Discurso durante a 61ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Avaliação das negociações sobre a adesão do Brasil à Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Importância do aumento da participação brasileira no mercado externo, ressaltando a necessidade do aprimoramento da capacidade de negociação do País para a conquista de espaços no mercado internacional.

Autor
Rodolpho Tourinho (PFL - Partido da Frente Liberal/BA)
Nome completo: Rodolpho Tourinho Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA. ECONOMIA NACIONAL.:
  • Avaliação das negociações sobre a adesão do Brasil à Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Importância do aumento da participação brasileira no mercado externo, ressaltando a necessidade do aprimoramento da capacidade de negociação do País para a conquista de espaços no mercado internacional.
Publicação
Publicação no DSF de 23/05/2003 - Página 12509
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA. ECONOMIA NACIONAL.
Indexação
  • AVALIAÇÃO, INTERESSE, PAIS ESTRANGEIRO, ESTABELECIMENTO, INTERCAMBIO COMERCIAL, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, NEGOCIAÇÃO, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA).
  • ANALISE, PROBLEMAS BRASILEIROS, IMPEDIMENTO, DESENVOLVIMENTO NACIONAL, ESPECIFICAÇÃO, AMEAÇA, INFLAÇÃO, AUMENTO, TAXAS, JUROS, VARIAÇÃO, TAXA DE CAMBIO, EXCESSO, DEFICIT, CONTA-CORRENTE, INSUFICIENCIA, CRESCIMENTO, EXPORTAÇÃO.
  • DEFESA, IMPORTANCIA, AUMENTO, PARTICIPAÇÃO, BRASIL, MERCADO INTERNACIONAL, NECESSIDADE, APERFEIÇOAMENTO, CAPACIDADE, NEGOCIAÇÃO, COMPETIÇÃO INDUSTRIAL, EFICACIA, PROCESSO, PRODUÇÃO, GARANTIA, INSERÇÃO, ECONOMIA NACIONAL, CONTEXTO, MUNDO.

O SR. RODOLPHO TOURINHO (PFL - BA. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Eduardo Siqueira Campos, Srªs e Srs. Senadores, assistimos hoje a um grande processo de transformações no cenário internacional.

E o Brasil, por sua economia, dimensão territorial e população, é um país representativo na comunidade das nações, com potencialidades, e que anseia desempenhar um papel mais ativo no mundo globalizado, sobretudo pelo imperativo de gerar crescimento e riqueza para atender às necessidades de desenvolvimento sócio-econômico de seu povo.

Basta verificarmos o constante interesse demonstrado por grandes nações em estabelecer relações comerciais com nosso País. A importância dada pelos norte-americanos na consolidação da Área de Livre Comércio das Américas, Alca, para sentir essa realidade.

Na próxima semana, chega ao Brasil o Representante Comercial dos Estados Unidos, Robert Zoellick, que, ao contrário do que tem sido propalado, possui status de Ministro naquele país. O propósito de sua visita é avançar nas negociações em torno da Alca, na tentativa, improvável, certamente, de salvar o prazo de janeiro de 2005 para sua implementação.

Após a apresentação, em fevereiro passado, da primeira proposta americana para a Alca, que retirou das negociações barreiras não-tarifárias e colocou os produtos brasileiros no “final da fila” da redução de tarifas americanas, ficou evidente o descontentamento da diplomacia nacional. É fundamental colocar o Brasil em uma posição compatível com sua grandeza.

No entanto, o País ainda enfrenta problemas que impedem o desenvolvimento completo de suas capacidades. Estou-me referindo a um quadro de deficiências macroeconômicas de todos conhecido, mas que nunca é demais repetir.

Eles são: a ameaça ainda presente da inflação; os juros irritantemente elevados; a instável flutuação da taxa de câmbio; a volatilidade dos fluxos de capital; o valor elevado do déficit em conta corrente; e o insuficiente crescimento das exportações. Todos esses elementos que conformam a dinâmica do chamado risco Brasil.

            Não pretendo alongar-me em dados técnicos sobre essa questão. Mas, creio ser importante ter sempre presente alguns números que refletem o porquê do quadro de instabilidade macroeconômica do País, segundo os dados oficiais do Banco Central.

Em primeiro lugar, a taxa de juros, ao final do quinto mês do novo Governo, permanece alta, no patamar de 26,5%, algo que tem preocupado os principais setores produtivos nacionais, como, aliás, bem tem salientado freqüentemente o Vice-Presidente da República José Alencar.

O segundo ponto: a relação da dívida pública/PIB se mantém bastante desfavorável em torno de 55% ao longo deste ano. Devo ressaltar que esta relação era de cerca de 32% no início de 1994 e, portanto, evoluiu negativamente de forma considerável.

O terceiro ponto: no setor externo da economia, os números também não são animadores, apesar do saldo da Balança Comercial dar sinais de melhora em função da desvalorização do Real, com superávit de cerca de US$13 bilhões em 2002.

A trajetória destes últimos anos foi extremamente danosa para as contas nacionais, acumulando de 1995 a 2000 um déficit de mais de US$24 bilhões.

No saldo das transações correntes os números são ainda piores, visto que o ano de 2002 encerrou com um déficit de US$7,7 bilhões, acumulando desde 1994 um prejuízo para o País de mais de US$188 bilhões.

Estes resultados são em grande parte causados pelo saldo do volume de exportações em relação às importações que, de meados da década passada até o ano 2000, se manteve sempre deficitária.

Observem, Srªs e Srs. Senadores que, se analisarmos a relação exportações/dívida externa bruta, constata-se uma queda na participação das exportações que, em 1994, representavam quase 30% da dívida externa bruta do País e chegaram a menos de 20% em 1999. Com a valorização do dólar, este número equivale a 28,6%, o que ainda é muito pouco se considerarmos as exportações como um fator considerável para o financiamento da dívida.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que conclusão chegamos após a verificação de tal quadro?

Conclui-se que é fundamental aumentar a participação do setor externo na economia brasileira como forma imediata de melhorarmos todo o quadro nacional na geração de emprego e renda, recuperando a credibilidade e aumentando a inserção do País no cenário internacional.

O Ministro do Desenvolvimento, da Indústria e do Comércio Exterior, Luiz Fernando Furlan, em recente visita ao Senado Federal, previu um crescimento de 10% nas exportações brasileiras em 2003, com a possibilidade de, ao manter essa tendência de crescimento, gerar até 4 milhões de empregos em 4 anos. Torçamos para que essas projeções sejam realizáveis!

Sou um otimista e acredito no meu País. E estou seguro de que o caminho de maior inserção do Brasil na economia internacional é o único para debelar as mazelas que comprometem o futuro de nossas gerações. No entanto, sou pragmático. E não se deve perder de vista as complexidades do quadro internacional, sobretudo para um País que precisa crescer, e muito, e que detém apenas 1% dos fluxos do comércio mundial.

O contexto internacional é, pois, o palco onde serão traçados os destinos de crescimento dos países em desenvolvimento. E não foi por menos que, nas últimas décadas, assistimos à conformação de blocos econômicos em todas as partes do planeta. Com a especialização e a sofisticação das práticas comerciais no contexto da nova divisão internacional do trabalho, os países buscaram, na associação com parceiros, o caminho para melhor aparelharem-se na luta por espaços comerciais.

O Brasil não ficou atrás. Antevisto pelo então Presidente da República e atual Presidente do Congresso Nacional, Senador José Sarney, quando das tratativas de integração bilateral com a Argentina e apesar de todas as dificuldades inerentes à construção de um esforço aduaneiro entre países de economia assimétrica e instável, em um quadro internacional de sucessivas crises econômicas, o Mercosul deve ser considerado a mais importante iniciativa política estratégica da diplomacia brasileira em muitos anos.

Essa foi a nossa resposta, tímida talvez, porém a factível diante das possibilidades reais, em um mundo que testemunhou o fortalecimento da União Européia, o surgimento do Nafta em torno dos Estados Unidos, para ater-me tão-somente aos dois grandes blocos sob os aspectos de densidade política, econômica e comercial.

Sou partidário da crença defendida pela diplomacia brasileira no processo de decisões multilaterais no concerto internacional. As soluções para o futuro da humanidade repousam em uma ordem internacional mais justa e representativa. Seja no aspecto político, com o fortalecimento da Organização das Nações Unidas e a democratização de seu Conselho de Segurança, seja no aspecto econômico, com a consolidação da Organização Mundial do Comércio.

O contexto mundial e as sucessivas dificuldades encontradas pela ONU e pela OMC não podem ser motivo para que deixemos de insistir na consolidação desses foros para a construção de uma ordem mais equânime e que acolha as postulações dos países em desenvolvimento. Especialmente em um momento em que o processo de unipolarização mundial pode repercutir sobremaneira para aumentar as assimetrias da comunidade internacional.

            Contudo, retornando ao Mercosul, que vive uma crise sem precedentes desde a sua constituição, devemos continuar perseverando pela sua revitalização como projeto de relevância político-estratégica para o fortalecimento da integração regional e que afeta não somente as economias do sul do País - os Estados do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina -, já que seu raio de ação, de integração deverá atingir o Nordeste, o Centro-Oeste e o Norte também. Esse é um projeto nacional que precisa ser muito bem cuidado. Apesar das dificuldades de seus quatro membros, estarei sempre aqui, do Senado, dando todo o apoio aos esforços declarados da diplomacia brasileira de dar consistência ao processo de integração.

            No entanto, à luz da experiência do Chile e do México, por exemplo, de buscarem a assinatura de acordos de livre comércio com gama variada de parceiros, defendo um esforço prioritário de ampliar as frentes de negociações comerciais. Talvez nos tenhamos limitado em demasia na construção do Mercosul e nas delicadas tratativas de conformação da Alca. Mas devemos insistir na construção de vias de comercialização com outros blocos e países.

            Por exemplo, a inserção do México no Nafta não impediu aquele país de celebrar entendimentos com outros parceiros comerciais. As próprias dificuldades decorrentes do acordo de livre comércio com o Canadá e os Estados Unidos, hoje objeto até de discussão por parte de setores importantes da sociedade mexicana, incluindo o Governo e a oposição, indicam a necessidade de serem buscadas oportunidades em outros mercados.

            A questão comercial é um tema vastíssimo, praticamente inesgotável, se formos tratá-la de maneira não perfunctória, e demandaria várias intervenções para a sua análise adequada e ponderada. Mas a velocidade das transformações é tamanha que estou profundamente preocupado com eventual processo de distanciamento do Brasil do eixo internacional de decisões, uma vez que estou convencido que grande parte das soluções de nossos problemas pressupõe o equacionamento de nossa capacidade de atuação no setor externo.

            Este é um momento em que precisamos ter firmeza e responsabilidade para adequar nossas possibilidades ao realismo do cenário internacional. Acredito no nosso Brasil, e o interesse nacional está acima de qualquer pressuposto. Este deve ser o postulado do negociador brasileiro em qualquer instância de negociação. E por conhecer o Itamaraty é que estou seguro de que as negociações para a formação da Alca continuarão a ser pautadas pela defesa dos interesses nacionais.

            Todavia, não podemos ser nem ideológicos, nem românticos ou ingênuos. O futuro da participação do Brasil no mercado internacional depende, obrigatoriamente, de nossa capacidade de sermos competitivos e eficientes no processo produtivo, tal como somos hoje, por exemplo, na produção agrícola e em alguns setores de alto valor agregado, como a fabricação de aviões.

            Não se trata de uma tarefa fácil, e vai requerer denodo e competência dos nossos agentes políticos e empresariais. Em muitos casos, somos eficientes em setores maculados pelo protecionismo europeu e norte-americano, refletido em subsídios que compensam eventual ineficiência produtiva. E, desanimado, assisti ao fracasso inicial do entendimento dos trabalhos da Rodada Doha, da OMC, para a liberalização do comércio agrícola e o acesso dos países em desenvolvimento aos mercados protegidos dos Estados Unidos e Europa.

Contudo, não podemos aceitar passivamente o paradoxo de sermos alijados dos maiores mercados quando somos mais competitivos. E é esta que deve ser a nossa posição negociadora na Alca e com a União Européia; e na busca variada de outros parceiros para nossos produtos. Acordos internacionais devem basear-se em pressupostos mínimos de entendimento entre as partes. Devemos evitar a ideologização dos debates, porém sem perder de vista o interesse nacional.

Acordos comerciais regionais internacionais, por vezes, exigem a cessão de espaços para atender às posições das partes que contratam. Mas não podem ser objeto pura e simplesmente de pressão assimétrica de uma parte. Isso não podemos aceitar. Devemos, pois, partir para negociar, repito, com firmeza e responsabilidade, com a maior gama possível de parceiros. E não será com plebiscitos ou similares que avançaremos com pragmatismo na busca por uma melhor participação do País em tais acordos.

Somente os setores competitivos e mais capacitados da economia nacional serão capazes de enfrentar o cada vez mais litigante contexto comercial internacional. Não há saída. Romper negociações não nos levará a nada. Temos problemas a resolver e deficiências a superar. Mas não podemos, por isso, abdicar do direito de defender nossas postulações, sob pena de comprometermos o tão necessário desenvolvimento nacional. Pelo contrário, só pelo fortalecimento de nossa posição negociadora é que poderemos conseguir maiores espaços no mercado internacional. Não será fácil, mas creio que devemos perseverar.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/05/2003 - Página 12509