Discurso durante a 50ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Participação de S.Exa. no VIII Encontro Nacional de Associações e Grupos de Apoio à Adoção - ENAPA, com o tema central "Adoção, Inclusão e Cidadania", realizado no período de 1 a 3 de maio, na cidade de Itajái,/SC.

Autor
Ideli Salvatti (PT - Partido dos Trabalhadores/SC)
Nome completo: Ideli Salvatti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Participação de S.Exa. no VIII Encontro Nacional de Associações e Grupos de Apoio à Adoção - ENAPA, com o tema central "Adoção, Inclusão e Cidadania", realizado no período de 1 a 3 de maio, na cidade de Itajái,/SC.
Publicação
Publicação no DSF de 08/05/2003 - Página 9888
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • REGISTRO, PARTICIPAÇÃO, ENCONTRO, ASSOCIAÇÕES, GRUPO, APOIO, ADOÇÃO, REALIZAÇÃO, MUNICIPIO, ITAJAI (SC), ESTADO DE SANTA CATARINA (SC).
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, DOCUMENTO, ELABORAÇÃO, ENCONTRO, CONTEUDO, COMPROMISSO, PODER PUBLICO, SOCIEDADE, ADOÇÃO.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Sr. Presidente, Srªs e Srs Senadores, participei no último dia 03 do 8º ENAPA (Encontro Nacional de Associações e Grupos de Apoio à Adoção), com o tema central “Adoção: Inclusão e Cidadania”, evento que, no período de 01 a 03 deste mês, reuniu, na cidade de Itajaí-SC, mais de 600 pessoas de todas as regiões do Brasil, e que foi encerrado com a aclamação pela plenária da “Carta de Itajaí”, documento que pretende ser norteador das ações e dos compromissos do poder público e da sociedade civil em relação à adoção em todo o país.

Solicito o registro nesta Casa da “Carta de Itajaí” e do texto “Inclusão e Cidadania” da palestra que proferi no referido evento, que seguem anexos, atendendo a pedido da coordenação do 8º ENAPA.

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DOCUMENTOS A QUE SE REFERE A SRª SENADORA IDELI SALVATTI EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inseridos nos termos do art. 210 do Regimento Interno.)

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            Carta de Itajaí

Os participantes do 8º ENAPA - Encontro Nacional de Associações e Grupos de Apoio à Adoção - (Grupos e Associações de Estudos e Apoio à Adoção, representantes do Poder Judiciário, do Ministério Público, profissionais ligados à área e diversos segmentos da sociedade brasileira), reunidos na cidade de Itajaí (SC), no período de 01 a 03 de maio de 2003, buscando a efetiva inclusão e cidadania para as milhares de crianças e adolescentes privados da convivência familiar e comunitária, em todo o País, conscientes da necessidade de serem resgatadas as responsabilidades para implementar os direitos previstos na Convenção dos Direitos da Criança, da Assembléia Geral das Nações Unidas, ratificada no Brasil em 20 de setembro de 1990, na Constituição Federal em seu artigo 227 e no Estatuto da Criança e do Adolescente, resolvem:

REIVINDICAR a criação dos cargos necessários à implementação efetiva das equipes multidisciplinares em cada comarca, no âmbito do Poder Judiciário, integradas por, no mínimo, um profissional de cada uma das seguintes categorias: assistente social, psicólogo, pedagogo e advogado. Os respectivos conselhos e órgãos de classe devem incluir em suas ações a efetivação desse objetivo;

REIVINDICAR do Ministério Público de cada Estado que exija do Poder Judiciário o cumprimento do art. 150 do ECA, implementando a equipe interdisciplinar na Justiça da Infância e da Juventude;

REIVINDICAR a ampliação do número de Varas especializadas da Justiça da Infância e da Juventude;

RECOMENDAR a valorização do perfil vocacional dos profissionais da área técnica quando do concurso público, e dos Juízes e Promotores, quando do preenchimento das vagas na área da Infância e da Juventude;

EXIGIR que se estabeleça um percentual mínimo dos orçamentos públicos para os Fundos da Infância e da Juventude, e destinar recursos específicos para programas de apoio à convivência familiar e comunitária e prevenção do abandono e violência e trabalho infantil;

REIVINDICAR o incremento da efetiva participação dos Juízes e Promotores de Justiça nos estudos e atividades extraprocessuais ligados à rede de proteção à infância e adolescência;

RECOMENDAR a fiscalização mensal, pelo Juiz e pelo Promotor de Justiça, das entidades de abrigamento, e o respectivo encaminhamento de relatórios detalhados;

EXIGIR a garantia ao direito de a criança e o adolescente abrigados de serem ouvidos diretamente pelo Juiz e Promotor de Justiça;

ASSENTAR a necessidade da implantação e disponibilização de um banco de dados em cada estado da federação com consolidação nacional, abrangendo informações estatísticas quantitativas e qualitativas, de todas as crianças e adolescentes em condições de serem adotados, abrigados ou não, e interessados na adoção;

EXIGIR o urgente reordenamento dos abrigos, visando ao cumprimento do art. 92, e parágrafo único, do art. 101, do ECA;

REIVINDICAR a obrigatoriedade da implementação das equipes multidisciplinares nas instituições que desenvolvam programas de abrigo;

EXIGIR o estabelecimento de prazo para as equipes multidisciplinares dos abrigos apresentarem aos respectivos Juízos, o “Plano de Atendimento” para cada criança e adolescente, como indicativo das alternativas de encaminhamento possíveis em cada caso;

ENFATIZAR a necessidade da criação e implantação de mecanismos que permitam o acompanhamento permanente da situação das crianças e adolescentes institucionalizados;

REFORÇAR a necessidade da inclusão dos serviços e profissionais de saúde na rede de atendimento à criança ao adolescente e às famílias, para a atividade preventiva com o fim de se evitar a adoção ilegal ou dirigida;

RECOMENDAR o efetivo atendimento integral da rede de proteção, inclusive acompanhamento posterior, em todos os casos de adoção, sem qualquer distinção;

REFORÇAR a urgência de se estabelecerem prazos para o processo judicial em primeiro grau de jurisdição e tramitação dos recursos nas ações de destituição do pátrio poder (poder familiar);

RECOMENDAR a inclusão como disciplina obrigatória dos cursos superiores de direito, pedagogia, serviço social e psicologia a matéria relativa à infância e adolescência e ao direito à convivência familiar e comunitária;

REFORÇAR a necessidade da inclusão nos livros didáticos e paradidáticos das novas concepções de relações familiares, incluindo a família substituta;

RECOMENDAR aos Tribunais de Justiças a edição de provimentos determinando aos oficiais de registro civil a obrigatoriedade de comunicar ao Ministério Público, informações sobre os registros de nascimentos nos partos domiciliares, no prazo máximo de cinco dias;

EXIGIR a consideração da plena vigência do art. 47, e seus parágrafos, do ECA, para determinar não a simples averbação das adoções no registro civil, mas o cancelamento do registro original, e novo registro de nascimento da criança adotada;

RECOMENDAR a uniformização dos procedimentos de habilitação para adoção;

REIVINDICAR a inclusão dos Grupos de Estudos e Apoio à Adoção como integrantes da rede de atendimento à crianças, ao adolescente e à família na prevenção do abandono;

RECOMENDAR à rede de atendimento à infância em situação de risco social a efetiva implantação de programas alternativos de convivência familiar e comunitárias: famílias de apoio, apadrinhamento afetivo, guarda, entre outros;

RECOMENDAR a redefinição das atividades dos comissários da infância e da juventude, onde houver;

REIVINDICAR das comissões de direitos humanos da OAB a atuação junto aos abrigos para o reconhecimento do direito à convivência familiar e comunitária enquanto direito fundamental da pessoa humana, denunciando o seu descumprimento;

Para que essas resoluções tenham êxito, é necessário conscientizar a sociedade de que a formulação, implantação e implementação das políticas públicas visando a inclusão e cidadania é emergencial, e passa pelo reconhecimento em aceitar que o abandono da criança e do adolescente, e de sua família, é uma responsabilidade de todos nós e uma questão de saúde pública e justiça social.

Itajaí, 3 de maio de 2003.

Jeanie Maria Tomazelli Amorim / Coordenadora Geral do 8º Enapa

(47) 344-1536 / (47) 347- 4017 / (47) 9101-6399

Gerd Klotz / Coordenador Executivo e (Assessoria de Comunicação)

(47)349-9040 / (47)9103-3399

 

“Inclusão e Cidadania”

Palestra pronunciada pela Senadora Ideli Salvatti por ocasião do 8º ENAPA

Vamos falar de incluir quem?

Os 49 milhões de brasileiros que ganham menos de meio salário mínimo por mês e fazem parte do mapa da fome? Ou do 1/3 da humanidade que migra de um lugar para outro sem ter condições de fixar sua casa ou seu povo?

Vamos falar em incluir 89% as crianças brasileiras de 0 a 4 anos que não têm acesso a creche, ou as 50% de crianças de 4 a 6 anos que não têm vagas na pré-escola? Ou os 5% das crianças de 7 a 14 anos que estão fora da escola?

Ou ainda, vamos falar em incluir os 60% dos jovens de 15 a 17 anos que não estão no ensino médio ou os 88% dos jovens de 18 a 24 anos que não estão, e talvez nunca estarão, no ensino superior?

Ou vamos incluir os 20 milhões de adultos analfabetos?

Vamos incluir os 3.200.000 idosos com mais de 60 anos que não conseguem se aposentar sequer com o salário mínimo?

Ou vamos incluir os 20% de desempregados, ou os milhões de famílias sem terra e sem casa?

Vamos falar da necessidade de incluir as crianças de rua, os velhos abandonados, as mulheres vítimas da violência doméstica, as pessoas prostituídas e as pessoas escravizadas?

Vamos falar das desigualdades dos negros e da desagregação das culturas e dos povos indígenas?

Em falando de cidadania, de que tipo de cidadania? Dos que trabalham e votam, ou dos que, além de trabalhar e votar, recebem para viver dignamente, têm capacidade de analisar criticamente a sociedade, têm acesso à educação, à cultura, ao lazer e participam politicamente da sociedade, das suas decisões e dos rumos que a humanidade vai seguindo?

Faço essas perguntas para abrir o nosso leque de debate e o horizonte de nossa realidade, para que possamos discutir inclusão e cidadania numa visão para além de nossas iniciativas pessoais e familiares, para entrar numa análise socioeconômica e política da sociedade em que vivemos e nos rumos que a humanidade segue nesse momento da história.

O capitalismo e a economia de livre e soberano mercado praticados nas últimas décadas no mundo e no Brasil aumentaram profundamente as desigualdades sociais; a fortuna das 358 pessoas mais ricas do mundo é superior à renda anual dos 45% mais pobres, somando mais de 2,6 bilhões de pessoas. Os países pobres têm 80% da população e apenas 20% da riqueza mundial; no Brasil, os 10% mais ricos têm 46,7% da renda nacional.

O capitalismo e o livre mercado como espaços de competitividade produzem a exclusão numa quantidade e numa velocidade muito maior do que a capacidade de inclusão do Estado com suas políticas sociais ou compensatórias. Nessa relação, comparando com o volume de água, o mercado exclui pessoas como se tivesse um balde para tirar a água de uma caixa, e o Estado e as entidades filantrópicas tentam incluir pessoas como se usassem um copo para colocar de volta a água tirada com um balde. O resultado é que a exclusão é muito maior do que a inclusão que se consegue produzir.

Para uma política socioeconômica e cultural de inclusão e cidadania, para além das iniciativas individuais ou familiares de ajuda e solidariedade, precisamos de uma ação política capaz de transformar a sociedade fundamentada no livre mercado e no Estado burguês que mais tem servido para possibilitar os negócios e interesses dos setores capitalizados do que para construir a cidadania e a justiça social.

Iniciar um ciclo de transformação do Estado e da sociedade brasileira é a tarefa que o Governo Lula assume nesse momento histórico do Brasil. A transformação do Brasil exige um conjunto de reformas que foram discutidas e aprovadas na eleição e que agora começam a ser implementadas, entre elas:

·     a reforma tributária para desonerar a produção e o trabalho, aumentando a tributação da renda, do lucro e do patrimônio, como instrumento direto de distribuição de renda;

·     a reforma da previdência para torná-la mais justa do ponto de vista de inclusão e relação de benefícios pagos, e financeiramente sustentável para superar a situação de transferência de renda dos impostos que a população paga para certos benefícios privilegiados de um pequeno grupo de cidadãos;

·     a reforma agrária e urbana para garantir acesso a milhões de famílias trabalhadoras sem terra e/ou sem moradia;

·     a reforma trabalhista para construir relações de trabalho mais democráticas e modernas e aumentar a proteção social aos trabalhadores;

·     a reforma sindical para ampliar a democratização e a participação sindical dos trabalhadores e dos empregadores, ampliando os processos de negociação coletiva;

·     a reforma política para qualificar a ação partidária e a ética na política visando uma maior participação política do conjunto da sociedade;

Construir um governo Democrático e Popular transformador é a nossa tarefa política do Governo Lula. Construir um Estado democrático, regulador do mercado, proponente da política macroeconômica, construtor da infra-estrutura e realizador de efetivas políticas sociais de saúde, educação, cultura, esporte, de previdência e assistência social, de habitação e saneamento, de socialização do crédito, entre outras, é tarefa central na transformação da sociedade brasileira para atingirmos uma situação em que a estrutura socioeconômica constitua um movimento cíclico de construção de inclusão e cidadania.

Grande é o desafio. A realidade socioeconômica existente, a enorme dependência externa, a enorme dívida pública, o nível de desigualdades e o patamar de exclusão social existente no Brasil exigem, de cada homem e mulher de bem deste país, uma contribuição efetiva de participação política de superação de uma posição egoísta do seu interesse imediato - se a pessoa estiver numa posição favorecida, de solidariedade, de envolvimento no processo de transformação das estruturas macroeconômicas, institucionais, e mesmo de leis e da cultura social para que possamos atingir o objetivo de construir um país inclusivo e cidadão.

Eu acredito que “a vida podia ser bem melhor e será”. Começou um novo tempo no Brasil; cada um dos que têm compromisso com a inclusão e a cidadania pode colocar um tijolo nessa construção.

Vocês que vivenciam a adoção, especialmente os pais e filhos adotivos, podem afirmar, com muita segurança, que é possível construir uma sociedade solidária. Acredito que a adoção é um ato humanitário em que o amor é capaz de levar uma ou duas pessoas adultas adotarem outra pessoa não adulta e dedicar a ela amor e cuidado para que esta pessoa se sinta amada, protegida e tenha condições de organizar e desenvolver sua vida em reciprocidade com os pais adotivos. É desse amor humano e de uma consciência revolucionária que precisamos para transformar e dignificar o mundo em que vivemos.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/05/2003 - Página 9888