Discurso durante a 58ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Esgotamento do modelo atual de governo que deixa comprometida a maior parte do orçamento da União. Implantação de um modelo de desenvolvimento sustentável para a Amazônia. Preocupação com o futuro da Escola-Bosque do Bailique, no Amapá, que utiliza metodologia sócio-ambiental.

Autor
João Capiberibe (PSB - Partido Socialista Brasileiro/AP)
Nome completo: João Alberto Rodrigues Capiberibe
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL. EDUCAÇÃO.:
  • Esgotamento do modelo atual de governo que deixa comprometida a maior parte do orçamento da União. Implantação de um modelo de desenvolvimento sustentável para a Amazônia. Preocupação com o futuro da Escola-Bosque do Bailique, no Amapá, que utiliza metodologia sócio-ambiental.
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 20/05/2003 - Página 11823
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL. EDUCAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, MODELO ECONOMICO, LIBERALISMO, EFEITO, CONJUNTURA ECONOMICA, ATUALIDADE, DIFICULDADE, GOVERNO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, MOTIVO, RESTRIÇÃO, ORÇAMENTO.
  • IMPORTANCIA, RECONSTRUÇÃO, MODELO, DESENVOLVIMENTO, BRASIL, ATENÇÃO, PROTEÇÃO, MEIO AMBIENTE, CONSTRUÇÃO, CONHECIMENTO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL.
  • REGISTRO, EXPERIENCIA, ESTADO DO AMAPA (AP), ESCOLA PUBLICA, RECEBIMENTO, PREMIO, RECONHECIMENTO, PROMOÇÃO, EDUCAÇÃO, MEIO AMBIENTE, VALORIZAÇÃO, CULTURA, TRADIÇÃO, REGIÃO AMAZONICA.
  • DENUNCIA, AMEAÇA, FECHAMENTO, PROJETO, EDUCAÇÃO, MEIO AMBIENTE, MOTIVO, ALTERAÇÃO, GESTÃO, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DO AMAPA (AP), SOLICITAÇÃO, APOIO, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC).
  • DEFESA, ALTERAÇÃO, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, REDUÇÃO, JUROS, BENEFICIO, SETOR, PRODUÇÃO.

O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a realidade é que estamos diante de um modelo esgotado pelos discursos que ouvimos nesta Casa. As dificuldades econômicas, sociais, a crise social do País é grave, e esse modelo, fundamentado na capacidade do mercado de regular nossas vidas, esgotou. Esgotou, mas tem conseqüências, que poderiam ser resumidas no Orçamento Público que está sendo gerido pelo Presidente Lula.

Qual é esse Orçamento que está nas mãos do Presidente Lula para buscar atender às demandas e às necessidades da sociedade brasileira? Eu gostaria de falar exatamente sobre o esgotamento de modelo - o modelo predador, fundamentado na ciranda financeira, que nada tem a ver com o capital produtivo, que é um grande cassino, onde as pessoas ou grupos econômicos aplicam recursos para aferir, cada vez mais, maiores lucros, com base nessas taxas absurdas de juros que são só praticadas nos ditos países emergentes.

Retratei aqui, na sexta-feira passada, a situação do Presidente Lula. Para sabermos exatamente como o Presidente Lula está governando, vamos imaginar que o Orçamento seja uma página em branco. Ora, se dobrarmos esta página - que representa o Orçamento - pela metade e a rasgarmos, significa que 50% desse Orçamento que o Presidente administra, que herdou, metade, é para pagar juros e serviços da dívida. A outra metade, o que resta, vou dobrar aqui em quatro pedaços; e três quartos da segunda metade são para pagar os servidores ativos, inativos e pensionistas. O Presidente governa com essa tirinha, que corresponde a 12,5% do Orçamento. É esse o poder do Presidente. E o Orçamento é o instrumento da política. A política é feita por meio do Orçamento Público. E as disputas eleitorais são sempre em busca do mesmo troféu, seja municipal, estadual ou para a Presidência da República. A disputa é o Orçamento Público. E é exatamente desse Orçamento Público, reduzido a 12,5%, que o Presidente pode cortar, e é daí que também tem que tirar o tal do superávit primário, aquilo que deixa de ser investido no País para poder atender às questões do Fundo Monetário Internacional. Portanto, o que resta para governar é muito pouco. Então, o modelo que nos foi imposto, e que era cantado em prosa e verso, de que seria a salvação para o desenvolvimento do nosso País, esgotou-se.

Devemos construir um novo modelo, sim. E eu diria que nesse modelo a construir já existem alguns indicadores, entre eles a presença do Presidente Lula na Amazônia e o anteprojeto que Sua Excelência nos apresentou, que fundamenta o novo modelo no patrimônio ambiental da sociedade. A economia brasileira é intensiva na utilização dos recursos da natureza. Se não houver uma preocupação e uma racionalidade com a utilização dos recursos da natureza, mataremos a galinha dos ovos de ouro, que é o patrimônio ambiental da sociedade brasileira. Digo isso, porque o Brasil produz o que é arrancado da natureza. A balança comercial brasileira é baseada na produção agrícola. Portanto, o Brasil é dependente da natureza. Logo, é uma potência ambiental. O que nos falta é colocar o meio ambiente como centro de planejamento que possa atender às necessidades humanas, às necessidades integrais.

E volto à minha Amazônia, aliás, à nossa Amazônia. Pelo menos 60% dos discursos aqui proferidos deveriam abordar a questão da Amazônia, que corresponde a 60% do nosso território, esse território continental e desta potência ambiental que é o Brasil.

Volto a falar da Amazônia, porque o modelo que nós estamos discutindo tem no meio ambiente o centro do planejamento. Nós precisamos planejar com a preocupação em atender às necessidades sociais do presente, mas também com o compromisso do futuro. É o que estamos fazendo na Amazônia; é essa a grande discussão. E algumas experiências já foram acumuladas ao longo desses anos. Para podermos mudar essa caminhada que nos leva a esses discursos angustiantes da falta de segurança pública, de infra-estrutura, da falta de empregos no País, temos que construir conhecimento. E este é o aspecto decisivo para a mudança de modelo: construir conhecimentos que sejam necessários para gerar riquezas que atendam integralmente às nossas necessidades.

Neste aspecto, temos algumas experiências a serem consideradas por esta Casa e pelo nosso Ministro da Educação, Cristovam Buarque. O modelo de desenvolvimento sustentável para a Amazônia tem que pensar integralmente as necessidades humanas, entre elas a necessidade da construção do conhecimento, da educação, para que possamos desenvolver um modelo em harmonia com a natureza.

Desde 1995, estamos desenvolvendo no Amapá uma espécie de laboratório para o desenvolvimento sustentável. E a educação foi o ponto importante: despertar um novo modelo que possa fazer com que as novas gerações se comprometam com esse modelo que se fundamenta no respeito à história, à cultura e à natureza da Amazônia. E lá, nós implantamos um modelo de escola socioambiental, com uma metodologia fundamentada no uso correto do ambiente e na inclusão da história da experiência da criança na construção do conhecimento. Implantamos a primeira escola socioambiental no delta do Amazonas, na foz do Rio Amazonas, entre o Oceano Atlântico e o Rio Amazonas. Aliás, seria importante que este Plenário dispusesse de um grande mapa do Brasil, para que pudéssemos localizar, na hora em que eu estivesse falando do Arquipélago do Bailique, situado lá na foz do Rio Amazonas, ou, então, na hora em que o Senador Mão Santa estivesse falando do seu Piauí, porque este País é continental. Então, precisamos de um grande mapa aqui neste plenário, que vai nos permitir não só falarmos das nossas experiências, mas, também, localizá-las.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Professor Capiberibe, V. Exª me permite uma intervenção?

O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP) - Tem V. Exª a palavra.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Sr. Senador, estamos a aprender muito com o pronunciamento de V. Exª, mas houve um lapso, porque o Rio Amazonas não forma delta, ele se lança único. Deus só quis três vezes fazer um delta: com o Nilo, na África, com o Mecongue, na Ásia, e com o nosso Rio Parnaíba, depois de percorrer 1.458 Km. Aí ele não se lança como o Amazonas, único; ele se abre, lembrando a letra grega delta. Mas, como não estudamos grego, vamos entender melhor assim: o Rio Parnaíba, que separa o Piauí do Maranhão, antes de se lançar no Oceano Atlântico, divide-se em cinco rios, lembrando o formato de uma mão (com certeza santa!), e forma 78 ilhas nesse lançamento - aí é o delta. Mas o Rio Amazonas é o maior rio do mundo e mandou os melhores representantes para esta Casa. E está ali o Senador Arthur Virgílio sintetizando.

O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP) - Obrigado, Senador Mão Santa, pelo seu aparte. Mais uma razão para que tenhamos o mapa aqui. O Rio Amazonas, quando despeja no Atlântico, forma um conjunto de ilhas. E entre elas está a maior ilha fluvial do Planeta: a Ilha de Marajó. Acredito que deva haver mais de 78 ilhas do delta do Parnaíba. Há, aliás, algumas ilhas que se deslocam pela força das águas. Algumas ilhas eram na foz de um rio e hoje estão a 30 km de distância, levadas pela forte correnteza do Rio Amazonas, que é algo monumental.

No entanto, gostaria de falar da foz do rio, do conjunto de ilhas chamado Arquipélago do Bailique. E foi lá que localizamos a primeira escola socioambiental. O único acesso ao arquipélago é de barco - são 13 horas de barco. Por que a localizamos a essa distância? Porque imaginávamos que, se lográssemos êxito num lugar com tantas dificuldades, poderíamos transformar esse modelo socioambiental de construção do conhecimento num modelo para todo o Amapá e, evidentemente, para o conjunto da Amazônia. O processo é simples: a escola recupera a história, a cultura do povo, usando como instrumento pedagógico os recursos da biodiversidade. Deixou de lado o plástico, o isopor e desenvolveu, como nas artes plásticas, por exemplo, resinas e tintas para a produção de quadros. A idéia é que essas experiências possam, mais tarde, ser industrializadas. Ou seja, temos artistas que pintam com corantes da natureza, que não lhes afeta a saúde e podem ser desenvolvidos industrialmente.

Então, essa escola utiliza todo seu material pedagógico para reproduzir a geografia, a matemática a partir da natureza. É uma escola que forma especialista em educação ambiental e desenvolvimento econômico sustentável na foz do Rio Amazonas. E a escola já recebeu vários prêmios, já foi visitada e foi objeto de muitas matérias na Rede Globo, na TV Bandeirantes, em todas as televisões, inclusive nas televisões da Europa. Agora mesmo a BBC, de Londres, está lá para estudar o modelo. Ela recebeu o prêmio Rodrigo Melo de Franco, do IPHAN (Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), e da Fundação Getúlio Vargas, no programa de Gestão Pública e Cidadania. É um projeto premiado. A propósito, o projeto foi realizado em parceria com o Unicef. Enfim, é uma experiência de pelo menos cinco anos, experiência essa que eu pediria ao Ministro Cristovam Buarque que mandasse estudar essa experiência antes que ela acabe. E digo “antes que ela acabe”, porque a informação que nos chega é a de que a escola Bosque do Bailique está paralisada. A escola hoje tem 740 a 750 alunos, do pré-escolar ao nível médio, construindo o conhecimento da forma como acabei de explanar. O resultado é que o projeto trouxe de volta os ilhéus, os moradores do Arquipélago do Bailique, que já teriam abandonado suas comunidades locais. Portanto, a escola não pode desaparecer.

Hoje a escola não tem professores e não tem recursos porque, vejam, para fazer uma escola no padrão da escola Bosque do Bailique, teríamos de inventar uma nova forma de gerir os recursos públicos. E foi o que fizemos. O arquipélago tem um conselho comunitário, com o qual o nosso governo trabalhou em parceria, desde a construção da escola, para usar a matéria-prima local, porque é uma região de floresta rica em madeira de lei, rica em palhas para cobertura. O conselho comunitário se encarregou de gerenciar e administrar a escola até o início deste ano, quando o governo local resolveu trocar o conselho comunitário por uma cooperativa que tem um dono. Nunca vi cooperativa ter dono, mas essa tem. Para lecionar numa escola com metodologia socioambiental, exigem-se especialistas, professores de nível médio que tenham formação na área de educação ambiental, o que é muito difícil encontrar. Como a escola tinha autonomia, por meio do conselho comunitário, para contratar esses professores em qualquer Estado brasileiro, a escola funcionava porque o conselho contratou professores em São Paulo, na Bahia, em Belém, em Macapá. O corpo de professores era qualificado e recebia uma remuneração que correspondia à sua qualificação. Hoje, esgotada essa relação de parceria com o conselho comunitário do Bailique e contratada a cooperativa que tem um dono, reduziu-se o salário desses professores pela metade. E aí, evidentemente, os professores entregaram o cargo e a escola hoje se encontra sem professores para dar continuidade a esse belo projeto.

Por isso, insisto em que o Ministério da Educação busque fazer uma avaliação, até porque outras avaliações já fizeram algumas universidade brasileiras, que estiveram lá verificando o método socioambiental de construção do conhecimento, apresentando, a maioria, relatórios extremamente positivos.

Vou encaminhar um requerimento ao Ministério da Educação para que essa experiência seja analisada, avaliada, estudada, antes que a escola seja fechada, porque o Governo está anunciando que deverá acabar com o ensino de segundo grau em toda a região.

O Governador do Amapá, Sr. Waldez Góez, assinou agora a proposta do Presidente Lula de construção do modelo de desenvolvimento sustentável para a Amazônia, e um dos aspectos fundamentais da proposta se baseia exatamente no conhecimento. Encaminharei, então, o requerimento solicitando essa avaliação do MEC.

E quero encerrar dizendo que a situação do nosso País é esta que vivemos no cotidiano, de dificuldades, de violência urbana. Já não podemos nem nos deslocar de uma cidade para outra sem sentir temor, como muito bem lembrado aqui, porque a violência nos acompanha pelas estradas e nas cidades. A crise social é aguda, a econômica também. E até agora não vimos preocupação com a crise econômica; continuamos numa crise de produção. Apenas os mercados fundamentados na especulação voltaram a dar sinais de equilíbrio. Mas nesses mercados a sociedade brasileira, o povo brasileiro não tem nada, nesse jogo de mercado não entra o povo. O povo está fora disso. O povo precisa exatamente de investimento no setor produtivo. Aí, sim, é que temos que pegar as sobras, os ativos, aqueles que não passaram pelo processo de privatização desenfreada dos últimos doze anos. Restam ainda alguns bancos, como o Banco do Brasil, que tem uma história de serviços prestados a este País, como o BNDES, com seus problemas de financiamento, da privatização do setor elétrico, que nos conduziu ao “apagão”, como os bancos regionais, as agências de desenvolvimento regionais e os fundos. Ainda temos alguns meios capazes de voltar a induzir o crescimento econômico deste País.

O Presidente Lula e a sua equipe têm uma dura tarefa: conciliar esse modelo predador de mercado, baseado em juros exorbitantes... E está na hora de baixá-los. O momento é este. Precisamos arriscar um pouco, reduzir essas taxas de juros, para incentivar o crescimento. Aí sim, teríamos a primeira mexida no setor produtivo. Além de os ativos que sobraram serem canalizados para a produção, precisamos reduzir essa taxa de juros para podermos retomar o crescimento na área que nos interessa, que é a da produção. Temos os bons resultados do setor agrícola. Volto a insistir no uso intensivo de recursos da natureza. Estamos dando pouca atenção para o gerenciamento do patrimônio ambiental. Não podemos perder isso de vista: o Brasil depende de seus recursos naturais. Ele está sendo gerido de forma predatória, o que pode fazer com que “matemos a galinha dos ovos de ouro”.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/05/2003 - Página 11823