de Segurança Pública é restrito ao primeiro trimestre de 2001 e 2002 e incompleto para algumas capitais e tipos penais, pois várias Secretarias de Segurança Pública não forneceram informações.

Todavia, esses dados muito bem espelham a realidade da criminalidade no Brasil. Esse aumento foi devido ao empobrecimento de nossa Nação, à falta de políticas sociais adequadas, afinal de contas a criminalidade e a violência são fenômenos cuja origem se deve essencialmente a fatores de natureza econômica, à privação de oportunidades, à desigualdade social e à marginalização.

Sr. Presidente, esse é o contributo que trago, hoje à tarde, a esta Casa sobre uma questão que, efetivamente, representa uma das preocupações maiores do povo brasileiro: o aumento da violência. A violência recrudesce não apenas nas Capitais brasileiras, mas também nas cidades do interior e até na própria zona rural, no meio do campo, que antes era um oásis de paz e de tranqüilidade e que, hoje, infelizmente, também sofre com a violência que atinge o homem que vive do trabalho e quer sustentar a sua família.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/04/2003 - Página 7780