Discurso durante a 49ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Desvios na aplicação dos recursos da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE). .

Autor
Valdir Raupp (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Valdir Raupp de Matos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DE TRANSPORTES.:
  • Desvios na aplicação dos recursos da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE). .
Publicação
Publicação no DSF de 07/05/2003 - Página 9683
Assunto
Outros > POLITICA DE TRANSPORTES.
Indexação
  • REGISTRO, CRIAÇÃO, CONTRIBUIÇÃO, INTERVENÇÃO, DOMINIO ECONOMICO, PERIODO, GOVERNO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, OBJETIVO, ARRECADAÇÃO, RECURSOS FINANCEIROS, DESTINAÇÃO, MELHORIA, INFRAESTRUTURA, TRANSPORTE.
  • COMENTARIO, OCORRENCIA, DESVIO, VERBA, CONTRIBUIÇÃO, INTERVENÇÃO, DOMINIO ECONOMICO, INSUFICIENCIA, UTILIZAÇÃO, RECURSOS FINANCEIROS, FUNDOS, MELHORIA, INFRAESTRUTURA, TRANSPORTE, GARANTIA, SEGURANÇA, USUARIO, RODOVIA, FERROVIA, TRANSPORTE AQUATICO.
  • CRITICA, SUGESTÃO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DE MINAS E ENERGIA (MME), UTILIZAÇÃO, VERBA, CONTRIBUIÇÃO, INTERVENÇÃO, DOMINIO ECONOMICO, AUXILIO, AQUISIÇÃO, GAS, POPULAÇÃO CARENTE.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, MELHORIA, TRANSPORTE, ECONOMIA, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, AUMENTO, EXPORTAÇÃO, REDUÇÃO, IMPORTAÇÃO, PETROLEO, EXPECTATIVA, RECUPERAÇÃO, RODOVIA, IMPEDIMENTO, PREJUIZO, CRESCIMENTO ECONOMICO.

O SR. VALDIR RAUPP (PMDB - RO) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, um dos grandes obstáculos à boa administração dos recursos públicos arrecadados no Brasil tem sido a falta de planejamento eficiente ou, ainda, a aplicação desses mesmos recursos de forma diversa da que havia sido planejada.

É certo que a dinâmica da administração pública enfrenta situações que escapam ao melhor dos planejamentos; é certo, também, que as leis freqüentemente “engessam” a ação do administrador - a própria Constituição, com todas as qualidades que nela devemos reconhecer, deixa reduzido espaço de manobra para os governantes disporem dos recursos arrecadados conforme as prioridades requeridas em determinado momento ou em determinada circunstância.

No entanto, Sr. Presidente, não se pode fazer do planejamento, com base nessas condições, uma tábua rasa para a administração pública. Esses comentários se devem ao fato de que os recursos provenientes da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) não têm sido aplicados, como era de se esperar, na melhoria da infra-estrutura do transporte, em suas várias modalidades.

Criada prioritariamente para financiar a infra-estrutura do setor de transportes, a CIDE está sendo utilizada para outros fins, como o pagamento de servidores do Ministério dos Transportes e a formação do superávit primário. Há dias, o Secretário de Transportes Terrestres do Ministério dos Transportes, Raul de Bonis, admitiu que os recursos da CIDE continuarão sendo usados para reforçar o caixa do Tesouro, como aconteceu no ano passado, no Governo Fernando Henrique Cardoso.

Não bastassem esses equívocos, nova ameaça paira sobre o setor de transportes, agora perpetrada pelo Ministério das Minas e Energia. Em recente depoimento, aqui mesmo nesta Casa, a Ministra Dilma Rousseff anunciou que o Governo está estudando a possibilidade de subsidiar o gás de cozinha com recursos da CIDE.

Em sã consciência, Sr. Presidente, ninguém poderia negar o mérito dessa medida, sabendo-se que o gás de cozinha é utilizado por mais de 95% da população brasileira, incluindo-se aí aquelas famílias mais necessitadas. Entretanto, a intenção de priorizar a utilização para esse fim de recursos que deveriam ser aplicados na recuperação e na ampliação da malha de transportes configura simplesmente um acinte. A se concretizar tal medida, estaremos diante de uma profunda injustiça que terá como vítimas não apenas as empresas transportadoras de passageiros e de cargas, mas, principalmente, o motorista que viaja a serviço ou a passeio, expondo-se e expondo seus familiares aos mais graves riscos.

O discurso da Ministra Dilma Rousseff, Sr. Presidente, foi muito bem recebido pelas empresas distribuidoras de gás, mas representa uma ameaça que deve ser rechaçada por todos aqueles que necessitam se locomover por esse imenso território do nosso País-continente.

Além desses desvios, os setores que deveriam ser contemplados com as verbas da CIDE são ainda prejudicados pelo contingenciamento dos recursos e pelas inumeráveis liminares judiciais.

Para melhor compreensão do que se passa com a receita da CIDE, é mister fazer um breve histórico. A CIDE foi criada pela Emenda Constitucional nº 33 e regulamentada pela Lei nº 10.336, de 2001, incidindo sobre a importação e comercialização dos derivados de petróleo, gás natural e álcool. A Lei nº 10.636, sancionada em 30 de dezembro de 2002, regulamentava as aplicações dos recursos e era considerada a redenção para o setor de transporte, porque destinava 75% da receita da CIDE à infra-estrutura aquaviária, ferroviária, portuária, rodoviária e multimodal de responsabilidade da União.

O Presidente Fernando Henrique, entretanto, ao sancionar a Lei vetou o art. 5º, que fixava essa vinculação. Nas razões do veto, o Chefe do Poder Executivo alegava que alguns programas remanescentes do período anterior à liberação dos preços e à criação da CIDE já consumiam 22% da arrecadação prevista, comprometendo a vinculação. Alegava, ainda, que a parcela de até 25% da arrecadação era insuficiente para a implementação da Política Energética Nacional e para investimentos em projetos ambientais relacionados com o setor de combustíveis.

Esse veto ao art. 5º, Srªs e Srs. Senadores, representou, na linguagem popular, um balde de água fria para empresários do setor de transporte e para todos aqueles que sonham com estradas minimamente conservadas e seguras. Há décadas que nossas estradas se vêm deteriorando. Estamos pondo a perder todo um patrimônio duramente construído, por absoluta falta de manutenção, e as conseqüências disso são por demais conhecidas: um consumo exagerado de combustíveis, encarecendo os produtos para o mercado interno e para as vendas ao exterior, configurando o chamado “Custo Brasil”; um imenso desperdício de mercadorias perecíveis, em razão da extensa duração das viagens e da falta de estrutura de armazenamento; vultosos prejuízos para as empresas que operam no setor e mesmo para motoristas que viajam em seus próprios carros, a turismo ou a negócios; e, o pior de tudo, numerosos acidentes que poderiam ser evitados, poupando vidas e mutilações de motoristas e passageiros.

Das razões alinhavadas pelo Governo anterior para justificar o veto, destaco o seguinte trecho: “É importante enfatizar que não se questiona a necessidade de investimentos no setor de transporte brasileiro, entretanto se faz imprescindível à adequação da distribuição de recursos entre as três áreas previstas na Constituição Federal.”

A desvinculação não teria maiores conseqüências, Sr. Presidente, se os governantes, ainda que não limitados por ela, considerassem a efetiva prioridade de se recuperar o patrimônio das estradas brasileiras. O que ocorre, porém, é que, desobrigado de aplicar os recursos na infra-estrutura de transportes, o Governo destinou a esse setor uma verba irrisória.

A receita da CIDE no ano passado foi de R$ 8 bilhões e 800 milhões - suficiente, de acordo com a Confederação Nacional do Transporte, para recuperar a maior parte das estradas brasileiras. Para este ano, prevê-se uma arrecadação em torno de R$ 11 bilhões. Os recursos orçamentários previstos para o Ministério dos Transportes, entretanto, são de apenas R$ 3 bilhões e 900 milhões, valor que foi reduzido para R$ 1 bilhão e 600 milhões, em face do contingenciamento.

O que hoje ocorre com a CIDE, já comentei em outras ocasiões, é semelhante ao que aconteceu com a CPMF. Quando de sua criação, foi saudada como a redenção da saúde pública. Entretanto, essa contribuição deixou de ser uma verba suplementar, ou seja, um recurso extraordinário, destinado a melhorar efetivamente a saúde pública, para tornar-se a verba ordinária desse setor. Basta dizer que o orçamento da Saúde para este ano é de R$ 24 bilhões e 600 milhões e a arrecadação da CPMF é prevista em R$ 24 bilhões e 200 milhões. Não se cumpre, portanto, o objetivo de fazer da CPMF um complemento para melhorar a saúde da população.

Para agravar as perspectivas da área de transporte, a arrecadação da CIDE, tal como ocorre com o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), vem apresentando queda em função de liminares judiciais. Em março último, a receita proveniente da CIDE foi 38,29% inferior ao arrecadado no mesmo mês do ano passado.

Em Rondônia, Sr. Presidente, a malha viária, compreendendo, além das rodovias, basicamente as hidrovias dos rios Madeira, Mamoré e Guaporé, encontra-se em situação de penúria. As principais rodovias federais são a BR-174, que liga o sul do Estado ao Estado de Mato Grosso e que permite escoar a produção mato-grossense de soja pelo porto graneleiro de Porto Velho; a BR-421, que liga Ariquemes, no entroncamento com a BR-364, a Guajará-Mirim; a BR-429, que liga Costa Marques à BR-364; a BR-425, que une Guajará-Mirim ao entroncamento com a BR-364; a BR-319, que liga Porto Velho a Manaus, com 860 quilômetros; e a BR-364, a qual, como se pode concluir, pelas conexões citadas, constitui o grande eixo rodoviário do Estado. Ligando Vilhena, no extremo Sul, a Porto Velho, ela está praticamente intransitável, dificultando o transporte de passageiros e o escoamento de mercadorias.

A recuperação do setor de transporte, porém, não é uma reivindicação exclusiva dos rondonienses. Diariamente acompanhamos, pela mídia, os desastres rodoviários e ferroviários que se repetem de Norte a Sul do País, ceifando vidas, mutilando passageiros e provocando prejuízos, sob a forma de danos aos veículos, e perda de mercadorias perecíveis. A Pesquisa Rodoviária CNT 2002 revelou que 38,8% da extensão das rodovias analisadas, em todo o território nacional, pode ser classificada como “deficiente”, “ruim” ou “péssima”. Nessas condições, é inaceitável que as autoridades venham propor a utilização - ou, melhor dizendo, o desvio - de recursos da CIDE para outros fins que não os prioritários.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil, que vive um período de reformulação das políticas sociais e econômicas, não pode abandonar, como vem ocorrendo há tanto tempo, esse patrimônio construído a duras penas e tão essencial aos brasileiros, que consiste na malha e na infra-estrutura de transportes. Por muito que precisemos gerar superávit primário e fazer em face de outras despesas, precisamos levar em conta que o setor de transporte é essencial para incrementarmos as exportações, para nos tornarmos independentes da importação de petróleo, para evitarmos o desperdício de produtos perecíveis e, principalmente, para garantirmos maior segurança a todos aqueles que se locomovem por nosso vasto território.

Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/05/2003 - Página 9683