Discurso durante a 46ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Precedência da reforma política em relação às outras reformas. Defesa de profundo debate da reforma tributária.

Autor
Almeida Lima (PDT - Partido Democrático Trabalhista/SE)
Nome completo: José Almeida Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA TRIBUTARIA.:
  • Precedência da reforma política em relação às outras reformas. Defesa de profundo debate da reforma tributária.
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 30/04/2003 - Página 9112
Assunto
Outros > REFORMA TRIBUTARIA.
Indexação
  • OPINIÃO, ORADOR, NECESSIDADE, PRIORIDADE, REFORMA POLITICA, ANTERIORIDADE, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, REFORMA TRIBUTARIA.
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, JOÃO ALVES FILHO, GOVERNADOR, ESTADO DE SERGIPE (SE), PUBLICAÇÃO, JORNAL, JORNAL DO BRASIL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ASSUNTO, REFORMA TRIBUTARIA, APREENSÃO, MANUTENÇÃO, DESIGUALDADE REGIONAL, INJUSTIÇA, CONCENTRAÇÃO, RIQUEZAS, ESPECIFICAÇÃO, COBRANÇA, IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS (ICMS), PREJUIZO, REGIÃO NORDESTE, NECESSIDADE, COMPENSAÇÃO, POLITICA INDUSTRIAL.
  • DEFESA, MOBILIZAÇÃO, LIDERANÇA, CONGRESSISTA, GOVERNADOR, POPULAÇÃO, REGIÃO NORTE, REGIÃO CENTRO OESTE, REGIÃO NORDESTE, OPOSIÇÃO, MODELO, REFORMA TRIBUTARIA, FALTA, PROJETO, DESCONCENTRAÇÃO INDUSTRIAL.

O SR. ALMEIDA LIMA (PDT - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como já é do conhecimento de todos, Sua Excelência, o Senhor Presidente da República, se fará presente amanhã no plenário do Congresso Nacional, quando pretende entregar as Propostas de Emendas à Constituição da Reforma da Previdência e da Reforma Tributária.

Como disse em outra oportunidade, entendia, como ainda entendo, que a reforma do Estado e a reforma política deveriam ser precedentes a toda e qualquer outra reforma à Constituição brasileira, sobretudo para podermos estabelecer o Estado que desejamos, a Federação que desejamos, a sua dimensão e a sua organização.

Mas percebemos que a ordem vem de forma inversa e com a preocupação - mais de perto no que diz respeito à reforma tributária - de que é preciso que o debate seja aberto, amplo e profundo, para que ela represente ganhos para a população brasileira, e não estabeleça retrocessos, situações piores do que as atuais.

Nesse sentido, o Governador do meu Estado, o engenheiro João Alves Filho, no dia de hoje, fez publicar, em alguns jornais, a exemplo do Jornal de Brasília, artigo de sua autoria sobre a reforma tributária intitulado A reforma e o Nordeste:

O Governo Federal está para enviar ao Congresso as reformas tributária e da Previdência. É louvável o espírito público do Presidente Lula ao se empenhar na aprovação desses dois instrumentos essenciais ao futuro da economia. Há, contudo, um contexto preocupante na formulação da reforma tributária: o risco de se engessar de modo irreversível as desigualdades regionais.

Pode-se afirmar que o século XX, marcado pela industrialização brasileira, foi o século de São Paulo. Graças a isso, aquele Estado daria tal salto de desenvolvimento que no início deste milênio chegaria a um patamar de distância ante os demais Estados brasileiros sem paralelo nas demais economias do mundo, nos campos industrial, financeiro, tecnológico e agrícola. Muito desse resultado decorreu do talento, da competência e da capacidade de trabalho do povo paulista. Mas apenas esses méritos não seriam suficientes. Foi decorrência, por igual, de um modelo de desenvolvimento que privilegiou o pólo industrial do Sudeste, com uma política tributária que favoreceu os Estados industrializados em detrimento dos consumidores e submeteu a sacrifícios as demais unidades da Federação - especialmente as do Nordeste.

Os livros de História explicam esse modelo de industrialização. Mas não se faz referência ao fato de que esse processo de desenvolvimento paulista não seria possível sem o expressivo saldo da balança comercial do Nordeste. Para São Paulo industrializar-se foi preciso que o Estado ficasse, por décadas seguidas, deficitário em suas relações de trocas com o exterior, necessitando do excesso de dólares obtidos pela venda de produtos nordestinos para pagar a importação de equipamentos industriais.

Nós, nordestinos, temos orgulho da pujança de São Paulo, para o qual contribuímos, como principais prejudicados da política tributária, com a mão-de-obra do nosso emigrante e a riqueza da nossa balança comercial. Mas é chegada a hora da reversão desse quadro.

Primeiro, seria o momento, na nova política tributária, de reverter o princípio de cobrança do ICMS, hoje feita na origem do produto comercializado, que deveria passar a ser efetuada no destino, evitando a perversa drenagem de recursos dos Estados consumidores em direção aos produtores.

Mas, pelo que se observa das intenções do Governo Federal, não é o que se pretende. Ao contrário, o ICMS será unificado e a reforma será “neutra”, com a arrecadação de todos os Estados permanecendo proporcionalmente inalterável dentro dos parâmetros atuais. Daí decorre que o privilégio inaceitável dos Estados produtores continuará intocável. Estaríamos garantindo o engessamento de uma injustiça e o agravamento da concentração da riqueza regional.

Ocorre que, pelo fato de as tarifas de ICMS passarem a ser unificadas, não poderá mais existir a denominada “guerra fiscal” - que é prejudicial a todos a longo prazo, mas se constitui a única forma de os Estados pobres atraírem novos investimentos. A partir da sua inexistência, os Estados não industrializados não poderão mais conceder vantagens tributárias diferenciadas. Naturalmente, os novos investimentos vão se concentrar nos Estados ricos.

Alega-se que a situação de cobrança do ICMS na origem e no destino será decidida posteriormente, por meio de regulamentação pelo Congresso. Isso é uma falácia, já que se sabe que existem leis que estão para ser regulamentadas no Congresso desde a Constituinte.

Ou o Presidente pensa em uma política de compensação clara e imediata para as regiões pobres, um projeto de lei que formule uma política industrial que incentive a instalação de indústrias na região nordestina, a ser enviado junto com a reforma tributária, ou o número de miseráveis tenderá a aumentar, pois as regiões pobres ficarão proporcionalmente ainda mais pobres.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, essa preocupação do Governador do Estado de Sergipe, que represento, o engenheiro Dr. João Alves Filho, deve ser a preocupação de todas as Lideranças políticas das regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste, pois, de acordo com as informações que temos e do que a imprensa tem publicado, o que se pretende, na verdade, é um retrocesso. É a mudança do status quo, hoje prejudicial, para uma situação bem pior, simplesmente engessando aquela que é a condição de penúria em que vivem as regiões e os Estados mais pobres do País, inviabilizando a possibilidade de esses Estados e essas regiões promoverem o seu desenvolvimento, estabelecendo um equilíbrio entre elas e as regiões mais ricas do nosso País.

É lamentável que isso aconteça, pois o modelo de cobrança do ICMS, como está previsto, vem sacrificar mais ainda os Estados subdesenvolvidos e as suas regiões, exatamente pela falta de um projeto de desenvolvimento industrial. São Estados essencialmente consumidores. Além de os Estados ricos receberem receitas decorrentes da comercialização dos produtos industrializados - aí incorporados uma série de bens, a exemplo do trabalho, sendo remunerados por todos estes itens, inclusive produtos industrializados -, além dos tributos decorrentes desses produtos, ainda pretendem lançar mão de um tributo que será pago no Estado consumidor pela circulação da mercadoria. Isso é não se contentar com a comercialização do seu produto, dos bens incorporados a ele, valorizado cada vez mais pelo processo da industrialização, pela incorporação da mão-de-obra e de outros bens e valores. Pois esses Estados ainda desejam buscar o tributo que é o ICMS necessário à promoção do desenvolvimento das nossas regiões e dos nossos Estados.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Almeida Lima, eu gostaria de participar.

O SR. ALMEIDA LIMA (PDT - SE) - Darei o aparte a V. Exª.

Mas, antes mesmo de conceder o aparte ao nobre Senador Mão Santa, falarei sobre a importância do estudo, o mais largo e aprofundado possível, dessas reformas, sobretudo a tributária, na perspectiva de que não poderemos permitir, como representantes do povo das regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste do País, que se cometa ou que se dê continuidade ao cometimento de uma injustiça que já é secular para essas regiões e suas populações. Nós não poderemos admitir isso.

Chamo a atenção das Lideranças dessas regiões, não apenas a dos Parlamentares neste Congresso, mas a dos Governadores e a das Lideranças locais a fim de que não cedamos, em hipótese nenhuma, sob pena de estarmos massacrando o nosso povo, que será devidamente esclarecido para não permitir que as Lideranças dessas regiões caiam naquela velha e condenada política que se travou no plano nacional nos Governos anteriores do “é dando que se recebe” - já ouvi comentários a respeito disso - e aprovem emendas à Constituição que são nefastas para o povo e para as nossas regiões em troca de migalhas e de benefícios circunstanciais, em detrimento da melhoria da situação difícil que se perpetua em nossas regiões. Ilustram muito bem o problema, os fatos que trouxe na tarde de ontem, repetidos hoje de forma magistral, inclusive com a divulgação de um filmete, pelo Senador Marcelo Crivella. Esse filme mostra a situação de penúria na Região Nordeste e, ao mesmo tempo, a possibilidade de essa situação ser modificada em decorrência de um trabalho e de uma ação política voltada para os reais interesses do nosso povo.

Concedo, com muito prazer, o aparte ao Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Almeida Lima, estou atentamente ouvindo seu pronunciamento e suas preocupações sobre o Nordeste, as quais considero de grande valia porque V. Exª se inspira em trabalho de João Alves Filho. Procuro estudar o Nordeste e servi-lo. Governei duas vezes o Piauí e fui Prefeito da cidade onde nasci, que é a maior do Estado. A mais completa obra escrita sobre Nordeste, que deve ser reeditada, foi resultado de uma pesquisa de João Alves Filho. Essa obra serviu de inspiração para o nosso Governo, e o vídeo exibido aqui mostrou a todos que vão governar o Nordeste a melhor solução para o problema da água na região. Estive em uma Faculdade de Agronomia em Juazeiro, na Bahia, buscando subsídios para criar uma Faculdade de Agronomia no norte do Piauí e lá ouvi vos professores os maiores elogios ao Governador João Alves Filho. Os Parlamentares do Nordeste, que constituem 1/3 desta Casa, composta por 81 Senadores, dos quais 27 representam os nove Estados nordestinos - o Brasil tem, ao todo, 27 Estados - devem buscar orientação e trabalhar unidos. Existem dois brasis; um é formado pelo Sul e Sudeste e o outro, pelo Nordeste. Nós não podemos perder ainda mais com a reforma tributária. Preocupam-nos os comentários de que vão afastar os incentivos fiscais, sob a alegação de provocam guerra fiscal. Quero dizer que todas as 136 indústrias que surgiram no Piauí durante o meu Governo foram atraídas por incentivos fiscais. Basta dizer que o Piauí, hoje, tem 27 indústrias de beneficiamento de castanha, sendo uma multinacional. Está surgindo uma grande fábrica de beneficiamento de soja da multinacional Bunge, uma fábrica de bicicleta e outra de cimento. Todas foram fixadas com esses incentivos. Vejo, com grande preocupação, essa reforma tributária.

O SR. ALMEIDA LIMA (PDT - SE) - Agradeço o aparte de V. Exª, o qual engrandece o meu pronunciamento.

Devo dizer que, de fato, isso é motivo de preocupação, pois, como sabemos, o Sul e o Sudeste produzem veículos, eletrodomésticos, eletroeletrônicos, informática e medicamentos para as outras regiões consumirem. A regra é o recolhimento do ICMS no Estado de origem da indústria, o que sacrifica exatamente os Estados consumidores. Todavia, pela informação que possuo, no que diz respeito à transação com o petróleo e seus derivados e à comercialização da energia, produzida pelo Amazonas, Bahia, Sergipe, Alagoas, Ceará - é grande a contribuição de Tucuruí e das hidroelétricas da bacia do São Francisco -, há uma inversão: o ICMS, pela previsão, não será cobrado no Estado de origem, mas no Estado onde ocorrer o consumo. Que inversão de valores! É preciso que a classe política esteja atenta sob pena de ser responsabilizada porque será devidamente denunciada desta tribuna. Nós não podemos entrar na política do “é dando que se recebe” para aprovar propostas dessa natureza, que sacrificarão o nosso povo por mais um século.

            Quando se trata de produtos do Sul e do Sudeste consumidos pelo Norte, Nordeste e Centro-Oeste, o ICMS é cobrado na base da indústria. Quando se trata de energia e derivados de petróleo produzidos pelo Nordeste e pelo Norte, há uma inversão. A população dos nossos Estados, das nossas regiões, não pode ser sacrificada.

Permita-me, Sr. Presidente, para concluir, dirigir-me de forma especial não a V. Exªs, mas ao povo da minha região, Nordeste, que me vê neste instante, bem como ao povo do Norte e do Centro-Oeste. É preciso que todos fiquem atentos e observem o comportamento de suas lideranças, dos Governadores de Estado, dos Deputados Federais e dos Senadores. É preciso que os senhores tenham conhecimento de que, se a reforma que chegará amanhã ao Congresso Nacional, for aprovada nos termos previstos, isso será de inteira e exclusiva responsabilidade da Bancada dessas três regiões e por uma razão muito simples: quem decide o futuro do sistema tributário brasileiro é o Congresso Nacional e não o Presidente da República, quem tem a competência para legislar, inclusive sem a sanção do Presidente, sem a participação do Presidente, são as duas Casas do Congresso, que se manifestam de forma qualificada. É preciso que a população dessas três regiões tomem conhecimento de que somos 81 Senadores dos quais 60 representantes das regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste do País. Portanto, mais do que a maioria absoluta necessária para aprovar ou rejeitar projetos de emenda à Constituição. Se esse número não é tão qualificado e expressivo na Câmara dos Deputados, é preciso dizer que as três regiões que representamos também têm maioria folgada para rejeitar, modificar ou aprovar as emendas.

É preciso que os cidadãos do Norte, Nordeste e Centro-Oeste tomem conhecimento de que a responsabilidade será dos representantes desses Estados, dessas regiões. Não podemos admitir que a proposta da reforma tributária, nos termos em que se pretende encaminhar para esta Casa, seja aprovada, sacrificando, cada vez mais, o nosso povo e a nossa gente.

Muito obrigado, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/04/2003 - Página 9112