Discurso durante a 56ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Importância da otimização dos programas sociais em curso, para o combate efetivo à pobreza. (Como Líder)

Autor
Renan Calheiros (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AL)
Nome completo: José Renan Vasconcelos Calheiros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Importância da otimização dos programas sociais em curso, para o combate efetivo à pobreza. (Como Líder)
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 16/05/2003 - Página 11369
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • REGISTRO, DADOS, INDICE, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, FONTE, BANCO MUNDIAL, INFERIORIDADE, BRASIL, COMPARAÇÃO, AMERICA LATINA.
  • ANALISE, DIFICULDADE, GOVERNO FEDERAL, SOLUÇÃO, PROBLEMA, JUSTIÇA SOCIAL, BRASIL, CONCILIAÇÃO, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, CRESCIMENTO ECONOMICO, TRANSPARENCIA ADMINISTRATIVA, CUMPRIMENTO, COMPROMISSO, PAGAMENTO, DIVIDA.
  • IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, POLITICA EXTERNA, ELIMINAÇÃO, RESTRIÇÃO, EXPORTAÇÃO, PRODUTO AGRICOLA, AUMENTO, RECEITA, PAIS, TERCEIRO MUNDO.
  • DEFESA, UNIFICAÇÃO, PROGRAMA, POLITICA SOCIAL, TRANSFERENCIA, RENDA, POPULAÇÃO CARENTE.
  • COMENTARIO, ENTREVISTA, EDUARDO SUPLICY, SENADOR, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ASSUNTO, PROGRAMA, INCENTIVO, EMPREGO, JUVENTUDE.

O SR. RENAN CALHEIROS (PMDB - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, um dos maiores desafios de um governo com forte apoio popular está justamente em conseguir transformar tal apoio em condições políticas de fato para atacar desigualdades e injustiças, reduzir a pobreza e o desemprego, enfim, superar o fracasso brasileiro que perdura, apesar dos incessantes esforços de governantes e da própria sociedade.

É esta vontade política de resolver a questão social que pode diferenciar os governos e atrair atenção do mundo inteiro. Isto o Presidente Lula tem procurado demonstrar em discursos, em seu programa de governo, nas principais iniciativas e na esperada promessa de realizar as reformas necessárias.

Para se ter uma idéia do tamanho do problema social do Brasil, cito aqui alguns dados do último levantamento sobre os indicadores de desenvolvimento, elaborado pelo Banco Mundial.

            Em nosso País, a expectativa de vida ao nascer é de apenas 68 anos de idade, inferior à média de 71 anos dos países da América Latina e do Caribe, região que não chega a ser um modelo de desenvolvimento.

A renda per capita de US$3.070,00 também perde para a média latino-americana. A taxa de alunos que completa o ensino básico, 71%, é praticamente igual à de Bangladesh, um dos países mais miseráveis do Planeta.

A desnutrição infantil é de 6%, igual à da Argélia, país que se encontra ainda em uma feroz guerra civil. A taxa de mortalidade das crianças menores de cinco anos é de 36 por mil, mais alta que a do Líbano, de 32 por mil, outro país vítima da guerra civil.

Sr. Presidente, poderíamos ficar aqui nesta tribuna por horas a fio, debatendo as causas e as diversas questões relacionadas a um quadro tão desfavorável para o Brasil. Mas prefiro me ater a alguns pontos que considero cruciais.

Há fatores determinantes do ponto de vista histórico e econômico. Um deles é o fato de o Brasil haver enfrentado, nos últimos cinco ou seis anos, um ambiente internacional desafiador, representado pela forte inversão do ciclo de investimentos externos.

Outro fator, Srs. Senadores, é a excessiva demora do ciclo de transição de uma antiga economia fechada para uma economia mais moderna e capaz de se desenvolver. Mas, sem dúvida alguma, o principal obstáculo para o crescimento e para a melhoria dos indicadores sociais é a péssima distribuição de renda do Brasil.

Os dados divulgados no mesmo relatório do Bird mostram o tamanho do problema: os 10% mais pobres do País ficam com apenas 2% da renda nacional. Dos 120 países para os quais há dados, só quatro têm desigualdade maior: Colômbia, Lesoto, Namíbia e África do Sul. Outros quatro empatam com o Brasil: República Centro-Africana, Honduras, Paraguai e Serra Leoa.

E as soluções para tamanho problema social? É evidente que a saída tem de passar pelo desenvolvimento da economia, por políticas compensatórias e pelas reformas estruturais.

O crescimento é fundamental, mas não deve ser tomado como um fim em si próprio. Desenvolvimento não significa apenas crescimento econômico. Significa também justiça distributiva, liberdades políticas, direitos civis, oportunidades sociais e proteção social. Isso inclui acesso à Justiça, massificação da educação e da saúde, investimento em programas de combate à pobreza, racionalidade e transparência no gasto público.

Num momento em que o País é obrigado - devido às circunstâncias do cenário mundial e a algumas questões internas - a realizar ajustes fiscais e orçamentários, talvez seja mais indicado ainda unificar todos os programas sociais que pulverizam recursos e energias num único programa de transferência de renda, uma bolsa única e mais abrangente que, acelerando a inclusão social, evitaria também os desvios e a superposição de autoridades na área.

O Presidente Luiz Inácio Lula da Silva parece saber disso. Tem criticado a multiplicidade de programas, lembrando que o Governo federal já gasta, em políticas de transferência de renda, mais de R$7 bilhões.

Por isso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é necessário otimizar as políticas e combinar o jogo com os Estados e com as Prefeituras, para que o dinheiro que sai dos cofres públicos atinja realmente as pessoas mais necessitadas. E - outro detalhe também muito importante - é fundamental dar continuidade a programas já em curso.

De sua parte, o Governo Federal não pode deixar de debater com o Congresso uma revisão qualitativa nos cortes orçamentários e em seu programa de metas para com os credores internacionais.

Vamos analisar, por exemplo, o aumento da meta de superávit primário de 3,75% para 4,25% do PIB, que implicará uma economia adicional de R$8 bilhões este ano. Isso, sem dúvida, seria mais do que suficiente para viabilizar o programa Fome Zero, que tem orçamento de R$6 bilhões.

Vale lembrar, também, que esse dinheiro deixará de ser aplicado em investimentos que beneficiariam a população. Os R$8 bilhões estão sendo usados para reduzir o estoque da dívida e, com isso, diminuir a incidência de juros e encargos financeiros que fazem a dívida assumir o comportamento de uma verdadeira bola de neve.

Além disso, é quase consensual a noção de que são as reformas que vão acabar resultando no aumento da arrecadação e na consolidação de um clima de tranqüilidade e segurança. Saneada a questão fiscal e equilibradas as contas públicas, o País poderá pagar suas contas e suas dívidas. Com isso, o risco-país cairá, os juros serão reduzidos, entrará mais dinheiro no Brasil e poderemos criar o almejado “círculo virtuoso”, que nos levará a um crescimento sustentado.

Outro caminho indicado para reduzir a pobreza - que atinge 57 milhões de pessoas, no nível extremo na América Latina - passa por uma revisão da política de comércio agrícola por parte das nações mais ricas. Os países desenvolvidos deveriam ampliar a assistência econômica e reduzir as barreiras para resolver esta outra “guerra”, que é o combate à miséria.

De acordo com as estimativas do Banco Mundial, se essas barreiras forem eliminadas, poderíamos, em alguns anos, ver um aumento nas receitas anuais do mundo de US$800 bilhões. É por isso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que o Brasil tem insistido que os mais ricos eliminem as tarifas ao comércio agrícola como condição para garantir uma maior abertura a seus próprios mercados.

Destaco o programa Primeiro Emprego entre as políticas setoriais indicadas para ajudar a resolver os problemas sociais, brilhantemente analisado em entrevista recente pelo Senador Eduardo Suplicy ao Jornal O Estado de S.Paulo.

Com coragem, o Senador afirma que os programas sociais precisam, sim, de mais consistência. Assim como S. Exª, acredito que as fórmulas que gerem trabalho e renda merecem prioridade. Mas mesmo questões prioritárias têm, sem dúvida alguma, hora certa para acontecer.

Como desenhar o formato do Primeiro Emprego se, em boa parte, ele depende diretamente das reformas tributária, previdenciária e trabalhista? Emprego para os jovens é realmente uma das questões mais sérias do País.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. RENAN CALHEIROS (PMDB - AL) - Ouço, com muita honra, o Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Quero cumprimentar V. Exª, Senador Renan Calheiros, pelo pronunciamento em que aponta na direção do aperfeiçoamento dos programas de transferência de renda. V. Exª chega à conclusão semelhante a minha em relação aos diversos programas de transferências de renda - e hoje eles são muitos: Bolsa-Escola, Bolsa-Alimentação, Auxílio Gás, o programa de erradicação do trabalho infantil, o próprio programa relativo ao “fome zero”, o Cartão Alimentação e mais os abonos do PIS/PASEP, o seguro desemprego, os sistemas de pagamento da LOA, o sistema previdenciário e assim por diante. Será próprio que racionalizemos mais e mais, que façamos essa transferência de renda de uma maneira mais simples e compreensível para toda a população. Nos encontros da chamada Câmara Social, em que os Ministros das áreas sociais e econômicas interagem, também se tem chegado a essa análise. E, conforme V. Exª ressalta, o próprio Presidente Lula já encaminhou uma orientação nesta direção. Tenho a convicção de que teremos grande responsabilidade em dar contribuições ao Executivo, para justamente aperfeiçoar essa medida, inclusive no que diz respeito ao Programa Primeiro Emprego. Encaminhei ao Presidente Lula, ao Ministro Jacques Wagner algumas ponderações na linha da minha entrevista, citada por V. Exª, ao Jornal O Estado de S.Paulo. O Presidente Lula informou-me que está considerando em profundidade os aperfeiçoamentos que caracterizarão o programa para dar maiores oportunidades de emprego aos jovens. Portanto, cumprimento V. Exª pela análise, observações e recomendações que aqui hoje faz.

O SR. RENAN CALHEIROS (PMDB - AL) - Senador Eduardo Suplicy, agradeço, honrado, o aparte de V. Exª, que, sem dúvida, é a pessoa mais abalizada, nesta Casa, para tratar deste assunto, destas questões, principalmente no que se refere a programas de renda mínima.

Ouso citar, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, dados do Ministério do Trabalho. Há cerca de 8 milhões de pessoas, de 16 a 24 anos, sem ocupação no Brasil. Dessas, como cheguei a mencionar aqui em outro rápido discurso, 3,5 milhões estão à procura de emprego. Ou seja, de cada dois desempregados no Brasil, um deles é jovem de 16 a 24 anos de idade.

O importante é que qualquer tipo de benefício que procura evitar as armadilhas do desemprego e da pobreza merece ser defendido, repetido, para que, sem dúvida, venha a preponderar.

Repito as palavras do Senador Eduardo Suplicy: “Os programas devem ser consistentes com o objetivo de aumentar o nível de emprego e a competitividade na economia”. Não é à toa que o nobre Parlamentar do PT é, nesta Casa, o maior defensor do programa Renda de Cidadania, uma espécie de imposto negativo que prevê a distribuição de um valor básico para todos os brasileiros, do mais rico ao mais pobre.

            Como cheguei a dizer neste pronunciamento, a oportunidade que me foi concedida é pequena para discutir uma questão tão complexa como a desigualdade. Falta tempo, por exemplo, para uma reflexão mais profunda sobre o palco onde esse combate deve ser travado prioritariamente: as regiões metropolitanas e a periferia das grandes cidades. É nelas que a pobreza prospera e convive, de maneira desumana e acintosa, com a riqueza arrogante, mas intimidada, lado a lado, expondo nossas chagas sociais e martirizando a nossa consciência pública.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Renan Calheiros, V. Exª me concede um aparte? Gostaria de participar.

O SR. RENAN CALHEIROS (PMDB - AL) - Ouço, também com satisfação, o Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Renan Calheiros, nosso Líder, estou a ouvi-lo entusiasmado. Quero fazer uma observação. A Psicologia - em respeito ao Senador Papaléo Paes - diz que temos uma modelagem. Como médico-cirurgião, eu admito que o modelo tenha sido Juscelino, um otimista, que dizia que é melhor ser otimista porque o otimista pode errar, mas o pessimista já nasce errado e continua errando. Acredito que o rumo do Brasil foi definido pelo Ministro da Fazenda, o baiano Rui Barbosa, cujo busto está bem ali, acima do Presidente Sarney. Rui Barbosa disse que temos que dar primazia ao trabalho e ao trabalhador que vêm antes do dinheiro e do capital. Hoje, a primazia é dada ao dinheiro. Um quadro vale por dez mil palavras. Outro dia encontrei um grande empresário, homem correto que serviu no meu Governo. Ele disse: Senador Mão Santa, a vida do lado de fora do Governo está muito difícil. Atentai bem: maior carga de imposto, juros altos. Queria dizer que as coisas são possíveis se sairmos dessa ótica. O desenvolvimento existe. No país que se libertou da Índia, Bangladesh, um professor chamado Yunnus organizou o Banco do Povo. Inspirado no seu trabalho, também organizei um no Piauí. O Banco do Povo é diferente dos nossos bancos, diferente dos bancos desses banqueiros agiotas que dominam o nosso País e o mundo. O Banco do Povo, em vez de juros altos, empresta a juros quase inexistentes e com prazo. E nós fizemos isso no Piauí. Devo dizer que sou muito mais isso do que esses programas caritativos - e não sou contra a caridade. Darei um exemplo: um carro de pipoca para um pipoqueiro. O nosso serviço social entregou muitos a R$300. Aquele pipoqueiro, por intermédio do Banco do Povo, que nós no nosso Governo fizemos no Piauí, pagava folgadamente R$10 por mês. Em 30 meses estava pago, e ele havia obtido um instrumento de trabalho e independência para o resto da vida. Eu mesmo, pesquisando, soube que todos eles ganhavam quase dois salários mínimos. São esses programas que prestigiam trabalho e trabalhador, que vêm antes, como disse Rui Barbosa.

O SR. RENAN CALHEIROS (PMDB - AL) - Agradeço, honrado, o aparte de V. Exª, Senador Mão Santa, que, como Governador do Piauí, teve a oportunidade de praticar programas sociais verdadeiramente criativos, com resultados indiscutíveis. É importante - concordo com V. Exª - que possamos unir propósitos, estabelecer metas e diretrizes para que possamos ampliar essa rede de proteção social.

Temos, sem dúvida nenhuma, de manter acesa esta chama da indignação com a desigualdade social e assumir firmemente o compromisso pelo combate às causas da pobreza em cada ponto deste País.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/05/2003 - Página 11369