Discurso durante a 40ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Análise sobre o setor elétrico brasileiro.

Autor
Delcídio do Amaral (PT - Partido dos Trabalhadores/MS)
Nome completo: Delcídio do Amaral Gomez
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ENERGIA ELETRICA.:
  • Análise sobre o setor elétrico brasileiro.
Aparteantes
Antonio Carlos Magalhães, Mão Santa, Ney Suassuna, Rodolpho Tourinho, Romero Jucá.
Publicação
Publicação no DSF de 17/04/2003 - Página 7971
Assunto
Outros > ENERGIA ELETRICA.
Indexação
  • COMENTARIO, HISTORIA, SETOR, ENERGIA ELETRICA, PAIS.
  • QUESTIONAMENTO, MOTIVO, INEFICACIA, MODELO, SISTEMA ELETRICO, ADOÇÃO, BRASIL, OMISSÃO, CONSELHO NACIONAL, POLITICA ENERGETICA, DEFINIÇÃO, POLITICA, MATRIZ ENERGETICA.
  • DEFESA, NECESSIDADE, AGENCIA NACIONAL DE ENERGIA ELETRICA (ANEEL), FISCALIZAÇÃO, PRODUÇÃO, TRANSMISSÃO, DISTRIBUIÇÃO, ENERGIA, GARANTIA, SUPRIMENTO, ENERGIA ELETRICA, PAIS, IMPEDIMENTO, RACIONAMENTO, CONFIANÇA, POPULAÇÃO, SETOR.
  • IMPORTANCIA, ATENÇÃO, FONTE ALTERNATIVA DE ENERGIA, ESPECIFICAÇÃO, ENERGIA EOLICA.

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Romeu Tuma, bom dia! É uma satisfação estar aqui com V. Exª presidindo a Mesa.

Bom dia a todos! Que Deus ilumine e abençoe todos nós!

Sr. Presidente, falarei hoje sobre o Setor Elétrico Brasileiro, que tem sido, com certeza, um dos pilares do desenvolvimento industrial e econômico da história deste País. A contribuição deste setor se deu a partir de uma das piores secas enfrentadas pelo Brasil neste século, entre os anos de 1951 e 1956 e, conjuntamente, de uma arrancada desenvolvimentista das mais significativas da Nação.

O sistema elétrico brasileiro é composto de uma geração de energia elétrica, basicamente tendo como matéria-prima a água. Convém lembrar que quase 90% da geração de energia no Brasil são provenientes da hidroeletricidade.

Conto um pouco da história do Setor Elétrico Brasileiro: sua regulamentação iniciou-se no período de 1934 a 1941, quando se instituiu o Código de Águas, que tinha como principal função controlar as concessionárias de energia elétrica que atuavam no território brasileiro. Posteriormente, foi criado o Conselho Nacional de Águas e Energia para sanear os problemas de suprimento, regulamentação e tarifa referentes à indústria de energia elétrica. O Código de Águas foi um verdadeiro marco na história do Setor Elétrico Brasileiro.

Mais adiante, entre os anos de 1952 e 1961, é realizada a consolidação da expansão do setor elétrico brasileiro por intermédio de várias medidas de grande impacto. Registro aqui a criação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, voltado especificamente para as questões de energia e transporte.

Fundamentalmente, Sr. Presidente, há dois marcos históricos: a entrada em operação da Usina de Paulo Afonso I, um dos orgulhos da Região Nordeste e da Companhia Hidrelétrica do São Francisco; e da Termelétrica de Piratininga, a óleo combustível, em São Paulo, a primeira termelétrica do Brasil, assim como Paulo Afonso I foi a primeira usina hidrelétrica brasileira com impacto forte na economia do nosso País, especialmente na Região Nordeste.

Outro marco histórico é a criação das Centrais Elétricas de Furnas, empresa de referência, que, inicialmente, tinha como objetivo aproveitar o potencial hidrelétrico do rio Grande.

Em 1960, o saudoso Presidente Juscelino Kubitschek criou o Ministério de Minas e Energia e, em 1961, a Eletrobrás, empresa de fundamental importância no desenvolvimento do nosso País.

O antigo Departamento Nacional de Águas e Energia - DNAE - foi criado em 1965, com a responsabilidade da regulamentação dos serviços de energia elétrica no País.

Esse modelo vigorou até o início da década de 1990, quando, por intermédio da Lei nº 8.031, foi criado o Programa Nacional de Desestatização - PND, levando-se em consideração, à época, a tendência universal de investimentos privados em atividade de infra-estrutura. Como vamos ter oportunidade de comentar, hoje, essa visão é bastante diferente daquilo que se verificava no início do anos 90.

As Leis 8.987/95 e 9.074/95 são algumas das modificações que buscam inserir a concepção de competitividade no âmbito do setor elétrico e fazer com que os investimentos em obras inacabadas ou paralisadas incluídas no Plano Decenal devessem ser feitos com a participação majoritária do setor privado.

Como decorrência, as autoridades governamentais começaram a estudar um novo modelo institucional, que estava basicamente calcado na desverticalização do setor elétrico nacional. Isso foi feito por meio do Decreto nº 1.481, de 3 de maio de 1995, do Decreto nº 1.503, de 25 de maio de 1995, e do Decreto nº 1.677, de 18 de outubro de 1995. Sendo que - e é muito importante fazer este registro - as empresas integrantes do sistema Eletrobrás foram incluídas no Programa Nacional de Desestatização.

Tal decisão foi tomada em razão dos sérios problemas pelos quais passava o setor elétrico brasileiro. Para que V. Exªs tenham uma idéia: a partir de 1988, os investimentos para o setor de energia reduziram-se drasticamente, demonstrando a incapacidade do governo federal de impulsionar o processo de expansão do setor elétrico. Basta lembrar que, em 1987, os investimentos no setor se encontravam próximos a R$22 bilhões e, em 1995, esse valor não passava de R$6 bilhões.

Como conseqüência desse sub-investimento, que nesse período só conseguiu expandir a capacidade instalada de 46,3 MW em 1988 para 55,4 MW em 1995, e devido a um acelerado crescimento de consumo de energia elétrica, de 190 TWh em 1988 para 250 TWh em 1994, evidentemente a situação do país, no aspecto de suprimento de energia elétrica, começou a preocupar bastante. O risco de déficit, que em 1999 era estimado em 16%, ficou em 5,4% em função das chuvas do período, porém, em 2000, a expectativa de 9% de risco de déficit chegou a 18% - portanto, uma situação de extrema preocupação com relação ao suprimento de energia elétrica ao país.

Em 1999, duas diretrizes foram estabelecidas pelo governo federal. A primeira, de desenhar um novo modelo para o setor elétrico, e para isso foram contratadas empresas de consultoria, não só nacionais mas também internacionais. E gostaria aqui de fazer um registro importante: talvez essas consultorias tivessem muita experiência em alguns modelos energéticos implantados no mundo, mas o nosso modelo energético é especial, pois é calcado principalmente na geração hidrelétrica, sendo sua produção, portanto, aleatória.

A primeira pergunta que cabe ser feita é: se modelos similares que vinham sendo implantados em outros países tiveram sucesso, por que o modelo brasileiro não teve sucesso?

Eu gostaria de fazer algumas ponderações com relação ao assunto. Nenhum país que privatizou seu setor elétrico o fez num espaço curto de tempo. Vou dar o exemplo da Inglaterra, onde até hoje são feitos ajustes: o modelo inglês levou, para ser implantado, aproximadamente dez anos. Além disso, há algo fundamental: para que ocorra um passo inicial de transformação: é extremamente importante definir-se um conjunto mínimo de regras claras, transparentes e com substância técnica.

O que aconteceu no Brasil? As empresas de distribuição começaram a ser vendidas em função até da situação crítica dos Estados, sem que tivéssemos trabalhado com base em um marco regulatório consistente. O resultado disso foi que as empresas estatais brasileiras - as do sistema Eletrobrás - foram proibidas de investir em geração e transmissão devido ao Programa Nacional de Desestatização, e ficaram paralisadas.

Por falta de um marco regulatório consistente e confiável, os investidores privados não apareceram com o volume de investimentos esperado. E mais: isso ocorreu em um período em que os índices pluviométricos registrados foram extremamente baixos. O que aconteceu? Tivemos um racionamento dramático no país, que teve seu início em 2001 e que se encerrou em 2002 - encerrou-se não porque grandes mudanças tivessem sido feitas no aspecto estrutural e regulatório, mas porque alguns projetos foram implantados para garantir um mínimo de confiabilidade ao sistema, e choveu bastante.

Apesar de termos saído do racionamento, o quadro continua confuso. A demanda por energia caiu quase 30%. Hoje, temos uma frustração de caixa muito forte nas empresas em função do impacto do racionamento - se, por um lado, o racionamento levou a população a um consumo de energia mais consciente, por outro, frustrou a expansão do mercado de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Por favor, meu caro Senador Ney Suassuna.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Levanta V. Exª um problema que é crucial para o crescimento do País e, por que não dizer, para a vida normal da população. Não se trata apenas do crescimento econômico: trata-se também do conforto da população - a televisão, o ar-condicionado, o liquidificador, a geladeira e vários outros eletrodomésticos que facilitam a vida dependem para seu funcionamento de energia elétrica. Além disso, V. Exª levanta um ponto ainda mais importante: a queda do consumo. Essa significativa queda no consumo teve como conseqüência a redução na arrecadação do ICMS sobre energia, o que penalizou brutalmente todos os estados. Por exemplo, o Rio de Janeiro perdeu 2 bilhões e meio no ano de 2001 e, em 2002, perdeu 2 bilhões de arrecadação sobre a energia. Isso mexeu duramente com os orçamentos de todos os estados. Hoje, nós temos dezesseis estados fortemente afetados pelas conseqüências do apagão, que gerou uma forte diminuição no consumo. Mesmo com a regularização do fornecimento de energia, nunca mais se voltou a gastar como antes. A população aprendeu a economizar, e isso mexeu fortemente com as finanças dos estados. No caso do Rio de Janeiro, a recuperação foi de 500 milhões de um ano para o outro - de dois e meio para dois - e para este ano se estima que a perda de arrecadação fique em torno de um bilhão e oitocentos, mas serão um e oitocentos que deixarão de entrar no caixa devido a um apagão ocorrido anos atrás. Que coisa incrível! Parabenizo V. Exª por estar abordando esse assunto, e lembro que uma parcela da dívida dos estados advém exatamente do apagão.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Delcídio Amaral, eu gostaria de participar do seu pronunciamento.

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Pois não, Senador Mão Santa. Apenas gostaria, se V. Exª me permitir, de fazer um comentário sobre as ponderações do Senador Ney Suassuna.

É importante o registro feito por V. Exª, Senador Ney Suassuna: o apagão trouxe grandes prejuízos. Não foi só uma falta de energia durante um determinado tempo: houve a queda na arrecadação dos Estados, a recessão econômica, o desemprego e a frustração de investimentos. Nenhum industrial vai instalar uma indústria sem energia disponível para produzir. Energia é um bem fundamental, é um insumo fundamental, assim como é importante a racionalização do consumo.

Meu caro Senador Ney Suassuna, para V. Exª ter uma idéia: nem o Procel, em seus dezoito anos de existência, conseguiu conservar tanta energia como a que foi poupada em decorrência do racionamento que tivemos em 1991 - o lado bom e o lado ruim.

Meu caro Senador Mão Santa, ouço V. Exª.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Delcídio Amaral, atentamente estamos ouvindo e aprendendo com o seu sábio pronunciamento. Nesses poucos dias de convivência aqui, já pude antever para V. Exª perspectivas invejáveis na política deste país. Vejo-o em breve governador de Mato Grosso, ministro de Minas e Energia e talvez até Presidente deste país, para nossa felicidade. Energia é fundamental e vou lhe dar o testemunho de uma experiência vivida nessa área. Não sou contra empresas - meu avô era empresário, meu irmão é empresário -, eu não tenho nada contra a atividade empresarial, mas não sou a favor da exploração econômica tradicional da energia, porque a energia é um bem fundamental, é responsável pela indução do desenvolvimento. O empresário só investe diante da perspectiva de lucro, sem isso ele não se move. A energia hoje é o motor de qualquer empreendimento e, além disso, é responsável pela fixação do homem no campo. Se não levarmos energia ao campo, o homem vem para os centros urbanos, provocando o inchaço populacional e o desemprego nas cidades. Além disso, se a empresa pertencer ao Governo do Estado, o ICMS é retido. Quando fui Governador do Piauí, ficava com os R$4 milhões arrecadados mensalmente com o ICMS. Com esse dinheiro, o governo pagava a energia das famílias pobres, principalmente as famílias do campo, para que pudessem ouvir música, a criança pudesse estudar e encontrar a luz do saber. Isto é, eu investia todo aquele dinheiro em desenvolvimento energético. Na minha região, que é o litoral, a energia não era suficiente para fazer funcionar um liquidificador; eram 69kW. Levei, então, de Teresina ao litoral, 138kW, 20MW. Mas um bem nunca vem só: hoje, talvez, seja o maior interposto de carcinicultura do mundo. Com a peste do camarão no Equador, eles vieram buscar no Nordeste. E, com o dinheiro, foi possível ao Governador fazer uma subestação e levar a energia elétrica. Portanto, é fundamental que essas empresas pertençam ao Governo, porque sonhamos com a distribuição de riqueza e com uma sociedade justa, igualitária e fraterna. Essas são as nossas palavras. E V. Exª, quando vem repetidamente à tribuna, mostra que tem conhecimento da problemática do Brasil.

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Muito obrigado a V. Exª, nobre Senador Mão Santa.

Como homem que fui do setor elétrico, gostaria de fazer um registro: o Piauí tem um segmento muito acentuado de população de baixa renda. O Governo, portanto, tem que estudar uma forma de atender os Estados com esse perfil para que nós, efetivamente, universalizemos a energia elétrica em todos os Estados do nosso País.

O Sr. Romero Jucá (PSDB - RR) - Permite V. Exª um aparte?

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Pois não. Ouço o aparte de V. Exª, nobre Senador Romero Jucá.

O Sr. Romero Jucá (PSDB - RR) - Meu caro Senador Delcídio Amaral, quero, primeiramente, dizer da minha satisfação em aparteá-lo, pois somos amigos de longo tempo e V. Exª, inclusive, prestou serviços ao meu Estado, já que exerceu um papel importante para que a Eletronorte pudesse gerar energia em Roraima. E, graças a isso, a Eletronorte construiu a ligação de Guri até Boa Vista, resolvendo o problema de energia do Estado. V. Exª, portanto, deu uma importante contribuição na solução desse problema.

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT-MS) - Obrigado, nobre Senador Romero Jucá.

O Sr. Romero Jucá (PSDB - RR) - Além disso, V. Exª é um especialista do setor de energia, petróleo, gás, enfim, a Casa ganhou muito com a sua vinda para cá. Agora podemos ter um debate especializado com um Senador que, efetivamente, conhece bem a condição nacional e internacional de energia. Quero parabenizá-lo pelo seu discurso e dizer que este debate é fundamental para o País. Temos algumas preocupações, como por exemplo, o modelo de geração e de distribuição de energia avançou precisando de alguns reparos. Preocupa-me a questão das tarifas e também, como disse o nobre Senador Mão Santa, a questão social. Temos que ter energia abundante e barata para impulsionar o desenvolvimento e melhorar a qualidade de vida da população. É triste e lamentável ainda vermos, hoje, na periferia das grandes cidades, um número grande de ligações irregulares, os chamados “gatos”, colocando em risco a população e, muitas vezes, causando os incêndios em favelas que temos visto, e tudo isso exatamente pela falta de condição da população, que não pode pagar a energia de forma legal. Este ainda é um desafio para o País. O Governo Lula tem o desafio de aprimorar o modelo implantado na gestão do Presidente Fernando Henrique, que não é perfeito, temos consciência, mas que já é um avanço. Nesse sentido, tenho certeza de que V. Exª irá pontuar, representando bem a todos nós neste debate no Senado e no Governo. Meus parabéns e seja bem-vindo ao Senado para continuar fazendo o trabalho que já se acostumou a fazer, ao longo da vida, com competência, determinação e brilhantismo.

O Sr. Rodolpho Tourinho (PFL - BA) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Senador Rodolpho Tourinho, antes de conceder o aparte a V. Exª, gostaria de fazer um registro. Eu e o Senador Romero Jucá enfrentamos grandes desafios em Roraima, na época em que se racionava energia fortemente e que a população, revoltada, quebrava usinas termelétricas. V. Exª deve se lembrar. Graças a Deus, hoje, com aquele projeto de termoeletricidade a óleo instalado por V. Exª junto com a Eletronorte, Roraima mudou bastante. E também, depois, com a energia confiável e a um preço competitivo. 

Concedo o aparte ao Senador Rodolpho Tourinho.

O Sr. Rodolpho Tourinho (PFL - BA) - Senador Delcídio Amaral, gostaria de aproveitar o que o Senador Mão Santa colocou aqui, aliás, de forma muito própria, em relação à importância da fixação do homem no campo e a experiência de S. Exª no Estado do Piauí. Quero também me referir à questão da universalização, abordada por V. Exª. Na verdade, o Programa Luz no Campo, criado para tentar a universalização, está exaurido. E também a questão do financiamento mediante a reserva global de reversão. Nesse sentido, penso que V. Exª será um parceiro no que estamos nos propondo a fazer, isto é, aumentar o Programa Luz no Campo ou buscar um substituto para esse programa, que é de suma importância. Sabemos que é muito difícil para as distribuidoras ajudarem nisso, até porque passaram por problemas já conhecidos por todos, quais sejam, a questão do racionamento e a questão cambial. Aliás, o grande problema das distribuidoras de energia, hoje, não é tanto a queda do consumo, mas a questão cambial, pois dois terços dos seus resultados foram extremamente afetados pelo problema cambial, já que foram estabelecidas em um modelo utópico de um para um, e o dólar passou a valer R$3,00 ou R$3,50. Portanto, essa questão da universalização poderá ser tratada aqui, no Congresso Nacional e no Senado Federal, e haveremos de achar a melhor forma para isso. Quero novamente parabenizá-lo, pois, como sempre, quando vai à tribuna, V. Exª faz exposições muito claras e lúcidas, o que é extremamente importante quando estamos revendo o modelo do sistema elétrico.

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Senador Rodolpho Tourinho, em primeiro lugar, gostaria de agradecer as suas palavras e dizer a V. Exª o quanto é importante a universalização e o Programa Luz no Campo, o qual foi lançado por V. Exª no meu Estado, Mato Grosso do Sul, quando Ministro de Minas e Energia.

Em um Estado que tem uma economia rural muito forte como o Mato Grosso do Sul, sabemos a importância desse programa. Portanto, ao longo deste ano, vamos investir mais de R$20 milhões no Programa Luz no Campo, pelo impacto que trouxe para toda a nossa população rural.

Muito obrigado, Senador Rodolpho Tourinho.

O Sr. Antonio Carlos Magalhães (PFL - BA) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Concedo o aparte ao Senador Antonio Carlos Magalhães.

O Sr. Antonio Carlos Magalhães (PFL - BA) - Senador Delcídio Amaral, fiquei feliz em ouvir o discurso de V. Exª pelo trabalho que realiza no setor há muitos anos. V. Exª aborda com propriedade esse tema e se destaca no setor como um homem que sabe, realmente, os problemas da área. Esse programa Luz no Campo, implantado pelo Ministro Rodolpho Tourinho, foi um sucesso em todo o País, principalmente naqueles lugares mais carentes. E isso é importante ser enfatizado. Mas também gostaria de salientar a pessoa de V. Exª, atuando no Ministério como também na Petrobrás.

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Muito obrigado.

O Sr. Antonio Carlos Magalhães (PFL - BA) - V. Exª se destacou como homem do setor e, a cada dia, fica mais integrado com os problemas elétricos brasileiros. Daí o valor do seu discurso.

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Muito obrigado, Senador Antonio Carlos Magalhães. É uma honra muito grande receber esse elogio de V. Exª.

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma) - Senador Delcídio Amaral, pediria a V. Exª que, se pudesse, agilizasse o seu pronunciamento, porque hoje é um dia especial.

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Está bem.

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma) - Também gostaria de fazer um apelo a todos as Srªs e Srs. Senadores que se encontram em seus gabinetes para que compareçam ao plenário, a fim de darmos início à Ordem do Dia.

Continua com a palavra o Senador Delcídio Amaral.

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Sr. Presidente, é de suma importância refletir sobre os acertos e os erros do passado, antes e depois da mudança estrutural ocorrida no setor elétrico, a partir de 1995.

A seguir, vou comentar os pontos críticos existentes no modelo em vigor, para vislumbrarmos um cenário para o setor elétrico que tenha a credibilidade da sociedade.

O modelo concebido para o setor tinha os seguintes princípios e características:

1) desverticalização das atividades de geração, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica;

2) geração, pois passou a ser uma atividade competitiva;

3) transmissão independente para garantir o livre acesso dos geradores, dos consumidores livres e das distribuidoras;

4) ONS - Operador Nacional do Sistema, encarregado da operação interligada e da otimização energética do sistema; e

5) mercado Atacadista de Energia Elétrica - MAE que, na verdade, é um contabilista e um liquidante.

É importante fazer este registro porque, infelizmente, em algumas situações, deram uma interpretação equivocada ao mercado atacadista de energia. As tarifas praticadas pelo MAE foram pautadas por um ótimo programa computacional para otimização energética, chamado new wave, que, porém, mostrou suas fragilidades para estabelecimento de preços.

Quero deixar bastante caracterizado que, com a não privatização das empresas do setor elétrico, principalmente as federais, marchamos para um sistema misto - estatal e privado. Esse é um modelo extremamente atraente, desde que sejam feitas as mudanças necessárias no atual modelo. E para que ocorram essas mudanças, o Conselho Nacional de Política Energética tem que cumprir o seu papel de ditar as políticas energéticas do País. Infelizmente - e esta é mais uma conseqüência do racionamento -, quando o Conselho se reuniu, tratou apenas do racionamento e não estudou políticas de energia para o País, principalmente o desenho da nova matriz energética.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT-MS) - Sr. Presidente, a matéria é importante. Peço a V. Exª que me conceda mais uns minutos para que eu possa concluir a minha exposição.

O SR. PRESIDENTE (José Sarney) - Senador, o tempo de V. Exª já ultrapassou sete minutos e há um outro orador inscrito aguardando.

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Sr. Presidente, extrapolei no tempo, porque foi feito um debate com os Senadores.

O SR. PRESIDENTE (José Sarney) - A função da Mesa é lembrar ao orador.

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Muito obrigado, Sr. Presidente.

Mexendo na matriz energética, que vai ser majoritariamente calcada na hidroeletricidade, temos de discutir a geração de termoeletricidade, a gás natural, a carvão ou mesmo a óleo, como também as energias alternativas, desde as PCHs até a energia eólica e a energia fotovoltaica. Precisamos fazer isso em função das mudanças que o País e o mundo sofrem e continuarão sofrendo ao longo dos próximos anos.

É fundamental a recuperação do planejamento da expansão, que, por falta de marco regulatório, ficou perdida. Assim será possível o monitoramento das principais obras de geração, de transmissão e de distribuição de energia, no intuito de garantir um suprimento de energia confiável a todo o País.

Sugiro à Agência Nacional de Energia Elétrica, que deverá ficar restrita às atividades de regulação e de fiscalização, que considere prioritária a questão do acompanhamento das obras, dentre as atividades de fiscalização, e que sinalize ao Conselho Nacional de Políticas Energéticas e ao Operador Nacional do Sistema, órgão fundamental para otimização do setor elétrico brasileiro, quando alguma anormalidade ocorrer.

Esperamos que o Governo e a iniciativa privada tomem as decisões necessárias para que não passemos mais pelo drama do racionamento de energia.

Gostaria de lembrar, rapidamente, que trabalhamos com dois cenários para os próximos anos, com relação aos estudos de planejamento: crescimento médio anual de 5,3%, de 2003 a 2007; e, eventualmente, em função do desempenho econômico do País, um crescimento de até 6,6%. É importante registrar que o crescimento do consumo de energia elétrica tem elasticidade maior de 1% em relação ao PIB, razão das taxas citadas.

Simulações feitas partindo de um nível esperado de armazenamento, no início de 2004, de 40%, mostram que, na ocorrência de um período hidrológico desfavorável, os armazenamentos nos reservatórios chegariam próximos a níveis críticos de suprimento no final do ano.

Já que falamos da matriz energética, vou me referir à questão da geração hidrelétrica, que continuará dentro da matriz hidrelétrica, prevalecendo sobre as demais formas de energia. Mas não podemos encarar a geração hidrelétrica com o simplismo que tem sido encarada, pois ela traz problemas de ordem ambiental, de remanejamento de população, de áreas indígenas. Isso tem que ser tratado com muita competência.

E, mais importante, a despeito do que se apregoa de que novas usinas estão em construção, boa parte delas está com suas obras paralisadas. Precisamos analisar a questão do meio ambiente com muita atenção no Governo Federal. Cito várias usinas que estão paralisadas em função do licenciamento ambiental, como Foz do Chapecó, São Salvador, Santa Isabel, sem falar em outros projetos que aqui listei, mas que, em função do tempo, não vou ter oportunidade de relatar. Portanto, a hidroeletricidade é essência da nossa geração, mas teremos que encontrar uma série de alternativas para enfrentarmos a questão do meio ambiente.

As usinas licitadas são usinas a fio d’água. Os grandes aproveitamentos brasileiros estão na Amazônia. Para essa energia ser consumida, precisa de transmissão em longa distância. Portanto, o discurso não é tão simples quanto, infelizmente, algumas pessoas apregoam.

Há absoluta necessidade da inclusão na matriz energética da geração termoelétrica: seja a carvão, a óleo e, especialmente, a gás natural. Acredito que, no Brasil, exemplos como o PPT - Programa Prioritário de Termoelétricas, em função da renegociação do preço do gás natural boliviano e da regulação do setor, principalmente pela MP.

O setor do gás, com relação à questão do transporte, deveremos ter na geração termoelétrica a prevalência do gás natural semelhante ao que ocorre na Europa, nos Estados Unidos, e outros países desenvolvidos. O gás natural veio para ficar, pois comparado a outras fontes térmicas, provoca impactos ambientais muito menores.

Sugiro que, dentro da matriz energética, tenhamos uma participação forte do gás natural de cerca de 10% e, na geração de energia, 20% na participação do todo. Com isso, o sistema será otimizado e não dependerá única e exclusivamente das chuvas e de São Pedro.

Essas térmicas seriam um seguro contra os apagões, exatamente para garantir a confiabilidade do setor elétrico brasileiro.

Ressalto a importância das energias alternativas. Ainda temos custos elevados de geração, principalmente no que se refere a fontes eólicas e fotovoltaicas. Mas é importante que a gente encare esse desafio, porque essa é a energia do futuro. Com escala, vamos baratear o preço desse insumo que é absolutamente fundamental.

Gostaria também de registrar aqui que as PCHs são projetos importantes, que entram em operação em um prazo de 18 meses, sendo que nos grandes projetos hidrelétricos, quando bem trabalhados, são necessários de quatro a cinco anos para que a primeira unidade comece a rodar. É importante ressaltar que as PCHs têm pequenos reservatórios, portanto têm impactos ambientais muito menores e, na área de transmissão, fundamentalmente, temos que buscar a interligação dos vários sistemas, para, aproveitando a sazonalidade das regiões do País, otimizar a geração de energia. 

E eu queria aqui mencionar um projeto, a linha de transmissão Imperatriz/Serra da Mesa, a famosa linha de transmissão Norte/Sul, que começa a trabalhar com esse conceito, adequando-se ao período de chuvas na Região Norte e ao período de chuvas nas Regiões Sul/Sudeste.

E, para complementar meu raciocínio, discute-se hoje a viabilização eventual de uma grande compradora de energia que faria um mix das gerações mais baratas, das usinas depreciadas, com as das mais caras, praticando-se, com isso, um nível tarifário menor. No meu Estado, a Enersul propôs um aumento tarifário de 43%, inviabilizando todo um processo competitivo de industrialização do Mato Grosso do Sul.

Essa idéia, volto a afirmar, vem sendo discutida e voltarei a este plenário para detalhar as questões associadas a garantias e outras dificuldades.

Por último, eu gostaria de registrar que não podemos sucatear os recursos humanos que o setor de energia elétrica, com muita competência, construiu ao longo de todo o tempo de sua existência. Precisamos reforçar os cursos que a Eletrobrás promove com as universidades federais, como é o caso do curso de Engenharia de Sistemas Elétricos. Os setores de energia no País e no mundo estão cada vez mais sofisticados...

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Pois não, Sr. Presidente, já encerro.

Os setores de energia no País e no mundo estão cada vez mais sofisticados. Portanto, sugiro que os Presidentes da Eletrobrás e da Petrobras, juntos, criem um curso de especialização avançado em energia, com as universidades, de tal maneira que consigamos formar pessoas que tenham uma visão clara de todo o processo de integração das áreas elétrica, de gás, de petróleo, de energia alternativa, de eficiência energética e dos aspectos econômicos da energia e do marco regulatório.

Sr. Presidente, não é possível que o Ministério de Minas e Energia tenha cinco engenheiros e um economista. A Aneel precisa de instrumentos, de pessoal bem remunerado para regular e fiscalizar o setor de energia, e nós precisamos preparar mão-de-obra para um setor que, a cada dia, se torna mais sofisticado.

E, como o Senador Romero Jucá acabou de dizer aqui, acho que esta legislatura tem pessoas especializadas na área de energia e acredito que o debate da questão energética será um dos principais pontos, talvez um dos mais relevantes, da atual legislatura, pela importância e pela crise que o setor elétrico enfrenta hoje.

Portanto, quero sugerir que façamos, por meio da Comissão de Serviços de Infra-Estrutura e da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, um debate claro sobre essas questões para, junto com o Governo Federal, vencermos esse grande desafio, a fim de desenvolver o nosso País e criar, mais que nunca, um Brasil cidadão, um Brasil solidário e, acima de tudo, um Brasil fraterno, um Brasil de todos nós.

Sr. Presidente, peço que meu discurso seja publicado na íntegra.

Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (José Sarney) - V. Exª será atendido, na forma do Regimento.

 

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SEGUE CONCLUSÃO DO DISCURSO DO SR. SENADOR DELCÍDIO AMARAL.

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O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - O modelo concebido para o Setor Elétrico tinha os seguintes princípios e características:

i.     Desverticalização das atividades de Geração, Transmissão, Distribuição e Comercialização de Energia Elétrica;

ii.     Geração - passou a ser uma atividade competitiva com preços definidos pelo mercado;

iii.     Transmissão independente para garantir o Livre Acesso dos geradores ao mercado e dos Consumidores livres às fontes de geração ou aos Comercializadores livres que competem pela prestação de seus serviços; apenas as atividades de transporte de energia foram contempladas na Transmissão e Distribuição;

iv.     Transmissão e Distribuição são monopólios naturais com preços administrados pelo poder concedente;

v.     ONS - Operador Nacional dos Sistemas - opera os sistemas de geração e transmissão de forma independente, visando sua otimização e viabilizando o instituto do livre acesso;

vi.     MAE - Mercado Atacadista de Energia Elétrica é o ambiente onde a livre competição deve condicionar a formação dos preços (sem prejuízo da otimização);

vii.     Regulador Independente atuando como um guardião do modelo, como intérprete da legislação específica, como garantia de estabilidade das regras; e

viii.     Expansão da oferta como uma oportunidade de investimento, podendo ficar a cargo dos agentes do mercado.

Um dos pontos fundamentais do modelo originalmente concebido é o da competição no segmento de energia elétrica. Irei abordar alguns itens importantes que levaram ao fracasso do modelo, em relação a este ponto fundamental.

Os geradores podem competir por contratos de longo prazo, chamados Power Purchase Agrements - PPA, com as distribuidoras e consumidores ou por atendimento ao Mercado Atacadista de Energia, no chamado mercado de curto prazo.

No primeiro caso, a Agência Reguladora - ANEEL estabelecia valores máximos de preços que poderiam ser repassados às distribuidoras - os chamados Valores Normativos, bastante fora da realidade. Tanto assim que, praticamente, nenhum contrato de longo prazo foi assinado. Ficava assim evidenciado o primeiro grande conflito do modelo: por um lado, a ANEEL estava preocupada em minimizar a tarifa do consumidor final, mas não se deu conta que os investidores não iriam colocar recursos em empreendimentos com remunerações que eles considerassem inadequados. E a falta de expansão da oferta de energia, em especial de geração termelétrica, foi a responsável direta pelo racionamento acontecido em 2001. Mas sobre isto falaremos a seguir.

Posteriormente, introduziu-se um sistema de leilão de energia, exatamente no período de excesso de chuvas, que gera, conseqüentemente, excesso de energia. Dessa forma os leilões de energia ocorridos até a presente data têm sido totalmente fora da realidade.

Com relação ao Mercado Atacadista de Energia Elétrica, o MAE, dois problemas abalaram a credibilidade do mesmo: o primeiro foi a falta de pagamento dos débitos contraídos por vários agentes, impedindo o MAE de fazer a liquidação das energias transacionadas. Isto foi motivado pelo fato de que várias empresas, principalmente as estatais, recorreram à justiça contra decisões do MAE ou da ANEEL, interrompendo todo o processo de liquidação. Estavam as empresas estatais erradas? Eu diria que não, pois elas têm que prestar contas do gerenciamento de recursos públicos. E se o fizeram é porque as regras das transações do MAE não estavam suficientemente claras, bem como as decisões da ANEEL.

O segundo problema observado no MAE foi o sistema de determinação de preços a partir de um programa computacional originalmente elaborado para analisar a otimização energética do sistema. Este programa, devo dizer, é de excelente qualidade técnica para a operação energética, mas preços não podem ser estabelecidos por programa computacional.

Preços devem ser determinados por diferentes visões de mercado, principalmente as de curto prazo. Além disso, não se deve esquecer que a energia transacionada no MAE é somente a energia excedente, e, portanto, de pequeno porte em relação à energia total do sistema.

Como podemos resolver estes problemas? Na minha forma de ver, é hora de pensarmos nas seguintes alternativas:

·     Para o mercado de longo prazo, deve-se manter o sistema de leilões de energia, pois os resultados até aqui obtidos só não foram satisfatórios, em função dos problemas conjunturais atuais de períodos hidrológicos muito favoráveis aliados à redução substancial do mercado de energia, ainda decorrente do racionamento. No entanto, a simples manutenção dos leilões de energia não é suficiente. Como parte integrante deste processo, deve-se ter um sistema de planejamento efetivo e ágil, que a cada instante possa informar se a quantidade de energia contratada por leilões é suficiente para garantir o abastecimento. Além disto, temos que ter um sistema de acompanhamento de obras de geração e transmissão muito eficiente, que possa sinalizar, com antecedência, qualquer risco de déficit de energia. Atualmente, o Governo estuda a inclusão de um chamado “comprador único de energia”, ao qual os agentes que assim o desejassem, entregariam a missão de comprar e vender em nome deles. Embora esta alternativa necessite de um aprofundamento bem maior, aparentemente pode vir a minimizar alguns problemas. A idéia seria fazer um mix da chamada “energia velha”, mais barata, com a “energia nova”, mais cara, e com isto, reduzir a tarifa final. Pela experiência até agora observada em outros países, o modelo “pool” ou “comprador único” pode ser uma boa solução transitória; e

·     Para o mercado de curto prazo, observo que são válidas, tanto a ótica dos agentes de mercado, que pretendem ter um sistema mais adequado de formação de preços, quanto a ótica dos responsáveis pelo gerenciamento energético do sistema, que querem minimizar riscos. Tenho absoluta certeza que é possível construir uma solução que leve em conta os dois fatores, ou seja, determinações de preços de curto prazo por meio de atuações dos agentes de mercado, mas com total monitoramento dos riscos energéticos. Além disto, não se pode esquecer que a Agência Reguladora deveria formular regras adequadas que evitassem qualquer “poder de mercado” e que garantissem a confiabilidade energética.

Passarei agora a comentar o segundo aspecto crucial do modelo atualmente existente, que é o da expansão da oferta de energia.

Vamos iniciar pela expansão da geração hidrelétrica. A pergunta que cabe aqui é a seguinte: será que a Agência Reguladora vinha fazendo leilões de concessões de hidrelétricas em consonância perfeita com órgãos de planejamento? Isto é algo que tem que ser muito bem analisado, pois tivemos, recentemente, um grave racionamento e, atualmente, estamos com excesso de oferta de energia. Ambos os efeitos são péssimos, pois racionamento traz um efeito desastroso na economia do País, e excessos de energia afugentam investidores, com retorno sempre difícil. Como se vê, novamente estamos remetendo o problema à atividade de planejamento da expansão, e é exatamente por isto dedico análise mais profunda a este importante tópico.

Um outro ponto também referente às concessões da ANEEL. Pergunto se deveria ser atribuição de uma agência reguladora dar concessões, ou seja, ser o Poder Concedente? Isto, na minha opinião merece reflexão de todos nesta Casa, analisando vantagens e desvantagens, e colaborando para um melhor desenho setorial para o País.

Passo, a seguir, a outro ponto fundamental da expansão da oferta de energia, que é a inclusão da geração termelétrica. Aqui, pretendo demonstrar a V. Exªs, de forma inequívoca, a falha sem precedentes do modelo implantado. Pelos diversos estudos técnicos realizados pelos órgãos de planejamento, concluiu-se que era necessária a inclusão de um certo montante de geração termelétrica, para minimizar o risco de racionamento.

Então, observem, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, que não podemos esconder a realidade. Houve um descompasso entre o planejamento estratégico e o estabelecimento de regras para materializá-lo. E, com isto, aliado à falta de chuvas, chegou-se ao racionamento. Não podemos repetir este erro.

Pretendo indicar como resolver este problema. Inicialmente devemos compreender claramente que a geração termelétrica, em um sistema predominantemente hídrico, deve ser tratada como complementar à geração hidrelétrica e não como competidora. Nem poderia, pois, atualmente, o custo para gerar energia hidrelétrica é menor que a energia termelétrica, porém não corre risco hidrológico. É um seguro contra apagões.

A primeira alternativa de solução é por meio do “comprador único de energia”. O órgão do planejamento da expansão determinaria a quantidade e capacidade das usinas térmicas capazes de minimizar o risco de apagão, e esta energia térmica, ou capacidade, seria adquirida pelo comprador único.

A segunda alternativa seria, a partir do montante de energia térmica que o órgão de planejamento determinasse como necessário, uma regra que estabelecesse, a cada empresa de distribuição, qual parcela daquele montante, proporcional ao seu mercado, deveria ser adquirida.

Pode-se observar que as duas alternativas chegam ao mesmo ponto, uma de forma centralizada, outra de forma descentralizada.

Eu poderia colocar outros pontos do modelo atual que mereceriam alguma reflexão, pois este tema é complexo e extenso, mas parece-me mais adequado, abordar também outros tópicos de grande relevância, e que, de uma forma ou de outra, estarão ligados ao modelo setorial e sua estrutura.

O Planejamento da Expansão é uma atividade de extrema importância em um sistema elétrico com as características do brasileiro. E observem, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, que já temos todos os mecanismos para efetuar um planejamento setorial de primeiro nível, faltando, porém, alguns elos, que reduzem significativamente a eficácia do sistema de planejamento, conforme explicaremos a seguir.

O processo de planejamento se inicia no âmbito do CNPE - Conselho Nacional de Política Energética, que estabelece as grandes diretrizes para o setor, do tipo:

·     aumento do gás natural em nossa matriz energética;

·     adequação ou não de importação de energia de países vizinhos; e

·     introdução de fontes alternativas de energia como solução complementar de longo prazo de oferta de energia.

De posse de tais diretrizes, um órgão executor realiza estudos sistêmicos para viabilizar empreendimentos, em consonância completa com a doutrina emanada do CNPE.

A seguir, monta-se um sistema de acompanhamento de obras, que sinaliza sempre que ocorre grandes discrepâncias entre o sistema que está sendo construído e aquele que foi planejado.

Finalmente, merece destaque o fato de que todo o sistema de regulação tem que ser preparado para materializar, efetivamente, o que foi planejado e concebido. Se não houver regulação adequada, o sistema planejado fica no papel e não se materializa.

Também neste ponto, apresento algumas propostas para a melhoria do processo, que considero fundamentais e que devem ser estudadas:

·     Tem havido grandes dificuldades para o estabelecimento de um órgão que elabore os estudos de planejamento. Isto anteriormente era feito pela ELETROBRÁS, mas sempre houve reclamações dos demais agentes, pelo fato dela ser a holding das principais empresas geradoras, e parte interessada do mercado. A responsabilidade passou para o Ministério de Minas e Energia, o que, teoricamente é correto, mas que não possui quadro de pessoal especializado nestes estudos. O que se tem feito é apelar para outras empresas para que cedam técnicos de seus quadros para realizarem tais estudos. O Ministério tem e deverá permanecer com a missão de coordenação do processo, porém, o problema tem sido a elaboração dos estudos de suporte. O MME precisa encontrar soluções próprias para a realização destes estudos.

·     O sistema de acompanhamento de obras é o elemento de gestão e controle mais poderoso do órgão de planejamento e do Operador Nacional do Sistema. É interessante observar que hoje isto é feito pela ANEEL e, novamente, de forma não integrada com os órgãos de planejamento. Acho que a ANEEL pode e deve fazer suas análises de acompanhamento de obras, mas daí a ser o elemento de gestão de planejamento e operação vai uma longa distância. Considero, muito claramente que, o Ministério deve fazer este acompanhamento rigoroso, com a participação efetiva das Associações dos agentes: de geradores hidrelétricos, de geradores termelétricos, de distribuidores, de comercializadores de energia, e de grandes consumidores. Deve-se mais uma vez ressaltar que este acompanhamento é, atualmente, um dos pontos mais relevantes de todo o processo de planejamento. Cabe relembrar que no modelo anterior, a ELETROBRÁS era responsável por todo o processo de planejamento do setor elétrico e, basicamente, também, pelo atendimento de toda a demanda de energia elétrica. Portanto, cabia à ELETROBRÁS a realização de todas as obras de geração e transmissão e o acompanhamento dessas obras era simples ato de gestão. Hoje, em qualquer modelo que se faça para o setor elétrico, com certeza ter-se-á uma grande participação da iniciativa privada, o que enfatiza a importância do acompanhamento dos projetos, de forma a detectar divergências quanto aos cronogramas dos projetos em construção e o planejamento setorial. 

·     E por último, mas não menos importante, devem ser claramente estabelecidos e registrados o papel do planejador e o papel do regulador, e como eles se complementam e se auxiliam. Este ponto é tão fundamental que acho até que merece legislação a respeito, até porque todo o funcionamento da ANEEL deve ser disciplinado em lei.

Vejam, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, que sistema elétrico complexo temos em nosso País! Qual o problema principal que tivemos em 2001? Um racionamento de energia sem precedentes, graças às condições hidrológicas desfavoráveis e ao fato de não ter sido possível materializar-se os investimentos necessários à expansão do sistema elétrico. E qual o problema que temos atualmente? Vejam só, problemas causados por excesso de oferta de energia, o que pode ser constatado pelo próprio preço em que a energia elétrica está sendo ofertada no MAE, de R$ 4 cada MWh. Este excesso de energia tem três razões básicas: a queda acentuada do consumo em relação àquele originalmente previsto, motivada pelo racionamento; às condições hidrológicas altamente favoráveis; e à entrada em operação de alguns geradores termelétricos do programa original de termeletricidade.

Cabe, então, a pergunta: o que esperar do atendimento energético para os próximos anos? Podemos garantir que não haverá novos problemas de suprimento?

Infelizmente, é meu dever alertar que não. O sistema continua extremamente dependente das condições hidrológicas.

Para garantir o suprimento a partir de 2004/2005, quando se estima que os efeitos do apagão já terão sido absorvidos, é preciso que as hidrelétricas concessionadas em leilões, a partir de novembro de 2000, sejam efetivamente implementadas. Tivemos quatro leilões: novembro de 2000, junho de 2001, novembro de 2001 e junho de 2002, e cerca de 7.000 MW concessionados a empresas privadas.

Ocorre que, por motivos diversos, a maior parte das obras sequer foram iniciadas e isto pode se traduzir em situação comprometedora para o período após 2005, quando se contará com esta energia disponibilizada. Alguns desses motivos são os seguintes:

·     Falta ou grande atraso na obtenção de licença ambiental. Exemplos: Foz do Chapecó (855 MW); São Salvador (240 MW); Santa Isabel (1.080 MW) dentre outros empreendimentos;

·     Desistência por parte de alguns investidores. Exemplo: Simplício (350 MW) e Itaocara (190 MW);

·     Dúvida de alguns investidores face às incertezas de mercado, da atual conjuntura e do próprio modelo regulatório;

·     Falta de Contratos de Longo Prazo; e

·     Falta de financiamento, pois alguns investidores estão com limitações financeiras e necessitam ou buscam parceiros, difíceis de serem encontrados, neste momento.

Um ponto crítico para as condições de suprimento nos próximos anos será o comportamento do consumo de energia. O consumo no ano de 2002 foi de 39.669 MW-médios, 3,2 % menor que o verificado em 2000, que foi de 41.001 MW-médios. Isto significa ainda um consumo 10.2% inferior ao previsto para 2002 antes do racionamento, representando um ganho de dois anos nos requisitos de expansão do sistema. Estes números indicam que o consumo ainda está muito reprimido. Duas explicações podem ser dadas para estes baixos níveis de consumo: os ganhos de eficiência pós-racionamento e as baixas taxas de crescimento econômico. Entretanto, é difícil identificar qual é o maior responsável pelo consumo reprimido. Com relação aos próximos anos, dois cenários vêm sendo considerados atualmente em estudos de planejamento: um com taxa de crescimento médio anual no período 2003/2007 de 5,3%, e outro, no qual a taxa de crescimento médio no período atinge 6,6%. Entretanto, deve-se destacar que uma recuperação mais acelerada da economia nos próximos anos poderia aumentar significativamente estas taxas.

Dessa forma, em função dos baixos níveis de consumo e do volume das chuvas neste início de ano, pode-se afirmar que passaremos o ano de 2003 sem maiores problemas. Com relação ao ano de 2004, já é mais difícil fazer-se uma previsão. Tudo dependerá das chuvas no período úmido de 2004. Simulações partindo de um nível esperado de armazenamento no início de 2004 de 40% mostram que na ocorrência de um período hidrológico desfavorável, os armazenamentos nos reservatórios chegariam próximos a níveis críticos de suprimento no final do ano.

O que podemos fazer para reduzir a dependência nas condições hidrológicas? Dentre as alternativas para um sistema predominantemente hidrelétrico como o brasileiro, duas alternativas podem ser aplicadas:

·     A primeira consiste em aumentar a capacidade de armazenamento das usinas hidrelétricas, com o objetivo de guardar água suficiente nos anos chuvosos para utilizar nos anos secos. Infelizmente, ao longo dos últimos 20 anos, a capacidade relativa de armazenamento do sistema foi continuamente reduzida - de 15 vezes maior que o consumo nos anos 80 para as atuais 9 vezes. Esta redução da capacidade relativa de armazenamento se deveu às dificuldades crescentes para a construção de grandes reservatórios, em função de custos e, principalmente, de restrições ambientais. Este é um problema que tende a aumentar no futuro próximo, uma vez que a grande maioria das usinas hidrelétricas licitadas pela ANEEL, que entrarão em operação nos próximos anos, não tem reservatório de porte.

·     A segunda alternativa para a redução da dependência nas condições hidrológicas é a utilização de geração termelétrica. A idéia inicial do Programa Prioritário de Termelétricas - PPT era aumentar a participação termelétrica no sistema dos atuais 10% para algo na faixa de 25%. É importante destacar que, à proporção que se vai aumentando a participação de geração térmica a gás natural, maiores possibilidades de se ter, em curto prazo, fabricantes instalados no país, e maior possibilidade de viabilização do mercado de gás, reduzindo o seu preço. Dessa forma, em nível de planejamento, estaremos nos preparando para obter no país uma geração térmica competitiva, de forma a enfrentar a fase em que os custos de geração hidrelétrica ficarem cada vez menos competitivos.

Exmºs Senadores e Senadoras, pelo cenário que está se formando para os próximos anos, acredito que precisamos, além de pensarmos e idealizarmos um modelo estrutural para o Setor Elétrico Brasileiro, refletirmos sobre a necessária modificação da nossa matriz energética, para reduzir riscos de déficit de energia em períodos hidrológicos críticos.

A opção natural selecionada foi complementar o parque gerador hidrelétrico com geração termelétrica a gás natural. Este combustível é a opção mais viável pelas suas características atrativas em relação a combustíveis fósseis. É tecnologia dominada, eficiente e limpa. No entanto, evidentemente, seu preço ainda não é competitivo com as hidrelétricas, e, exatamente por isto, precisamos de um tratamento específico para a introdução desta modalidade de geração em um sistema com predominância hídrica.

Para enfrentarmos os problemas é imprescindível indicarmos os fundamentos do combustível gás natural: a produção, o mercado, o transporte, e as variações de demanda devido aos fatores extra-setoriais.

Com relação à produção, podemos destacar o acordo feito com Bolívia para o suprimento do gás natural, uma vez que a nossa produção própria ainda é incipiente para atender aos requisitos de mercado.

O mercado do Gás Natural tem sido o grande problema. A maior parcela do mercado é o consumo industrial e o consumo das termelétricas. No entanto, em anos de hidrologia favorável, não seria necessário despachar grandes montantes de térmica, e, dessa forma, ocorreria uma sobra de gás com relação aos valores contratados.

Se houvesse um mercado de gás mais efetivo, esta sobra de gás poderia ser revendida, ainda que a preços mais baixos, mas sem dúvida, barateando o preço da geração termelétrica.

Portanto, considero muito importante que se faça um esforço conjunto para desenvolver um mercado adequado de gás natural neste país, por meio de diversas medidas, como por exemplo, a continuação e aumento de incentivos ao gás natural veicular, o incentivo às indústrias com combustíveis menos poluentes, dentre tantas outras.

Um outro fundamento que mencionamos anteriormente diz respeito ao transporte do gás natural. Este caso é bastante interessante, pois, o desenvolvimento efetivo de um programa de geração termelétrica, é necessário expandir a capacidade de nossos gasodutos. Isto já está previsto pela ANP - Agência Nacional de Petróleo. Entretanto, o processo de expansão dos gasodutos só pode ser disparado se forem realmente confirmadas expansões de geração térmica.

Dessa forma, os gasodutos só serão expandidos se forem confirmados novos geradores térmicos, mas estes só podem realizar investimentos se tem garantidos os seus contratos de gás.

Para se ter uma idéia de consumo, se tivermos apenas as usinas térmicas em operação e aquelas ainda com possibilidade efetiva de se materializarem, totalizando cerca de 9500 MW, seriam necessários cerca de 48 milhões de m3/dia de gás. Deve-se levar em conta que a capacidade atual do gasoduto Brasil-Bolívia é de 30 milhões m3/dia e a dos nossos demais gasodutos, cerca de 15 milhões de m3/dia.

Finalmente, cabe aqui registrar a variação de demanda devido aos fatores extra-setoriais. Nos Estados Unidos, o principal fator é a estação do ano, pois, no inverno, o consumo é muito maior que no verão. A solução é a utilização de armazenamento de gás. A idéia é armazenar gás no verão e aumentar a utilização no inverno.

No Brasil, este problema é bem diferente, pois o principal fator extra-setorial é a caracterização de período seco ou chuvoso. O armazenamento, portanto, torna-se mais complexo, pela necessidade de longos períodos de armazenamento, uma vez que períodos hidrológicos favoráveis podem ocorrer em vários anos sucessivos.

Ainda assim, a solução de armazenamento deve ser seriamente estudada como medida complementar em nosso sistema. Este, aliás, é um desafio tecnológico para os nossos especialistas: achar condições adequadas de armazenamento de gás natural que permitam complementar nosso mercado.

Portanto, resumindo, temos que chegar a soluções que viabilizem o gás natural e a geração termelétrica, em conseqüência. O problema não é simples, pelas características peculiares do setor neste País, e é fundamental reunirmos todas as partes envolvidas, os talentos disponíveis para resolvê-lo de forma econômica e salutar para a sociedade. Podem ter certeza, Srs. Senadores, de que, de minha parte, darei todo o apoio ao Governo para buscar esta solução consensual e trazer para esta Casa os requisitos de contribuições legislativas que se mostrarem necessárias.

Além das opções mais conhecidas e com tecnologia já dominada pelo Setor Elétrico Brasileiro, ou seja, geração hidrelétrica e geração termelétrica, devemos pensar em outras formas de geração de energia, as chamadas energias alternativas.

O custo unitário maior e a percepção de risco mais elevada têm inibido os investimentos espontâneos em geração elétrica por meio de fontes alternativas de energia, notadamente, Eólica e Solar. Por outro lado, o reduzido crescimento do mercado para o uso dessas tecnologias também não promove ganhos de escala na fabricação dos equipamentos, de modo a minimizar e otimizar os custos dessas alternativas para torná-las mais competitivas com as fontes tradicionais.

Neste contexto, foi promulgada recentemente a Lei 10.438/2002, criando incentivos para fontes alternativas de energia elétrica. Isto é de grande relevância do ponto de vista de desenvolvimento de tecnologias limpas e renováveis, para o atendimento principalmente a pequenas regiões isoladas e, como complementação, para o suprimento dos grandes centros. É fundamental que, além dos incentivos criados pela lei, sejam alocados recursos de P&D especificamente para esta área.

Entretanto, em função do atual estágio de desenvolvimento tecnológico, não se deve acreditar que estas fontes podem ser a solução para a expansão do sistema no médio prazo. Por exemplo, apesar do grande potencial de geração eólica no país, o fator de capacidade desta fonte é da ordem de apenas 35%. Isto, de forma mais simples, significa que ao longo de um ano apenas 35% da capacidade instalada seria transformada efetivamente em energia. Ou seja, se tivéssemos uma grande participação eólica no sistema, além da dependência das chuvas, ficaríamos também dependentes do vento. Com relação à energia solar, o atual estágio tecnológico não permite vislumbrar sua utilização para mais do que algumas aplicações residenciais.

Portanto, ressalto que é fundamental para o País pensar em um desenvolvimento gradual de fontes alternativas de energia. Não podemos ficar à margem destes desenvolvimentos, e temos que investir para desenvolver nossas tecnologias.

Proponho, portanto, um mutirão de projetos pilotos de fontes alternativas, e aqui no Brasil temos a localização ideal para tais projetos: os sistemas isolados da Região Norte. Quantas pequenas comunidades nesta Região poderiam ser atendidas, por exemplo, por energia solar? Quais as localidades nesta Região com ventos suficientes para receber energia eólica?

Este é um programa que, tipicamente, deveria ter coordenação do Governo, ou seja, direcionar recursos para suprir comunidades isoladas com projetos-piloto de fontes alternativas diversas.

Deixo aqui para a parte final das minhas considerações um tópico da mais importante relevância: o desenvolvimento tecnológico do nosso setor energético. Como já mencionei, nosso setor energético é bastante atípico, e, quase sempre requer soluções próprias, aqui desenvolvidas.

Estes são pontos sérios a refletir: primeiramente, será que estamos com um processo satisfatório de renovação de nossos técnicos? segundo, o treinamento dos mesmos tem sido adequado? Terceiro, que empresas têm privilegiado o desenvolvimento tecnológico?

Vejam, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, nesta minha breve apresentação, detive-me bastante em problemas e necessidades de avanços na área de geração. Mas, em um sistema de dimensões continentais como o nosso não podemos esquecer a transmissão e a distribuição de energia elétrica.

Na área de transmissão, fica cada vez mais crítica a possibilidade de construção de novas linhas e satisfazer a requisitos ambientais, principalmente quando temos grandes troncos envolvidos. É, portanto, imperioso maximizar a capacidade de transmissão disponível com novas tecnologias. Exemplos típicos são elementos de controle ultra-rápidos, que usam thiristores, e que permitem melhorar o nível de tensão da rede. A utilização de tecnologias avançadas aumentará a confiabilidade do sistema interligado e permitirá um desenvolvimento mais sustentado do setor.

Mas, devo destacar, é importante se ater um pouco mais hoje ao desenvolvimento tecnológico dos recursos humanos. Com relação a este fundamental tópico, tenho aqui a proposição, baseada na experiência que tive como engenheiro do sistema ELETROBRÁS, diretor da ELETROSUL, diretor da PETROBRAS e Ministro da pasta de Minas e Energia.

A ELETROBRÁS iniciou, na década de 60, um programa de treinamento tecnológico de grande porte, denominado CESE - Curso de Engenharia de Sistemas Elétricos, que consiste em encaminhar-se a Universidades selecionadas, turmas de técnicos de todas as empresas do setor para um período intensivo de treinamento. Este programa, inicialmente realizado em Universidades norte-americanas, é atualmente realizado em universidades aqui do Brasil, com sucesso.

Adaptando-se à nova realidade de uma matriz energética de maior integração, nada mais lógico que a ELETROBRÁS e a PETROBRÁS lançassem, em conjunto, um CESEN - Curso de Especialização Avançada em Energia. Em vista do elevado nível já atingido pelas nossas Universidades, várias delas poderiam ser selecionadas e o curso poderia ter divulgação de nível nacional. Seria possível, dessa forma, iniciar-se um processo de integração muito mais forte entre as áreas elétricas, de gás, de petróleo, de energia alternativa, de eficiência energética, de aspectos econômicos da energia e de regulação.

Srs. Presidentes da ELETROBRÁS e PETROBRAS, está lançado o desafio. Tenho certeza que a medida será aplaudida por esta Casa, pelo Ministério da Educação e pelo Ministério de Ciência e Tecnologia. É o futuro energético do Brasil.

Exmºs Srs Senadores e Srªs Senadoras, apresentei aqui alguns tópicos importantes do Setor Elétrico Brasileiro, com algumas propostas efetivas. O meu grande objetivo foi mostrar a Vossas Excelências os problemas atuais deste importante setor e esclarecer que há soluções, e que vamos persegui-las. De minha parte, posso assegurar aos nobres colegas, que envidarei todos os meus esforços para colaborar com os responsáveis pela implantação das referidas soluções, e que pretendo manter esta Casa permanentemente informada do que vem sendo feito para se chegar a um setor elétrico que permita o desenvolvimento econômico de nosso País. Não pretendo que sejamos meros espectadores deste processo, mas sim participantes efetivos das soluções.

Tenho absoluta convicção que o Senado Federal, pela qualidade de seus componentes está mais do que qualificado para analisar e debater todas as transformações necessárias deste e de outros setores vitais para o Brasil.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/04/2003 - Página 7971