Discurso durante a 42ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre o relatório final dos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre as ONGs.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PPS - CIDADANIA/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG).:
  • Considerações sobre o relatório final dos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre as ONGs.
Aparteantes
Leomar Quintanilha.
Publicação
Publicação no DSF de 23/04/2003 - Página 8327
Assunto
Outros > COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG).
Indexação
  • REGISTRO, RELATORIO, CONCLUSÃO, TRABALHO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), INVESTIGAÇÃO, FRAUDE, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), ESPECIFICAÇÃO, ATUAÇÃO, REGIÃO AMAZONICA, GRILAGEM, TERRA PUBLICA, CONTRABANDO, MINERIO, IRREGULARIDADE, GESTÃO, VERBA, GOVERNO, INCITAMENTO, CONFLITO, RESERVA INDIGENA, FALTA, FISCALIZAÇÃO.
  • ENCAMINHAMENTO, RELATORIO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), MINISTERIO PUBLICO, REGISTRO, ELABORAÇÃO, PROPOSTA, PROJETO DE LEI, AUMENTO, CONTROLE, PROTEÇÃO, SOBERANIA NACIONAL.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, PRESIDENTE, ASSOCIAÇÃO NACIONAL, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), ACUSADO, FALTA, IMPARCIALIDADE, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI).

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em 19 de dezembro do ano passado, encerraram-se os trabalhos da CPI das ONGs, que tive a honra de presidir. O Relatório Final da CPI foi disponibilizado pelo Senado para qualquer interessado. Essencialmente, tratou a CPI de fraudes, e de diversas outras atividades contrárias à sociedade brasileira, em que estão envolvidas ONGs, principalmente aquelas Organizações Não-Governamentais que atuam na Região Amazônica.

A CPI investigou 14 organizações, incluídas aí ONGs estrangeiras, envolvidas em atividades condenáveis como, por exemplo, grilagem de terras públicas, contrabando de minérios, desperdício de dinheiro público, obtenção de verbas do Governo por vias duvidosas e incitação de conflitos em áreas indígenas. Os resultados dos inquéritos da CPI foram encaminhados ao Ministério Público e a outros órgãos competentes.

Também como resultado dos inquéritos, a CPI formulou propostas para seis projetos de lei, no intuito de sanar as imperfeições detectadas na legislação atual e para barrar futuras situações adversas aos interesses nacionais.

Entre os convidados a depor na CPI esteve o Sr. Sérgio Haddad, Presidente da Abong, Associação Brasileira de Organizações Não- Governamentais, entidade que congrega algumas centenas de ONGs. O Presidente da Abong protelou por vários meses seu depoimento, mas finalmente o fez, ao apagar das luzes da CPI, em dezembro passado, trazendo principalmente informações sobre os registros formais que devem fazer as ONGs junto a órgãos de Governo.

Agora, publicado o relatório final da CPI, desfecha a Abong - Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais - um ataque contra esse documento e contra os trabalhos de que resultou, fazendo constar em seu site comentários agressivos contra a CPI e seu Presidente.

É uma atitude surpreendente. O mais natural seria a Abong congratular-se com o fato de que a CPI reconheceu ser pequeno o número de ONGs que cometem fraudes ou praticam irregularidades, se comparado ao grande número das Organizações Não-Governamentais existentes. No entanto, a reação da Abong foi raivosa, acusando a CPI de distorções, de parcialidade, de equívocos e de abusos. Tamanha hostilidade, Sr. Presidente, pode ter somente uma explicação: a CPI tocou em um nervo exposto, acertou na sua atuação e em seus diagnósticos e, ao que parece, incomodou gente que vinha levando uma vida demasiado cômoda.

O que a CPI fez foi denunciar fraudes, irregularidades, tramóias, golpes, maracutaias e trambiques, chamando a atenção da sociedade e das devidas autoridades, para essas mazelas.

Para se ter uma idéia das ONGs e matérias investigadas, nem é preciso ler o relatório final da CPI. Basta consultar o próprio site da Abong. O texto sobre a CPI no quesito “Anexo - Casos Investigados”, que faz uma breve resenha das investigações da Comissão.

O segundo enfoque da Comissão foi expor a extrema fragilidade dos controles do Poder Público e da sociedade sobre as chamadas Organizações-Não Governamentais, as famosas ONGs. Reina o vale-tudo no repasse de bilhões de reais para as ONGs, via convênios. E. isso, tanto na esfera do Governo federal, como do estadual e do municipal.

Hoje, tipicamente, pode uma ONG registrar sua existência no cartório do sul do País e centrar sua atividade na Região Norte. A ONG estrangeira que promoveu a grilagem de enormes extensões de terras públicas no meu Estado de Roraima, a chamada Associação Amazônia, o fez por meio de manobras em um cartório de Manaus, longe de sua área de atuação.

O repasse de verbas públicas para ONGs, por meio de convênios, vem sendo feito com perigosa liberalidade, aproveitando-se de brechas na lei, ou de interpretação superada da lei. Um convênio, por entendimento tradicional, não exige licitação, nem sequer um edital público que especifique com neutralidade e objetividade os serviços a serem contratados, com a decorrente comparação, antes da contratação, entre vários concorrentes habilitados. Ora, é muito fácil perceber como isso pode transformar-se em uma ação entre amigos.

O terceiro bloco de idéias contidas no trabalho da CPI, conforme o Relatório Final, é a exposição clara da carga ideológica adversa aos interesses da sociedade brasileira contida na postura de certas ONGs. O preconceito e o fanatismo antidesenvolvimentista da pregação dessa ideologia são profundamente prejudiciais ao Brasil.

O Brasil precisa de cuidados com o meio ambiente e com suas populações indígenas vulneráveis. Mas precisa também, desesperadamente, de crescimento econômico e desenvolvimento social, de fábricas, estradas, centrais hidroelétricas, hidrovias, projetos de mineração. Sem isso, nunca serão criados milhões de novos empregos pelos quais o País espera.

Ora, diante dessas múltiplas solicitações da realidade, é preciso harmonizá-las, conciliá-las. Este é, de resto, o espírito de nossas leis e de nossa Constituição que diz em seu art. 3º, que o desenvolvimento é o objetivo fundamental do Brasil. Ela também contém capítulos incisivos sobre os cuidados com o meio ambiente e os direitos indígenas. Mas o que vemos, na prática, não é a harmonização desses preceitos, mas um preconceito antidesenvolvimentista e, às vezes, até antinacional. É ideologia que tem como foco propagador algumas ONGs, nacionais e estrangeiras. Infelizmente, ideologia com forte penetração na mídia, como evidencia o grande número de liminares judiciais que bloqueiam empreendimentos de interesse do País.

Creio, Sr. Presidente, que, mais que as fraudes apontadas, tenham incomodado a raivosa Abong as denúncias da CPI sobre a facilidade com que qualquer ONG pode gozar da benesse de fartas verbas públicas e sobre os mecanismos ideológicos com que operam algumas delas, contra os interesses nacionais. Tanto que a Abong juntou a seus comentários um estudo produzido por minha solicitação pela Consultoria do Senado, elogioso à atuação de ONGs humanitárias, mas evitou anexar um segundo estudo, da mesma Consultoria, também por mim pedido, criticando a atuação de certas ONGs ambientalistas e indigenistas, bem como apontando para as mazelas administrativas e ideológicas, por mim já mencionadas, aspectos que foram melhor desenvolvidos no Relatório Final da CPI. Esse segundo estudo, omitido pela Abong é o de número 161, de 2001, relativo a STC 200103464.

Também não devem ter agradado à Abong propostas de projetos de lei apresentadas pela CPI, atinentes ao melhor controle público sobre as ONGs e à exigência de ser submetida à aprovação do Senado Federal toda criação e demarcação de terras indígenas. Hoje, essa definições territoriais são feitas pela Funai que, para isso, apóia-se extensamente na orientação e no trabalho de ONGs nacionais e estrangeiras, método perigoso para os nossos interesses soberanos.

O Sr. Leomar Quintanilha (PFL - TO) - Concede-me V. Exª um aparte?

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR) - Com muito prazer, concedo o aparte a V. Exª, Senador Leomar Quintanilha.

O Sr. Leomar Quintanilha (PFL - TO) - Nobre Senador Mozarildo Cavalcanti, V. Exª traz esta tarde uma análise do trabalho profícuo, profundo e importante que a comissão, que V. Exª tão bem dirigiu, desenvolveu no âmbito desta Casa, com relação à atuação das Organizações Não-Governamentais. A comissão soube, perfeitamente, estabelecer o veio de separação daquelas que contribuem para o desenvolvimento e para a melhoria das condições sociais do povo brasileiro daquelas outras que, com interesses disfarçados, escondiam-se em aspectos ambientalistas para conturbar a ordem do processo desenvolvimentista do nosso País, para dificultar a implantação do processo produtivo e de infra-estrutura e o aproveitamento dos nossos mananciais modais e hidroviários, enfim, trazendo um prejuízo muito grande para o desenvolvimento do nosso País. Estou seguro de que o trabalho que V. Exª fez trouxe uma contribuição para a elucidação dessas questões, apontando os caminhos para que possamos evitar que instituições que, defendendo interesses que não do povo brasileiro e do País, procuram utilizar-se da sua estrutura para prejudicar o desenvolvimento do País e a melhoria da condição de vida do povo brasileiro. Quero me associar a V. Exª, ao trabalho que fez e às gestões que ainda haverão de ser demandadas para a consecução dos objetivos alcançados pela Comissão que V. Exª tão bem dirigiu.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR) - Agradeço o aparte de V. Exª, Senador Leomar Quintanilha. V. Exª, que foi Membro da Comissão, acompanhou de perto todo o trabalho da CPI, que funcionou num momento adverso para o Senado, pois vários foram os episódios que retardaram o andamento da CPI, como, por exemplo, a cassação de um Senador, depois o episódio do painel eletrônico. Vários outros fatos interferiram sobremodo no andamento normal da CPI. Mesmo assim trabalhamos muito, mas tenho certeza de que apenas descobrimos a ponta do iceberg. Conseguimos mostrar que não existem, de forma generalizada, instituições não-governamentais sacrossantas, que todas, indistintamente, são honestas e corretas. Provamos que não é assim.

Penso que essa matéria tem que ser aprofundada, aproveitando trabalhos feitos pela Comissão da Biopirataria, na Câmara dos Deputados, e pela CPI da Funai. Temos que instalar uma CPI que cuide, por exemplo, da internacionalização da Amazônia e do Pantanal, porque são assuntos altamente ligados uns aos outros e não podemos fazer de conta que não vemos nem ouvimos o que está acontecendo.

Tenho a consciência tranqüila. Foi uma CPI conduzida sem preocupação com os holofotes, de estar na mídia toda hora. Fizemos um trabalho sereno, ouvindo as ONGs denunciadas ou que tinham indícios fortes para suspeição. Muitas delas foram denunciadas pela própria imprensa, como, por exemplo, a Cooperíndio, no Amazonas, cujo Vice-Presidente foi preso pela Polícia Federal, transportando uma tonelada da pedra semi-preciosa ametista e 300 quilos de um minério nobre de terceira geração que é o nióbio.

Na verdade, não inventamos nada. Ao contrário, a maior parte dos fatos investigados foram descobertos pela Polícia Federal, pela imprensa ou por denúncias.

Continuo a leitura:

Parecem, especialmente, ter irritado a Abong projetos de lei propostos pela CPI das ONGs sobre a obrigatoriedade do hasteamento da bandeira nacional na Amazônia, e a proibição da divulgação por ONGs, em território nacional, de mapas do Brasil que excluem a Amazônia Brasileira de nossa soberania. Realmente, nesse aspecto da soberania nacional e da prioridade do interesse nacional, há um claro choque ideológico entre, por um lado, a CPI das ONGs, e também minha posição pessoal, e, por outro lado, as idéias importadas que, infelizmente, regem a atuação de algumas ONGs. Dessa incompatibilidade ideológica muito me orgulho, como brasileiro, como Senador e como Presidente que fui da CPI das ONGs, porque me considero um nacionalista. Não posso aceitar que manobras feitas por algumas dessas instituições estejam justamente servindo a interesses de corporações financeiras internacionais e, por isso, colocando em risco a nossa soberania, principalmente da Amazônia.

Da Associação Brasileira das ONGs, a sociedade brasileira tinha o direito de esperar uma atitude de cooperação, de colocar-se do lado da ética e da lei. Infelizmente, não é isso que está ocorrendo.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, tenho certeza de que as ONGs sérias deste País devem ter exultado com o trabalho da CPI. Deveriam ter colaborado mais, justamente para mostrar que quem age corretamente e não comete nenhum ato ilícito não teme investigação. Assusta-me saber que o projeto de lei oriundo da CPI das ONGs, que busca regulamentar o registro e o funcionamento dessas instituições no País, esteja sendo torpedeado exatamente pelas ONGs e tenha adeptos no Senado. Não consigo entender que essas instituições possam estar ao arrepio da lei, ou seja, sem o alcance da lei, agindo de maneira muito liberal. O mais interessante é que, sendo organizações não-governamentais, vivem à custa de recursos governamentais, como muitas delas que atuam em setores como assistência médica às populações indígenas, na conservação ambiental, enfim, em vários setores da atividade desse chamado terceiro setor.

Então, ou elas bem são organizações não-governamentais e exercem um voluntariado baseado na arrecadação de fundos daqueles que voluntariamente querem abraçar a causa, ou passam a ser entidades governamentais ou paragovernamentais. Por isso, Sr. Presidente, entendo que essa CPI precisa ser aprofundada. O Presidente do Senado Federal já enviou às autoridades competentes - ao Procurador-Geral da República, à Receita Federal, ao Ministério Público Estadual em alguns casos - as recomendações da CPI, para que sejam, portanto, como é de direito, investigadas, para que cada um, no seu caso, possa ajuizar as ações penais cabíveis.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/04/2003 - Página 8327