Discurso durante a 46ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas ao modelo de desenvolvimento implementado no Pará e na Amazônia.

Autor
Ana Júlia Carepa (PT - Partido dos Trabalhadores/PA)
Nome completo: Ana Júlia de Vasconcelos Carepa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA MINERAL. DESENVOLVIMENTO REGIONAL. :
  • Críticas ao modelo de desenvolvimento implementado no Pará e na Amazônia.
Publicação
Publicação no DSF de 30/04/2003 - Página 9108
Assunto
Outros > POLITICA MINERAL. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, PUBLICAÇÃO, PRONUNCIAMENTO, ASSUNTO, EXTRATIVISMO, MINERIO, FALTA, AGREGAÇÃO, VALOR, RECURSOS MINERAIS, ESTADO DO PARA (PA), CONTRIBUIÇÃO, BALANÇA COMERCIAL, EXPORTAÇÃO, INFERIORIDADE, CRIAÇÃO, EMPREGO, RENDA, NECESSIDADE, ALTERAÇÃO, MODELO, POLITICA DE DESENVOLVIMENTO, RESPEITO, DIFERENÇA, CULTURA, MEIO AMBIENTE, REGIÃO AMAZONICA.
  • CRITICA, PROGRAMA GRANDE CARAJAS, SIDERURGIA, INCENTIVO FISCAL, SUBSIDIOS, ENERGIA ELETRICA, INFERIORIDADE, BENEFICIAMENTO, FERRO.
  • DEFESA, DEBATE, AUMENTO, ALIQUOTA, ROYALTIES, EXPLORAÇÃO, MINERIO.

A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - PA. Pela ordem. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, como estou inscrita, mas dificilmente terei chance de falar, porque são muitos os oradores inscritos, gostaria de solicitar a publicação de pronunciamento sobre extração mineral e verticalização dos produtos minerais no Estado do Pará da Deputada Estadual Sandra Batista, em seminário no mesmo Estado, cuja análise nos leva a considerar o quanto o Pará, a maior província mineral do mundo, tem perdido. Apesar de contribuir com exportação de minérios para a balança comercial, infelizmente o Estado não tem agregado valor, não tem agregado empregos nem renda a essa riqueza tão grande.

É a solicitação.

Muito obrigada.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO DA SENADORA ANA JÚLIA CAREPA.

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A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - PA) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, público que nos ouve.

O modelo de desenvolvimento até hoje pensado e implementado no Pará e na Amazônia, como um todo, é um modelo que não produziu os resultados esperados de crescimento e de dinamização da economia regional. Alguns setores privilegiados registraram grande crescimento - como o da exploração mineral - sem gerar os efeitos esperados sobre agricultura, indústria e outros setores. Mesmo o crescimento que se produziu às custas da exploração dos recursos naturais da região, como os minérios, não são sustentáveis a longo prazo.

Todos nós da região não nos esquecemos do desastre ecológico e social que foi a implantação da extração do manganês na Serra do Navio, no Amapá, executada pela ICOMI e que hoje, cinqüenta anos depois, deixou um imenso buraco, degradação ambiental e profundos problemas sociais causados pela forma como a extração do manganês foi efetivada, completamente desvinculada da sociedade local. Este modelo de desenvolvimento falhou. Ele não melhorou a vida da população, não combateu a pobreza e não promoveu a inclusão social reduzindo as desigualdades entre pobres e ricos.

Este mesmo modelo promove a degradação ambiental na tentativa de homogeneizar a região. É preciso investir na mudança deste modelo de desenvolvimento e gerar assim um outro modelo que não esteja associado apenas com a exploração passageira de recursos naturais, mas firmemente amarrado à força, criatividade e diversidade de nossa população. Analisaremos como exemplos deste modelo de desenvolvimento dois casos de exploração mineral na Amazônia.

O caso da exploração do minério de ferro na Serra dos Carajás, nas últimas décadas, acalentou em amplos segmentos sociais expectativas de rápida verticalização da produção mineral na região. Hoje, devemos refletir sobre a inexistência de um parque industrial no Pará que se caracterize por produzir mercadorias advindas da verticalização da produção de minérios.

Nos anos 80, o governo brasileiro divulgava o Programa Grande Carajás - PGG - como sendo um programa integrado de desenvolvimento regional capaz de industrializar e modernizar a fração oriental da Amazônia Brasileira. Estas projeções não se concretizaram e os 44 mil empregos diretos prometidos para o ano de 2010 não se efetivarão.

Naquela época, o governo admitia que a transformação industrial do ferro de Carajás poderia significar um aumento da pressão sobre a floresta, pois seria usado carvão vegetal como insumo. Como alternativa, os projetos do governo indicaram o uso do coco-de-babaçu, o manejo florestal e a silvicultura como fontes de biomassa, além da utilização de métodos de carbonização que adotassem tecnologias mais avançadas.

Nas últimas duas décadas, foram implantadas no Corredor da Estrada de Ferro Carajás onze siderúrgicas, que contam com amplo leque de favores fiscais e creditícios. Essas empresas produzem tão-somente ferro-gusa que é uma forma de ferro primário pela qual a maior parte dos compostos ferríferos tem que passar antes de ser transformada em aço. Essas empresas são chamadas de independentes. O ferro-gusa produzido por elas é vendido como insumo para usinas integradas ou para fundidoras.

Elas utilizam o carvão vegetal como redutor para produção de ferro-gusa. Trata-se de processo produtivo de baixa eficiência energética e que comporta limitada inovação tecnológica. Para esse processo, a CVRD fornece o minério de ferro, o transporte e o embarque marítimo do ferro-gusa. Insumos e serviços que representam 28,43% (US$ 30,45) dos custos operacionais que envolvem a produção de uma tonelada de ferro-gusa. Para a mesma tonelada são necessários, em média, 0,8 tonelada de carvão, que é adquirido de milhares de fornecedores regionais e representam 37,34% (US$ 40) do custo de produção do ferro-gusa.

Assim, a produção do ferro gusa é um processo que requer elevada quantidade de energia e que na Amazônia é suprida pelo carvão vegetal originário da floresta primária. São mais de dois milhões de toneladas por ano. Isto sem dúvida é uma quantidade nada desprezível. Mas, no que se refere ao consumo de minério, ele é pequeno quando comparado à quantidade de minério de ferro tirado de Carajás, cujo volume equivale a 6% do que foi extraído em 2002. Este consumo de carvão vegetal é o principal elo de articulação da industria siderúrgica com a sociedade da região.O preço do carvão vegetal é baixo e sua produção tem acarretado muitos impactos sociais e ambientais, trazendo uma pressão cada vez maior sobre a floresta, com práticas ambientais pouco prudentes e pela produção sustentada por trabalho precário, mal remunerado e insalubre.

As siderúrgicas que se instalaram na região receberam colaboração financeira provenientes de recursos públicos do FINOR e do FINAM. Receberam até 75% do valor total indicado como necessário à implantação do parque industrial e à aquisição de áreas destinadas ao desenvolvimento do projeto do manejo florestal ou do reflorestamento. Esses incentivos fiscais foram o atrativo para que essas empresas viessem para a região.

No Brasil as indústrias integradas vêm substituindo o uso do carvão vegetal pelo coque, ao contrário das siderúrgicas que produzem tão-somente ferro-gusa, que por sua estratégia de barateamento dos custos, não apresentam indicações que pretendem fazer essas mudanças e adotar outras rotas tecnológicas.

Trata-se, portanto, de uma atividade de grande impacto ambiental, mas, por outro lado, os empregos gerados são em pequeno número, não sendo capaz de impulsionar alteração na conformação do mercado de trabalho regional. A massa de salários gerados é incapaz de provocar alterações no perfil de renda da região. Os salários são baixos e poucos. A média salarial dos empregos gerados é de US$ 200. A receita tributária oriunda é baixa, dado as insenções fiscais sobre os lucros dos empreendimentos e sobre a comercialização de seus produtos. Assim o principal elo de articulação das empresas com a região é a demanda do carvão vegetal, o que podemos ler como devastação de floresta e aprofundamento da miséria do nosso povo.Um grande contingente de trabalhadores está ligado à produção de carvão vegetal. As condições de trabalho e moradia são extremamente precárias. As contratações são temporárias e os trabalhadores não contam com garantias previdenciárias e trabalhistas.

Essas empresas, as siderúrgicas independentes, tendem a pagar o menor preço possível pelo carvão vegetal para que a utilização do insumo possa permitir suas margens de lucros. Elas não planejam conseguir o carvão vegetal proveniente de silvicultura, por implicar na ampliação nos custos de produção de ferro-gusa. As siderúrgicas independentes recorrem constantemente ao carvão de mata primária e, em uma década dessas empresas na Amazônia, foi sepultado o discurso empresarial e governamental que indicava a possibilidade de grandes áreas reflorestadas na Amazônia. As empresas instaladas na região não cumpriram os Planos Integrados Floresta/Industria - PIFIS e continua-se usando madeira da mata primária para produção de carvão vegetal para abastecer as produtoras de ferro-gusa na região.

Para ter acesso à biomassa da mata primária, as siderúrgicas implantaram artifícios, como os de manejo florestal sustentado, reivindicados como sendo ecologicamente prudentes. O uso do coco-de-babaçu para o abastecimento das produtoras de ferro-gusa na região, é extremamente residual, devido à lógica que os produtores de ferro-gusa estão amarrados, que conduz a utilização de biomassa mais barata possível, desprezando as repercussões sociais e ecológicas.

Espero que hoje, no governo Lula, nós possamos quebrar a tradição e exercer o controle público sobre os efeitos, social e ambiental, à produção carvoeira no Brasil. Temos que edificar a política de substituição do carvão vegetal, oriundo da mata primária por novas fontes energéticas.

Uma delas poderá ser o gás natural para a redução do minério de ferro e a produção de outro tipo de ferro, o esponja, que demanda menos energia do que a que recorre ao carvão vegetal. Falta construir uma logística para a distribuição deste combustível porque reservas minerais nós temos.

Segundo a Petrobras, temos a maior reserva de gás natural nas bacias dos rios Juruá e Urucu, no Estado do Amazonas, além da construção já efetivada de trecho do gasoduto que liga Urucu a Coari e o fato de que já esta sendo projetado o trecho, ligando Coari até a capital do Estado do Amazonas.

No que se refere ao caso da transformação industrial da bauxita de Trombetas e da produção do alumínio na Amazônia Oriental, há que se entender que a exploração de bauxita e a produção de alumínio são partes da reestruturação da indústria mineral no mundo, ocorrida nos anos 70 e 80, quando houve uma série de estratégias de grandes conglomerados multinacionais envolvidos na cadeia de produção do alumínio. Essas empresas. a partir dos anos 60, passaram a não privilegiar investimentos em toda a cadeia produtiva (minas de bauxita, usinas de alumina, plantas siderúrgicas e indústrias de produtos finais) e deslocar seus investimentos para o final da cadeia produtiva. Buscando ampliar seus lucros nos empreendimentos mais próximos no final da cadeia produtiva (na produção de matéria mais elaborada) e não mais na extração do minério, onde passaram a admitir sócios, como a Alcan fez em relação à Mineração Rio do Norte, neste caso passaram a não usar o monopólio como forma de elevar os preços do minério, ao contrário, atuaram para que este preço caísse, pois como controlavam o final da cadeia, em última instância seriam amplamente beneficiadas.

Mantinham assim o controle sobre a valorização do minério, sem ter que assumir todos os riscos do empreendimento, ampliados pela crise energética. Foi neste contexto que a Companhia Vale do Rio Doce e o governo brasileiro passaram a atuar na cadeia de alumínio na Amazônia. O governo brasileiro buscava a ampliação do mercado para o produto, mesmo que sob o menor preço vinculado ao aumento da produção. Assim, o Estado nacional brasileiro assumiu os custos com a implantação de novas unidades extrativas, como a mina de trombetas e de transformação de bens minerais, como a Albrás.

Conseqüentemente, a atuação do governo ao montar diversos mecanismos que criaram enormes subsídios para a instalação da mina em trombetas, ao arcar com todos os custos da construção da usina Hidrelétrica de Tucuruí e associar-se, através da CVRD, para construir a Albrás, corroborou para que se moldasse o espaço regional de acordo com interesses alheios aos da região, possibilitando o acesso aos recursos minerais regionais a um baixo custo e contando inclusive com subsidio do Estado nacional.

A construção da usina Hidrelétrica de Tucuruí, o desenvolvimento de sistemas de transportes e comunicação e a criação de núcleos urbanos foram financiados pelo Estado brasileiro para possibilitar a extração mineral e sua transformação industrial por meio da Alunorte e da Albrás. Estas empresas pagam uma tarifa média global de US$ 12,38 por MWh de energia, enquanto a Celpa pagou tarifa de US$ 26,94 por MWh, o que exemplifica uma política tarifária com subsídio ao custo de US$ 997,4 milhões de 1984 até março de 1999.

A ação do Estado Nacional tem feito com que riquezas oriundas da exploração de recursos naturais, dentre elas o potencial hidrelétrico, sejam apropriados de forma privilegiada por certos segmentos da sociedade e com auxílio de fundos públicos.

Esta industrialização não deixou quase nada na nossa região. São poucas as empresas industriais que utilizam o alumínio primário produzido pela Albrás. Só há uma empresa de porte médio em Barcarena. Por quê a verticalização do alumínio na nossa região tem sido tão insignificante? Sem dúvida, o baixo índice de demanda regional e a ausência de uma economia de aglomeração são entraves a esta verticalização. Os subsídios de energia, a renúncia fiscal, o diferimento dos impostos e a isenção do ICMS, que foram vistos como impulsos imprescindíveis para esta verticalização, não foram suficientes para produzir o resultado esperado. A questão é que a verticalização desses empreendimentos não fazem parte dos planos dos investidores internacionais, países como Japão não estão interessados em abrir mão do controle da extração do minério de alta qualidade feita com baixo custo, já que parte desses custos são assumidos pelo governo brasileiro, e não querem abrir mão também do controle das atividades de maior incorporação de valor localizadas em seu território; esses acionistas oriundos dos países centrais, por disporem de mercado internacional cativo, não estão interessados na formação de empresas voltadas para transformação regional do alumínio primário em produtos acabados.

Diante desse contexto, avalio que devemos refletir bastante sobre o tipo de pólo siderúrgico que pretende se implantar na região. Não se deve propor novamente isenção fiscal e subsídios para empresas, na esperança de garantir a qualquer custo a verticalização da produção mineral.

Outra questão é a necessidade urgente de reforçar o poder público nas esferas federal, estadual, municipal para que possamos exercer o direito de fiscalização que a sociedade e bens difusos requerem. Temos que pensar também sobre a necessidade de debatermos e apontarmos alternativas eqüitativas e socialmente justas no que concerne o suprimento de energia elétrica para produção de alumínio primário.

Por fim, gostaria de chamar a atenção para a questão dos royalties. É necessário construir instrumentos concretos e efetivos que tragam benefícios à sociedade local como decorrência da exploração mineral. É neste contexto que se inserem as ações que, desde o primeiro dia de meu mandato, venho desenvolvendo com o intuito de aumentar as alíquotas dos royalties sobre a exploração mineral. Trata-se de uma proposta que deve estar articulada com um novo modelo de desenvolvimento regional.

A mudança visa contribuir para aumentar a receita dos Estados, como a extração dos minérios, pois, estados como Minas Gerais e Pará, que, a despeito do gigantismo do volume de minérios extraídos de seu solo, em 2001, tiveram como contrapartida somente a arrecadação, respectivamente, de 25,3 milhões de dólares e 18 milhões, decorrentes da CFEM.

É necessário que se altere também a forma de distribuição dos recursos da CFEM, pois julgamos que não só o município de onde se extraem os minérios, mas aqueles também limítrofes a este, além do Estado e da União sejam contemplados.

Devemos pensar em um outro modelo de desenvolvimento regional. Um modelo que, usufruindo dessas tributações, possa beneficiar e fortalecer os agentes locais com base na diferença, respeitando a diversidade da Amazônia, direcionando os investimentos e que pense não exclusivamente na matriz mínero-metalúrgica e comece a trilhar a construção de políticas tendo como referência estudos e alternativas que respeitem a diversidade social e cultural de nosso povo.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/04/2003 - Página 9108