Pronunciamento de Demóstenes Torres em 15/05/2003
Discurso durante a 56ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Pesar pelo falecimento da escritora e professora da Universidade Federal de Goiás, Sra. Yêda Schmaltz, no último sábado. (Como Líder)
- Autor
- Demóstenes Torres (PFL - Partido da Frente Liberal/GO)
- Nome completo: Demóstenes Lazaro Xavier Torres
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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HOMENAGEM.:
- Pesar pelo falecimento da escritora e professora da Universidade Federal de Goiás, Sra. Yêda Schmaltz, no último sábado. (Como Líder)
- Publicação
- Publicação no DSF de 16/05/2003 - Página 11346
- Assunto
- Outros > HOMENAGEM.
- Indexação
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- HOMENAGEM POSTUMA, YEDA SCHMALTZ, ESCRITOR, PROFESSOR UNIVERSITARIO, ESTADO DE GOIAS (GO), ELOGIO, ATUAÇÃO.
O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores,
Alô, jamais desisto.
O que eu diria da luz
neste improviso?
A luz que vai dizer:
ela se parece com você
Alô, jamais desisto.
A luz não seria mesmo nada,
a luz talvez confunda toda a estrada.
A luz acende este meu verso:
ela compreende este meu texto.
(Yêda Schmaltz)
Meu coração está de luto. O coração do Brasil, que é Goiás, também está de luto, assim como estão de luto a literatura e o magistério brasileiros. Na manhã de sábado passado morreu, em São Paulo, a escritora Yêda Schmaltz, militante da cultura e da política, principalmente da política cultural. De minha parte, não sei se lamento mais a perda da amiga ou da entusiasmada participante de qualquer grande idéia que se lhe apresentasse. De todas as partes, é lastimável uma perda como a de Yêda Schmaltz. Nas últimas décadas, Yêda iluminou milhares de mentes com a chama de seu talento, em 18 livros de poesias, contos, ensaios, além de milhares de artigos. Mas Yêda não cabe apenas nos adjetivos que fez por merecer como brilhante escritora.
Foi uma grande incentivadora dos jovens, dos anônimos, de todos os interessados em literatura. Como professora de História da Arte e de Estética, fez de suas aulas, na Universidade Federal de Goiás, verdadeiros laboratórios de gestação de novos escritores e pensadores. Inquieta, como geralmente são as pessoas criativas, Yêda tinha o desassossego por marca. Só se contentava quando passava seu conhecimento, espalhando saber. Não gostava de frase desse gênero. Com o seu jeito característico, responderia: “Eu, não espalho saber; eu saio por aí aprendendo”. Era socialista até nisso. Militante histórica dos movimentos sociais e literários, Yêda era um dos melhores valores do Partido Comunista do Brasil, o PC do B, e de todas as grandes lutas, mas a política em que mais se destacou foi mesmo a da poesia.
Dava gosto ver a alegria de Yêda ao falar de seus projetos. Aliás, ela sempre tinha projetos e mais projetos, todos com a cultura à frente. Para ela mesma, nada. Em seu proveito pessoal, nada. Lucrava apenas com o embevecimento dos leitores ou com a cara feia dos vetustos, que até hoje não compreendem como alguém pode se dedicar com tanto afinco a algo tão sublime quanto a poesia. A essa gente Yêda incomodava. E o que ela dizia desse tipo de incomodado? Dizia doces e deliciosos versos, semeados em diversos veículos de comunicação, desde o boletim artesanal distribuído de mão em mão, até os modernos recursos da Internet.
A rede mundial de computadores abriga milhares de textos de Yêda Schmaltz. Ela empregava tempo e talento para facilitar o acesso de pessoas dos mais longínquos cantos a seus versos. Esmerava-se no visual das páginas, com um capricho típico de quem era poeta em tempo integral. Por que Yêda investia horas e horas burilando o texto e, depois, ilustrando-o para colocar seu trabalho na Internet? A resposta estava em sua satisfação por ver os versos do seu jeito. E ela era exigente. Até um poema seu ser divulgado, Yêda o escrevia e reescrevia, mexia e mudava, cortava, ampliava, suprimia. Fazia o mesmo com a estética. Enquanto não ficava a seu gosto, não parava.
O resultado de tamanho esforço pode ser conferido nos livros, nas páginas de jornais e revistas, em cartazes e em diversos endereços eletrônicos. Porém, uma grande parte da obra de Yêda pode ser vista somente na produção de seus alunos, que ela teve aos milhares, tanto na universidade quanto nas oficinas que ministrou pelo Brasil. Não apenas esses seguidores reconhecem seu talento, assim como os leitores que cativou desde o primeiro lançamento, há trinta e nove anos. Yêda Schmaltz venceu vários concursos literários, mas nem sempre podia participar, porque era convidada para as bancas examinadoras.
Professora, escritora, pesquisadora, Yêda era sobretudo criadora. Dizia enxergar a vida somente “inventando coisas novas”. Definia-se: “Para mim, criar, fazer arte, tem o mesmo significado que outras pessoas encontram em almoçar, jantar e dormir”. Essa era a Yêda que conhecemos criando, inventado, se indignando, mandando o impossível para a casa do resolvido. Falava que o ideal para a arte “é a somatória da razão com a emoção, do apolíneo com o dionisíaco, do sentimento com a pesquisa científica”. O ideal para a arte é mais Yêdas, que se dediquem integralmente aos leitores, aos alunos, à cultura.
A morte de Yêda teve imensa repercussão no meio artístico e literário, mas nada que se compare à repercussão que sua literatura merece. O Brasil ideal pelo qual ela lutou é aquele em que todos têm direito à poesia, à educação, à felicidade, à vida digna. Foi por essas e outras que Yêda lutou. No Brasil de seus sonhos, a morte de um poeta mereceria mais manchetes que a prisão de uma seqüestradora de bebês, e o lançamento de um livro teria bem mais espaço na mídia que o tráfico de drogas no Rio de Janeiro. Aliás, o País pelo qual Yêda tanto batalhou não teria nem seqüestro de bebês, nem tráfico de drogas. O comunismo em que ela se inspirou era o da divisão igualitária dos bens, inclusive os culturais. Queria a instrução para todos, versos para todos, livros para todos.
Yêda lutou, fez sua parte, fez muitos fazerem a própria parte. Ensinou, aprendeu e ensinou o que aprendeu. Como dirigente da seção goiana da União Brasileira de Escritores, preocupava-se com a qualidade da produção literária, não apenas a sua. Sempre que procurada, ajudava os iniciantes na arte da palavra. Tinha paciência em explicar. Detalhava sobre o esforço exigido pela literatura, que vai do conteúdo à estética, da inspiração ao suor, do parto que é um verso à dor de não criar. Formou leitores e granjeou admiradores, sem a vaidade da estrela em que se transformou. Foi essa a Yêda Schmaltz que se fez luz na manhã de sábado passado.
Srª. Presidente, o universo da poesia está de luto. Yêda Schmaltz nasceu em Pernambuco e criou e foi criada em Goiás, mas era uma cidadã do mundo, uma escritora de amplitude global. Foi tudo isso que perdemos, mas a literatura herdou uma fortuna incomensurável. Se não é mais possível conviver com a alegria inquieta de Yêda, convivamos com sua poesia, com sua arte. Estamos de luto, apesar de ela ter preferido a lua. Sua luta está mantida, pois, até em homenagem a Yêda, as demais escritoras goianas vão continuar produzindo, divulgando, inspirando e inspirando-se. A luta está mantida com Malu Ribeiro, primeira goiana presidente da União Brasileira de Escritores; Leda Selma, Augusta Faro, Isabel Câmara, Placidina Siqueira, Sônia Elizabeth, Ana Cárita, Maria Helena Chein, Lucivânia Fernandes, Darci França Denófrio, Moema Olival, Gilka de Bessa, Neusa Peres, Sônia Santos, Lygia Rassi, Lourdes Ramos Gayoso, Nazareth de Oliveira, Heloísa Helena. Essas e outras escritoras vivem e pensam em Goiás, um Estado pródigo em cultura, e Heloísa Helena não é a nossa Senadora, mas uma poeta goiana.
Goiás produz grãos, carnes, hortifrutigranjeiros e veículos da Mitsubishi, mas também tem como frutos uma elogiada cultura. Nossa música, nossas artes plásticas e nosso folclore ganharam o mundo pela qualidade. Nosso teatro, nossa dança, nosso circo, nossa literatura e nosso artesanato também conquistaram mercado nacional e internacional por seu excelente nível. Yêda foi o protótipo de que não é fácil romper barreiras produzindo cultura no interior de um País que pouca ou nenhuma atenção reserva à produção intelectual. Ainda assim, Yêda não sossegava. Se havia uma barreira, ela a saltava ou a derrubava, pois não fazia seu estilo contentar-se em apenas supor que do outro lado havia um mundo opressor que não dá oportunidade aos intelectuais supostamente estranhos. Yêda não sossegava. Assim, ultrapassou limites, desbravou territórios. Consigo, levava a dezenas de cidades não apenas a própria literatura, mas também a dos colegas goianos. Foi uma companheira nos mais extensivos significados que esse termo possa ter. Foi isso tudo o que Goiás perdeu. E não apenas Goiás. Perdeu o Nordeste, terra em que nasceu e que tanto amava. Perdeu o Brasil, do qual Yêda não desistiu, tentando melhorá-lo com a sua arte, tentando torná-lo mais justo com a sua militância. Recebeu dos deputados goianos o título de cidadã e da sociedade a láurea de necessária à cultura. Isso era Yêda: necessária. Vai ser difícil resistir sem ela porque, até mais que necessária, era imprescindível.
Nas palavras do poeta e amigo Marcos Caiado, também me despeço de Yêda...
A SRª PRESIDENTE (Iris de Araújo) - Senador Demóstenes Torres, por gentileza, conclua, pois V. Exª já ultrapassou muito o seu tempo.
O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO) - Srª Presidente, pediria a V. Exª a necessária tolerância para que eu possa recitar um verso de Marcos Caiado para encerrar a minha homenagem à nossa conterrânea.
A SRª PRESIDENTE (Iris de Araújo) - Assim procedo em consideração aos outros oradores inscritos, Senador. Lamento informá-lo.
O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO) - Nas palavras do poeta e amigo Marcos Caiado também me despeço de Yêda:
Vai, amiga, que Deus a receba e acolha: agora, a luz é você.
Muito obrigado, Srª Presidente.