Discurso durante a 42ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a criminalidade e a crise de segurança pública no País. Registro das propostas que apresentará, na condição de relator, a projeto de lei que altera a Lei de Execução Penal e o Código de Processo Penal brasileiro. (Como Líder)

Autor
Demóstenes Torres (PFL - Partido da Frente Liberal/GO)
Nome completo: Demóstenes Lazaro Xavier Torres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA. LEGISLAÇÃO PENAL.:
  • Considerações sobre a criminalidade e a crise de segurança pública no País. Registro das propostas que apresentará, na condição de relator, a projeto de lei que altera a Lei de Execução Penal e o Código de Processo Penal brasileiro. (Como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 23/04/2003 - Página 8271
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA. LEGISLAÇÃO PENAL.
Indexação
  • GRAVIDADE, AUMENTO, VIOLENCIA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), BRASIL, PERDA, CONTROLE, GOVERNO, ATUAÇÃO, CRIME ORGANIZADO, DENUNCIA, INEFICACIA, SEGURANÇA PUBLICA, IMPUNIDADE, LEGISLAÇÃO, CORRUPÇÃO, POLICIA, ALICIAMENTO, COMUNIDADE, PERIFERIA URBANA, ESPECIFICAÇÃO, TRAFICO, DROGA, ARMA, REGISTRO, DADOS.
  • IMPORTANCIA, DESTINAÇÃO, RECURSOS, POLITICA SOCIAL, EDUCAÇÃO, PRESERVAÇÃO, CRIME, CRITICA, GESTÃO, GASTOS PUBLICOS, SEGURANÇA PUBLICA.
  • ANUNCIO, APRESENTAÇÃO, RELATORIO, SUBCOMISSÃO, SEGURANÇA PUBLICA, VOTO CONTRARIO, PROJETO DE LEI, ORIGEM, CAMARA DOS DEPUTADOS, ALTERAÇÃO, LEI DE EXECUÇÃO PENAL, CODIGO DE PROCESSO PENAL, MOTIVO, AUMENTO, IMPUNIDADE, REGISTRO, PROPOSTA, EMENDA, AUTORIA, ORADOR, ESPECIFICAÇÃO, ISOLAMENTO, PRESO, PERICULOSIDADE.
  • NECESSIDADE, URGENCIA, REFORMA JUDICIARIA.

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO. Como Líder. Sem revisão do orador.) - “Que Deus a abençoe, pela mentira. A luz do dia jamais expôs uma ruína tão completa”. (Tennessee Williams.)

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores,

1º de março - 14h04min - Exército ocupa vários pontos do Rio;

2 de março - 23h54min - Tráfico ameaça cortar energia do Sambódromo;

3 de março - 16h45min - Rio e São Paulo entre as cidades mais violentas do mundo;

6 de março - 18h33min - Ladrões roubam carro de Ministro da Justiça;

10 de março - 22h07min - Adolescente atingida em tiroteio entre policiais e traficantes;

16 de março - 18h55min - OAB diz que Estado não acompanha sofisticação do crime organizado;

24 de março - 10h25min - Juiz é assassinado em Vila Velha;

25 de março - 20h27min - Crime organizado teria lista de autoridades a serem assassinadas;

26 de março - 21h28min - Corrupção policial é o maior entrave à luta contra o crime;

28 de março - 21h55min - Mesmo preso, Beira-Mar ainda controla tráfico;

31 de março - 22h12min- Crime organizado volta a infernizar o Rio.

Acabo de ler uma pequena relação das principais manchetes policiais da Agência Estado durante o mês de março. No rol das péssimas notícias, a confirmação de que o Estado perdeu o jogo para o crime organizado. Na listagem, uma amostra de que neste País o tráfico de drogas comanda organizações criminosas que matam magistrados, corrompem policiais, agonizam as cidades, roubam vidas inocentes e debocham das autoridades. Um retrato fiel da segurança pública no Brasil. Reportagem de fatos que confirmam a inversão da ordem e o império da impunidade.

Por uma questão de fraqueza institucional, cumulada com a doutrina de se fazer “poesia de segurança pública”, o Brasil permitiu, nos últimos 20 anos, que a violência e a criminalidade prosperassem. De um lado, edições continuadas de legislações liberalizantes chancelaram a certeza da não-punição. Nas ruas, demonstrações de violência tão monstruosa quanto provocativa. Nas leis frouxas, o caminho suave da punição.

O homem de bem assistiu, no período, ao Brasil se transformar em uma terra de bandoleiros e observou, estupefato, a fraqueza de um Estado-policial inerte, sucateado e corrompido. O crime, antes um fenômeno social isolado, encontrou no vácuo da atividade estatal ambiente propício para se expandir, apoiado principalmente pelo incremento financeiro gigantesco do tráfico de drogas.

Os milhões de dólares injetados pelo componente novo começou a perturbar o País em larga escala a partir da década de 80. Em seguida, criou condições materiais à organização de grupos criminosos hierarquizados e de articulação internacional, a exemplo do Comando Vermelho, no Rio de Janeiro, e do Primeiro Comando da Capital, em São Paulo. Grupos que passaram a movimentar equipamento bélico pesado, muito além da capacidade de fogo das Polícias, cooptar a colaboração de populações periféricas, por intermédio de rede de favores que deveriam ser supridos pela presença estatal, e montar uma rede verticalizada de corrupção, que passa pelo policial da esquina e alcança os estamentos superiores da sociedade brasileira.

Sr. Presidente, uma pesquisa do Núcleo de Estudos da Violência, órgão da Universidade de São Paulo, apontou que o tráfico de drogas, só na Grande São Paulo, movimenta ao mês aproximadamente R$30 milhões e arrebanha um contingente de 50 mil pessoas a serviço do crime. Em todo o mundo, o “narconegócio”, consoante pesquisa encomendada pelo Banco Mundial, mobiliza cerca de US$400 bilhões, o equivalente a 8% do comércio planetário e quase a metade do Produto Interno Bruto brasileiro.

Os indicadores de segurança pública confirmam a responsabilidade direta do narcotráfico com os casos gerais de banalização da violência. Cerca de 60% dos homicídios ocorrem com o envolvimento das drogas. De acordo com estudo realizado pelo Instituto São Paulo Contra a Violência, organização não-governamental, entre 1984 e 1999, os índices de homicídio em São Paulo cresceram 157%. O mesmo relatório aponta, a partir de informações da Ouvidoria de Polícia do Estado de São Paulo, que 90% dos crimes foram praticados com emprego de arma de fogo. Já outra pesquisa do Núcleo de Estudos da Violência aferiu que 70% dos homicídios pesquisados caracterizaram execuções de justiceiros e matadores de aluguel.

O Ministério da Justiça possui um quadro estatístico que indica nas 27 capitais brasileiras, no ano de 2001, a ocorrência de 13.580 homicídios dolosos. Esse número, que acredita-se subestimado em razão da precariedade do trabalho estatístico das Polícias somada às falhas de notificação dos crimes, significa uma Guerra do Iraque por mês em termos de mortes.

No rastro do narcotráfico, passou a prosperar no Brasil o subnegócio do tráfico de armamentos. Algo tão fora de controle como a venda de droga e que atua na paralela do comércio ilegal de entorpecentes. Conforme estatísticas da Ouvidoria citada, existe aproximadamente 1,5 milhão de armas ilegais circulando na Grande São Paulo. Ao serem adicionadas às 400 mil legais, equivalem a uma arma para cada grupo de 17 pessoas. E tudo leva a crer que não é diferente no resto do Brasil. Trata-se de uma atividade de alta periculosidade, cuja rota de influência é conhecida, mas de controle débil, como um tiro de festim. As autoridades policiais e alfandegárias sabem que o grosso dos armamentos é contrabandeado dos Estados Unidos, via Miami, e entra no País pelo porto de Paranaguá, no Paraná. De lá são remetidos ao Paraguai e redistribuídos aos grandes centros pela rede do narcotráfico.

            (O Sr. Presidente José Sarney faz soar a campainha.)

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO) - Peço a V. Exª que me conceda tempo para concluir o meu discurso, Sr. Presidente.

Srªs e Srs. Senadores, a criminalidade está minando as forças deste País. O Banco Mundial estima que o custo da violência no Brasil responde a cerca de 10% do Produto Interno Bruto. Conforme a indicação dos dados, são US$15 bilhões perdidos em capital humano; US$28,8 bilhões em prejuízos materiais; US$ 27,7 bilhões em perdas no trabalho e afins, e US$27,2 bilhões em evasão de divisas e lavagem de dinheiro.

Em países que trabalham a prevenção ao delito, por intermédio de políticas sociais eficazes, principalmente a educação, a exemplo da Suíça, do Canadá e do Japão, o dispêndio médio com o custo da violência representa apenas 1% do PIB. O Brasil, prenhe de mazelas sociais e economicamente asfixiado, desperdiça e gasta bastante mal os poucos recursos disponíveis, atacando os efeitos da criminalidade em ações de escasso resultado. De acordo com dados do Instituto São Paulo Contra a Violência, 88% do orçamento da Polícia Militar do maior Estado da Federação são empregados em despesas de pessoal, encargos sociais e proventos de inativos. Ou seja, sobra muito pouco para se reverter em políticas de combate ao crime.

Há duas semanas, esteve nesta Casa o Exmº Sr. Ministro da Educação, Cristovam Buarque, que reclamou da falta de recursos para instituir a escola em tempo integral em toda a rede de ensino público deste País. Para se conseguir completar, até o ano 2010, o ciclo de implantação do sistema de ensino, a mais eficiente providência de prevenção ao crime, são necessários R$2 bilhões anuais. Agora, 2010 está muito distante, e o Brasil não pode aguardar a lentidão administrativa. Estou comprometido com o Sr. Ministro a indicar fontes de financiamento da escola integral, para que o Brasil possa abreviar a sua instituição em, no mínimo, quatro anos da previsão do Ministério da Educação.

Fui Secretário da Segurança Pública de Goiás e sei o quanto são contingenciados os recursos do setor. Para que as Srªs e os Srs. Senadores tenham noção do volume de investimentos necessários, a Fundação Getúlio Vargas apurou dado interessante: somente em segurança privada são investidos no Brasil cerca de US$28 bilhões ao ano. No Orçamento da União do exercício financeiro de 2003, estão previstos, para o financiamento da Segurança Pública, R$2.631.444.502,00, sendo a rubrica “Segurança do Cidadão” dotada de pouco mais de R$424 milhões.

Sr. Presidente, hoje, por indicação do Senador Tasso Jereissati, vou apresentar um relatório à Subcomissão de Segurança Pública sobre projeto de lei da Câmara dos Deputados que versa sobre matéria que espelha bem o que se convencionou chamar doutrina do Direito Penal Mínimo. Ora, enquanto o País clama pelo endurecimento das leis e o restabelecimento do Estado suficiente, o referido projeto apresenta alterações na Lei de Execução Penal e no Código de Processo Penal, com acenos de mais regalias aos condenados, além de facilitar a prática do desvio de conduta nos estabelecimentos prisionais.

Em primeiro lugar, é inaceitável a modificação proposta no art. 6º da Lei de Execução Penal, que transfere à autoridade administrativa o direito de, na prática, conceder a progressão ou regressão do regime de cumprimento da pena, sem a intervenção do Ministério Público e do Poder Judiciário. A jurisdicionalização da execução da pena é uma das conquistas do Direito brasileiro. Renunciar à prerrogativa é retrocesso jurídico. Já o histórico de corrupção nas administrações dos presídios nos leva a crer que a matéria pode ensejar a constituição de uma indústria de liberação de presos neste País - só em São Paulo, seriam liberados cerca de 27 mil detentos.

O projeto de lei, sob a apreciação da Subcomissão de Segurança Pública desta Casa, propõe a criação de um Regime Disciplinar Diferenciado, durante o qual será avaliado o mérito do condenado de progredir na pena, com prazo determinado, o que trará mais benefícios aos criminosos.

(O Sr. Presidente José Sarney faz soar a campainha.)

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO) - Vou concluir, Sr. Presidente.

Em meu relatório vou apresentar uma emenda que propugna por dois sistemas: o Regime Disciplinar Diferenciado, com duração de 360 dias, prorrogáveis a critério do juiz, basicamente com recolhimento em cela individual; e o Regime Disciplinar de Segurança Máxima, destinado aos presos de alta periculosidade, com duração de 720 dias, com possibilidade de repetição a ser determinada pela autoridade judicial, além de uma série de restrições, tais como proibição de visita íntima, recolhimento em cela individual, proibição de aparelhos telefônicos, de som, TV, rádios e similares; comunicação vedada com outros presos e agentes penitenciários, durante o banho de sol e o exercício físico, que será limitado a até duas horas diárias; visitas mensais com o máximo de dois familiares, separados por vidro e com comunicação por meio de interfone, com filmagem e gravações encaminhadas ao Ministério Público; contatos mensais com advogados, cuja ocorrência será comunicada à Ordem dos Advogados do Brasil.

O objetivo do Regime é o de isolar presos condenados ou provisórios que apresentem alto risco à ordem dos presídios e à segurança da sociedade e mantê-los distantes da área de influência da organização criminosa.

O projeto da Câmara dos Deputados também precisa ser alterado quando sugere que a autoridade judiciária se dirija ao estabelecimento prisional para realizar audiências com os presos.

            (O Sr. Presidente José Sarney faz soar a campainha.)

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO) - Vou concluir, Sr. Presidente. A proposta visa a acabar com o falado “turismo judiciário”, em que o custodiado deixa o presídio para se dirigir à presença do Juiz ou Tribunal. Ora, expor o magistrado ao risco de realizar audiência na cadeia é uma bobagem inominada. Além do mais, deve-se mensurar o custo dos traslados, uma vez que somente em São Paulo são empregados cerca de 1.500 policiais militares por dia a fim de garantir a segurança das audiências; efetivo que, naturalmente, seria mais bem empregado no policiamento ostensivo. No mesmo relatório, sugiro a alteração do texto da Câmara e a instituição da videoconferência como meio de se realizar o ato jurisdicional.

Srªs e Srs. Senadores, o projeto de lei em questão pretende a exclusão da análise do mérito do preso e do exame criminológico. Isso é descabido, e o Senado não pode coadunar com tal proposição. Pela mesma razão acima relacionada, é um absurdo que a avaliação do preso seja reduzida a simplório atestado de bom comportamento carcerário, a ser expedido pelo diretor do estabelecimento prisional.

O referido projeto de lei perdeu grande oportunidade de corrigir um dos maiores equívocos do ordenamento jurídico penal brasileiro. Trata-se da suspensão do processo quando o acusado é citado por edital, não se apresenta em juízo nem constitui advogado. Em virtude desse dispositivo, aproximadamente 70% das ações penais contra o crime organizado estão paradas em todo o Brasil. A emenda que ora é apresentada altera o Código de Processo Penal e corrige a excrescência. Uma vez aprovada a proposta, passarão a ser julgados à revelia todos os crimes apenados com reclusão, inclusive os de competência do Tribunal do Júri.

A crise de Segurança Pública do Brasil é algo estrutural e merece a consideração decisiva desta Casa. No resumo da ópera, basta afirmar que as Polícias vivem síndrome de ineficiência, trabalham em dissonância, estão, em boa parte, contaminadas pela corrupção.

O sistema penitenciário expõe fissuras clamorosas e chegou ao inaceitável. Trata-se de uma estrutura estatal que não cumpre a finalidade primária de prevenção geral da pena, uma vez que os estabelecimentos prisionais estão alienados ao crime organizado, nem a de ressocialização, instituto jurídico que se converteu em uma das mais belas mentiras deste País.

Na transversal da crise de segurança, prospera um sistema jurisdicional anacrônico e moroso. Ao bandido interessa que a lide penal fique indefinidamente em aberto. A responsabilidade, naturalmente, não pode ser creditada a Juízes e Promotores, mas às leis que regem as relações processuais. O Brasil precisa ter a coragem de realizar profunda reforma no Poder Judiciário, do contrário, vai continuar seguindo por caminhos rotos e “esperando Godot”.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/04/2003 - Página 8271