Discurso durante a 45ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Solicitação de ajuda federal aos habitantes de Poço Redondo/SE, na região do semi-árido, que enfrenta situação de calamidade pública, em razão da longa estiagem. (como Líder)

Autor
Almeida Lima (PDT - Partido Democrático Trabalhista/SE)
Nome completo: José Almeida Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CALAMIDADE PUBLICA.:
  • Solicitação de ajuda federal aos habitantes de Poço Redondo/SE, na região do semi-árido, que enfrenta situação de calamidade pública, em razão da longa estiagem. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 29/04/2003 - Página 8930
Assunto
Outros > CALAMIDADE PUBLICA.
Indexação
  • REGISTRO, VISITA, ORADOR, MUNICIPIO, POÇO REDONDO (SE), ESTADO DE SERGIPE (SE), CONFIRMAÇÃO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, CALAMIDADE PUBLICA, MUNICIPIOS, REGIÃO SEMI ARIDA.
  • LEITURA, RELATORIO, AUTORIA, PREFEITO, MUNICIPIO, POÇO REDONDO (SE), ESTADO DE SERGIPE (SE), DEMONSTRAÇÃO, PRECARIEDADE, SITUAÇÃO, REGIÃO, AGRAVAÇÃO, PROBLEMA, SECA, FOME, MISERIA, INSUFICIENCIA, RENDA, POPULAÇÃO, GARANTIA, SUBSISTENCIA, FAMILIA.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, JORNAL DA CIDADE, ESTADO DE SERGIPE (SE), PREVISÃO, MORTE, POPULAÇÃO, VITIMA, SECA, MISERIA, DESNUTRIÇÃO, MUNICIPIO, POÇO REDONDO (SE).
  • SOLICITAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, IMPLEMENTAÇÃO, PROGRAMA, COMBATE, FOME, ASSISTENCIA, POPULAÇÃO, VITIMA, SECA, MUNICIPIOS, REGIÃO SEMI ARIDA.

O SR. ALMEIDA LIMA (PDT - SE. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, comunico a V. Ex.ª que retornando ao meu Estado do Sergipe, na semana passada, precisamente no feriado de 21 de abril, fiz uma visita ao longínquo Município de Poço Redondo, situado na região semi-árida do nosso Estado, distante da capital aproximadamente 185 quilômetros. Lá, mantivemos contato com o Prefeito daquele Município, o Frei Enoch Salvador de Melo, Presidente da Câmara de Vereadores, com liderança do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra e outras lideranças comunitárias. E fui ver de perto a situação de calamidade por que passa aquele Município, sobretudo os seus munícipes. A situação é vexatória e requer atitudes urgentes diante da calamidade pública que ocorre em nosso Estado não apenas no Município de Poço Redondo, mas sobretudo nos Municípios integrantes da região do semi-árido, devido não apenas às condições climáticas, que são conhecidas há séculos, mas também devido à falta de assistência e de oferta de alternativas capazes de minorar o sofrimento daquela gente e até mesmo estabelecer a promoção do homem que vive naquela localidade.

Naquela oportunidade, Srªs e Srs. Senadores, recebi das mãos das autoridades a que me referi e das lideranças um relatório que faço questão de ler para V. Exª:

Exmº Parlamentar,

Apresento a V. Exª um relatório que temos preparado pelas nossas secretarias, mas tomo a iniciativa de tecer algumas considerações:

a) - A doença maior é a fome que ataca nossa gente. Fome causada pela baixa condição de vida que atinge mais de um terço (10.000 pessoas) de nosso povo. Imagine que nossos assentamentos (2.500 famílias) são verdadeiras favelas rurais. Jogou-se uma população significativa de trabalhadores (as) em cima de uma terra, sem condições de produzir e até de sobreviver, e se deu a isso o nome de P. A de reforma agrária. A terra, que era para ser de trabalho, torna-se rapidamente em terra de negócio. Exs. No assentamento Jacaré-Curituba há lotes que já estão no 8º “dono”. Por quê? São muitas as razões que levam a isto:

- A maioria da terra desapropriada é ruim. Desapropriou-se terra em que, na maioria dela, bode terá dificuldade de viver. Acrescente-se ainda que a terra boa existente é má aproveitada, sem nenhum plano de trabalho, sem assistência técnica, sem nenhuma infra-estrutura (escola, água, saúde, eletricidade,...), e faltando até quem ajude a população assentada nas suas relações de convivência. Não há sequer uma assistente social. Como os assentados são vindos de vários locais e até de estados diferentes, a dureza da vida, a dureza da natureza, a falta de perspectiva, o desejo cada vez mais forte dos jovens de procurarem outro lugar torna o convívio atritoso e até violento. As relações humanas são de desconfiança e de domínio do mais forte sobre o mais fraco, o que torna qualquer tentativa de trabalho comunitário infrutífero.

O MST desenvolve excelente trabalho na área e é graças a ele que a luta pela terra continua e a região ainda não se tornou um foco incontrolável de insatisfação. No entanto, na minha análise, comete seu pecado maior: trabalho individual dos assentados. Veja bem, o subir no caminhão para ocupar a terra, a ocupação da terra, a resistência, a conquista... tudo é coletivo, partilhado. As assembléias revigoram as forças e dão ânimo para a resistência. Conquistada a terra, repartidos os lotes, começa o reino do individualismo. Nem mesmo nas poucas terras boas (situadas às margens do rio São Francisco) se consegue desenvolver um projeto comunitário. Exs: assentamento de Curralinho, de Bom Sucesso, da Lagoa das Areias, de Cajueiro, do Jacaré-Curituba. Os nossos assentados se incluem na massa restante dos miseráveis e disputam acirradamente um prato de comida, uma bolsa de alimento, ou fecham estradas, saqueiam caminhões de comida ou tiram dinheiro do banco e, endividados, “vende” seu lote a quem oferecer qualquer ninharia ou destrói a caatinga para vender um saco de carvão por R$1,00 (hum real).

Então, o MST, que tem uma prática coletiva extraordinária, não conseguiu aqui na região transferir essa mística para o trabalho, a produção.

Na região chove pouco. Segundo o Governador João Alves Filho, em cada 10 anos, 06 são de seca. Ora, numa realidade dessa em que a perda por falta de chuva chega a 60% não é de se pensar numa utilização mais racional da terra?

Estamos vendo uma realidade dos assentamentos de reforma agrária, mas a realidade dos pequenos proprietários é drasticamente igual. Um estudo patrocinado pelo INCRA revela que a renda familiar dos assentados é inferior a R$360,00 (trezentos e sessenta reais) ou seja, menos de R$1,00 (hum real) por dia, e que a tendência é piorar, já que a madeira que se faz carvão está se acabando.

Poço Redondo é um município marcado, no semiárido, pela pouca geração de renda e pela pecuária de leite. Ora, pode-se imaginar o que acontece no tempo da seca. Nem comida, nem gado, nem água.

Atualmente a situação está até pior que nos tempos de FHC: É que a mudança de governo trouxe muitos transtornos nos programas sociais” - abro um parêntese para dizer que esse prefeito de Poço Redondo é do Partido Popular Socialista - do PPS - “até agora o FOME ZERO é ZERO mesmo. Os assentamentos começam a se desesperar porque é muito lento, burocrático e a fome não agüenta meses a fio de espera. Por cá já se saqueia tudo. Semana passada, dia 12 de abril, a merenda da escola do Pé da Serra foi levada durante a madrugada. São pobres saqueando pobres. Estou enviando os dados da EMDAGRO sobre chuvas no nosso município neste ano:

Em janeiro, 17,75 ml;

Em fevereiro, 15,75;

Em março, 35,25;

e em abril não choveu nada.

O Governo do Estado, todos até agora, não têm prestigiado uma política de geração de renda e uma convivência com a seca.

Temos muitas perspectivas viáveis:

·     No turismo (Angicos, onde morreu Lampião e seu bando, Serra da Guia, Curralinho, Rio São Francisco, a caatinga, os assentamentos, etc), o turismo místico-ecológico.

·     Criação de camarão (há toda uma tecnologia já implantada e com conhecimento adquirido, inclusive da comunidade Queimadas, faltando apenas tirar da vitrine e torná-la um negócio).

·     Criação de tilápias em tanque rede (temos 40 gaiolas e um centro construído. Falta o acompanhamento e tornar o projeto viável)

·     O artesanato, a culinária, o samba de coco, a vegetação.

·     O São Francisco. São 23 kms do Município às margens do rio.

·     Enfim, há bastantes alternativas, o que falta, parece, é vontade política, Há inclusive um saber acumulado, Instituto Xingo, ENDAGRO, MST...) que possibilitaria novas iniciativas.

b) Os governos têm implantado programas assistenciais que até agora têm servido mais para “viciar” as pessoas. Nos dias de pagamento do “bolsa-renda” era quando mais se vendia bebida.

A disputa por uma ficha ou uma bolsa cria mais atritos. Os caminhões pipas bons para os donos de caminhão, mantêm viva a indústria da seca e alimenta a corrupção e o desvio. O governo nunca divulga o que deixa de fazer ou de dar. Só divulga o que faz.

O Programa Ta Na Mesa do Governo Estadual, distribui em meu Município uma refeição por dia de segunda à sábado, só na cidade e há 1.300 pessoas, que equivale a 210 famílias, num horizonte de mais de 2.5000 famílias que estão famintas e flageladas e dá um contingente humano de mais de 10.000 pessoas. E o pessoal do interior do Município não tem direito a um prato de comida?

É melhor criar dependência. O que já se gastou com caminhões pipas (usados politicamente, veja a carta anexada), com frentes de trabalho que nada acrescentaram, com bolsas de alimentos, bolsa isso, bolsa aquilo, daria para inundar o sertão, colocando canos e água encanada.

Não é compreensível que o São Francisco atravesse todo o nosso Município e comunidades inteiras, a 6 km do rio, se acabando de fome e sede. Falta vontade política.

Suportar os rigores da natureza ainda se concebe, mas a inércia há séculos de nossos governantes é coisa que clama aos céus.

O descaso com a saúde, educação... com a vida, cria cada dia mais famintos e empobrecidos. Não são empobrecidos por vontade de Deus, mas são criados por um sistema injusto e excludente.

Frei Enoque Salvador de Melo

Prefeito do Município de Poço Redondo - SE

Segue uma série de assinaturas de pessoas que estavam presentes a esse nosso encontro.

Faço questão de ler uma carta bem escrita, sobretudo pelo seu conteúdo:

Assentamento Jacaré Curituba. Grupo União, 15/4/2003. Oi, meu grande amigo Frei Enoque, meu cordial bom-dia. Venho, por meio dessas poucas linhas, só lhe comunicar que somos um grupo de 19 famílias que vivemos aqui morrendo de sede. Temos casa que, já há mais de 60 dias, viu água. Se vier alguém agora aqui verá no mínimo 17 casas, tudo com as cisternas secas. Sabemos que abaixo de Deus só quem pode resolver esse problema é o senhor. Já falamos com muita gente da Direção que fica só falando: “Vamos resolver”. Mas na situação em que o pessoal se encontra só quem resolve o problema é água e não falando: “não temos dois caminhões”. Por enquanto não está valendo de nada, porque se a gente não tiver 10 reais não chega água na cisterna da gente. Sabemos que 10 reais é pouco, mas o povo não tem dinheiro nem para comprar 1K de açúcar, imagine para botar uma carrada d’água. Estamos solicitando ao senhor, que não só essas 19 famílias como no mínimo 400 famílias vivem nessa mesma situação. Prefeito, pelo amor de Deus, esperamos que o senhor resolva essa situação da sede. A nossa salvação está sendo uma barragem salgada para despesa da casa, que para beber não presta porque é muito poluída.

Assina José Milton dos Santos.

É sobre esse mesmo Município, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que o Jornal da Cidade, do nosso Estado, publicou, no domingo antepassado, matéria sob manchete: “Ministério prevê para este ano a morte de 200 em Poço Redondo. Cálculo inclui conseqüência da seca e miséria que atingem todo o Município”.

É a morte certa, prevista, preestabelecida, conhecida e que as autoridades, sobretudo aquelas que se encontram com os orçamentos públicos em mão, não procuram acudir para identificar aqueles que se encontram nesse estado de miséria, de subnutrição aguda, marcados para morrer, e irão morrer, porque assim aconteceu no ano anterior, num número equivalente a 98 - segundo a matéria -, e nos anos precedentes.

Recordo-me, Srªs e Srs. Senadores, de que, no primeiro pronunciamento que dirigi à população desta tribuna, eu disse - faço questão de repetir neste instante:

Dessa forma, em cumprimento a esse desiderato, invoco a atenção de V. Exªs para, juntos, em uma breve reflexão, passando o Brasil em revista, percebermos um País em sua expressão territorial, apresentando-se com as condições mais que necessárias, privilegiadas até, para se transformar em uma potência mundial, tão-somente por sua dimensão continental. Neste País, a incomensurável riqueza mineral, o gigantismo em água potável, a fertilidade do solo, a grandiosa biodiversidade, o clima ameno, mesmo o do semi-árido nordestino, de onde orgulhosamente venho, ou das regiões subtropicais, destacam-se com inigualáveis vantagens, comparadas a outras regiões do mundo. Aqui, não se registram terremotos, maremotos, tufões ou vulcões. Nossas terras não ficam cobertas de gelo, a impedir a lavra do solo. A diversidade climática, com vítimas humanas, ocorre somente quando as chuvas de verão se precipitam no lugar em que o homem, por diversas razões - umas até compreensíveis, embora não aceitáveis -, agrediu a natureza, ou quando o sol, inclemente, encontra um homem despreparado e desassistido por governos negligentes, normalmente, um nordestino, aquele que o Ministro Graziano desqualifica, mas que Euclides da Cunha considerou “antes de tudo um forte” - e, nessa divergência socioantropológica, prefiro a opinião do segundo. Estivesse ele, o nordestino, preparado e assistido por governos, lavrando a terra em perímetros irrigados, teria no sol, inclemente, um aliado, possibilitando-lhe safras durante o ano inteiro. Como se vê, um País abençoado por DEUS! Mas, lamentavelmente, desgraçado pela incompetência de suas elites. “Ó Senhor DEUS dos desgraçados, dizei-me Vós, Senhor DEUS, se é loucura ou se é verdade tanto horror perante os céus”, na inspiração poética e resignada de um nordestino: Castro Alves.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é lamentável, mais uma vez, vir à tribuna desta Casa para deixar aqui registrada a situação calamitosa de abandono por que passa o sergipano do semi-árido e - por que não dizer? - todo nordestino do semi-árido diante da agressividade da natureza, embora previsível, e que poderia ser colocada a seu favor como conseqüência de ações que empreendessem o desenvolvimento econômico e social daquela região, daquela gente. Mas nada disso é feito.

Esse prefeito é considerado em nosso Estado como homem progressista - e o é, conheço-o desde o início da minha advocacia, há mais de 20 anos, quando ele era pároco no Município de Porto da Folha e eu, advogado trabalhista vinculado à Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Sergipe, empreendendo ações em defesa dos índios Xocós, de posseiros, de trabalhadores daquela região. Essa é a sua história, que se confunde com a nossa própria e de tantos companheiros, e ele agora diz que sente saudade do governo de Fernando Henrique Cardoso. Como essa declaração, contida neste documento, é lastimável! Lastimável porque sintetiza o desejo da volta daquele Governo, mais lastimável ainda, porque ele constata que o atual Governo é pior do que o passado.

Existiam os vales: vale-bolsa, vale-alimentação, vale-gás, vale-tudo. Esqueceram apenas de estabelecer o vale-vergonha neste País. É preciso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estabelecer o vale-vergonha, para não condenarmos os sertanejos nordestinos a uma sentença de morte, traçada com antecedência, quando todos que detêm os orçamentos deste País conhecem a realidade e não os acodem. São condenados à morte como se fosse uma doença irrecuperável, quando sabemos que ela tem recuperação, sobretudo se as elites deste País tivessem vergonha. Não há, uma outra expressão para ser usada da tribuna da mais alta Corte Legislativa do País. É lamentável e é preciso que todos nós nos insurjamos contra essa situação. Faço um apelo, Senador Tião Viana, para que o Governo do Partido dos Trabalhadores retire o Programa Fome Zero do papel, leve-o realmente aos rincões mais distantes do País e que acuda essa gente, que não se encontra apenas no semi-árido. São bolsões de pobreza que se encontram em todas as partes deste País, não estão apenas no Nordeste brasileiro, estão, inclusive naquelas regiões consideradas mais ricas e promissoras. Que não haja apenas o discurso de que há necessidade de se ter vontade política, é preciso que ela seja exteriorizada em propostas concretas, que, inclusive, diminuam a presença da máquina administrativa, que isso represente a economia de divisas hoje gastas, consumidas na atividade-meio e que sejam deslocadas para as atividades-fim, para atender às nossas populações e que amplie a presença do Estado na economia, regulando setores que, se continuarem como se encontram hoje, condenarão mais brasileiros à morte, a exemplo do segmento medicamentos. Sobre este tema, retornarei à tribuna desta Casa para uma avaliação aprofundada, porque tem levado inúmeros brasileiros à morte.

É esse o apelo que faço a V. Exª - que representa o Partido dos Trabalhadores - e ao Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Muito obrigado, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/04/2003 - Página 8930