Discurso durante a 44ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Debate sobre a exposição do Ministro da Justiça, Sr. Marcio Thomaz Bastos.

Autor
João Capiberibe (PSB - Partido Socialista Brasileiro/AP)
Nome completo: João Alberto Rodrigues Capiberibe
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Debate sobre a exposição do Ministro da Justiça, Sr. Marcio Thomaz Bastos.
Publicação
Publicação no DSF de 25/04/2003 - Página 8544
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • NECESSIDADE, RENEGOCIAÇÃO, DIVIDA PUBLICA, ESTADOS, LIBERAÇÃO, RECURSOS, AUMENTO, ATUAÇÃO, GOVERNO, SAUDE, EDUCAÇÃO, SEGURANÇA, ASSISTENCIA SOCIAL, PREVENÇÃO, CONTROLE, CRIME ORGANIZADO.
  • CRITICA, AUSENCIA, APLICAÇÃO, ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, ESTADOS.
  • APOIO, PROPOSTA, INTEGRAÇÃO, ATUAÇÃO, POLICIA CIVIL, POLICIA MILITAR, POLICIA FEDERAL, MINISTERIO PUBLICO, CORRELAÇÃO, PROGRAMA, SEGURANÇA PUBLICA, ESTADOS, REGISTRO, GESTÃO, ORADOR, EX GOVERNADOR, ESTADO DO AMAPA (AP).
  • SOLICITAÇÃO, ESCLARECIMENTOS, METODOLOGIA, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), COMBATE, LAVAGEM DE DINHEIRO.
  • DEFESA, PARTICIPAÇÃO, SOCIEDADE, CONTROLE, ORÇAMENTO.

O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Sr. Ministro Márcio Thomaz Bastos, Srªs e Srs. Senadores, a segurança pública, em nosso País é, de fato, uma questão de ordem política. Quero aqui manifestar a minha satisfação por ouvir o Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva afirmar que os problemas de segurança neste País são problemas do seu Governo e por ouvir o Ministro da Justiça, nesta Casa, reafirmar esse compromisso. Isso é animador, porque mostra, com clareza, a decisão de reunir meios, de debater, discutir, propor e aprovar leis, se assim for necessário, para encontrar soluções, principalmente para os grandes centros urbanos, que vivem a aflição da violência e da insegurança.

Quando se assume politicamente uma decisão, dá-se o passo inicial para encontrar soluções - soluções difíceis, porque não existem soluções fáceis para controlar a violência em nosso País. Primeiro, porque há uma limitação estrutural que me parece fundamental mencionar.

Todo o esforço da sociedade brasileira, ou a metade desse esforço, a metade da contribuição do cidadão sob a forma de impostos, infelizmente, é destinada a saldar os juros da dívida. Praticamente a metade do Orçamento público, resultado da contribuição dos impostos dos cidadãos e cidadãs deste País, é necessária para honrar os compromissos da dívida. Ora, o que está nos esmagando é um sistema financeiro impiedoso, que não nos permite respirar. É necessário, sim, estabelecer uma renegociação, porque enquanto existirem cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, com aglomerados de até 200 mil pessoas vivendo sem a presença do Estado, sob a forma de assistência básica de saúde, de educação, de segurança, de assistência social, o Estado será substituído pelos agentes do crime organizado. E o esforço para dotar essas cidades de um mínimo de infra-estrutura que permita que o cidadão as controle teria que passar por uma grande negociação, eu diria uma grande negociação norte-sul, principalmente relativa à dívida atroz que nos imobiliza. Qualquer família que destine metade do seu orçamento para cobrir juros de dívida, evidentemente, vai viver na angústia e na amargura.

Outra questão, Sr. Ministro. V. Exª afirmou que não é a lei que modifica a realidade. Nós temos no nosso País algumas leis primorosas, que foram impotentes para modificar a realidade. Eu poderia citar aqui o Estatuto da Criança e do Adolescente, que raros Estados aplicaram. Essa lei foi questionada e discutida, mas não foi aplicada. Onde foi aplicado o Estatuto da Criança e do Adolescente, nesse primeiro degrau da cadeia da criminalidade, que são os adolescentes em regime de reclusão, os resultados foram positivos, as reincidências diminuíram.

O Estatuto da Criança foi muito bem elaborado pelos legisladores, no entanto, é uma lei incompreendida, não apenas pela Polícia Judiciária, mas também pelo próprio Judiciário, que a considera tolerante demais com o adolescente.

Mas a recuperação do adolescente é fundamental para estancar a carreira do crime. Temos estatísticas que mostram que uma criança que comete o seu primeiro homicídio aos doze anos, se chegar aos quarenta, já terá ultrapassado, de longe, 35 a 38 crimes cometidos. E o adolescente que mata, todos sabemos, não tem noção do seu gesto. O Estatuto permite que essa criança possa ser reeducada. Temos exemplos, é preciso levantar os bons exemplos deste País para que sirvam de bússola.

Quero manifestar meu apoio ao Programa de Segurança Pública do Governo Lula, ao Ministro e sua equipe. Integrar mais do que unificar. Eu diria que, numa primeira fase, é preciso integrar as ações da Polícia Civil, da Polícia Militar, da Polícia Federal, do Ministério Público e, se possível, colocá-las no mesmo espaço. Essas experiências já existem em vários Estados brasileiros, onde o Ministério Público poderá conduzir os processos. Vários Estados já integraram as suas ações, e os resultados são colhidos quase que imediatamente. Ação integrada, esse é um passo. O outro passo é um programa nacional que tenha em cada Estado um correspondente programa estadual, para que funcione de programa a programa, para que os financiamentos sejam feitos não apenas como no passado.

Fui Governador, por dois mandatos, e o Ministério da Justiça era um balcão de negócios, cheio de lobistas. Lembro-me que a minha orientação na área de Segurança era focada exatamente na formação da Polícia cidadã, da Polícia interativa, com um controle social muito forte e rígido por parte da comunidade, inclusive com capacidade de punir o policial por mau comportamento. O próprio Conselho de Polícia Interativa decidia a punição em suas reuniões mensais. Mas, mesmo com essa preocupação, o Programa Nacional de Segurança Pública no meu Estado, quando abri os olhos, consistia em comprar armas, munição e viaturas. Ora é fácil descobrir que há um lobby poderoso para que se vendam armas, munição e viaturas, quando a nossa orientação era a de que um percentual, não mínimo, de 20% fosse dedicado à capacitação e treinamento da nossa Polícia. Fizemos isso com muita dedicação e com a convicção de que, capacitando e treinando os nossos policiais, conseguiríamos uma melhoria em seu desempenho. Com isso, fomos merecedores do prêmio Dubay 2000, exatamente em função da capacitação e do treinamento dos policiais, da formação de uma Polícia cidadã, de uma Polícia interativa, integrada na comunidade.

Tenho convicção de que há soluções para a violência no nosso País. Há soluções para o crime organizado. O nascedouro do crime organizado é a corrupção, a malversação e o desvio de recurso público. Falo dessa soma fantástica que alguns calculam em R$40 bilhões por ano. Como é feita a lavagem desse dinheiro?

Sr. Ministro, temos que nos debruçar sobre isso. Para tanto, gostaria de abordar essa questão e de ouvir quais são as primeiras idéias em relação ao controle do dinheiro do crime organizado, da corrupção. Quais os mecanismos que já estão sendo cogitados pelo Ministério da Justiça para controlar definitivamente essa massa fantástica de recursos, capaz de impedir que as prisões sejam seguras no nosso País? Todo esse dinheiro é proveniente da corrupção, que faz com que as portas das cadeias se abram com tamanha facilidade.

Portanto, para encerrar, eu diria que assumir politicamente o combate à violência urbana no nosso País é um grande risco. E esse é um risco político, porque as dificuldades serão creditadas a quem toma a decisão política e o sucesso será distribuído com todos os agentes que se envolverem no processo.

E há aqui uma clara demonstração do que leva a essa onda de crime na cidade fantástica do Rio de Janeiro, que é uma das mais belas cidades do nosso País, e faz com que um ex-candidato à Presidente da República assuma o desafio - com um grande risco político - de se tornar o Secretário de Segurança do Estado do Rio de Janeiro.

Sabemos que o enfraquecimento do Estado pode nos levar ao estado natural onde todos serão contra todos. Precisamos, portanto, recuperar e fortalecer a confiança nas instituições públicas. Temos que reconhecer que a sociedade brasileira tem um imenso descrédito nas suas instituições. E não podemos livrar aquilo que representamos aqui. Os políticos, o Senado, a Câmara, os partidos políticos, o Judiciário, o Executivo, todos nós estamos submetidos a um grau de desconfiança nunca visto na nossa sociedade e que precisamos recuperar. E cabem, na recuperação da confiança nas instituições, decisões políticas.

Nesse aspecto, é preciso que a coisa pública, os bens públicos, o patrimônio público, as instituições públicas, tudo passe a ser definitivamente controlado pelo cidadão. Só vamos recuperar a confiança perdida se o cidadão tiver o controle, e esse controle é exercido em cima daquilo que é objeto das grandes disputas eleitorais, em cima do Orçamento público. O cidadão, quando tiver sobre isso controle absoluto, quando souber que 50% desse Orçamento é destinado a pagar juros da dívida, vai poder analisar a condução que foi dada neste País até então. Mas o cidadão também terá um cuidado e uma preocupação muito grande na hora de escolher seus dirigentes. Acredito que, com o controle social do Orçamento público, vamos devolver a confiança às nossas instituições.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/04/2003 - Página 8544