Discurso durante a 61ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Necessidade de reavaliação do papel das agências reguladoras.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.:
  • Necessidade de reavaliação do papel das agências reguladoras.
Aparteantes
José Jorge, Ramez Tebet.
Publicação
Publicação no DSF de 23/05/2003 - Página 12501
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
Indexação
  • ANUNCIO, OCORRENCIA, MUNICIPIO, GRAMADO (RS), ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), CONGRESSO BRASILEIRO, REGULARIZAÇÃO, CONCESSÃO, SERVIÇO PUBLICO, AUSENCIA, PARTICIPAÇÃO, ORADOR, MOTIVO, VIAGEM, PAIS ESTRANGEIRO, UCRANIA, DELEGAÇÃO, MINISTERIO DA CIENCIA E TECNOLOGIA (MCT).
  • ANALISE, ALTERAÇÃO, MODELO, DESENVOLVIMENTO, BRASIL, REDUÇÃO, FUNÇÃO, ESTADO, ECONOMIA, PRIVATIZAÇÃO, CRIAÇÃO, AGENCIA NACIONAL, ORGÃO REGULADOR, EFICACIA, PRESTAÇÃO DE SERVIÇO.
  • IMPORTANCIA, DEFINIÇÃO, ATUAÇÃO, AGENCIA NACIONAL, PREVENÇÃO, CONFLITO, PODERES CONSTITUCIONAIS, ESPECIFICAÇÃO, ELABORAÇÃO, POLITICA, SETOR, PRODUÇÃO, NORMAS, REALIZAÇÃO, FISCALIZAÇÃO, SOLUÇÃO, LITIGIO, EMPRESA, USUARIO.
  • REGISTRO, CRIAÇÃO, SUBCOMISSÃO, COMISSÃO DE FISCALIZAÇÃO E CONTROLE, ESTUDO, ATUAÇÃO, AGENCIA NACIONAL, AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO, NECESSIDADE, APERFEIÇOAMENTO, LEGISLAÇÃO, ATENDIMENTO, RECLAMAÇÃO, CIDADÃO, AUMENTO, TRANSPARENCIA ADMINISTRATIVA.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Obrigado, nobre Presidente.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nos próximos dias 25 a 28 de maio, será realizado em Gramado, Rio Grande do Sul, o III Congresso Brasileiro de Regulação de Serviços Públicos Concedidos, para o qual fui convidado, na condição de conferencista, para falar sobre o tema “A visão do legislador”.

Lamentavelmente, missão oficial à Ucrânia, acompanhando o Ministro de Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral, me impede de comparecer àquele evento. Já me desculpei, mas, pela pertinência e atualidade do tema, trago a este plenário algumas considerações que julgo interessantes e que, no meu julgamento, podem merecer o interesse e a atenção desta Casa.

Srs. Senadores, ao longo da última década do século passado, o Brasil deu-se conta de que o modelo de desenvolvimento até então adotado precisava ser revisto. De fato, depois de se ter acreditado durante muito tempo que o Estado poderia ser protagonista quase exclusivo da atividade econômica, chegara-se à conclusão de que tal pressuposto era equivocado.

O Estado não pode tudo. Isso aconteceu no mundo inteiro, mas, no Brasil, demoramos um pouco mais a abrir os olhos para esse fenômeno. O Estado, como executor de serviços públicos, mostrara-se inábil, ineficiente, ineficaz.

O caminho natural, portanto, era a privatização de todos os serviços em que não se mostrasse inquestionável a necessidade da presença do setor público.

A proposta tornou-se quase consensual, a ponto de inspirar um discurso-padrão: “Não deve ser feito pela União aquilo que pode ser feito pelos Estados; não deve ser feito pelos Estados aquilo que pode ser feito pelos Municípios; e não deve ser feito pelos Municípios - e, conseqüentemente, por nenhuma instância de Governo - aquilo que pode ser feito pela iniciativa privada, pela sociedade, enfim, pelos cidadãos.”

Dessa forma, Srªs e Srs. Senadores, a população brasileira passou a conviver com variada gama de serviços privatizados.

É evidente, porém, que essa nova realidade nos lançava um novo desafio. Não bastaria, simplesmente, transferir atribuições do Estado à iniciativa privada e, a partir daí, fechar os olhos ao que acontecesse, lavar as mãos frente aos problemas que surgissem. Afinal, se agíssemos dessa maneira, estaríamos tão-somente substituindo a prevalência de arcaicos procedimentos estatais pela prevalência, ainda mais cruel, dos interesses privados. Ou seja, o desinteresse, a incompetência e a falta de compromisso, típicos de algumas entidades públicas, poderiam dar lugar à ganância, à insensibilidade e, igualmente, à falta de compromisso, típicas de algumas empresas particulares.

Era importante, então, que a privatização de serviços públicos viesse acompanhada de algumas salvaguardas. Pois é essa visão conjunta, que contempla a necessidade de se conferir à prestação dos serviços públicos a agilidade e a eficiência desejáveis e a garantia de transparência das operações e de respeito aos cidadãos, que inspirou a criação das agências reguladoras. Uma figura, vejam bem, que não é nova, que pode ser encontrada, na verdade, já no século XIX, que viu surgirem, por exemplo, as regulatory agencies, na Inglaterra, e as administrative agencies, como a ICC (Interstate Commerce Commission), nos Estados Unidos.

A justificar a criação dessas entidades, sempre o mesmo objetivo: fugir, sim, à burocracia, mas, ao mesmo tempo, impor limites e critérios à atuação dos prestadores de serviços públicos, sejam estatais, sejam privados.

E é aqui, Srªs e Srs. Senadores, que julgo oportuno destacar a visão do legislador sobre o papel das agências reguladoras, dado que este, afinal de contas, é o tema que me foi proposto.

Observem que a agência reguladora é um ente que se sobrepõe, de certa forma, às três instâncias de poder das democracias modernas: ao Poder Executivo, ao Poder Legislativo e ao Poder Judiciário. Do primeiro, busca tomar emprestada a função administrativa; do segundo, a função reguladora; e, do terceiro, alguns aspectos da função contenciosa.

Ora, se não estiverem bem estabelecidas as fronteiras, se a agência reguladora e cada um dos poderes não demarcarem claramente seu papel, suas responsabilidades, suas atribuições, haverá conflitos que, por certo, afetarão a qualidade e o custo dos serviços prestados. Mais ainda: provocarão insegurança em todos os atores envolvidos, especialmente nos concessionários e permissionários dos serviços e nos consumidores.

No que diz respeito ao Poder Executivo, penso que todos concordam num ponto: não compete às agências reguladoras a formação de políticas públicas. Estas, com efeito, devem ser definidas em decretos presidenciais, portarias ministeriais e outros instrumentos do gênero. Às agências caberia apenas tornar viáveis tais políticas, mediante o exercício de suas funções reguladora e fiscalizadora.

O que temos visto nos últimos dias? Conflito entre os poderes e as tais agências. O problema é que, na prática, os limites entre formulação e implementação ainda não parecem tão bem definidos, até porque não podemos esquecer que os dirigentes das agências reguladoras têm mandato por tempo determinado, isto é, não podem ser exonerados a juízo exclusivo da autoridade administrativa.

O resultado, todos sabemos, tem surgido na forma de alguns desentendimentos entre representantes da administração direta, notadamente em seus escalões mais elevados, e dirigentes das agências.

Quem define, em última instância, o preço da gasolina ou da energia elétrica? Quem define as tarifas e os padrões de serviço do transporte rodoviário ou aquaviário?

Em relação a essas pendências, penso que só o tempo e o exercício permanente do bom senso de ambas as partes conseguirão aparar as arestas ou, pelo menos, indicar as eventuais mudanças de legislação necessárias.

As autoridades, por um lado, deverão compreender que a principal atribuição das agências é exatamente a de zelar pela estabilidade da prestação dos serviços e das relações econômicas. E os dirigentes das agências, por outro lado, deverão estar conscientes da legitimidade da atuação dos governantes, fruto de uma delegação popular que não pode ser ignorada.

A segunda superposição que cabe abordar aqui é a das agências com o Poder Legislativo. Isso porque, conforme já vimos, elas possuem função reguladora e podem, até mesmo, editar normas independentes sobre matérias não previstas em lei.

Quanto a essa superposição, Srªs. e Srs. Senadores, penso que há duas considerações muito importantes a fazer.

Em primeiro lugar, devemos lembrar o inciso II do caput do art. 5º da nossa Constituição, o chamado princípio da legalidade, segundo o qual “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei”. De maneira que poderia, eventualmente, ser apontada uma desarmonia entre a competência atribuída às agências, de produzir normas independentes, e a função de legislar, exclusiva do Congresso Nacional.

A segunda consideração sobre a interface com o Poder Legislativo é que a própria Constituição Federal trata de impor as devidas limitações à atuação das agências, que nem sempre têm entendido essa situação.

O inciso X do art. 49 da Constituição diz que é da competência exclusiva do Congresso Nacional “fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta”.

Já o caput do art. 70 determina que “a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.”

De qualquer forma, temos aqui outra situação em que somente a experiência e a racionalidade político-administrativa dirão exatamente o que deve ser feito, se convém ou não alterar os textos legais que criaram as agências. E aumenta, a cada dia, o número de Parlamentares que acredita que deve ser modificada a legislação das agências.

Finalmente, temos a terceira sobreposição: aquela com o Poder Judiciário. É evidente que, em princípio, tal sobreposição não se revela cabível. Basta ter em mente o que dispõe o inciso XXXV do caput do art. 5º da Constituição: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

Não obstante, as leis que criam as agências têm sido bastante generosas ao atribuir-lhes funções quase jurisdicionais. Em seu campo de atuação, via de regra, elas estão habilitadas a dirimir litígios entre as empresas operadoras dos serviços e também entre estas e os usuários.

Pois ainda nessa terceira situação, tenho certeza, os rumos dos acontecimentos nos dirão se foram concedidos poderes excessivos às agências.

Em resumo, Srªs e Srs. Senadores, penso que não há como discutir o papel das agências reguladoras sem contemplar sua interface com os papéis dos três poderes constituídos.

Concedo um aparte ao Senador Ramez Tebet.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - Senador Ney Suassuna, V. Exª fere um assunto que merece a atenção do Senado, mais do que da Câmara, porque temos o papel de aprovar os nomes das pessoas indicadas para as agências. V. Exª está abordando um assunto bastante atual. As agências ainda não mostraram a que vieram. Houve um surto de privatizações no País, as quais, vamos ser francos, não lograram êxito. Às vezes, aponta-se o número de aparelhos telefônicos, de celulares etc., como se isso fosse produto das privatizações. Eu mesmo defendi privatização aqui, mas devo reconhecer que precisamos corrigir as falhas. O usuário, o consumidor, o cidadão, está sendo sacrificado muito mais agora, pois os aumentos que se sucedem nas tarifas dos serviços públicos têm sido maiores do que antes. Vou lembrar um exemplo muito claro para todos nós. Pediu-se à população brasileira espírito cívico durante a crise da energia elétrica, e o povo foi solidário, economizou, atendeu ao chamamento do governo. Qual foi a resposta? As empresas passaram a ter prejuízo por causa da economia, e esses prejuízos foram descontados em cima do consumidor. Ora, isso leva o cidadão ao desânimo. Quantas vezes ouvi chefes de família, donas de casa questionando que haviam feito economia e agora estão pagando mais; que lhes pediram sacrifício e agora estão “pagando o pato”. Positivamente, Senador Ney Suassuna, é necessário pôr ordem na casa. V. Exª está questionando o papel das agências reguladoras, e eu completo: o povo está sendo beneficiado? Porque até agora isso não redundou em benefício para a sociedade. Os preços subiram, e isso influenciou o custo de vida.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Obrigado, nobre Senador Ramez Tebet. Essa é uma preocupação sobre a qual teremos que nos debruçar mais cedo ou mais tarde. Em algumas comissões já se levantou esse problema, e nós criamos, na Comissão de Fiscalização e Controle, uma subcomissão, que será implantada em breve, que, com toda a certeza, levantará uma série de dados sobre as agências.

Agora, a sobreposição dos três Poderes, o choque das agências com os poderes é um fenômeno que podemos entender, porque não tínhamos experiência com agências. Copiamos o modelo americano, fizemos uma legislação que entendíamos correta, mas o próprio Presidente da República, outro dia, estarrecido, se disse surpreso porque não era ele quem determinava o preço da gasolina, o preço da eletricidade, porque nada disso passava pelo controle do Executivo. Óbvio, nós delegamos. Agora precisamos ver se a delegação resultou em benefício da população, como muito bem colocou o Senador Ramez Tebet.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ainda que esse enfoque da questão possa ser considerado meramente acadêmico - falamos aqui dos choques entre os três poderes -, ou conceitual, seus desdobramentos práticos são significativos. Até porque afetam, como já vimos, o dia-a-dia do cidadão; afetam a qualidade e o custo dos serviços que lhe são oferecidos.

Em outras palavras, a discussão sobre o papel das agências é essencial porque haverá de envolver sempre a avaliação de seu desempenho. Nesse sentido, é imperioso que se pergunte: como andam, em linhas gerais, a qualidade e o custo dos serviços? A julgar pelas pesquisas que nos chegam às mãos, não têm sido dos melhores. As críticas dos usuários à atuação das agências têm sido constantes. Embora não se possa questionar a qualidade técnica das equipes que nelas trabalham, ou de seus dirigentes, parece que ainda não foram atingidos os níveis desejáveis de eficácia e eficiência, enfim, de efetividade (que eram, por sinal, os principais argumentos favoráveis à sua criação). Tampouco foram encontrados mecanismos adequados de transparência e de controle social.

De qualquer maneira, não creio que seja o caso de condenarmos a experiência. Já disse, e volto a enfatizar, que somente o tempo e o bom senso nos indicarão as correções de rumo a serem efetuadas. A idéia em si é boa. Não convém descartá-la. Resta aperfeiçoá-la. E essa é a tarefa do Legislativo.

O Sr. José Jorge (PFL - PE) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Com muita satisfação.

O Sr. José Jorge (PFL - PE) - Senador Ney Suassuna, estava ouvindo V. Exª em meu gabinete e me desloquei para cá para aparteá-lo, pois considero este assunto das agências da maior importância, porque é uma experiência que estamos iniciando no Brasil. As agências mais antigas têm apenas cinco ou seis anos e vêm oferecendo resultados bastante promissores. É necessário, portanto, que o Governo, que foi eleito pelo povo brasileiro, pelo qual temos que ter o maior respeito, respeite a idéia das agências, que foram criadas por lei, para que possam efetivamente cumprir o seu papel. O que está acontecendo atualmente é que todo dia um membro do Governo ataca uma agência; outro dia, foi o Presidente da Eletrobrás, e assim por diante. Dessa maneira, enfraquecem-se as agências, impedindo-as de exercer uma função tão importante, que é o equilíbrio entre o investidor e o consumidor. A agência não é o Procon, como também não é a defensora dos investidores. Ela tem que encontrar um equilíbrio entre os dois. Para isso é importante que a agência tenha um certo grau de autonomia e preste contas diretamente ao Congresso Nacional. As agências precisam de autonomia em relação ao Executivo para definir a política, para fazer tudo aquilo que for necessário para aquele segmento. Existem diversos projetos aqui. Na pauta da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania há dois projetos importantes: um do Senador Arthur Virgílio, que fortalece a fiscalização do Executivo em relação às agências, e o outro do Senador Roberto Saturnino, que permite que os diretores das agências sejam convocados pelo Congresso. Temos que fortalecer a ligação entre o Congresso e as agências. Nobre Senador Ney Suassuna, congratulo-me com V. Exª pelo tema tão atual que trouxe à discussão no Senado. Parabéns.

O SR. NEY SUASSUANA (PMDB - PB) - Agradeço a V. Exª, nobre Senador José Jorge. V. Exª foi Ministro de Minas e Energia e sabe bem da importância e do porquê da criação das agências. Por isso eu enfatizo, no penúltimo parágrafo do meu discurso, que, de qualquer maneira, não creio que seja o caso de condenarmos a experiência. Já disse, e volto a enfatizar, que somente o tempo e o bom senso nos indicarão as correções de rumo a serem efetuadas. A idéia, em si, é boa. Não convém descartá-la. Resta aperfeiçoá-la. E essa é uma tarefa nossa, do Legislativo.

Aperfeiçoar os mecanismos de controle social e transparência na composição das tarifas devem ser metas incansavelmente perseguidas pelos legisladores, de modo a evitar os descalabros que temos observado no Brasil pós-privatizações.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente, cumprindo o pedido de V. Exª de manter-me rigorosamente no horário.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/05/2003 - Página 12501