Discurso durante a 58ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Voto de louvor aos defensores públicos pela passagem de sua data comemorativa.

Autor
Delcídio do Amaral (PT - Partido dos Trabalhadores/MS)
Nome completo: Delcídio do Amaral Gomez
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Voto de louvor aos defensores públicos pela passagem de sua data comemorativa.
Publicação
Publicação no DSF de 20/05/2003 - Página 11965
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA NACIONAL, DEFENSOR PUBLICO, ELOGIO, ATUAÇÃO, AMPLIAÇÃO, ACESSO, JUSTIÇA, POPULAÇÃO CARENTE, REGISTRO, HISTORIA, BRASIL, REGULAMENTAÇÃO, ASSISTENCIA JURIDICA, POSTERIORIDADE, CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

O SR. DELCÍDIO AMARAL (PT - MS) - Sr. Presidente, Srªs e Srs Senadores, venho a esta tribuna, neste 19 de maio, para saudar os Defensores Públicos em sua data comemorativa.

Cumpre assinalar desde logo que a criação da função de Defensor Público é uma inovação da Constituição de 1988, a assim chamada Constituição Cidadã, mesmo que possamos afirmar que o princípio do acesso universal à Justiça e do direito à igualdade perante a lei venha sendo praticado sob diferentes formas históricas desde a antiguidade.

Na realidade, a Defensoria Pública visa dar ao cidadão desprovido de recursos próprios a possibilidade de ter um advogado pago pelo Estado para defender seus direitos, até mesmo contra o próprio Estado. É, pois, um reconhecimento da sociedade organizada de que nem todos podem pleitear justiça sem que o Estado lhes assegure os meios para impetrar a demanda.

O Código de Hamurabi já previa determinadas situações de proteção de cidadãos com insuficiência de recursos. Na Grécia antiga, nomeavam-se dez advogados anualmente para defender os menos favorecidos contra os poderosos diante de tribunais e civis e criminais. No Império Romano, era uma questão de honra para os governantes que seus governados tivessem preservada a igualdade de tratamento perante a lei.

Mas foi só na França da Revolução de 1789 que o Estado passou a organizar instituições oficiais para prestar assistência judiciária aos pobres.

No Brasil, os estudiosos apontam que já as Ordenações Afonsinas amparavam os miseráveis. Contudo, a maioria dos que estudam o assunto consideram que são as Ordenações Filipinas as primeiras manifestações sobre assistência jurídica dos desprovidos. Vemos, então, que as preocupações com a proteção dos carentes de recursos não é algo recente, nem na História das civilizações, nem na História brasileira. O que aconteceu através de todo esse tempo foi a evolução do conceito de Estado, de cidadania e dos deveres do Estado para com seus cidadãos.

Assim é que, Sr. Presidente, em 1988 vimos ser elevado a preceito constitucional o direito à defesa dos desprovidos de recursos, surgindo como instituição essencial à função jurisdicional do Estado a Defensoria Pública, cuja missão precípua é assegurar o acesso de todos à Justiça e à defesa de seus direitos.

Srªs e Srs. Senadores, instituída em 1988, a Defensoria Pública da União só viria a existir de fato em 1994, quando a Lei Complementar nº 80 a regulamentaria, dando-lhe organicidade e estabelecendo os diferentes órgãos que comporiam a Defensoria da União e as dos Estados e do Distrito Federal. Temos, pois, um marco importante em 1994, quando finalmente a população brasileira carente passou a dispor de um corpo de advogados concursados para função pública de defesa dos cidadãos, em ações civis, criminais, administrativas ou de qualquer espécie, mesmo que o Estado seja o interpelado.

Este, Sr. Presidente, é um avanço importante no ordenamento da sociedade brasileira e na consolidação dos direitos dos cidadãos. Se a Constituição Cidadã enumera o que a sociedade brasileira de hoje considera os direitos fundamentais dos cidadãos, a Defensoria Pública, por sua ação concreta, torna realidade o exercício desses direitos, justamente para aqueles que teriam maior dificuldade de defendê-los, sobretudo num regime capitalista como o brasileiro.

Srªs e Srs. Senadores, uma das funções básicas de um estado democrático representativo, como o Brasil se constituiu, é a de representar os cidadãos sempre que lhes faltarem as condições de fazê-lo por si mesmos. E um dos processos de representação mais difíceis para o cidadão comum é o de querelante na Justiça. Como na maioria das situações a representação deve se fazer por meio de profissional da advocacia devidamente registrado, só aqueles em condições financeiras razoáveis podem se fazer representar por advogado contratado e pago. Todos os cidadãos de baixa renda, e no Brasil eles são larga maioria, ficam automaticamente alijados de qualquer possibilidade de argüir seus direitos em juízo.

A instalação da Defensoria Pública da União, dos Estados e do Distrito Federal é, pois, uma verdadeira revolução em termos do direito à cidadania no Brasil. Uma revolução silenciosa, que só ecoa de tempos em tempos na mídia impressa ou audiovisual quando o caso abala a opinião pública. Na maioria das vezes, são casos e causas que pouca repercussão mediática alcançam, mas que significam verdadeira redenção para as pessoas envolvidas.

Exemplos do benefício que produz a atuação dos defensores públicos está nos dados já disponíveis das Defensorias e, sobretudo, no testemunho dos que a eles recorreram. Casos como a garantia de fornecimento, por órgão público de saúde, de medicamentos a doentes crônicos, e de regularização de pensões ou outros benefícios junto ao INSS são exemplos da freqüente intervenção dos Defensores Públicos em favor dos desprovidos de recursos.

Mesmo em casos de reconhecimento de direitos entre pessoas físicas ou de direito privado, a atuação dos Defensores Públicos tem sido decisiva para fazer valer o direito dos cidadãos, que de outro modo jamais teriam condições sequer de reivindicar, quanto mais de assegurar que esse direito fosse respeitado.

Sr. Presidente, uma conquista inegável da nova ordem social e jurídica que o Brasil decidiu implantar após a retomada do processo democrático, na década de 1980, os instrumentos de afirmação da cidadania inscritos na Constituição de 1988 são a afirmação mais cabal de que esgotou-se o tempo em que o cidadão era visto como alguém que deveria servir o Estado e de quem os poderosos poderiam se aproveitar sem preocupação com direitos ou deveres. E o quadro de Defensores Públicos veio abrir um canal transparente do qual o cidadão anônimo, desprovido de padrinhos ou proteções espúrias, pode se valer para ter reconhecidos seus direitos. Essa, Srªs e Srs. Senadores, é uma prova de maturidade da consciência da sociedade brasileira mais esclarecida, o que nos permite vislumbrar o dia em que todos os brasileiros estarão aptos a exercer sua cidadania sem empecilhos de ordem econômica ou social.

Como toda a estrutura do Estado brasileiro, também a Defensoria Pública sofre de falhas estruturais. Em alguns Estados ela sequer existe, como São Paulo, onde seu papel é exercido pelos advogados, por convênio entre a OAB regional e o Governo estadual. Só recentemente é que o Governo de São Paulo resolveu cumprir o preceito constitucional de criar a Defensoria estadual. Espero que os poucos Estados que ainda não implantaram suas defensorias o façam brevemente, obedecendo ao comando constitucional.

Sr. Presidente, um dos mais relevantes efeitos da existência dos Defensores Públicos é o combate à violência. O cidadão carente, geralmente à margem dos benefícios sociais do Estado organizado, pode, a partir de agora, ter seus direitos respeitados e fugir da violência a que está freqüentemente submetido e da qual, anteriormente, não tinha qualquer meio de escapar.

Um exemplo recente é o caso do espancamento de presos no presídio Esmeraldino Bandeira, no complexo de Bangu, zona Oeste do Rio de Janeiro. O incidente foi presenciado por dois Defensores Públicos, que intervieram imediatamente para que a agressão cessasse. Mesmo que haja, até agora, dificuldades na apuração das responsabilidades no caso, pois as autoridades envolvidas buscam colocar um véu de obstrução, na tentativa de assegurar impunidade aos agentes infratores, o simples fato de a denúncia ter sido feita pelos Defensores servirá como elemento inibidor de novas agressões a esses ou a outros detentos.

Sr. Presidente, concluo este pronunciamento de saudação aos nobres Defensores Públicos espalhados por todo o País encorajando-os a continuar em seu trabalho de afirmação da cidadania e a crer na utopia de que um dia seu trabalho não mais será necessário, pois todos os brasileiros terão acesso a seus direitos e usufruirão plenamente de sua cidadania.

Sr. Presidente, solicito que seja inscrito nos Anais da Casa um voto de louvor aos Defensores Públicos pela passagem de sua data comemorativa, e que ele seja transmitido à Doutora Anne Elisabeth Nunes de Oliveira, Digníssima Defensora Pública-Geral da União, extensivo a todos os Defensores Públicos do País.

Muito obrigado, era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/05/2003 - Página 11965