Pronunciamento de Ana Júlia Carepa em 15/04/2003
Discurso durante a 38ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Necessidade de se implementar um novo modelo de desenvolvimento para a região amazônica.
- Autor
- Ana Júlia Carepa (PT - Partido dos Trabalhadores/PA)
- Nome completo: Ana Júlia de Vasconcelos Carepa
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
- Necessidade de se implementar um novo modelo de desenvolvimento para a região amazônica.
- Publicação
- Publicação no DSF de 16/04/2003 - Página 7839
- Assunto
- Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
- Indexação
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- REFORÇO, DISPOSIÇÃO, ORADOR, BUSCA, PLANEJAMENTO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, REGIÃO AMAZONICA, IMPORTANCIA, CONCILIAÇÃO, DESENVOLVIMENTO, PRESERVAÇÃO, MEIO AMBIENTE, RESPEITO, CULTURA, POPULAÇÃO, REGIÃO.
- COMENTARIO, REALIZAÇÃO, BRASILIA (DF), DISTRITO FEDERAL (DF), CONFERENCIA, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, OCORRENCIA, TROCA, EXPERIENCIA, PAIS ESTRANGEIRO, LOCALIZAÇÃO, REGIÃO AMAZONICA, BUSCA, ERRADICAÇÃO, DIFICULDADE, DESENVOLVIMENTO, REGIÃO.
- REGISTRO, EXISTENCIA, PARCERIA, ORGÃO PUBLICO, INICIATIVA PRIVADA, POPULAÇÃO, CONTRIBUIÇÃO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, AUMENTO, RENDA, REDUÇÃO, POBREZA, REGIÃO AMAZONICA.
- DEFESA, ARTICULAÇÃO, MINISTERIOS, PLANEJAMENTO, DESENVOLVIMENTO, REGIÃO AMAZONICA, REFORÇO, VIGILANCIA, IMPEDIMENTO, CONTRABANDO, RECURSOS NATURAIS, EXPECTATIVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, EFETIVAÇÃO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL.
A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - PA) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na primeira vez em que ocupei esta tribuna, tratei de um tema central para a minha região e para o Brasil: falei sobre a necessidade de se implementar um novo modelo de desenvolvimento para a região amazônica.
Na abordagem que fiz, enfatizei que o povo da minha região não suporta mais modelos que vêm de fora; modelos que vêm prontos, copiados de outras realidades, ou, ainda, feitos em “laboratório”, da inspiração de “privilegiados”, de mentes brilhantes que vivem nos gabinetes e não conhecem a realidade amazônica.
Pois bem, volto ao tema porque, ao compreender a sua importância, farei do mandato de senadora, que me foi outorgado pelo povo do Pará, um instrumento em defesa da construção de um novo modelo de desenvolvimento para Amazônia que considere a sua realidade, que respeite as suas peculiaridades e que tenha a capacidade de conciliar desenvolvimento com preservação.
Estamos falando, Sr. Presidente, da região que abriga a maior bacia hidrográfica do planeta. Estamos falando da região que guarda em seu subsolo algumas das maiores reservas minerais do mundo e, ainda, nas suas florestas, a maior diversidade biológica. E, quando se fala em toda essa riqueza, em toda essa diversidade, não se pode esquecer que lá também vivem 20 milhões de pessoas diversas na raça, na cultura e no conhecimento.
Motivaram-me voltar ao tema, nesta tarde, em primeiro lugar, uma viagem que fiz à região de Carajás, nos municípios de Canaã dos Carajás; Curionópolis e Eldorado dos Carajás; e, em segundo lugar, um workshop que ocorreu em Brasília há poucos dias, ao qual tive a oportunidade de estar presente em um dos seus painéis de debate, quando foram abordados temas relacionados à iniciativas de projetos sustentáveis.
Quero, portanto, registrar aqui a realização desse workshop denominado: “Ampliando Iniciativas Sustentáveis na Amazônia: de Projetos Pilotos a um Desenvolvimento Regional”. Esse evento reuniu participantes do Brasil, Bolívia, Equador, Venezuela e Colômbia, e foi organizado e promovido pela Universidade Federal do Pará, por intermédio do sistema POEMA - Pobreza e Meio Ambiente na Amazônia, em parceria com o Banco Mundial, além de outros organismos internacionais privados.
Nos dois dias de intensos debates e profundas reflexões, foram relatadas experiências piloto que estão sendo desenvolvidas nos vários países amazônicos, com a perspectiva do desenvolvimento sustentável. Foram também pontuados os gargalos, as dificuldades que esses experimentos tiveram e que nos permitem, de forma ampla e abrangente, prever ações necessárias, do ponto de vista governamental, que possibilite implementar na região um novo modelo de desenvolvimento.
Conhecendo a região como conheço, Sr. Presidente, conhecendo as mazelas que estão sendo deixadas por um processo de desenvolvimento arcaico, predatório e devastador, que não respeita nem consideram as peculiaridades da Amazônia, é de fato empolgante tomar conhecimento dos resultados desse workshop, onde foram apresentados experimentos exitosos, desenvolvidos em vários países da região amazônica, numa prova concreta de que é possível promover projetos que gerem desenvolvimento econômico e social, conciliando isso com responsabilidade ambiental.
Uma, entre as experiências relatadas, foi a do POEMA - Pobreza e Meio Ambiente na Amazônia que, em cooperação com parceiros de instituições públicas, da sociedade civil e do setor privado, conseguiu incentivar a organização própria das comunidades rurais, em torno de suas necessidades básicas, o uso sustentável de seus espaços produtivos - roçados, quintais e áreas extrativas - procurando aumentar a renda das famílias envolvidas com estratégias de agregação de valor às matérias-primas por elas produzidas.
Com essa estratégia e com esse espírito, conseguiu-se, por exemplo, implementar no nordeste paraense a cadeia produtiva da fibra do coco, envolvendo desde o plantio até a produção de fibras, das mais diversas qualidades e utilizações no mercado.
Portanto, Srªs e Srs. Senadores, com o uso do conhecimento popular e também do conhecimento científico por meio de novas tecnologias, com a cooperação que envolveu várias parcerias, entre as quais: a própria comunidade; o sistema POEMA/UFPA; o Governo do Estado do Pará; o Banco da Amazônia; o Ministério da Ciência e tecnologia; a FINEP; o CNPq; instituições de financiamentos internacionais e também empresas, como a DeimelerCrysler, entre outras, conseguiu-se implementar iniciativas de combate à pobreza com o uso sustentável dos recursos naturais. São projetos que coadunam o respeito à realidade local, ao meio ambiente, mantendo a atenção necessária para o mercado e para a viabilidade econômica, condições primordiais para o envolvimento da iniciativa privada.
A cadeia produtiva do coco envolve hoje cerca de 5.000 pessoas de 17 comunidades rurais. A extração da fibra se dá em 7 agroindústrias comunitárias no interior do estado do Pará, que comercializam o produto no mercado local para a indústria POMATEC. Para se ter uma idéia, nos caminhões da Mercedes-Benz, o produto é utilizado na confecção de encostos para assentos.
Essa é uma experiência rica e exitosa, que teriam vários aspectos que poderíamos ressaltar aqui para que V. Exªs pudessem perceber com maior profundidade, o sentido do que estou aqui relatando e argumentando. Mas vou preferir, exatamente, abordar os percalços, melhor ainda, as lições e os desafios que experiências com esta, nos coloca e que precisamos refletir para, de algum modo, agir e contribuir para a multiplicação de projetos como este que, entendo, é adequado para o desenvolvimento da região Amazônica.
São grandes os desafios em relação à construção de políticas públicas na direção de um novo modelo de desenvolvimento para a Amazônia, que tenha por princípio: agregar conhecimentos científicos e tecnológicos, percebendo, antes, as verdadeiras vocações da região; compreender os limites e as possibilidades de abstrair riquezas de sua realidade diversa, que não pode ser destruída e nem devastada e, ainda, o respeito ao modo de vida e ao conhecimento tradicional das populações que ali vivem e precisam ter prioridade nos frutos do desenvolvimento.
Uma primeira questão que precisamos responder é: como a inserção do Estado Nacional, no contexto do mundo globalizado, vem afetando a formulação e a implementação de políticas de desenvolvimento sustentável para a Amazônia?
Precisamos responder ainda a esta pergunta: como ampliar a articulação entre o setor privado, setor público e organizações não governamentais, para fortalecer um novo processo de desenvolvimento amazônico que seja sustentável do ponto de vista ecológico e também do ponto de vista econômico e social e que promovam verdadeiramente a redução da pobreza e das desigualdades regionais?
Não são poucos os desafios que se tem para superar o modelo de desenvolvimento, hoje predominante na região. Modelo este que tem concentrado ainda mais as riquezas e promovido, muitas vezes com recursos públicos, a destruição de grandes extensões de terra para o desenvolvimento de uma atividade inadequada, expulsando muitas vezes o caboclo, o índio, enfim, o nativo que ali vive e deveria ser a prioridade.
Arrisco dizer que os problemas econômicos, sociais e ambientais da região são de ordem política. Até aqui, os governos se limitaram a fazer um diagnóstico, a identificar os problemas, mas não tiveram a capacidade de interferir na realidade, de direcionar o desenvolvimento, de impedir que formas predatórias de ações governamentais e também privadas continuassem a proliferar e produzir destruição e desigualdade social.
No governo Lula, essa realidade precisa ser mudada e o será. Não é possível que as instituições de desenvolvimento que atuam na região continuem financiando projetos que não se coadunem com esse novo modelo de desenvolvimento. Não é possível que no atual governo continuemos a gastar mais em combate às queimadas na região amazônica do que em programas para desenvolver e difundir alternativas à utilização de fogo na preparação de roçados.
No momento em que se estrutura a Agência de Desenvolvimento da Amazônia - ADA, em substituição à SUDAM, na implementação dos incentivos fiscais para o desenvolvimento da região, é necessário discutir-se o tipo de projeto que serve à região e, portanto, que deva receber o incentivo governamental.
As ações do governo federal, e também dos governos estaduais, precisam ser mais bem articuladas. O Ministério do Meio Ambiente e o Ibama precisam conversar com o Ministério da Integração Nacional, que, por sua vez, tem de dialogar com o Ministério da Ciência e Tecnologia e da Indústria e Comércio e também o da Justiça, da Agricultura, da Reforma Agrária, enfim, não dá mais para cada um fazer o que quer e bem entende, sem que se tenha uma única direção um único objetivo. Uma ação coordenada e sincronizada.
A região amazônica tem de virar prioridade. Cabe ao governo federal, em sintonia com os governos estaduais, implementar de ações estruturantes na direção de um novo modelo de desenvolvimento para a Amazônia.
É preciso fazer um amplo debate sobre as mudanças de eixo nas políticas para o desenvolvimento da Amazônia, envolvendo as Universidades, toda comunidade científica, setores empresariais e setores estratégicos do governo. O mundo inteiro sabe da importância estratégica da Amazônia, e nós, que vivemos aqui e temos responsabilidade sobre ela, não damos a devida atenção à região.
É imprescindível enfrentar o problema das ações irregulares na região. São necessárias ações mais efetivas das Forças Armadas e da Polícia Federal. É necessária a ação governamental forte, por meio do Ministério da Ciência e Tecnologia e das universidades, no sentido de ampliar o conhecimento sobre a Amazônia e também no processo de proteção desse conhecimento. Hoje, empresas de países com maior desenvolvimento tecnológico estão patenteando as nossas riquezas e não fazemos absolutamente nada.
Por tudo isso, é necessário que o governo federal assuma, com a maior urgência possível, o seu papel no sentido de unificar e tornar simétrica as ações governamentais e a definição de políticas públicas para a região, concentrando e somando esforços numa única direção. Hoje os investimentos governamentais na Amazônia são parcos, quando comparados com os aplicados nas outras regiões do país e, ainda, considerando o tamanho da nossa economia. E o mais grave: os poucos investimentos que são efetivamente realizados, em grande parte, vão para projetos inadequados, portanto, são mal aplicados. Isso precisa acabar.
Precisamos de ação, Sr. Presidente. Daqui do Senado podemos dar a nossa parcela de contribuição. Somos 27 senadores da região amazônica. Aproveito esta oportunidade para comunicar que estou mantendo contato com os órgãos desta Casa no sentido de realizar um grande seminário sobre as políticas públicas para a Amazônia na perspectiva de um novo modelo de desenvolvimento. A intenção dessa iniciativa é provocar o debate, é trazer para esta Casa representantes das universidades da região, dos órgãos de fomento e dos ministérios, cuja atuação é estratégica para a região, para juntos discutirmos o desenvolvimento da Amazônia.
Os projetos que estão sendo experimentados na região prenunciam o surgimento de um novo modelo de desenvolvimento com a participação maior do cidadão que vive na região e isso precisa ser incentivado, discutido e aprofundado em nível de ação estratégica de governo.
Volto a afirmar: os problemas da Amazônia hoje são de ordem política, eles estão vinculados ao processo de tomada de decisão. Não se pode falar no enfrentamento da fome, da miséria, da geração de emprego, sem falar em projetos que incluam o cidadão e tenham sintonia com a realidade local. Não se pode falar do enfrentamento do narcotráfico, da grilagem de terras, da exploração do trabalho escravo e da exploração ilegal de madeira, sem que se considere a necessidade de uma presença mais efetiva do estado na região. Não se pode falar em proteção da floresta e da biodiversidade, sem que se pense em unir conhecimento popular e conhecimento científico com investimentos pesados nessa área.
O desenvolvimento da Amazônia passa necessariamente pela implementação de projetos sustentáveis, do ponto de vista social, econômico e ambiental. E projetos que trilham nessa direção prescindem de uma articulação que necessariamente passa pelo agente público, por organizações da sociedade civil e, por fim, pelo setor privado. E isso não ocorre em larga escala, se não houver vontade política.
Era o que tinha a dizer.
Muito obrigada.