Discurso durante a 49ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com a violência no País.

Autor
Amir Lando (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Amir Francisco Lando
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Preocupação com a violência no País.
Publicação
Publicação no DSF de 07/05/2003 - Página 9686
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • ANALISE, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, VIOLENCIA, BRASIL, APREENSÃO, AUMENTO, NUMERO, MORTE, RESULTADO, CRIME, ATENTADO, TRAFICANTE, DROGA.
  • COMPARAÇÃO, GUERRA, PAIS ESTRANGEIRO, IRAQUE, REGISTRO, DADOS, VIOLENCIA, BRASIL, SUPERIORIDADE, MORTE.
  • COMENTARIO, CRESCIMENTO, VIOLENCIA, BRASIL, RESULTADO, AUMENTO, DESIGUALDADE SOCIAL, TRAFICO, DROGA, ENTRADA, PAIS, CAPITAL ESPECULATIVO, PREJUIZO, FINANÇAS, CONTRIBUIÇÃO, DESEMPREGO.
  • REGISTRO, NECESSIDADE, URGENCIA, PLANO, RECONSTRUÇÃO, ESTADO, REFORÇO, ELABORAÇÃO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO.

O SR AMIR LANDO (PMDB - RO) - Sr. Presidente,Srªs e Srs. Senadores, Gabriela, a menina cujas mãos entrelaçadas simbolizavam a imagem do pássaro da paz, acalentava um sonho. Reunir a família e os seus melhores amigos para um passeio no mar. Seria em agosto, no glamour da passagem dos seus 15 anos.

Num domingo de sol, cenário mais que perfeito para a realização do sonho de Gabriela, seus pais tomaram um barco, talvez sem as flores típicas das festas de debutantes, e depositaram, nas águas da Guanabara, cinzas, o que restou de um corpo estendido no chão, vítima da saraivada a esmo de uma guerra não declarada.

Como Gabriela, outras mais de quarenta mil vítimas da violência tiveram suas histórias de vida interrompidas, em apenas um ano, no Brasil. Como os pais e os demais familiares de Gabriela, outros duzentos mil, pouco mais, pouco menos, choraram, cada um, a dor da perda do sangue do seu sangue. Como os melhores amigos de Gabriela, quem sabe, outros mais de um milhão também choraram a dor da partida daqueles que foram feitos “para se guardar no lado esquerdo do peito”.

São mais de quarenta mil mortos prematuramente, por ano, de bala perdida ou mirada, nas ruas, nas casas, nos morros, nos roçados, nas beiras de estrada ou nos meios-fios, no Rio de Janeiro, em Natal, em São Paulo, em Santos, em Vitória, em Porto Alegre e em Porto Velho.

Ontem, a comoção nacional, novamente, tomou conta de todos os lares do País. Luciana, 19 anos, também alimenta o seu sonho: salvar vidas como enfermeira. Quem sabe quantas vítimas da violência passam pela imaginação de Luciana, nos hospitais, nos postos de saúde das periferias, ou nos centros de tratamento intensivo, iguais ao que ela, hoje, convalesce, vítima de mais uma bala, arremessada contra sua coluna cervical.

Triste ironia, ela que se dispõe dedicar sua vida pelos enfermos, corre o risco de passar o restante de sua existência na dependência de sua família, de seus amigos, e de outras pessoas que exercem, exatamente, a profissão com a qual ela ainda sonha. 

O mundo assistiu, estarrecido e estupefato, aos horrores de mais uma guerra que, em nome de Deus e da liberdade, matou e mutilou inocentes. Foi mais um espetáculo pirotécnico montado para efeito de demonstração de poder e para satisfazer a sanha do lucro, em uma economia de mercado em que as relações não se revestem de qualquer vestígio de pudor.

Chechênia, Bósnia, Afeganistão, Iraque. Pois bem, nessas guerras, igualmente sangrentas, tombaram menos de 10% do total de mortos das execuções ocorridas no Brasil em apenas 12 meses. A média anual de vítimas fatais da guerra de Angola foi de 13 mil; a dos Curdos, 3 mil; a do Timor Leste, 3,8 mil. Os 36 anos da guerra civil na Colômbia, conduzida pelo narcotráfico, resultou na morte de 45 mil pessoas, 1,15 mil por ano. Os conflitos religiosos na Irlanda do Norte, em mais de duas décadas, resultaram em 3.250 mortos. Nos 9 anos da guerra da Argélia, 75.000.

A violência no Brasil mata, em média, 40,8 mil por ano. Em apenas 6 anos, de 1995 a 2001, morreram, aproximadamente, 245 mil brasileiros nesta tal guerra civil não declarada. São dados oficiais que, ainda assim, escondem os corpos enterrados nos cemitérios clandestinos daqueles que, muitas vezes, legalmente nem nasceram, porque faltam-lhes recursos para o mero registro de vida e de morte. Viveram pouco, morreram cedo. Para o Estado, nem existiram.

Os meios de comunicação dividiram, nos últimos dias, os seus noticiários entre a guerra do Iraque e os confrontos entre “facções rivais” no Rio de Janeiro. As “autoridades”, a reboque dos fatos, prometem “ocupar” os morros, como se tratasse de verbo que signifique, apenas, uma operação militar.

São Paulo, somente em 1999, registrou 12 mil homicídios, ano em que o País gastou R$55 bilhões em assuntos diretamente ligados à violência, ou seja, 14% do Produto Interno Bruto, o PIB daquele ano.

Mas, a violência noticiada nas grandes metrópoles brasileiras tende a escamotear as ocorrências nos Estados menos importantes, em termos de população e renda. Se levada em conta a população de cada Estado, o Espírito Santo é o mais violento do País, em termos do número de homicídios por 100.000 habitantes (50,6). Logo a seguir, Pernambuco, com 40,4. O índice de Rondônia (39,2) não desmente o noticiário policial dos jornais locais. Levada em consideração a taxa de homicídios, o Estado ocupa o nada honroso terceiro lugar entre os 27 Estados da Federação.

Se consideradas as capitais, a taxa de Porto Velho (58,7) é a segunda maior do País, pouco abaixo de Vitória (63,2) e, significativamente, maior que Rio de Janeiro (35,6). Isto significa que a capital de Rondônia é mais violenta, relativamente, que a cidade do Rio de Janeiro, embora os meios de comunicação nacional passem ao largo do fato. Isso, sem contar outros crimes igualmente hediondos, como o de estupro, denunciados pelos organismos de defesa da mulher, que colocam Porto Velho no topo de um pódio indesejável, se considerado o tamanho da população local.

Não se quer comparar o tamanho, nem o endereço, da dor. Ela é a mesma, nos campos de batalha da guerra declarada, ou no corpo em chamas do índio pataxó. É igual em Bagdá, no Rio de Janeiro, ou em Porto Velho. O que se quer é chamar a atenção para um problema que já adquire dimensões que, ao que tudo indica, fugiu ao controle do Estado brasileiro. A guerra declarada admite a diplomacia e o cessar-fogo. Na guerra não declarada, não há tolerância, e seus comandos, quando existem, são irreconciliáveis. A primeira, é deflagrada por governos instituídos; a última, é executada por estados paralelos.

A guerra do Iraque tem, frente e verso, os códigos de barra dos falcões do Pentágono. Os tiroteios da Linha Vermelha não têm, nem mesmo, etiquetas de procedência. As balas perdidas são creditadas (ou debitadas) ao tráfico, cujos comandos principais estão, ironicamente, sob a proteção do Estado e de seus governos instituídos.

A guerra no Iraque não foi motivada pela exclusão social e, muito menos, pela liberdade do povo iraquiano. Fosse assim, o Estados Unidos teriam desempenhado o mesmo papel em Kosovo, em Timor Leste ou no norte do Congo, onde, segundo a imprensa, 996 lemas, assim é chamada a população local, foram mortos a machadadas. O Iraque está sobre um lençol de petróleo, matéria-prima em falta na matriz energética norte-americana e nos países mais desenvolvidos. Ao invadir o Iraque, os Estados Unidos promoveram um verdadeiro desmonte da Organização das Nações Unidas, a ONU, apesar do discurso do chamado mundo globalizado.

A violência no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Vitória, em Porto Velho, ou em outra cidade brasileira, é fruto, principalmente, do narcotráfico e da exclusão social que gerou essa espécie de apartheid social, sobre a qual a história dos conflitos mundiais é rica em exemplos. O apartheid social, no Brasil, se intensificou com o desmonte do Estado brasileiro, em nome do mesmo discurso do mundo globalizado.

Não se pode negar que o País perdeu essa guerra, e não foi para o alegado sucateamento do aparato policial. O Brasil rendeu-se aos comandos do capital financeiro especulativo e seus ataques inteligentes.

A munição financeira que falta à saúde, à educação, à segurança pública e ao combate à fome é a mesma dos superávits fiscais e dos pagamentos de juros e encargos, que transferem para credores insaciáveis mais de R$100 bilhões anuais.

Portanto, a paz no mundo somente será possível com a revitalização da Organização das Nações Unidas e, a partir dela, a discussão e a implantação de uma nova ordem mundial. E o fim da violência no Brasil só ocorrerá com a reconstrução do Estado brasileiro e a formulação de um projeto de desenvolvimento verdadeiramente nacional.

O petróleo, ou outra matéria-prima escassa nos países mais desenvolvidos, não pode continuar sendo o mote para invasões e ocupações, em escala planetária. O lucro, numa economia de mercado globalizado, não pode ser o condutor único das grandes decisões de políticas nacionais. O estado paralelo não pode ditar normas solapadas do Estado democrático e de direito.

Quando agosto chegar, não haverá baile de debutante para a menina Gabriela. Com certeza, as flores da juventude dos salões de seus sonhos interrompidos serão levadas, pelos seus pais e amigos, ao mar que ela hoje enfeita, em paz.

Quando agosto chegar, não sei que idade terá o menino-símbolo da guerra, braços decepados pelos mísseis ditos inteligentes. Afinal, seus olhos parados no ar pareciam indicar não haver mais o tempo. Ou, quem sabe, a eternidade de horrores e de humilhações.

Quando o tempo voltar, eu quero o sorriso nos rostos dos pais e dos amigos de Luciana. E que as imagens dos telejornais que consternaram todo o País, na noite de ontem, sejam carinhosamente arquivadas, para que a comoção seja ainda maior, quando elas forem relembradas, no dia de sua formatura. 

Dia virá em que a esperança será declarada solenemente vencedora. Por isso, enquanto houver a guerra e a violência, em Bagdá, no Rio de Janeiro ou em Porto Velho, que ninguém descanse em paz. E vá à luta. Pela paz!

Era o que eu tinha a dizer,


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/05/2003 - Página 9686