Discurso durante a 55ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa do entendimento político visando a transposição das águas do Rio São Francisco para o semi-árido nordestino.

Autor
Garibaldi Alves Filho (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RN)
Nome completo: Garibaldi Alves Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • Defesa do entendimento político visando a transposição das águas do Rio São Francisco para o semi-árido nordestino.
Aparteantes
Almeida Lima, Antonio Carlos Magalhães, César Borges, José Jorge, Ney Suassuna, Ramez Tebet, Reginaldo Duarte.
Publicação
Publicação no DSF de 15/05/2003 - Página 11252
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, ESTATISTICA, REDUÇÃO, DISPONIBILIDADE, AGUA, PLANETA TERRA, POSSIBILIDADE, CRISE, ABASTECIMENTO, DIFICULDADE, SITUAÇÃO, BRASIL, IRREGULARIDADE, DISTRIBUIÇÃO, RECURSOS HIDRICOS, TERRITORIO NACIONAL, ESPECIFICAÇÃO, INSUFICIENCIA, ABASTECIMENTO DE AGUA, REGIÃO NORDESTE.
  • DEFESA, CRIAÇÃO, PLANEJAMENTO, EXECUÇÃO, OBRA PUBLICA, TRANSPOSIÇÃO, RIO SÃO FRANCISCO, DESTINAÇÃO, REGIÃO SEMI ARIDA, REFERENCIA, DEBATE, MATERIA, HISTORIA, BRASIL, NECESSIDADE, ANALISE, CONGRESSISTA, DEFINIÇÃO, SOLUÇÃO, SECA, REGIÃO NORDESTE.
  • ESCLARECIMENTOS, PROJETO, TRANSPOSIÇÃO, AGUA, RIO SÃO FRANCISCO, DESTINAÇÃO, REGIÃO NORDESTE, OBJETIVO, IRRIGAÇÃO, ABASTECIMENTO, POPULAÇÃO, DEFESA, CRIAÇÃO, POLITICA, COMPENSAÇÃO, REGIÃO, DOAÇÃO, RECURSOS HIDRICOS.

O SR. GARIBALDI ALVES (PMDB - RN. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, volto a esta tribuna para abordar um tema que já se torna recorrente: o desafio de dotarmos o Nordeste de água suficiente para integrar de vez a Região ao mapa de um Brasil justo e equânime.

Permitam-me os nobres Colegas abordar didaticamente o assunto, mesmo correndo o risco de ser enfadonho para a maioria. Justifica-me, espero, a necessidade de que todo brasileiro, sem exceção, conheça, desde os rudimentos, o problema hídrico global que tende a ser, em prazo curtíssimo, em termos de perspectiva histórica, o mais grave de todos que a Humanidade já enfrentou.

Embora, Sr. Presidente, a água exista na Terra em grande quantidade - cerca de 1 bilhão e 400 milhões de metros cúbicos -, apenas uma pequena fração deste total está disponível para ser usada pelo homem, pois 97% estão nos oceanos. Dos 3% restantes, mais de 90% são retidos pelas calotas polares. O resultado dessa aritmética simples é que apenas cerca de um décimo por cento do total constitui recursos hídricos disponíveis.

Portanto, mesmo sendo um recurso natural renovável pelo funcionamento do ciclo hidrológico, a água é um recurso limitado.

O maior problema, porém, é a sua má distribuição espacial. Há locais onde ela é abundante, e outros onde o déficit é imenso. Há, por isso, crise de água em várias partes do mundo, e a situação tende a piorar. Estima-se que as necessidades hídricas mundiais devem dobrar nos próximos 25 anos, e metade da população do globo, ou cerca de quatro bilhões de pessoas, poderão enfrentar sérios problemas de escassez de recursos hídricos até o ano de 2025.

Sr. Presidente, até 2050 serão sete bilhões de seres humanos a enfrentarem o problema, segundo conclusão das Nações Unidas, no “Informe Mundial sobre o Desenvolvimento dos Recursos Hídricos”.

Embora o Brasil disponha de cerca de 12% da água doce disponível no planeta (maior fluxo interno de água do mundo) a água, também para nós, sendo um recurso valiosíssimo, torna-se, ao mesmo tempo, um problema devido a sua má distribuição espacial. Abundante em algumas áreas, ela é extremamente escassa em outras.

Setenta e três por cento dos recursos hídricos nacionais encontram-se na bacia Amazônica, onde habitam 4% da população do País. Enquanto isso, o semi-árido nordestino, que abriga 28% da população brasileira, conta com apenas 5% da água disponível no País.

Sr. Presidente, temos que democratizar o acesso ao uso da água transportando-a de onde sobra para onde falta, de onde tem para onde não tem.

Um ponto é indiscutível: não há como falar em desenvolvimento do semi-árido do Nordeste setentrional e, por conseqüência, de todo o Nordeste, sem uma solução consistente para a falta de água na região.

É imprescindível a execução de um plano de obras estruturado, que permita a convivência com as secas no semi-árido brasileiro.

Ao longo do tempo, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil assiste ao drama da falta de água na região nordestina, apresentando soluções paliativas, ou seja, insuficientes, precárias. Milhares de açudes e poços foram construídos sem que se conseguisse atender a esta demanda. Bilhões e bilhões de reais de recursos públicos são gastos periodicamente. A última seca custou-nos aproximadamente R$3 bilhões, somente com as frentes de emergência - e conseguiu-se, com isso, apenas minimizar os efeitos da estiagem.

Enquanto isso, Sr. Presidente, vidas vão sendo perdidas e a região é condenada ao atraso e à miséria, o que obriga seus habitantes a migrarem para os núcleos urbanos, agravando seus problemas e os das regiões hospedeiras, em um processo que penaliza todo o País.

Em contraste com a nossa inércia, Israel irriga o deserto com águas do seu único e minúsculo rio Jordão, e assim consegue abastecer-se e exportar. Nas regiões secas da Espanha, Srªs e Srs. Senadores, os produtores de frutas conseguem superar em preço e qualidade os produtos franceses. Na Califórnia, agricultores estabelecidos em área que já foi deserto, elevam o faturamento anualmente, graças à irrigação com água captada no rio San Joaquin, a centenas de quilômetros.

Sejamos realistas: a importação de água para o Nordeste é uma necessidade indiscutível e inadiável.

Este não deixa de ser, Sr. Presidente, um tema polêmico, sem dúvida, discutido há mais de um século. A idéia de transportar águas do rio São Francisco para o semi-árido nordestino surgiu há mais de 150 anos.

Em 1847, o Intendente do Município de Crato e Deputado Provincial do Ceará, Marco Antonio de Macedo, idealizou a transferência de água do rio São Francisco para a bacia do Jaguaribe.

Entre 1852 e 1854, por ordem de D. Pedro II, o Engenheiro Civil Henrique Halfed fez um estudo do Vale do São Francisco, reafirmando a idéia da transposição.

Em 1856, a proposta foi detalhada pelo Instituto Histórico Brasileiro, por uma comissão científica, liderada pelo Barão de Capanema.

Sr. Presidente, em 1906, o Engenheiro e Escritor Euclides da Cunha, diante da evidência de que o semi-árido nordestino só poderia se desenvolver com a maior garantia de água, voltou a insistir no projeto.

Entretanto, foi só a partir da década de 80 que a idéia ganhou consistência. Projeto desenvolvido pelo Departamento Nacional de Obras e Saneamento, entre 1981 e 1985, propunha a derivação de 300m³/s.

Com o aprofundamento dos estudos, chegou-se ao projeto atual, em que prevaleceu a idéia do uso mínimo da água do rio, valendo-se do conceito da sinergia e melhor aproveitamento das águas das bacias receptoras.

Transposição, a rigor, não é novidade no Brasil. Na Região Sudeste, por exemplo, foram realizadas duas obras de porte. A primeira, bombeia água do rio Paraíba do Sul para o rio Guandu, gerando energia elétrica e abastecendo a cidade do Rio de Janeiro. A segunda, abastece parcialmente a cidade de São Paulo com as águas da bacia do rio Piracicaba. Também o Nordeste já se beneficia de uma obra dessa natureza. Aracaju, capital de Sergipe, é abastecida por meio da transposição de águas do próprio São Francisco.

No mundo todo, transposições são obras correntes há séculos. Os chineses talvez tenham sido os pioneiros, já que realizaram obras dessa natureza utilizando o rio Amarelo, milênios antes de Cristo.

Entre os romanos, destaca-se a construção de aquedutos de até 300 Km de extensão, destinados a levar água potável de montanhas para o abastecimento de grandes cidades.

O Sr. César Borges (PFL - BA) - Permite-me V. Exa. um aparte?

O SR. GARIBALDI ALVES (PMDB - RN) -Concedo o aparte, com toda a alegria, ao Senador César Borges.

O Sr. César Borges (PFL - BA) - Muito obrigado, nobre Senador Garibaldi Alves Filho. V. Exª faz um discurso extremamente oportuno e correto sobre a necessidade de água para o Nordeste brasileiro, aliás, uma velha questão, como disse V. Exª, que, na verdade, se arrasta há dois séculos sem obter resolução até os nossos dias. V. Exª enfoca que a solução é a convivência com a seca. Realmente essa é a saída. V. Exª diz que é preciso aproveitar os recursos hídricos existentes, porque água nós temos, só que em momentos concentrados, e água se perde. O Estado da Bahia, e penso que todo o Nordeste - V. Exª foi um Governador competentíssimo do Rio Grande do Norte, fomos colegas -, sempre propugnou para que o Nordeste brasileiro recebesse do Governo Federal um plano decenal de recursos hídricos, em que pudéssemos acumular essa riqueza tão fundamental à vida econômica e à sobrevivência da nossa população, mediante instalação de poços tubulares, dessalinizadores, barragens de pequeno, médio e grande porte, perenização dos nossos rios, o que fosse possível ser feito. Então, há toda essa possibilidade, mas, infelizmente - V. Exª é prova disso -, nunca o Governo Federal teve vontade política e determinação de resolver o problema da seca. A cada seca, o que se faz é distribuição de cesta básica, plano emergencial para a seca. Não queremos combater seca dessa forma; queremos uma convivência, uma permanência de ações do Governo Federal. Lamentavelmente, discordo de V. Exª, Senador Garibaldi Alves Filho, quando diz que uma das saídas é a transposição das águas do rio São Francisco, que está em maior parte no meu Estado, a Bahia. O São Francisco está morrendo sem que o Governo Federal promova qualquer ação para a sua revitalização, para a sua salvação. Este não é mais o rio de 1852, não, Senador Garibaldi Alves. Hoje, em período de seca, atravessa-se, andando, o rio, porque a vazão chega a 1,6 mil metros cúbicos por segundo, que é a de um pequeno rio, não do São Francisco, que chega a ter, em suas enchentes, 12 mil metros cúbicos por segundo. O que defendemos, antes de pensar em transposição, é uma completa revitalização do rio São Francisco, porque, só na Bahia, nas suas margens, há mais de 500 mil hectares que podem ser irrigados, e lá vive uma população pobre idêntica à de qualquer Estado do Nordeste. E os projetos federais de irrigação na Bahia estão paralisados, como o Projeto Salitre, na cidade de Juazeiro; o Projeto Baixo de Irecê, na cidade de Xique-Xique; e o Projeto Vale do Iuiú, que fica na cidade de Guanambi. Todos estão paralisados e, se andaram, é porque nós, por meio de emendas coletivas de Bancada, colocamos recursos. Mas, no Orçamento federal, não constam recursos para a conclusão desses projetos. A relação custo-benefício do Projeto de Transposição das Águas do rio São Francisco é altíssima, e o Brasil não tem recursos suficientes para suportá-la. Nós poderíamos colocar esses recursos em um programa permanente de fortalecimento dos recursos hídricos do próprio Nordeste, e V. Exª sabe disso porque, no Rio Grande do Norte, existem grandes barragens, como a de Armando Gonçalves, cujos recursos hídricos não estão sendo utilizados ainda como deveriam, porque os projetos de irrigação não foram executados, e aquela água está lá simplesmente armazenada. Portanto, parabenizo V. Exª pelo discurso. Tenho essa posição com relação à transposição, mas não poderia de aplaudir a preocupação de V. Exª para que tenhamos uma política permanente que resolva, em definitivo, o problema da seca, que tanto atraso traz para o desenvolvimento completo da nossa região, o Nordeste. Muito obrigado, Senador Garibaldi Alves Filho.

O SR. GARIBALDI ALVES FILHO (PMDB - RN) - Nobre Senador César Borges, V. Exª verá - se me der a atenção que está dando, a qual agradeço - que, no curso deste discurso, defendo também uma solução abrangente. Não quero colocar ninguém diante daquele dilema de que falava ontem o Presidente Lula: a de que o Presidente chega no Ceará e defende a transposição; chega na Bahia e é contra a transposição; chega em Sergipe e é contra; chega no Rio Grande do Norte e é a favor. Queremos uma solução de engenharia política no sentido de beneficiar também os Estados que, da mesma forma, têm os problemas que V. Exª demonstrou - o de expansão na distribuição das suas águas. Mas peço a V. Exª a paciência de continuar atento ao meu discurso para ver se amenizo a posição de V. Exª. Se não vou tê-lo como aliado, pelo menos espero não tê-lo como adversário, porque ficaria em uma situação muito constrangedora.

Com muito prazer, concedo o aparte ao Senador Antonio Carlos Magalhães.

O Sr. Antonio Carlos Magalhães (PFL - BA) - V. Exª trata de um assunto da maior importância e tem-se revelado um Senador competente e atento aos problemas de seu Estado e do Nordeste. Daí por que entendo quão valioso é o seu pronunciamento, em qualquer que seja a direção, pois sei que, mais adiante, V. Exª encontrará uma solução comum, porque V. Exª acaba de anunciar isso. Mas o erro deste País, de vários governos, não culpo um só, mas vários governos, é que não se faz um plano decenal para a água do Nordeste, senão já estaria resolvido há muito tempo o problema de água naquela região. O problema da transposição do São Francisco - e acredito que V. Exª vai chegar lá - não é um problema do qual eu seja contra ou a favor. Acredito que se pode encontrar uma fórmula comum, até com a utilização de água de outros rios, que passariam facilmente para o São Francisco, para que este pudesse atender ao resto do Nordeste, sem prejudicar a maior parte do Estado da Bahia, que tem hoje 50% de viabilidade daquele rio. A Bahia é o Estado que tem o maior semi-árido do Nordeste e, conseqüentemente, vai necessitar dessas águas. Acredito que V. Exª, com a sua engenharia e ao final do discurso, vai encontrar uma fórmula comum que atenda a todo o Nordeste e que passará certamente por um plano decenal. Não se resolve o problema de água em lugar nenhum se não for por intermédio de um plano bem organizado, conceituado e feito por técnicos capazes. Muito obrigado.

O SR. GARIBALDI ALVES FILHO (PMDB - RN) - Senador Antonio Carlos Magalhães, agradeço o aparte de V. Exª e acredito que a solução é essa do plano decenal. O problema maior - a meu ver - é o da continuidade. No nosso caso, nem se iniciou. Havia também o desafio de o governo iniciar e não ser reeleito e o outro não dar continuidade. Com a reeleição, há uma possibilidade. Mas estamos diante do pior: nem se iniciou ainda. Já trouxe ao conhecimento do Senado que o Pró-Água, programa iniciado no Governo do Presidente Fernando Henrique, trouxe alguns benefícios para os Estados, inclusive em nosso Estado fizemos parcerias para a construção de adutoras com mais de mil quilômetros de extensão, beneficiando mais de 50 cidades, e fizemos duas grandes barragens.

Esse programa, apoiado pelo Banco Mundial, está parado. Estamos pagando taxa de permanência do dinheiro que não foi utilizado e que provavelmente será devolvido. Então, como podemos falar em plano decenal se não temos continuidade para uma opção mais modesta?

O Sr. Almeida Lima (PDT - SE) - Senador Garibaldi Alves, V. Exª me concede um aparte?

O SR. GARIBALDI ALVES FILHO (PMDB - RN) - Pois não, Senador Almeida Lima.

O Sr. Almeida Lima (PDT - SE) - Parabenizo V. Exª pelo pronunciamento, pela preocupação legítima, sobretudo porque visa à busca de melhores condições de sobrevivência, de desenvolvimento econômico e social do povo nordestino e, mais de perto, da boa gente do Rio Grande do Norte. Espero - não de V. Exª, porque sei que é pacífico neste sentido que irei abordar - que toda a classe política do Nordeste se mantenha unida diante, sobretudo, das tentativas - e estamos vendo na proposta de reforma tributária, encaminhada ao Congresso Nacional pelo Governo Federal - de diminuir a perspectiva, para a nossa região, de recursos que possibilitariam seu desenvolvimento. Portanto, a união da classe política do Nordeste, hoje, mais do que antes, é da mais alta importância. E que tema outro nenhum venha permitir o contrário, sobretudo o do rio São Francisco ou o que o Governo Federal estabeleceu para a transposição de suas águas. Que o rio da unidade nacional não venha estabelecer a desunião da classe política nordestina. Para concluir, entendo perfeitamente, do ponto de vista técnico, a possibilidade da transposição. Vi isso, de perto, nos canais do Estado do Colorado até o Arizona, passando por Scottsdale, uma cidade pequena, próxima a Phoenix, capital do Estado do Arizona. Porém, nas condições em que o rio São Francisco se encontra, nas palavras, inclusive, do próprio Senador César Borges, ela é impraticável. É condená-lo à morte. É preciso que obras e investimentos sejam feitos para a sua revitalização. E, é claro, a busca de outras alternativas, a exemplo da também comentada, decorrente do rio Tocantins, no norte do País. Espero que esses aspectos sejam levados em consideração, além daquele a que me referi, recentemente, em um pronunciamento, que é a condição de pobreza, miséria, sede e fome por que passam, por exemplo, sergipanos, alagoanos, baianos, pernambucanos, ribeirinhos, aqueles que vivem à margem do rio São Francisco, exatamente por falta de investimentos para o abastecimento de água e para os projetos de irrigação voltados para a fruticultura, como aqueles verificados, hoje, à margem do São Francisco, nas cidades de Juazeiro e Petrolina. Precisamos atender essas regiões e buscar as alternativas viáveis para socorrer a parte setentrional do Nordeste brasileiro. Muito obrigado, Senador.

O SR. GARIBALDI ALVES FILHO (PMDB - RN) - Senador Almeida Lima, creio que V. Exª tem razão, sobretudo quando fala na união dos políticos do Nordeste, que é importantíssima. E V. Exª o verá, se eu conseguir ir adiante no discurso, porque meu tempo já está esgotado. Como estou entregue a mãos santas, espero conseguir demonstrar aos Senadores que, realmente, podemos compatibilizar algo em torno da transposição.

Concedo o aparte ao Senador José Jorge.

O Sr. José Jorge (PFL - PE) - Muito obrigado, Senador Garibaldi Alves Filho. Gostaria de me congratular com V. Exª pelo pronunciamento que faz em torno do aproveitamento das águas do São Francisco. Existe um aspecto que devo considerar, talvez pela experiência que trago do Ministério de Minas e Energia, citada por V. Exª, que é a Chesf. Essa empresa se dedica, basicamente, à questão da energia elétrica, mas, na verdade, o rio São Francisco, do ponto de vista da construção de novas hidrelétricas, está praticamente esgotado; todas as hidrelétricas que tinham que ser construídas em seu curso já o foram. A Chesf tem uma geração de caixa líquido de, aproximadamente, R$1 bilhão por ano, recursos que envia para a Eletrobrás, da qual é subsidiária. Quando eu era Ministro do Governo Fernando Henrique, trabalhamos no sentido de que ela investisse parte desses recursos na utilização das águas do São Francisco, principalmente. Isso é o que gostaria de acrescentar ao discurso de V. Exª e que pode servir a todos os Estados. Que a Chesf tenha novo papel, e não apenas o de administrar a hidrelétrica já existente. Com esse novo modelo do sistema elétrico, que mistura o público e o privado, considero-o pouco para a importância que aquela empresa tem para o Nordeste. Meus parabéns a V. Exª pela escolha do tema.

A SRª PRESIDENTE (Ana Júlia Carepa) - Senador Garibaldi Alves Filho, alerto V. Exª para que conclua seu pronunciamento, porque já ultrapassou seu tempo.

O SR. GARIBALDI ALVES FILHO (PMDB - RN) - Obrigado, Srª Presidente.

Ouço o Senador Ramez Tebet, nosso ex-Presidente.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - Senador Garibaldi Alves Filho, fico feliz em ver V. Exª nessa tribuna. Peço o aparte não só em homenagem a V. Exª, como também ao Nordeste. Não é justo que V. Exª seja aparteado somente por Senadores do Nordeste; permita, então, que este Senador, seu companheiro do Centro-Oeste, se incorpore às vozes de S. Exªs, para saudar sua presença nessa tribuna com um assunto de tamanha relevância, como o da revitalização, da recuperação e do aproveitamento das águas do São Francisco. Lembro-me do brocardo bíblico: “Dai pão a quem tem fome, dai água a quem tem sede”. Vamos recuperar e revitalizar o rio São Francisco e fazer com que atenda a sua verdadeira vocação. Ele é decantado em prosa e verso como o rio da integração nacional e não será o que vai dividir os Estados do Nordeste. Quero até dizer que, em Mato Grosso do Sul, quando a sociedade cobra maior união da nossa Bancada e do Centro-Oeste, diz: “Façam como a Bancada nordestina; para defender o Nordeste, todos eles estão unidos, firmes e irmanados”. Assim, espero que nós, do Centro-Oeste e de outras unidades da Federação, unamos nossa voz e nosso trabalho para os interesses do Nordeste, para fazer com que o “velho Chico” seja, realmente, o rio da integração nacional. Ele está morrendo - ouvi em seu discurso. Parece-me que V. Exª disse ao Senador César Borges que a resposta para isso está no fim do seu discurso. Não tenho a pretensão de ser adivinho, mas presumo que V. Exª confia na recuperação do São Francisco para a redenção de todos os Estados do Nordeste brasileiro. Parabéns a V. Exª.

O SR. GARIBALDI ALVES FILHO (PMDB - RN) - Muito obrigado, Senador Ramez Tebet. Se V. Exª não tivesse dito que não era do Nordeste, alguns pensariam que V. Exª é nordestino, tal a identificação com o tema.

Ouço o Senador Reginaldo Duarte.

O Sr. Reginaldo Duarte (PSDB - CE) - Senador Garibaldi Alves Filho, em 1994, quando estive nesta Casa e tive o prazer de ser seu companheiro de Bancada, defendi, ardorosamente, a transposição das águas do rio São Francisco para os Estados de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. Naquela época, o rio São Francisco ainda não estava assoreado, como se encontra hoje - na Bahia, já se consegue atravessá-lo a pé, sem o uso de qualquer embarcação. Ele tinha água suficiente para mover suas hidrelétricas e ainda transpor para o Ceará, e ainda sobrava uma quantidade substanciosa de água, que, naturalmente, jamais iria faltar às hidrelétricas. Mas, hoje a situação é diferente. O rio perdeu sua capacidade devido à extinção da vegetação ciliar. A evaporação aumentou muito, e a vazão do São Francisco diminuiu consideravelmente. Hoje, existe um projeto já em estudo que pode tornar factível a transposição das águas do rio Tocantins para o Nordeste, pelo Piauí. Esse projeto é um pouco mais caro, mas não é difícil de ser executado. Os custos operacionais, de construção, desse projeto são um pouco mais elevados do que os da transposição do São Francisco. Naquela época, o custo do projeto para transpor as águas do São Francisco era de US$500 milhões, muito mais barato do que o da despoluição do rio Tietê, o da Bahia de Guanabara e o da Linha Vermelha, de Brizola, no Rio de Janeiro. Hoje, vamos todos nós, nordestinos, darmo-nos as mãos e apoiar esse projeto de transposição das águas do rio Tocantins para o nosso Nordeste. Muito obrigado, Senador Garibaldi Alves Filho.

A SRª PRESIDENTE (Ana Júlia Carepa) - Senador Garibaldi Alves Filho, solicito a V. Exª que conclua o seu pronunciamento.

O SR. GARIBALDI ALVES FILHO (PMDB - RN) - Pois não, Srª Presidente. Peço somente mais três minutos, para que eu possa resumir o meu discurso. Inclusive, prometi que, até o final, apresentaria uma proposta e agora estou numa dificuldade imensa. Mas vou resumir o meu pronunciamento.

Dessa forma, a transposição do rio São Francisco é, acima de tudo, um projeto de gestão de recursos hídricos. E a gestão eficiente da água no semi-árido constitui a mais importante ação a ser empreendida na região.

O projeto, concluído pelo Ministério da Integração Nacional, graças principalmente a dois Ministros - o Ministro Aloísio Alves e o Ministro Fernando Bezerra, então Ministros da Integração -, no Governo Itamar Franco, propõe a retirada anual de cerca de 1% do volume anual que o rio São Francisco despeja no Oceano Atlântico (cerca de 94 bilhões de metros cúbicos).

A água será conduzida para os grandes açudes existentes nos quatro Estados beneficiados (Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e Pernambuco), de onde será distribuída para os diversos usos naqueles Estados. É importante salientar que essa retirada só se dará nas ocasiões em que os usos do rio São Francisco não sejam prejudicados. O projeto beneficiará também, em muito, o Estado de Minas Gerais, pela revitalização da bacia, que passa inevitavelmente pela recuperação dos afluentes, muitos dos quais se encontram no médio e alto curso do rio, abrangendo considerável faixa territorial com eixo em Pirapora.

As finalidades principais do projeto são o abastecimento humano e a irrigação, o que trará uma contribuição expressiva à redução dos custos oriundos do socorro às populações nos períodos secos na região.

O custo do projeto, avaliado em cerca de US$1,0 bilhão de dólares americanos, corresponde basicamente aos recursos governamentais (União, Estados e Municípios) empregados em um único ano de seca.

De uma maneira geral, Srª Presidente, os grandes projetos de transposição são geradores de conflitos entre as regiões doadoras e as receptoras de água. E a solução de todos eles foi dada no campo da engenharia política, na construção de um entendimento baseado no sentimento de solidariedade e recompensa.

Os Estados banhados pelo rio São Francisco devem entender que a água é um recurso natural indispensável à vida, ao desenvolvimento das regiões e ao bem-estar dos seus habitantes.

Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os Estados banhados pelo São Francisco também precisam aduzir água para outras regiões dos seus territórios - conforme foi dito aqui pelos Senadores César Borges, Antonio Carlos Magalhães e Almeida Lima e pelo Ministro José Jorge -, fora da bacia e até dentro dela, por razões semelhantes às que levam paraibanos, potiguares e cearenses a reivindicarem a transposição.

Chegou a hora de deixarmos de lado as arestas criadas no embate de mais de um século em torno da discussão sobre a transposição do rio São Francisco e construirmos juntos uma solução que atenda a todos.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. GARIBALDI ALVES FILHO (PMDB - RN) - Pois não, Senador Ney Suassuna.

A SRª PRESIDENTE (Ana Júlia Carepa) - Senador Garibaldi Alves, apenas queria dizer que já se passaram quase dezoito minutos do seu tempo.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Mas precisarei apenas de um minuto, nobre Presidenta.

A SRª PRESIDENTE (Ana Júlia Carepa) - Um minuto contado aqui de relógio pequeno.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Senador Garibaldi Alves Filho, quero apenas solidarizar-se com V. Exª. Ainda ontem, no almoço com o Presidente da República, tivemos a oportunidade de abordar esse assunto, e Sua Excelência disse que, ao chegar em Sergipe, já encontrou um abaixo-assinado contrário. O Presidente ficou surpreso porque não havia falado em nome de rio para transposição. Disse que pode ser o Tocantins caindo no São Francisco e o São Francisco levando água do Tocantins apenas no seu leito, mas que é preciso dar de beber a quem tem sede, que certamente a solidariedade não faltará aos brasileiros e que arranjará os recursos para fazer essa transposição. Muito obrigado. Parabéns a V. Exª pelo tema que aborda. Isso é muito importante para o Estado de V. Exª, para o meu Estado, para o Estado de Pernambuco e para o Estado do Ceará.

O SR. GARIBALDI ALVES FILHO (PMDB - RN) - Obrigado, Senador Ney Suassuna. Só me resta dizer que voltarei a tratar do tema, como acredito que outros Senadores o farão em outra oportunidade. Realmente, a tolerância da Presidência da Casa já é muito grande. E acredito que temos hoje a alternativa do projeto, que ainda não foi devidamente elaborado, do Tocantins para aumentar a vazão do rio São Francisco. E há um outro, que parece mais distante, que é o de levar diretamente a água do Tocantins para o Ceará. Esse não parece muito viável, mas, de qualquer maneira, temos que contemplar todas as hipóteses, porque o importante é levar água de quem a tem para quem não a tem.

Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, muito obrigado. Agradeço, principalmente, aos aparteantes. Vamos voltar a debater esse tema.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DO SR. SENADOR GARIBALDI ALVES FILHO.

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O SR. GARIBALDI ALVES FILHO (PMDB - RN) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, traz-me de novo a esta tribuna um tema que já se torna recorrente: o desafio de dotarmos o Nordeste de água suficiente para integrar de vez a região ao mapa de um Brasil justo e equânime.

Permitam-me os nobres colegas abordar didaticamente o assunto, mesmo correndo o risco de ser enfadonho para a maioria. Justifica-me, espero, a necessidade de que todo brasileiro, sem exceção, conheça desde os rudimentos o problema hídrico global, que tende a ser, em prazo curtíssimo em termos de perspectiva histórica, o mais grave de todos o que a humanidade já enfrentou.

Embora a água exista na terra em grande quantidade, cerca de um bilhão e quatrocentos milhões de quilômetros cúbicos, apenas uma pequena fração deste total está disponível para ser usada pelo homem. Noventa e sete por cento estão nos oceanos. Dos três por cento restantes, mais de noventa por cento são retidos pelas calotas polares. O resultado dessa aritmética simples é que apenas cerca de um décimo por cento do total constitui recursos hídricos disponíveis.

Portanto, mesmo sendo um recurso natural renovável pelo funcionamento do ciclo hidrológico, a água é um recurso limitado.

O maior problema, porém, é a sua má distribuição espacial. Há locais onde ela é muito abundante, e outros onde o déficit é imenso.

Há, por isso, crise de água em várias partes do mundo, e a situação tende a piorar. Estima-se que as necessidades hídricas mundiais devem dobrar nos próximos 25 anos, e metade da população do globo, ou cerca de quatro bilhões de pessoas, poderão enfrentar sérios problemas de escassez de recursos hídricos até o ano de 2025.

Até 2050, serão sete bilhões de seres humanos a enfrentarem o problema, segundo conclusão das Nações Unidas no “Informe Mundial sobre o Desenvolvimento dos Recursos Hídricos”.

Embora o Brasil disponha de cerca de 12% da água doce disponível no planeta (maior fluxo interno de água do mundo), a água, também para nós, sendo um recurso valiosíssimo, torna-se ao mesmo tempo um problema, devido à sua má distribuição espacial. Abundante em algumas áreas, ela é extremamente escassa em outras.

73% dos recursos hídricos nacionais encontram-se na Bacia Amazônica, onde habitam 4% da população do país; enquanto isso, o semi-árido nordestino, que abriga 28% da população brasileira, conta com apenas 5% da água disponível no País.

Temos que democratizar o acesso ao uso da água, transportando-a de onde sobra para onde falta.

Um ponto é indiscutível: não há como falar em desenvolvimento do semi-árido do Nordeste setentrional e, por conseqüência, de todo o Nordeste, sem uma solução consistente para a falta de água na região.

É imprescindível a execução de um plano de obras estruturado, que permita a convivência com as secas no semi-árido Brasileiro .

Ao longo do tempo, o Brasil assiste ao drama da falta de água na região nordestina, apresentando soluções paliativas, ou seja, insuficientes. Milhares de açudes e poços foram construídos, sem que se conseguisse atender à demanda.

Bilhões de reais de recursos públicos são gastos periodicamente. A última seca custou-nos aproximadamente R$ 3 bilhões, somente com as frentes de emergência; conseguiu-se, com isso, apenas minimizar os efeitos da estiagem.

Enquanto isso, vidas vão sendo perdidas e a região é condenada ao atraso e à miséria, o que obriga seus habitantes a migrarem para os núcleos urbanos, agravando seus problemas e o das regiões hospedeiras, num processo que penaliza todo o País.

Em contraste com nossa inércia, Israel irriga o deserto com águas do seu único e minúsculo Rio Jordão, e assim consegue abastecer-se e exportar. Nas regiões secas da Espanha, os produtores de frutas conseguem superar em preço e qualidade os produtos franceses; na Califórnia, agricultores estabelecidos em área que já foi deserto elevam o faturamento anualmente, graças à irrigação com água captada no Rio São Joaquim , a centenas de quilômetros.

Sejamos realistas: a importação de água para o Nordeste é uma necessidade indiscutível e inadiável.

Este é um tema polêmico, sem dúvida, discutido há mais de um século. A idéia de transportar águas do rio São Francisco para o semi-árido nordestino surgiu há mais de 150 anos.

Em 1847, o Intendente do município de Crato e Deputado Provincial do Ceará, Marcos Antonio de Macedo, idealizou a transferência de águas do rio São Francisco para a bacia do Jaguaribe.

Entre 1852 e 1854, por ordem de D. Pedro, o engenheiro civil Henrique Halfeld fez o estudo do vale do São Francisco, reafirmando a idéia da transposição.

Em 1856, a proposta foi detalhada pelo Instituto Histórico brasileiro, por uma comissão científica liderada pelo Barão de Capanema.

Em 1906, o engenheiro e escritor Euclides da Cunha, diante da evidência de que o semi-árido nordestino só poderia se desenvolver com maior garantia de água, voltou a insistir no projeto.

Entretanto, foi só a partir da década de 80 que a idéia ganhou consistência. Projeto desenvolvido pelo Departamento Nacional de Obras e Saneamento, entre 1981 e 1985, propunha a derivação de 300 m3/s.

Com o aprofundamento dos estudos, chegou-se ao projeto atual, em que prevaleceu a idéia do uso mínimo da água do rio, valendo-se do conceito da sinergia e melhor aproveitamento das águas das bacias receptoras.

Transposição, a rigor, não é novidade no Brasil. Na região Sudeste, por exemplo, foram realizadas duas obras de porte. A primeira bombeia água do rio Paraíba do Sul para o rio Guandu, gerando energia elétrica e abastecendo a cidade do Rio de Janeiro. A segunda abastece parcialmente a cidade de São Paulo com águas da bacia do rio Piracicaba. Também o Nordeste já se beneficia de uma obra desta natureza: Aracaju, capital de Sergipe, é abastecida por meio da transposição de águas do próprio São Francisco.

No mundo todo, transposições são obras correntes há séculos. Os chineses talvez tenham sido os pioneiros, já que realizaram obras desta natureza utilizando o rio Amarelo, milênios antes de Cristo. Entre os romanos, destaca-se a construção de aquedutos de até 300 km de extensão, destinados a levar água potável de montanhas para o abastecimento de grandes cidades.

Mais recentemente, há diversos exemplos de projetos de derivação hídrica entre bacias. Canadá, México, Estados Unidos, Egito, Rússia, Índia, Israel, Turquia, entre outros, são alguns dos países que implantaram grandes projetos, comparáveis ao do São Francisco.

A Califórnia, com grandes áreas semi-áridas e hoje exemplo clássico de como é possível gerar prosperidade nesse tipo de região, cultiva 243 mil hectares de terras tornadas férteis pela irrigação proporcionada por um projeto de transposição com 869 km de canais e 20 reservatórios. No mesmo estado norte-americano, a cidade de Los Angeles é abastecida com 120 m3/s de águas transpostas do rio San Joaquin.

Nenhuma delas, porém, tem as características da transposição proposta do São Francisco para os quatro estados do Nordeste setentrional.

De uma maneira geral, as grandes transposições de água são direcionadas para fins específicos: irrigação, abastecimento humano, navegação, etc.

No caso do São Francisco, a transposição vai resolver um problema bem característico do semi-árido brasileiro, que é a questão da garantia de oferta hídrica.

A região do Nordeste setentrional carece justamente dessa garantia. Por outro lado, com a implantação do projeto, será proporcionada melhor condição para o aproveitamento de água já disponível na região, acumulada nos grandes reservatórios, que são impossíveis de serem aproveitadas, dadas as características hidroclimatológicas do semi-árido brasileiro.

Dessa forma, a transposição do rio São Francisco é, acima de tudo, um projeto de gestão de recursos hídricos. E a gestão eficiente da água no semi-árido constitui a mais importante ação a ser empreendida na região.

O projeto, concebido e concluído pelo Ministério da Integração Nacional, propõe a retirada anual de cerca de 1% do volume anual que o rio São Francisco despeja no Oceano Atlântico (cerca de 94 bilhões de m3).

A água será conduzida para os grandes açudes existentes nos quatro estados beneficiados (Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e Pernambuco), de onde será distribuída para os diversos usos, naqueles estados. É importante salientar que essa retirada só se dará nas ocasiões em que os usos do rio São Francisco não sejam prejudicados. O projeto beneficiará também, em muito, ao Estado de Minas Gerais, pela revitalização da bacia, que passa inevitavelmente pela recuperação dos afluentes, muitos dos quais se encontram no médio e alto curso do rio, abrangendo considerável faixa territorial com eixo em Pirapora.

As finalidades principais do projeto são o abastecimento humano e a irrigação, o que trará uma contribuição expressiva à redução dos custos oriundos do socorro às populações nos períodos secos na região.

O custo do projeto, avaliado em cerca de US$ 1,0 bilhão de dólares americanos, corresponde basicamente aos recursos governamentais (União, Estados e Municípios) empregados em um único ano de seca.

De uma maneira geral, os grandes projetos de transposição são geradores de conflitos entre as regiões doadoras e as receptoras da água. E a solução de todos eles foi dada no campo da engenharia política, da construção de um entendimento baseado no sentimento de solidariedade e recompensa.

Os Estados banhados pelo rio São Francisco devem entender que a água é um recurso natural indispensável à vida e ao desenvolvimento das regiões e do bem-estar dos seus habitantes.

O acesso à água disponível no país é um direito de todo cidadão brasileiro, garantido na constituição.

No rio São Francisco estão cerca de setenta por cento de toda água disponível no Nordeste brasileiro que, por sua vez, só dispõe de três por cento da água existente no país.

Por outro lado, todos os brasileiros precisamos estar unidos pela preservação do São Francisco, inclusive quanto ao reforço das suas disponibilidades de água através de adução de outras bacias, quando isso se fizer necessário.

Os estudos realizados comprovam as três necessidades: a revitalização do rio São Francisco; a derivação das águas para o nordeste setentrional, num primeiro momento; e em futuro próximo, a adução de águas do Tocantins para a bacia do São Francisco. Todos só têm a ganhar com essas ações. Necessário se faz o entendimento.

Os Estados banhados pelo São Francisco também precisam aduzir água para outras regiões dos seus territórios, fora da bacia e até dentro dela, por razões semelhantes à que levam paraibanos, potiguares e cearenses a reivindicarem a transposição.

Chegou a hora de deixarmos de lado as arestas criadas no embate de mais de um século em torno da discussão sobre a transposição do rio São Francisco e construirmos juntos uma solução que atenda a todos.

O Projeto Básico da Transposição do São Francisco encontra-se concluído, assim como os estudos de Viabilidade Técnica, Econômica e Financeira e de Impacto Ambiental.

Por determinação do Presidente Fernando Henrique Cardoso, uma comissão de alto nível, composta por técnicos brasileiros e estrangeiros de reconhecido saber nas áreas de Engenharia, Economia e Ecologia, analisou minuciosamente os estudos realizados, aprovando-os integralmente.

Fala-se, há algum tempo, numa solução alternativa, a transposição do Rio Tocantins, como forma de garantir água para o Nordeste sem onerar ainda mais a minguante capacidade do São Francisco. Não somos, de forma alguma, contrários à utilização daquelas águas; entendemos, porém, conveniente que isso se dê em caráter complementar e num outro momento. A realização de estudos de uma nova transposição que prevê a adução de água diretamente da bacia do Tocantins para o Nordeste setentrional, conforme foi divulgado pelo Ministério da Integração Nacional, deve ser vista com cuidadosa análise, do prisma da relação custo/benefício; segundo consta, essa alternativa custaria aos cofres públicos o triplo ou o quádruplo do projeto São Francisco; trata-se, além disso, de idéia ainda embrionária, ao passo que a revitalização do São Francisco e sua utilização parcial se ancoram em projeto acabado, apto a ser executado de imediato. E o Nordeste, Senhoras e Senhores, não pode esperar mais um só dia.

O Brasil será, sem dúvida, o grande beneficiário da execução desse projeto, o qual, além de permitir a fixação do nordestino em sua região de origem, ampliará consideravelmente as fronteiras agrícolas nacionais, agregando terras naturalmente ricas ao nosso sistema produtivo.

Ontem, 13 de maio, em almoço com a bancada do PMDB, o Presidente Lula designou o Vice-Presidente José Alencar para coordenar equipe encarregada de ultimar os preparativos para essa grande jornada, qual seja a de resgatar o Nordeste para a economia nacional. Trata-se de fato alvissareiro, que esperamos se efetive, produzindo os efeitos tão ansiados.

Tenhamos isso em mente, Senhoras Senadoras e Senhores Senadores: o Brasil jamais será plenamente desenvolvido sem que promovamos o desenvolvimento da Região Nordeste. E o Nordeste só poderá experimentar desenvolvimento digno desse nome a partir do saneamento de nossa carência hídrica.

Muito obrigado a V. Exªs.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/05/2003 - Página 11252