Discurso durante a 40ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Preocupação com o aumento da violência no Brasil, especialmente no Rio de Janeiro. Defesa de investimentos com o objetivo de revitalizar a economia e combater o problema da segurança pública.

Autor
Roberto Saturnino (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Roberto Saturnino Braga
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Preocupação com o aumento da violência no Brasil, especialmente no Rio de Janeiro. Defesa de investimentos com o objetivo de revitalizar a economia e combater o problema da segurança pública.
Aparteantes
Ney Suassuna.
Publicação
Publicação no DSF de 17/04/2003 - Página 8160
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • APREENSÃO, ORADOR, AGRAVAÇÃO, SITUAÇÃO, AUMENTO, VIOLENCIA, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), RESULTADO, INJUSTIÇA, DESIGUALDADE SOCIAL, DETERIORAÇÃO, VALOR, ETICA, MORAL, SOCIEDADE.
  • EXPECTATIVA, PROGRAMA DE GOVERNO, LONGO PRAZO, MELHORIA, SITUAÇÃO, SEGURANÇA PUBLICA, ESTADOS, PAIS.
  • DEFESA, NECESSIDADE, RETOMADA, INVESTIMENTO PUBLICO, SETOR, INFRAESTRUTURA, VIABILIDADE, EFICACIA, SOLUÇÃO, CRISE, SEGURANÇA PUBLICA.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje, tivemos uma manhã de grande produtividade. Votamos 20 medidas provisórias, aprovamos os nomes de três embaixadores, aprovamos um projeto de lei que eleva as penas dos crimes que classificam. Enfim, em uma quarta-feira que precede o domingo de Páscoa, isso é inédito. Realmente, não havia tido conhecimento de uma produção em termos de votação tão grande às vésperas de um feriado, no caso, a Semana Santa.

Sr. Presidente, estamos de parabéns, é um regozijo, mas vou pedir a atenção e a paciência das Srªs e dos Srs. Senadores para falar sobre um tema que tem sido abordado nos últimos meses com uma freqüência muito maior do que qualquer outro. Escutei várias dezenas de pronunciamentos importantes, sérios, revelando a preocupação com a segurança pública em todo País, do Amapá ao Rio Grande do Sul. É claro que há uma preocupação maior com o meu Estado, o Rio de Janeiro, e com a minha cidade, que apresenta algumas particularidades, alguns fatores específicos que agravam o problema lá. O problema existe em todo o País, no Rio apenas antecipado por fatores a que já me referi desta tribuna. Não vou tomar o tempo dos Srs. Senadores repetindo essas particularidades negativas, infelizes, do Rio de Janeiro.

Mas o fato é que a violência é um fenômeno nacional que preocupa o Senado, a opinião pública do País, a sociedade brasileira. Por quê? Porque o quadro de explosão da criminalidade no Brasil revela, no fundo, um sinal claro do início de um processo de grande profundidade e de enorme gravidade de desintegração da sociedade brasileira. 

A população carcerária mais do que duplicou, nos últimos doze anos, passando de 110 mil para 250 mil presos. A estatística de morte violenta é assustadora e já está produzindo alteração na pirâmide demográfica do País que, na parte referente aos homens entre 18 e 25 anos, já apresenta um dente, revelando a quantidade enorme de jovens que tem morrido nessa verdadeira guerra, que é a guerra da criminalidade, não só no Rio de Janeiro, mas em todo o País.

A polícia particular cresce enormemente e já é mais de três vezes o contingente da polícia do Estado.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ) - Em um instante, Senador.

Enfim, Sr. Presidente, mata-se muita gente, prende-se muito mais, coloca-se polícia particular na rua e o problema, em vez de reduzir-se, agrava-se, aumenta. Como eu disse, é um processo de desintegração da sociedade brasileira muito mais grave do que simplesmente um descuido, uma desatenção para com a questão da segurança pública, para com a atuação das polícias ou mesmo do Poder Judiciário.

Vou ouvir o aparte do Senador Ney Suassuna e prosseguirei em seguida.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Quero saudar V. Exª. O tema é atualíssimo, para nossa infelicidade. É impressionante como é feita uma guerra entre dois países e, dos 250 mil soldados que invadiram o Iraque, apenas 118 morreram. Quem dera tivéssemos apenas isso de mortes, por ano, no Brasil! E não estamos em guerra. V. Exª está coberto de razão: a juventude principalmente paga pelo problema da segurança pública, sem contar as mortes nos morros, que não são registradas, devido à luta pelo comando do tráfico de drogas. Talvez, em um mês, haja 118 mortes, enquanto em uma guerra inteira o mesmo número de soldados morreu. Temos que atacar de frente esse problema. V. Exª está coberto de razão. Parabéns!

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ) - Senador Ney Suassuna, tenho ouvido pronunciamentos sérios de V. Exª sobre esse tema, que preocupa toda a sociedade brasileira, que pede socorro urgente e eficaz, a esta altura, ao Governo Federal.

A sociedade está saturada de injustiças, de desigualdades históricas gritantes e da onda de cinismo e de deterioração dos valores éticos e morais tradicionais, fruto, em grande parte, da visão neoliberal que dominou o País.

Enfim, a sociedade brasileira, depois de 20 anos de estagnação econômica, de paralisia do processo de desenvolvimento que vinha se realizando com tanto êxito, pede socorro ao Governo. E vamos ter, pela primeira vez nestes tempos modernos, um plano de segurança de âmbito nacional, concatenado, coordenado e promovido pelo Governo Federal. Será um plano de longo prazo, amadurecido, sério, e não uma atuação episódica em resposta a determinado emocionalismo surgido de algum acontecimento mais grave. E já teríamos tido conhecimento desse plano se o Ministro da Justiça não tivesse, infelizmente, adoecido no dia em que deveria estar aqui para nos apresentar o programa.

É uma atitude que reflete amadurecimento. Vamos confiar que esse programa tenha êxito. Mas esse êxito será fatalmente limitado se o País não retomar o seu dinamismo econômico e social, que caracterizou a sociedade e a economia brasileira durante o século XX. A partir da última década do século passado, houve um processo de estancamento, de estagnação, que acabou produzindo a situação atual. Houve uma desintegração por superposição de fatores, ou seja, a causação desse fenômeno é múltipla e não decorrente de um ou dois fatores apenas. A sociedade precisa de crescimento, de dinamismo econômico e social, mas foi violentada por um processo de estagnação determinado por uma política econômica e social erradíssima, chamada neoliberal. Essa política confiou tudo ao mercado, como se ele pudesse resolver todos os problemas, inclusive os da segurança pública. O mercado até deu a resposta: a polícia privada, privatizada, particular, cresceu muito mais do que a polícia oficial. Entretanto, isso não resolveu absolutamente nada; ao contrário, agravou o problema da segurança.

Sr. Presidente, faz parte desse quadro a expectativa favorável criada com a eleição do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A frustração dessa expectativa seria mais um fator agravante no quadro de deterioração e de desagregação social, com conseqüências imprevisíveis. Não quero especular sobre isso, Sr. Presidente, mas sinto que a negatividade resultante de uma eventual frustração seria efetivamente desastrosa. Não quero pensar nisso e não acredito que venha a ocorrer essa frustração. Ao contrário, acredito que as expectativas serão realizadas, efetivadas, e que a intervenção do Governo Federal, por meio desse programa de ação, também na área da segurança pública, resultará em uma melhoria substancial.

Entretanto, Sr. Presidente, é preciso também revitalizar a economia. Não quero iniciar prematuramente a discussão sobre as reformas previdenciária e tributária - os projetos estão sendo finalizados, e teremos oportunidade de discutir em profundidade, com bastante tempo, essas duas proposições -, cujos resultados, evidentemente, serão positivos, inclusive sobre a economia. No entanto, temo que, embora bastante positivos, em termos do dinamismo da economia brasileira, os resultados ainda não sejam suficientes para propiciar o crescimento que a sociedade brasileira demanda, da ordem de 5% ou 6% ao ano, no mínimo. O Brasil já cresceu a 7% e foi feliz nessa época, porque o crescimento econômico possibilita toda uma distribuição, margens para redistribuição, recursos para aplicação em programas, inclusive de segurança. Uma das limitações do programa de segurança pública nos Estados e por parte do Governo Federal é a escassez de recursos. No meu Estado, o Rio de Janeiro, seria necessário triplicar o efetivo da Polícia ostensiva e mesmo da Polícia Judiciária. Onde estão os recursos para isso? O Governador que pretendesse isso seria logo enquadrado na Lei de Responsabilidade Fiscal, sujeito a ser preso exatamente por desrespeito à Lei. Enfim, ausência de recursos é algo que constitui obstáculo para a solução desse e de todos os outros problemas que afligem a sociedade brasileira que se desintegra.

É urgente, absolutamente imprescindível e necessária a retomada do dinamismo da economia brasileira ao nível mínimo de 5% ao ano. Entendo que as reformas são necessárias, mas, infelizmente, a meu juízo, não são suficientes, Sr. Presidente. É preciso, na minha opinião, uma retomada firme dos investimentos públicos. Há quase vinte anos, desacreditou-se do investimento público neste País. Acreditou-se que o investimento privado, que as decisões de mercado seriam suficientes para colocar em marcha essa economia, que tem a vocação do dinamismo, mas requer, exige, uma presença firme do Estado comandando, orientando os investimentos e realizando ele próprio os investimentos. Investimento estatal induz o investimento privado.

Nós já tivemos aqui, hoje, um excelente pronunciamento do Senador Delcídio Amaral, aparteado pelo Senador Mão Santa. E dizia o Senador Mão Santa que, em matéria de energia elétrica, é preciso que haja uma antecipação sobre a demanda, que os investimentos precedam à demanda para criar o dinamismo, o estímulo ao crescimento econômico. Tem toda a razão S. Exª. A energia elétrica, o petróleo, os transportes, enfim, toda a infra-estrutura da economia que suporta o crescimento econômico tem que ser comandada por investimentos públicos do Estado brasileiro. Esse, por sua vez, precisa ter recursos a fim de induzir e criar condições propícias ao investimento privado, que vem complementando na pulverização dos investimentos em setores complementares. É importante que o Estado brasileiro disponha de margens para isso, algo como R$30 bilhões para realizar investimentos públicos, pelo menos. É necessário que o orçamento conte com essa margem. Não vai contar este ano, mas a partir dos próximos anos é fundamental que haja margem para a realização desses investimentos, a fim de que a economia possa ganhar o dinamismo que a sociedade requer para sustar o processo de desintegração que vem se manifestando na explosão de criminalidade e questão da segurança pública.

O Brasil não pode esperar até 2006, não. Isso tem que acontecer a partir do ano que vem. Se, a partir do ano que vem, ainda for necessária a manutenção do superávit fiscal elevado, superior a 4%, se ainda for necessária a manutenção da taxa de juros, também, no patamar elevado que se encontra hoje, é preciso gerar recursos para esse investimento estatal. Eu não vejo alternativa, Sr. Presidente, senão elevar ainda um pouco mais a carga tributária sobre a sociedade brasileira. Trata-se de uma emergência, Sr. Presidente. A Nação brasileira tem que se conscientizar de que é preciso sair desse processo de estagnação, mediante uma alavanca poderosa da presença de investimentos no Estado, e, para tal, é preciso haver recursos.

A carga tributária brasileira é muito elevada hoje? É, relativamente ao que foi, mas não relativamente a outros países do mundo. Cargas tributárias superiores a 40% do PIB estão presentes hoje em Israel, Alemanha, Noruega, França, Áustria, Polônia, Hungria, Holanda, Suécia, Dinamarca. Não é nenhum fenômeno extraordinário a necessidade de tomar recursos dos que gastam em Miami, Nova Iorque ou Disneylândia para realizar investimentos estatais poderosos, alavancas de impulsionamento na economia brasileira, a fim de tirá-la dessa estagnação, dessa pasmaceira em que se afundou desde os primeiros anos 90 do século passado, depois de uma história de crescimento e êxito reconhecidos internacionalmente exatamente por aplicação de planejamento de longo prazo, de associação num sistema mista de presença do Estado, com empresas privadas, com um mercado. Quer dizer, essa associação dentro de um sistema misto - Estado/iniciativa privada - no Brasil se revelou extremamente eficaz.

É importante recuperar isso, pôr um fim a essa situação. É claro que um ponto final já foi colocado com a vitória do Lula, mas é preciso que não se tenha medo de ousar, inclusive com relação ao investimento estatal, onde ele é necessário, que é, exatamente, nos setores de infra-estrutura. São esses setores que sustentam e abrem as possibilidades de revitalização da economia com os investimentos no setor privado. Sem essa condição, Sr. Presidente, iremos ficar aqui no Senado, durante anos, ouvindo discursos e mais discursos sobre a questão da segurança pública, sem poder resolvê-la, porque, sem a revitalização da economia será impossível arrancar esse processo de desagregação que atinge tudo: a questão moral, ética, familiar e a possibilidade ou o prognóstico da vida individual de cada brasileiro, dentro dessa massa de milhões de excluídos. Só na cidade do Rio de Janeiro são mais de um milhão de pessoas completamente fora da possibilidade de uma vida digna. É claro que essas pessoas perderam os seus liames com a sociedade e os valores que orientaram a edificação desta Nação brasileira.

Portanto, é preciso que restauremos como condição sine qua non, condição primordial e essencial, a retomada do dinamismo econômico. Não vamos ser modestos e dizer que 3,5% ou 4% de crescimento por ano é suficiente. Não é não, Sr. Presidente. O Brasil precisa crescer mais de 5% ao ano para poder incorporar essa massa de excluídos e dar sentido à vida de cada um dos jovens brasileiros de hoje, dar sentido também à própria sociedade, à própria visão coletiva desta nação, que acreditou em Luiz Inácio Lula da Silva - e continua acreditando. É nosso dever colaborar para que não haja frustração de expectativas, o que seria um desastre nacional completo, e, sim, confirme-se essa expectativa de que todas essas questões possam ser resolvidas a partir desse ponto a que me referi hoje e que, como disse, já foi objeto de discursos muito importantes aqui neste plenário nos últimos dias: a segurança pública.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/04/2003 - Página 8160