Discurso durante a 50ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem aos 180 anos do Parlamento Brasileiro. (como Lider)

Autor
José Sarney (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: José Sarney
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem aos 180 anos do Parlamento Brasileiro. (como Lider)
Aparteantes
Almeida Lima, Mão Santa, Tião Viana.
Publicação
Publicação no DSF de 08/05/2003 - Página 9874
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • REGISTRO, DATA, HISTORIA, BRASIL, ANIVERSARIO, INSTALAÇÃO, LEGISLATIVO, ABERTURA, ASSEMBLEIA CONSTITUINTE, IMPERIO, DETALHAMENTO, ATUAÇÃO, VULTO HISTORICO, DEBATE, CONSTRUÇÃO, NACIONALIDADE, PAIS.

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ocupo esta tribuna para fazer um registro que considero dos mais importantes para o País.

No dia 3 de maio deste ano, há menos de uma semana, há cento e oitenta anos, se instalava o Poder Legislativo no Brasil com a convocação da Constituinte de 1823.

Dia 6 de maio também, já não em 23 mas em 26, pela primeira vez, reunia-se o Senado da República. Esses 180 anos são importantes e devem ser marcados na lembrança de todos nós, porque este País foi construído, as instituições nacionais foram construídas dentro do Parlamento. Foi o Parlamento que construiu toda a estrutura que criou o país, que deu suporte à nacionalidade e que nos trouxe até hoje.

Em 1823, o Brasil era uma terra que tinha três milhões de habitantes. Desses três milhões, um terço era constituído por indígenas, 25% de escravos. Para que se tenha uma idéia do que era o Brasil àquele tempo, vamos recordar que Portugal tinha pouco mais de um milhão de habitantes. A Inglaterra, a grande potência mundial, tinha cerca de dois milhões de habitantes. O Brasil saía de uma revolução, podemos dizer assim, em torno da sua independência, que foi feita de maneira pacífica. E na mente de todos aqueles homens públicos daquele tempo, a primeira idéia que surgiu como forma de construção do País foi a convocação de uma Constituinte. Isto é, a noção de que o País teria que nascer dentro do Parlamento, como a instituição maior que se descobrira na democracia para que se fizesse o governo do povo, para o povo e pelo povo.

Evidentemente que a idéia de Constituinte estava na cabeça daqueles políticos daquele tempo como a idéia não de um órgão de natureza política e ideológica, mas de natureza organizacional do País. A palavra Constituinte tomou um poder ideológico e político após a Revolução Francesa de 1889, quando foi convocada a Assembléia Nacional, depois que os Estados Gerais se mobilizaram, afastando a nobreza e o povo, a fim de que se pudesse ali exercer a soberania nacional.

Também devia estar, e estava, na mente daqueles homens daquele tempo as idéias da Revolução Americana de 1876, da Independência dos Estados Unidos. E foi assim que, consolidada a independência, José Clemente Pereira, Presidente do Senado da Câmara do Rio de Janeiro, foi o primeiro a ter a idéia de propor a convocação de uma assembléia nacional Constituinte.

José Clemente Pereira fazia parte de um grupo que talvez tenha sido o grupo que mais intensamente viveu o espírito brasileiro que se localizava no Rio de Janeiro. Ao seu lado estava Gonçalves Ledo, muitas vezes esquecido, mas que é dado pelos historiadores e por todos como talvez um homem da mesma estatura de José Bonifácio. Também, ao lado deles, encontrávamos o cônego Januário, um exaltado defensor da independência que levou a idéia do “Fico” a Dom Pedro I, para que ele permanecesse no Brasil, para que pudesse ser o autor da independência do País. O que se desejava na Constituinte era assumir a soberania nacional, e Antonio Carlos de Andrada, um dos três Andradas que ali estavam, com José Bonifácio e Martim Francisco, quando é aberta a Constituinte, a primeira coisa que ele diz é esta frase bonita que até hoje deve estar em todos nós: “O que nos reúne, o que nos congrega, o que nos traz aqui, é o amor ao Brasil”. Um Brasil que começava naquele tempo. São essas as suas palavras.

Eles, então, tinham que fazer tudo. O País não existia. Tinham que fazer as leis, os códigos, os sistemas educacionais, então partem para essa monumental tarefa. Só existia a idéia do Brasil, o imperador e a coroa. Então, é nesse clima que se convoca a Constituinte.

Ao se instalar a Constituinte - é bom que relembremos essas coisas, porque são episódios históricos que devem ser sempre vistos e recordados, de como começamos e qual foi a luta que ao longo do tempo o Parlamento construiu para fazer o Brasil -, entra o Imperador e, lá, já no primeiro gesto de respeito ao Parlamento, tira a coroa e o cetro e os coloca ao lado. Já entrou sem a coroa e o cetro. E é José Bonifácio quem diz: “Aqui neste recinto só entrará o Imperador. Ninguém mais pode entrar, nem os ministros, nem ninguém”. Era o sentido de autonomia do Congresso, de autonomia do Poder Legislativo, que ali pela primeira vez se implantava.

Eles não sabiam como se fazia um parlamento, não tinham noção. Então, tiveram que fazer o regimento, as comissões. E de tal maneira eram os costumes e a noção que eles tinham do parlamento, que chega um Constituinte de Minas Gerais, que se chamava José Maria Veloso, se não me falha a memória, que começa a ler um discurso e é interrompido por José Bonifácio, que lhe diz: “V. Exª não pode ler discursos nesta Casa. Aqui inscritos só podem ser os projetos”. Era a noção que eles tinham do parlamento e da função dos Constituintes.

O primeiro sentimento, portanto, era esse sentimento de amor ao Brasil; o outro era o do exercício da soberania nacional; e o terceiro, o sentimento da Constituinte que inaugurou o parlamento, que foi o da unidade do País, dessa unidade, para que ele pudesse ser o País que é hoje.

Àquele tempo, devemos recordar, a Bahia, o Maranhão, a Província do Rio Negro, que estava lá no Amazonas, e o Piauí ainda não tinham aderido a independência e, portanto, não tinham assento na Constituinte. Mas, mesmo assim, Silva Lisboa, que depois veio a ser o Visconde de Cairu, quando diziam isso, ele dizia: “mas eles chegarão”. Em seguida, chegou a Bahia e, no ano seguinte, chegava o Maranhão e, em 28 de julho, o Pará. Assim se incorporavam todos formando este grande País, íntegro, que foi feito e mantido na sua unidade ao longo do tempo.

Em seguida eles começam a pensar como deveriam fazer e estabelecem que podiam apresentar memórias. As memórias eram proposições feitas para serem aprovadas, assim como se hoje fizéssemos projetos de lei.

Então, José Bonifácio marca fazendo a primeira memória, que era a transferência da capital para o Planalto Central, em 1823. Esses homens chegavam com essas idéias. Outra memória feita em seguida por José Bonifácio era a catequese dos índios.

Começa, então, a tarefa da Constituinte. E, nessa tarefa, eles pensavam, em primeiro lugar, na relação entre os Poderes, a idéia, a noção de harmonia entre os Poderes. É sempre bom lembrar: esses homens estavam em 1823, em uma cidade de 40 mil habitantes, onde muitos deles chegavam a cavalo e o amarravam na porta do local que seria do parlamento. Quem eram alguns deles? É bom recordar: Silva Lisboa, como disse, veio a ser o Visconde de Cairu, depois o grande homem que discutia as idéias econômicas e, na Constituinte, quando lemos os anais, encontramo-no participando profundamente de tudo, citando Adam Smith, que já era lido naquele tempo por eles; Ferreira França; Carvalho e Melo, grande jurista que depois venceu o homem que D. Pedro se valeu para, conjuntamente com Carneiro de Campos, fazerem a Constituição outorgada; Miguel Calmon, da Bahia, também economista, Caldeira Brant, Acaiaba de Montesuma, que depois veio a ser o Visconde de Jequitinhonha.

Os temas que eles começaram a discutir, em primeiro lugar, a idéia generosa do Brasil, a idéia generosa deste País, a primeira matéria que eles resolvem discutir é a anistia. Depois da guerra da independência, entre portugueses e brasileiros, eles apresentam o projeto da anistia, da conciliação, da consideração entre nativos e adotivos. É a primeira idéia generosa, a primeira de amor ao Brasil; a segunda idéia generosa da união do País; a terceira, dentro do mesmo sentido, a idéia da anistia, a idéia de que devemos esquecer as lutas para construir aquilo que eles começaram a construir que é o Brasil.

Então, vamos ver os temas discutidos na Constituinte: promulgação das leis, proibição de empregos de deputados, já naquele tempo, nos primeiros dias, eles colocavam isso.

Outra discussão interessante, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, era, por exemplo, quando chegaram e falaram que os Constituintes deveriam receber salários, ao protesto de Martim Francisco que dizia: “Não. Salários não. Salários é algo pejorativo para os Constituintes. Chamemos nossa remuneração de honorários, porque vem de honor. Estamos numa função que recebe honorários e não salários. Eram essas preocupações que eles tinham, e marchavam para criar o que foi aquele tempo.

Outra coisa que encontramos é a idéia da criação da universidade. Ora, num país em que não havia colégios, aqueles homens sonhavam com a universidade, pensavam em construir uma universidade. Um deles, Carneiro de Campos, disse: “Uma universidade no Maranhão e outra em São Paulo; outra no Rio de Janeiro e outra em Olinda”. Enfim, essas eram idéias dos construtores da nacionalidade.

Discutia-se imprensa quando não existia a liberdade de imprensa. Discutiam-se os predicamentos da magistratura quando não tínhamos magistratura. Esse início do Poder Legislativo mostra como fomos construindo as instituições nacionais ao longo do tempo. A idéia básica que então surgia era a idéia da nacionalidade.

Portanto, lembro esses 180 anos, recordando esses pequenos episódios da Constituinte, a dizer que em 1834, a dizer que entre 1850 e 1870, quando tivemos sob o Paraná o grande desenvolvimento do País, a dizer que, durante a República, sempre dentro do Parlamento encontramos soluções para os problemas nacionais. Foi aqui que se construiu o Brasil. A grande diferença entre - vamos dizer assim - a América portuguesa e a espanhola é por isto: o Brasil é uma construção civil, enquanto a América espanhola é uma construção feita em batalhas por meio das quais foram criados os países. Aqui não: o País foi criado, a Federação foi formada pela “construção” dos políticos brasileiros. Temos que enfrentar as críticas, mas nós do Parlamento, herdeiros dessa tradição, devemos estar orgulhosos do que a classe política fez pelo Brasil.

Quando o povo brasileiro fala na sua liberdade, vamos lembrar que já na Constituinte, quando ainda existia a escravatura, quando existia o poder discricionário, estava escrito que ninguém poderia ser preso senão em flagrante delito. A idéia de direitos sociais - e Cairu falava sobre isso -, a parte relativa aos direitos individuais, tudo isso foi feito a partir desse tempo, numa construção dentro do Parlamento.

Presenciei alguns momentos difíceis do País deste Parlamento. Vi muitos momentos difíceis. Vi os acontecimentos de 1954, de 1960, de 1961 e de 1964. Assisti a todos esses episódios, mas sempre observei que os políticos brasileiros não aproveitavam os momentos de crise para liquidarem-se uns aos outros, mas se uniam em torno de um espaço comum, para encontrar a solução que assegurava a continuidade do Parlamento e do País.

Nesses 180 anos que estamos comemorando, nesses 177 anos do Senado, devemos recordar ao povo brasileiro que, com todos os seus defeitos, sempre estamos aqui para reconhecê-los. Devemos ao Parlamento a grande construção das instituições nacionais. É dentro do Parlamento que encontraremos todas as soluções para nossos problemas, porque aqui é um lugar que o povo pode questionar todos os seus problemas, pode até questionar o próprio Parlamento. É essa a tradição que temos e que quero reverenciar em companhia de todos neste dia, dizendo que devemos permanecer como mantenedores das tradições do passado e conscientes das nossas responsabilidades em termos de futuro.

Muito obrigado. (Palmas!)

O Sr. Almeida Lima (PDT - SE) - Senador Sarney, V. Exª me permite um aparte? Senador Almeida Lima.

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP) - Com muito prazer.

O Sr. Almeida Lima (PDT - SE) - Senador Sarney, como um dos mais novos, porque inicio minha vida parlamentar nesta Legislatura, apartear V. Exª neste instante representa para mim uma responsabilidade muito grande, principalmente porque uma personalidade como V. Exª, profundo conhecedor da história do nosso País, especialmente do Parlamento brasileiro, me deixa apreensivo. Mas eu não poderia perder esta oportunidade para homenagear V. Exª e congratular-me com suas palavras por esta data histórica para a vida do Parlamento Nacional. Também quero pedir permissão para acrescer aos registros que V. Exª fez de homenagem ao Parlamento, que é extremamente merecedor desses elogios, e à classe política brasileira desde a época do Império, que soube muito bem contornar crises. Refiro-me ao período do II Império, já com o Imperador Dom Pedro II e com a adoção dos quatro poderes, mais precisamente o Moderador, instituindo, não na Constituição, mas na prática, um sistema parlamentarista, em respeito exatamente às idéias do Parlamento. Mas a História do Brasil não pode deixar de registrar que, embora tenha sido tão eloqüente a nossa história do Parlamento, há uma mácula nesse período a que V. Exª se refere, que é o da primeira Constituinte. E aí, não por conta do Parlamento, mas do próprio Imperador, ao interromper os trabalhos da Constituinte, preferindo outorgá-la ao País. Essa referência histórica deve servir para todos nós, pois, sem dúvida alguma, é uma mancha que a classe política deve ter na lembrança, para que momentos como aquele e outros que se sucederam - que eu particularmente considero de exceção - não venham a se repetir. Era essa a minha palavra de congratulação a V. Exª pelo brilhante pronunciamento, acrescentando esse registro sobre o comportamento do nosso primeiro Imperador, que nada traz de ruim à imagem do Parlamento, mas, ao contrário, enaltece-o . Muito obrigado, ilustre Senador José Sarney.

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP) - Agradeço o aparte de V. Exª e o incorporo ao final do meu discurso. Não me referi ao fechamento da Constituinte, porque estou falando sobre a abertura do Poder Legislativo no Brasil. Também naquele momento de fechamento da Constituinte devemos um exemplo pelo gesto de independência dos Constituintes daquele tempo. Muitos deles saíram para ser presos. Na saída, no momento em que se fechava, estava um canhão na frente da porta do Parlamento.

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT - AC) - V. Exª me concede um aparte?

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP) - E Antônio Carlos de Andrada, ao olhar o canhão, tirou o chapéu e disse: “Só me curvo porque estou sendo vítima de um ato de violência e de força”. Cumprimentou o canhão, saiu, e de lá foi preso na fortaleza onde foi recolhido. José Bonifácio não estava nesse momento no Parlamento. Foi preso quatro dias depois desse dia. Muitos foram presos. Gonçalves Ledo já estava desterrado, já se encontrava em Buenos Aires no exílio, depois de ter fugido.

Quero dizer a V. Exª que o exemplo da Constituinte foi extraordinário. Frutificou de tal maneira que a Constituição, que foi outorgada, foi feita em grande parte por aqueles Constituintes que estavam lá. Mais do que isso, D. Pedro I - que foi um homem extraordinário, o qual devemos respeitar, porque foi o primeiro que assumiu a nacionalidade, o primeiro que se disse brasileiro defensor perpétuo do Brasil - diante desse fato pagou com sua coroa e com o trono. Com a abdicação, pagava o erro do fechamento da Constituinte. Foi ali que viu o erro que tinha cometido.

Restaurado o Parlamento, enfrentamos todos os problemas da regência, enfrentamos o ato adicional para viabilizar a Constituição outorgada. Em 1840, instituíamos o Parlamentarismo, que funcionou com o Poder Moderador, com o Conselho de Estado e com as instituições que foram feitas no Império. Mas não estou falando só dessas instituições; estou falando das idéias fundamentais que nasceram dentro da Constituinte e que fizeram as idéias do Brasil civilista, deste País mantido na sua integridade com essas idéias civilistas, idéias que, no século XX, este homem, símbolo do Senado, Rui Barbosa, defendeu, todas elas, em oposição ao poder da força.

Ouço o aparte de V. Exª, Senador Tião Viana.

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT - AC) - Presidente José Sarney, na verdade não se trata de um aparte. Peço a palavra apenas para dizer a V. Exª que neste momento não estamos apenas assistindo a uma homenagem à história do Senado Federal, a esses 180 anos bonitos da democracia e da história brasileira. V. Exª não pronuncia um discurso quando fala sobre a história política, mas uma conferência. O aproveitamento é enorme para todos nós. Eu apenas gostaria de tentar contribuir com uma breve lembrança de algo que sei ser V. Exª profundo conhecedor. Na construção cívica do Brasil pela autoridade política, pelos homens que debateram a consciência política brasileira e a formação do Estado nacional, aquele canto da Amazônia ocidental, o Acre, foi consolidado e conquistado por outras vias, mas sob a égide da consciência cívica e sábia do Direito. Rui Barbosa estava inserido naquele momento histórico.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Presidente José Sarney, eu também gostaria de participar.

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP) - Eu gostaria de agradecer o aparte do Senador Tião Viana e de prestar uma homenagem ao Estado do Acre. Realmente, aquele é um pedaço do Brasil que ainda não estava integrado ao nosso território, até porque não sabíamos onde eram as fronteiras do Brasil, mas aqueles homens já pensavam com integridade nacional.

Não sabíamos o que era a Amazônia, mas Pombal, quando nascia a ocupação da Amazônia, já nas cartas que fazia nomeando o seu sobrinho, o Marquês de Melo e Póvoas Presidente da Província do Rio Negro, chegava ao ponto de recomendar que as tropas portuguesas se juntassem ao sangue indígena para que pudéssemos ter o sangue português ocupando a Amazônia. Isso foi em 1757. Depois do terremoto de Lisboa, que foi em 1755, quando assumiu o Pombal, ele veio e mandou dizer isso, quando criou a Província do Rio Negro.

O Acre vem depois, numa construção extraordinária de um homem admirável, o Rio Branco, que, quando chegou ao Brasil, foi o primeiro estadista brasileiro a ter a noção das fronteiras. Ele, que vinha da Europa, depois de passar ali 30 anos, julgava que a primeira coisa que nós tínhamos a fazer era justamente evitar lutas de fronteiras. Por isso, ele resolveu todos os problemas de fronteira, e um deles era o relativo ao Acre.

E Rio Branco recomendava - nas cartas secretas que falam sobre o problema do Acre, que o Itamaraty guarda até hoje - aos nossos embaixadores que não deixassem de fazer gentilezas aos presidentes bolivianos durante a negociação do Acre. Aí aparece a figura de Plácido de Castro, que também devemos reverenciar.

Muito obrigado a V. Exª pela homenagem ao Acre, que é tão brasileiro, ou até mais, pois podemos dizer que ele se tornou brasileiro pela sua vontade.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Presidente, agora uma homenagem ao Piauí.

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP) - Com muito prazer.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Presidente, estamos a comemorar os 180 anos do Parlamento, mas eu queria dar testemunho dos 50 anos de grandeza de sua vida pública como parlamentar e no Executivo. Somos vizinhos, mas suas raízes estão no Piauí. A sua coragem vem do seu avô, lá de Valença. Ele combateu cangaceiros e depois se fixou no Maranhão. Mas a origem dessa coragem é de homem do Piauí. Em 1953, V. Exª apareceu no Rio de Janeiro, à la Errol Flynn, artista da época, e conquistou o Rio. Conviveu com Lacerda, com Ulysses, com Tancredo, com Prado Kelly, com Magalhães Pinto, com todos, e quebrou a mais forte oligarquia que existia no Maranhão, a de Vitorino Freire. Somos vizinhos e eu sou filho de maranhense. Quero dizer que o governo de V. Exª ninguém nunca excedeu na nossa região. Entre muitos encantos aquela ponte de São Luís do Maranhão. Sr. Presidente, o destino nos fez encontrar. V. Exª não se lembra: eu, muito jovem, retornei porque quis ao Piauí, e V. Exª, que havia terminado o governo e estava em campanha para vir para este Parlamento. E o pernoite era em Parnaíba, com seu amigo Sebastião Furtado e a esposa. Nós nos encontramos à beira do rio Igaraçu, que abraça a cidade de Parnaíba. Vi o esforço e a luta de V. Exª para vir a este Senado Federal. Deus me permitiu, depois, que nos encontrássemos: eu Deputado e V. Exª Presidente do PDS. V. Exª me deu um ensinamento muito grande, em uma frase que aprendi: “política se faz com política”. Depois, o destino me fez ser Prefeito de minha cidade e Governador do Estado por duas vezes. Convivi intimamente com quatro Presidentes da República. Não ando estudando a história, que V. Exª conhece tão bem, mas, como Prefeito de Parnaíba, convivi com V. Exª e com os Presidentes Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. Quero dar o meu testemunho: V. Exª é o mais generoso e o mais sábio de todos esses com os quais convivi. V. Exª governou este País em um dos momentos mais difíceis não apenas destes 180 anos de Parlamento, mas dos 500 anos de Brasil. V. Exª assumiu com uma destinação. O Presidente militar não lhe passou a faixa. V. Exª não indicou os Ministros, mas teve sabedoria e inspiração. Na primeira reunião com os Ministros que não eram os escolhidos por V. Exª, V. Exª disse que acreditava em Deus e que Ele, que lhe deu a vida, iria lhe dar sabedoria, serenidade e competência. Muitos eram os problemas, mas o maior era a consolidação democrática. E estamos aqui com a democracia consolidada graças a V. Exª. Nenhum Presidente teve tanta sensibilidade. O Lula não vai para o pódio pelo programa contra a fome. O programa mais bem bolado deste País foi o programa do leite, do Presidente Sarney. O Senador Tião Viana, com sua sensibilidade de médico e professor de Biologia, sabe o valor do leite. Como diz o Padre Antônio Vieira, que tem um museu no Maranhão, um bem nunca vem em outro. Talvez o Presidente José Sarney nem saiba, mas sou testemunha de que aquele programa fixou o homem no campo, com a bacia leiteira. Outros pontos importantes do Governo de José Sarney: o vale-transporte, o vale-alimentação, a impenhorabilidade da casa e do lar e a transição democrática. Foram mais de dez mil greves. Não é a paz e o amor de que o Lula fala, nós vivemos no Governo do José Sarney. Então, Presidente, eu queria dar outro testemunho e Deus nos fez nos encontrarmos aqui no Parlamento. Em seu último livro, que era gravado, porque ele não conseguia mais escrever, ajudado por um seu amigo, literato como V. Exª, que ganhou o Prêmio Nobel, François Mitterand, que governou a França por 14 anos, dizia que, se ele voltasse ao poder, iria valorizar outros Poderes. E ontem V. Exª deu esse ensinamento a todos nós, respeitando e valorizando o Supremo Tribunal Federal e a Justiça. Então, temos que comemorar os 50 anos de José Sarney na vida política do Brasil.

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP) - Senador Mão Santa, agradeço-lhe bastante, sobretudo porque V. Exª sabe que, quando se fala em Piauí, fala-se também em Maranhão. Maranhão e Piauí são dois Estados que sempre viveram juntos todas as suas dificuldades e vicissitudes.

Já que estamos falando em uma data histórica, os nossos dois Estados lutaram pela independência. No primeiro momento da independência, Piauí e Maranhão não aderiram a ela, fazendo-o apenas um ano depois. Foi nas guerras da independência, no Maranhão e sobretudo no Piauí, que um soldado português chamado Fidié escreveu sobre as vicissitudes dessas guerras, da Batalha do Jenipapo até chegar ao Morro do Alecrim, quando as tropas então se renderam. Surgiram as independências do Maranhão e do Piauí juntas, aderindo, então, à independência do Brasil. Estamos hoje falando justamente da Constituinte de 1823, quando chegávamos ao Brasil no ano seguinte.

Pois bem, além das virtudes cívicas desta Casa que louvo - é neste sentido o meu discurso -, ao longo dos anos e dos homens que construíram o Parlamento brasileiro e a vida pública brasileira, hoje também vejo que estamos mantendo a tradição da generosidade. Percebo a generosidade nos apartes que aqui ouço. Os eminentes Senadores que me apartearam foram generosos comigo, este Senador que aqui está para ajudá-los, para estarmos, juntos, servindo ao Brasil e à tradição brasileira.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/05/2003 - Página 9874