Discurso durante a 51ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com o trabalho infanto-juvenil no Brasil. Necessidade de resgate da capacidade de planejamento do Estado brasileiro.

Autor
Amir Lando (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Amir Francisco Lando
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Preocupação com o trabalho infanto-juvenil no Brasil. Necessidade de resgate da capacidade de planejamento do Estado brasileiro.
Publicação
Publicação no DSF de 09/05/2003 - Página 10432
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • APREENSÃO, TRABALHO, CRIANÇA, BRASIL, REGISTRO, GRAVIDADE, DADOS, EXPLORAÇÃO, INFANCIA, OCORRENCIA, ACIDENTE DO TRABALHO, ANALFABETISMO, PREVISÃO, CONTINUAÇÃO, SUPERIORIDADE, DESIGUALDADE SOCIAL.
  • ANALISE, NECESSIDADE, CRIAÇÃO, RENDA, FAMILIA, LIBERAÇÃO, TRABALHO, CRIANÇA, ESTUDO, DIFERENÇA, CARACTERISTICA, ZONA RURAL, PLANEJAMENTO, INTEGRAÇÃO, POLITICA, INSERÇÃO, MERCADO DE TRABALHO.

O SR. AMIR LANDO (PMDB - RO) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Estatuto da Criança e do Adolescente é ainda letra morta para 2,2 milhões de meninas e meninos do Brasil - algo como a população de Rondônia, do Acre e de Roraima, somadas. Até os 17 anos, são 5,5 milhões, ou o total de todos os residentes de Goiás, ou de Santa Catarina, ou do Maranhão. São em número maior que todos os paraguaios, ou quase o dobro dos uruguaios; o que vale, neste caso, é o estatuto da sobrevivência. Mutilam-se nas facas pontiagudas da raspa da mandioca ou nos facões afiados do corte de cana; queimam-se nos fornos ardentes de carvão e são atropelados nas esquinas e ruas do País. Pequenas mãos que deveriam contornar as formas delicadas das letras, ou acariciar o brinquedo dos sonhos de papai-noel, são calejadas nos guatambus do roçado.

A metade de todos os menores trabalhadores brasileiros não recebe qualquer tipo de remuneração, e os demais, quase todos, menos de um salário mínimo mensal. Mais de um milhão não freqüentam a escola, os demais mal alcançam os primeiros passos da alfabetização.

Esse quadro permite muito mais que uma leitura da situação atual do País, à medida que se tratam de indicadores que possibilitam projeções de futuro. O País será, amanhã, a imagem refletida de suas crianças e de seus jovens de hoje. É bem verdade que essa projeção pode não ser linear, sob pena de morte da esperança de mudança, mas, tais números não indicam alvíssaras. Tamanhos contingentes de jovens fora das salas de aprendizado, trabalhando precocemente em atividades das mais desgastantes e pouco remunerativas, apontam, com margens de erro pouco significativas, para um país onde deverão persistir, ou recrudescer, as disparidades regionais e pessoais de distribuição de renda que nos colocam, hoje, na situação pouco honrosa de lanterna no rol de todos os países do planeta.

Na família numerosa, o número de filhos é, para os pais, algo assim como um pecúlio. Uma espécie de agasalho quando não mais existirem forças para a labuta, principalmente quando não há expectativa quanto a qualquer tipo de aposentadoria. Não é à toa que as famílias de maior prole são exatamente aquelas de menor renda e de menores índices de escolaridade.

De nada adiantará, portanto, combater o trabalho infantil ou juvenil com a mera proibição de contratar menores para qualquer tipo de trabalho. Devolvê-los, simplesmente, para o meio familiar, sem condições de sobrevivência e sem qualquer expectativa de futuro, pode resultar numa maior deterioração das condições de vida da família como um todo.

Há, entretanto, um erro de análise dos dados sobre o trabalho infanto-juvenil: quase sempre, não se distinguem as diferentes atividades desenvolvidas, englobando-as numa mesma categoria. A metade das crianças e adolescentes trabalhadores ocupam-se de afazeres tipicamente rurais. Para estes, o labor pode significar um processo de aprendizado, se a expectativa é a de se manterem nessas mesmas atividades no futuro. Tirá-las do campo, proibindo o seu trabalho, pode significar igual aumento percentual na outra metade, a que incha as esquinas das cidades, a que é espoliada no trabalho urbano e a que provoca a exclusão social alimentadora da violência. Não há como negar a diferença, por exemplo, na imagem futura, entre o menor que se ocupa do plantio ou da colheita de produtos agrícolas, se é nesta atividade que ele quer se manter, e a de outro que trabalha em qualquer outra atividade, unicamente a título de sobrevivência, sem qualquer expectativa. Não se quer dizer com isso que esses meninos e jovens rurais não tenham que se inserir no processo educativo formal. Ao contrário, é dever constitucional do Estado prover a educação para todos os brasileiros e, com isso, serão melhores os resultados com uma maior integração trabalho-escola, por meio do desenvolvimento de temas e atividades afins.

            Portanto, não se pode atacar o problema do trabalho infanto-juvenil apenas numa perspectiva conjuntural, local e atemporal. Programas de caráter emergencial não serão suficientes para uma questão que é estrutural, supralocal e com rebatimento no País que se quer no futuro. Não é difícil projetar o País a partir do diagnóstico da situação dos menores brasileiros de hoje. Mas, é o futuro que se almeja para esse mesmo País que deve orientar as políticas atuais. E, como não se contenta, somente, com um País “melhorado”, tais políticas devem se inserir num plano de desenvolvimento nacional, de mais longo prazo. É preciso ter claro que País se quer no futuro. Repito: há de se mudar a situação das meninas e dos meninos do Brasil de hoje, mas sempre numa perspectiva do que se pretende, também, para eles no futuro, quando serão adultos e responsáveis pelos destinos do País. Mais isso para os novos meninos e meninas que virão.

Essa é uma tecla em que venho batendo, reiteradamente, nos últimos tempos: as políticas públicas não podem ser implementadas de forma isolada, como que se cada questão se esgotasse por si só, por melhor que seja o seu tratamento. A realidade mantém-se, teimosamente, integrada. As grandes questões nacionais não podem ser tratadas, institucionalmente, a partir, apenas, de uma perspectiva de carência. O analfabeto não é, tão-somente, o carente para o Ministério da Educação; nem o enfermo para o Ministério da Saúde; nem o faminto para o Programa Fome Zero. Assim como qualquer atividade produtiva vir a ser objeto de atenção, unicamente, do Ministério afim. Todas as ações públicas, independentemente do público-alvo, devem ser integradas e moldadas pelo conceito de cidadania, no seu sentido mais amplo, e inseridas em um plano de desenvolvimento verdadeiramente nacional.

A miopia tomou conta do processo de planejamento no Brasil. Ao Estado, indefeso e desmontado, restou intervir a reboque dos principais problemas nacionais. Sem Estado e sem planejamento, tendo o mercado a determinar rumos e prioridades, o bem comum deu lugar ao maior e ao mais imediato lucro. Neste sentido, não haverá visão compreensiva da realidade, nem plano de desenvolvimento no seu sentido mais amplo, sem o resgate da capacidade de planejamento do Estado brasileiro. Sem isso, de nada adiantará a preocupação com o trabalho infanto-juvenil, ou com qualquer outro problema, porque todos eles são, na verdade, conseqüência da falta de visão de conjunto desta realidade e da incapacidade do Estado de intervir em todos os seus segmentos. O Estado a reboque ataca as conseqüências. O Planejamento, as causas.

Era o que eu tinha a dizer,


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/05/2003 - Página 10432