Discurso durante a 46ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Falta de liberdade em Cuba. Apoio à aprovação de moção de repúdio ao governo cubano pelos fuzilamentos e perseguição de dissidentes.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL. DIREITOS HUMANOS.:
  • Falta de liberdade em Cuba. Apoio à aprovação de moção de repúdio ao governo cubano pelos fuzilamentos e perseguição de dissidentes.
Aparteantes
Leomar Quintanilha.
Publicação
Publicação no DSF de 30/04/2003 - Página 9116
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL. DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • COMENTARIO, HISTORIA, PAIS ESTRANGEIRO, CUBA, REGISTRO, VISITA, ORADOR, COMPROVAÇÃO, RESULTADO, AREA, MEDICINA, ESPORTE, EDUCAÇÃO, PERDA, LIBERDADE, DIREITOS POLITICOS, PRECARIEDADE, ABASTECIMENTO, MERCADO INTERNO, OMISSÃO, INTELECTUAL, BRASILEIROS, AUSENCIA, DENUNCIA, VIOLAÇÃO, DIREITOS HUMANOS.
  • EXPECTATIVA, APROVAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, MOÇÃO DE CENSURA, GOVERNO, PAIS ESTRANGEIRO, CUBA, PERSEGUIÇÃO, JORNALISTA, CONDENAÇÃO, PRISÃO, PENA DE MORTE, EXECUÇÃO, CRITICA, LOBBY, SENADOR, BLOCO PARLAMENTAR, APOIO.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, todos na vida temos ideais e sonhos, alguns sonhos permanentes, outros temporários. O sonho permanente de todos que estão nesta Casa, com toda certeza, é paz, educação, saúde, desenvolvimento, enfim, o crescimento do nosso País e do nosso povo.

Mas há horas em que temos sonhos particulares. Em 1961, eu tinha um sonho: o sonho de ajudar a liberdade de um país chamado Cuba. Eu acabava de servir o Exército e convenci dois outros colegas a irmos a Sierra Maestra lutar a favor da liberdade, ao lado de Fidel Castro. Era um sonho, foi um ideal.

Saímos, porto por porto, e fomos até o Rio Grande do Sul atrás de um navio que nos levasse. Não conseguimos. Não havia navios que nos levassem a Cuba para que nos aliássemos aos lutadores pela liberdade que estavam em Sierra Maestra contra a ditadura de 34 anos lá implantada.

O tempo passou. E agradeço a Deus por não ter conseguido, pois teria ajudado não o espírito de liberdade, mas uma chama muito rapidamente transformada em chama de opressão. Vieram os paredões e o exílio de boa parte do povo cubano. Muitos dizem que houve progresso. Houve em alguns campos: na área médica, na área esportiva, na área educacional.

Fiz questão de ver o progresso e fui a Cuba, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, e pude constatar que há coisas que funcionam. Na área médica, o sistema do médico de família funciona, mas o médico é também olheiro do governo. Cuida do cidadão que não foi ao trabalho, denuncia às autoridades o que ouve e vê nas famílias; embora seja 80% bom, 20% é de ajuda à manutenção da ditadura. Na área escolar, escolas em mau estado, com vidros quebrados, mas um bom ensino. Existe a seleção, desde pequenos, Senadora Iris de Araújo, daqueles que têm propensão ao esporte e são separados em escolas próprias para se desenvolverem numa situação diferente do restante dos estudantes. Mas a verdade é que esse sistema funciona e que eles têm ganho medalhas e mais medalhas.

No geral, há supermercados sem nada para se comer, há muita dificuldade. Na rua, há prostituição em quantidade, a ponto de procurarem os turistas. Quando a minha mulher estava um pouco afastada, chegou um garoto e disse: “mi hermana es muy linda”, mostrando um retrato. Então, mesmo tentando sufocar o povo, vemos que o povo cata moeda forte, porque há um único lugar onde existe algo para se comprar.

Apesar de ter visto esses aspectos e elogiado o sistema educacional e o sacrifício que o povo tem feito na luta pela sobrevivência, não entendo por que boa parte da nossa população, principalmente da área artística e da classe política, faz de conta que não vê que em Cayo Largo, uma ilha maravilhosa, com um mar caribenho maravilhoso, com hotéis de luxo que se pode visitar sem problema do ponto de vista de restaurante, os cubanos só entram para trabalhar de 15 em 15 dias. Cubano, lá, não pode ficar. E espero que isso tenha se modificado, do tempo que fui para cá, porque sequer eu podia convidar a nossa guia para entrar no restaurante. Ela não podia sentar-se numa mesa de restaurante.

Recolhi as minhas impressões, elogiei sempre o que foi elogiável, mas fiquei no meu mutismo. Agora, os recentes episódios promovidos pelo Governo cubano geraram uma onda de indignação. Inclusive aqui nesta Casa estamos, já há duas sessões, tentando votar uma moção de repúdio ao tratamento que foi dado a 75 intelectuais e a algumas pessoas que foram, em seis dias, julgadas e fuziladas.

Não sei o que é que os “amigos”, os que chegam lá e colocam os óculos escuros para não enxergarem a parte de opressão, vão dizer. Não sei o que vão dizer os diplomatas que fazem de conta que não vêem que lá a liberdade não funciona, que, quando você está com um guia, na frente de qualquer pessoa, ele não fala absolutamente nada, e, quando fica só com o turista, diz da ditadura, da opressão, da dificuldade que é sobreviver, não pelos recursos - porque todos sabemos que, com a queda da Rússia, que ajudava muito, e com o bloqueio, os Estados Unidos criaram muitas dificuldades econômicas -, mas pela falta da liberdade.

Vejo que nós, brasileiros, continuamos com a simpatia pelo povo cubano, um povo que é muito parecido com o nosso - gosta da mesma feijoada, tem a mesma mania da música, enfim, é um povo muito similar ao nosso. Mas acho que chegou a hora de se tirar esse pano dos olhos, fazer as críticas necessárias e tratar uma ditadura como ela é, onde não existe realmente liberdade, onde 75 dissidentes pegaram penas entre 15 a 25 anos de detenção pelo simples fato de não concordarem com o Governo.

Em relação a essas pessoas, elas foram taxadas de mercenárias a serviço dos Estados Unidos. É sempre assim, as tiranias sempre rotulam e dizem que são pessoas que querem ajudar as forças externas a invadir o país etc. Mas vejam, por exemplo, o caso de Raul Rivero, ex-Diretor da Agência de Notícias Cuba Press. Ele foi acusado de escrever para a agência subversiva francesa.E qual era a agência subversiva? A Repórteres sem Fronteiras. Desde quando a imprensa pode ser tratada dessa forma? Se fosse aqui no Brasil, seria uma revolução. Em Cuba, muitos dos nossos repórteres, muitos dos nossos jornalistas fazem de conta que não vêem.

Não consigo entender porque, em seis dias, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, uma pessoa foi julgada e executada à pena de morte, com o rótulo de seqüestro, em que não houve nenhuma morte, nenhum outro problema mais sério; apenas era a vontade de sair do país, quando o próprio ditador, anos atrás, mandou levas de pessoas para fora do país; entupiu os Estados Unidos. Vejam, não estou protegendo os Estados Unidos; estou lutando pelo direito de expressão, pela liberdade, e que nós, brasileiros, não sejamos sectários - um é ditador; outro não é. Ditadores são todos iguais, sejam os que trazem os charutos cubanos ou sejam os que não trazem nada. Ditador é ditador. E liberdade é liberdade.

Vi, nessa Casa, há duas semanas, e nem ia falar no assunto, porque o Senador Jefferson Péres fez um discurso que me deixou impressionado. Foi uma pequena intervenção, mas colocou sua posição. E concordei em gênero, número e grau. E me congratulo com S. Exª. E me dei por satisfeito, mas verifiquei, para minha tristeza, que inúmeros Senadores aceitaram o convite para um café do Embaixador, no qual ele deu explicações muito pífias do que tinha acontecido. E, coitado, como Embaixador, ele tinha a obrigação de tentar defender seu Governo. Só que defendeu de modo indefensável. E vi, ainda mais, essa dificuldade nossa, aqui, no Senado - por três Senadores foi apresentada uma moção de repúdio. E o que aconteceu? Os Líderes do Governo tentaram colocar panos quentes e dizer que isso não ajudava em nada. Como não ajuda? Já que não podemos fazer diferente, como, no espírito de juventude, eu queria fazer para sair e lutar em Sierra Maestra, que pelo menos façamos a condenação verbal. Esse é um argumento e um instrumento do Congresso. Mas até isso o Governo faz de conta que não vê, porque é o amigo. Não existe amigo numa hora dessa. Amizade temos que ter com liberdade.

O Sr. Leomar Quintanilha (PFL - TO) - Nobre Senador Ney Suassuna, permite V. Exª um aparte?

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Concedo a palavra ao Senador Leomar Quintanilha.

O Sr. Leomar Quintanilha (PFL - TO) - É com muita alegria que ouço V. Exª falar com muita firmeza, falar com muita convicção, com muito entusiasmo sobre o bem maior que qualquer ser humano ou que qualquer ser vivo pode ter que é a liberdade. Que coisa bonita é a liberdade, que coisa agradável, que coisa confortável é a liberdade. E só sabemos quão valiosa é a liberdade quando temos cerceada a possibilidade de nos movimentarmos, de expressarmos os nossos sentimentos, de podermos defender determinadas posições. É claro que quem admirou Cuba, anos atrás, por sua beleza geográfica, por sua história pela luta a favor da libertação, naturalmente, hoje, não pode aplaudir o Governo do ditador. Porque o ditador bonzinho - como V. Exª muito bem expressou - não existe. Ninguém é infalível, ninguém pode querer avocar para si todos os poderes, inclusive o de cercear o direito à liberdade de qualquer indivíduo da sua nação. Não podemos aplaudir essa posição ditatorial, esse Governo ditatorial de Cuba, do Sr. Fidel Castro. As atitudes que ele praticou, ou que, sob o seu patrocínio, foram praticadas recentemente são totalmente refutáveis e não podemos aceitar. Em boa hora, três Senadores - e deveria ter sido a Casa inteira - se levantaram e manifestaram o direito de fazer a moção de repúdio por uma população que não tem esse direito de fazê-lo lá. Portanto, eminente Senador Ney Suassuna, quero congratular-me com V. Exª por essa reflexão, porque ela cai bem aqui no nosso País, que precisa refletir que os direitos consagrados na Constituição - dentre eles, e principalmente, o de liberdade - precisam ser, efetivamente, respeitados.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Muito obrigado, nobre Senador Leomar Quintanilha, pelo seu aparte.

Como disse, já nem ia tocar no assunto. No entanto, há duas sessões, a Comissão de Relações Exteriores reúne-se e não consegue votar porque há essa preocupação de tratamento diferenciado para o Governo. Entendo que alguém possa ser amigo. No entanto, mesmo sendo amigo, se está errado temos que ser coerentes com nossos princípios. Há muitos artistas que, quando vão a Cuba, são muito bem tratados, são tratados de forma diferente. O povo cubano não pode sentar-se à mesa de um restaurante, não tem direito de ir a Caio Largo como turista. Só pode entrar como trabalhador; entra como trabalhador, fica durante 15 dias e, depois, chega outra leva de trabalhadores. Mas a ilha é maravilhosa, todo o Caribe possui um mar maravilho! Mas, para coletar dólares, mantém-se a opressão em Cuba. De cada dez cubanos, quatro ou cinco são informantes do Governo e, com isso, ganham algo diferenciado para controlar o resto da população.

No entanto, não é essa a minha preocupação. Estou preocupado com o fato de que não possamos, com rapidez, fazer uma moção de censura. Parcela de nossa população, inclusive intelectuais, está fazendo de conta que lá não há “paredão”, que não se prende. Setenta e cinco jornalistas foram condenados a até 25 anos de detenção porque discordam do regime, crime de opinião. É realmente duro.

Creio que está na hora de pensarmos um pouco sobre o que disse um profundo admirador de Cuba. Falo de José Saramago, escritor português que ganhou o Prêmio Nobel de Literatura. José Saramago sempre foi um admirador, um defensor do regime cubano. Em artigo publicado no diário espanhol El Pais, retira seu comprometimento com a revolução cubana e escreve palavras sentidas que repercutiram em todo o mundo: “Cuba não ganhou um batalha heróica ao executar esses três homens, mas perdeu minha confiança, destruiu minhas esperanças, roubou os meus sonhos”.

Esse já foi meu sonho também um dia. Quando jovem, pensava em sair do Brasil e ir lutar sob o comando de um jovem idealista: Fidel Castro. Saímos, eu e mais dois companheiros da Paraíba, de porto em porto, para chegarmos a Cuba e lutar em Sierra Maestra contra Batista. E hoje vejo o sonho transformado em pesadelo, não para mim - para mim é uma desilusão -, mas para um povo inteiro: dez milhões de cubanos debaixo do pé de um ditador.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/04/2003 - Página 9116